Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
393/11.4TBVPV-A.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRAZO DA CONTESTAÇÃO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - A interrupção do prazo da contestação em que o réu prove documentalmente haver requerido a nomeação de patrono, aproveita-lhe ainda que, concedida a nomeação, venha a apresentar a sua defesa subscrita por advogado constituído.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I - RELATÓRIO:

J... e M..., A... e F..., F... e M... intentaram acção de despejo, com processo comum, sobre a forma sumária contra A...

O réu contestou e os autores apresentaram resposta à contestação.

Foi proferido DESPACHO que declarou cessado o apoio judiciário concedido ao réu na modalidade de nomeação e pagamento parcial da compensação de patrono e ordenou o desentranhamento da contestação e respectivos documentos, por extemporânea, e devolução ao respectivo subscritor.

Não se conformando com tal decisão, dele recorreu o réu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - O réu não aceita que tenha havido qualquer violação do princípio processual da igualdade de armas, uma vez que os autores tiveram a faculdade de escolherem os seus mandatários e o momento da apresentação da acção.
2ª - O réu, confrontado com a acção e as dificuldades de fazer face à mesma, recorreu ao apoio judiciário e por reunir as condições para dele beneficiar foi-lhe o mesmo atribuído.
3ª - À própria lei não repugna uma situação de prorrogação do prazo de defesa, o que na prática veio a suceder, pois poderia o réu ter, caso necessitasse do referido apoio, feito uso da faculdade prevista no antigo artº 486° n° 5 do C.P.C. e tal não consubstanciaria qualquer violação do princípio da igualdade.
4ª - Os autores por terem uma situação financeira mais confortável que lhes permite a constituição voluntária de um mandatário forense, fizeram-no, garantidamente, numa situação de confiança entre si e o advogado que contrataram como seu mandatário.
5ª - Ao invés, o réu, por manifesta insuficiência económica, teve de recorrer ao apoio judiciário, sendo-lhe nomeado um patrono, sem que lhe tenha sido dado a possibilidade de escolha do mesmo, pelo que estará numa situação de manifesta desigualdade, em termos prejudiciais, uma vez que não é garantida que essa relação de confiança exista, condição indispensável para a salvaguarda dos direitos dos envolvidos no processo.
6ª - Se há violação do princípio da igualdade é numa situação destas em que o beneficiário do apoio judiciário está numa situação desfavorecida relativamente à parte que voluntariamente celebrou um contrato de mandato com quem mereceu confiança para o representar.
7ª - O benefício do apoio judiciário em processo civil não cessa automaticamente mas apenas por cancelamento, nos casos taxativamente referidos no artº 10° da Lei n° 34/2004, ou por caducidade, nas situações previstas no artº 11° da citada Lei.
8ª - O réu entendeu ser representado por outro advogado, que não o que lhe foi oficiosamente nomeado, visto não ter, com o devido respeito, confiança neste, pelo que, vieram, posteriormente, em face do resultado da nomeação, mandatar especificamente os advogados constantes da procuração.
9ª - Este princípio da relação de confiança insere-se no domínio nuclear do patrocínio judiciário que não deve ser prosseguido por quem não tem a confiança das partes, especialmente tratando-se, como se trata, da parte mais fraca e que, por conseguinte, necessita de maior protecção para poder pleitear em situação de igualdade formal com os autores.
10ª - Com a decisão, a meritíssima juíza a quo violou, ela sim, o princípio da igualdade de armas e, de uma penada, arredou igualmente o direito de acesso à justiça do réu, isto numa fase em que já não é possível a este, prevalecendo - com o que não se concorda - a tese da meritíssima juíza, apresentar outra defesa.
11ª - Ao fazer cessar o apoio judiciário concedido e ao mandar desentranhar a contestação apresentada tempestivamente, está, inelutavelmente, a impedir qualquer tipo de defesa ao réu e desse modo a atentar contra os direitos fundamentais destes a saber: acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art° 20° da C.R.P.) e o direito à habitação (artº 65° da C.R.P.).
12ª - Em face do exposto a decisão recorrida é ilegal por violar expressamente as disposições da Lei do Apoio Judiciário nos casos taxativamente referidos nos artigos 10°, 11° e 24°, como também os artigos 2° e 3°-A e 486°-A do C.P.C.

Termina, pedindo que seja revogado o despacho recorrido.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A) Fundamentação de facto:

Com vista à boa decisão da causa, mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1º - A acção entrou em 08-07-2011.
2º - O réu foi citado em 11-07-2011.
3º - Em 13.09.2011 foi junto aos autos o comprovativo do requerimento efectuado pelo réu de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
4º - O pedido de protecção jurídica requerido pelo réu foi deferido na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono.
5º - Foi nomeado como patrono ao réu o Exmº Advogado, Dr. António Neves Ribeiro, cuja comunicação deu entrada no Tribunal Judicial da Praia da Vitória em 25-10-2011.
6º - Por documento subscrito pelo réu em 17-10-2011, o mesmo declarou “que constituiu seus procuradores os Drs Jorge Valadão dos Santos e/ou Pedro Corvelo, Advogados (…).
7º - A contestação deu entrada em juízo em 04-11-2011, sendo subscrita pelo mandatário constituído Dr. Jorge Valadão dos Santos.

B) Fundamentação de direito:

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se a contestação apresentada pelo réu é extemporânea.

Entendeu a decisão recorrida que a interrupção do prazo para dedução da contestação por efeito do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono não aproveita ao mandatário constituído nos autos.

 O réu entende que o benefício do apoio judiciário em processo civil não cessa automaticamente mas apenas por cancelamento, nos casos taxativamente referidos no artº 10° da Lei n° 34/2004, ou por caducidade, nas situações previstas no artº 11° da citada lei.

Cumpre decidir:

O réu, ora apelante, citado para os termos da acção em 11-07-2011, requereu apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, o que comprovou nos autos tempestivamente, ou seja, no decurso do prazo que decorria para contestar (que terminava em 22-09-2011 e a demonstração da apresentação do pedido de apoio judiciário foi efectuada em 13-09-2011).

Deste modo, o réu passou a beneficiar do disposto no nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29-7 (LAJ, que contém o regime de acesso ao direito e aos tribunais), com a redacção introduzida pela Lei nº 47/2007, de 28-8, que tem a seguinte redacção:

“Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”

O prazo para contestar, assim interrompido, reinicia-se a contar dos factos referidos no nº 5 do artigo 24º da LAJ:
“5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

Assim, se o requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono for deferido, o prazo para contestar contar-se-á a partir da data da notificação da sua designação ao patrono nomeado.

Ora, no caso concreto, o réu, ora apelante, após a aludida notificação ao patrono da sua nomeação (que ocorreu em 24-10-2011, conforme consta de fls 48) e ainda dentro do prazo para contestar que assim se iniciara, constituiu advogado nos autos e apresentou contestação por este subscrita que deu entrada em juízo em 04-11-2011.

Porém, a primeira instância, entendendo que o aludido benefício de interrupção do prazo não podia aproveitar ao advogado constituído pelo réu, declarou cessado o apoio judiciário concedido ao réu na modalidade de nomeação e pagamento parcial da compensação de patrono e ordenou o desentranhamento da contestação e respectivos documentos, por extemporânea, e devolução ao respectivo subscritor.

Para fundamentar tal decisão, argumentou que “Admitir tal situação seria pugnar ostensivamente pela violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual civil, porquanto seria admitir que, qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse Mandatário, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem Mandatário”.

O apelante discorda de tal entendimento pelas razões constantes das conclusões das suas alegações.

A questão que agora se coloca é a seguinte: Prescindindo o réu da nomeação de patrono, impõe-se de igual modo entender que também perdeu o benefício de interrupção associado ao mesmo?
Cremos que não, pois acolhemos o entendimento contrário ao sufragado na decisão recorrida, embora a jurisprudência esteja dividida sobre tal questão.

No sentido propugnado na decisão recorrida, encontra-se o acolhimento jurisprudencial constante dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 17.12.2008 (processo 9829/2008-6), da Relação do Porto, de 13.9.2011 (processo 5665/09.5TBVNG.P1) e da Relação de Coimbra, de 01.10.2013 (processo 4550/11.5T2AGD.C1)[1].

Em sentido contrário, estão publicados três acórdãos da Relação do Porto, de 15.11.2011 (processo 222/10.6TBVRL.P1), de 30.01.2014 (processo 5346/12.2TBMTS.P1) e de 18.02.2014 (processo 3252/11.7TBGDM-B.P1) e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.07.2014 (processo 97/12.0TBVPV.L1-2)[2].

Conforme foi decidido no acórdão da Relação do Porto, de 15.11.2011, acima referido, “o texto do mencionado nº 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela. Por outro lado, se é certo que existe aqui um desvio da finalidade para a qual a lei concedeu o “benefício” em apreço, esse desvio não pode haver-se por mais clamoroso e abusivo que aquele que ocorre com o requerente que, sabendo não reunir minimamente as necessárias condições, requer a nomeação de patrono no exclusivo intuito de ver dilatado o prazo inicial de contestação. Nesta hipótese, comparativamente menos merecedora da tutela do Direito que a do caso vertente, não obstante a superior reprovabilidade de tal conduta, está fora do alcance a imposição de qualquer preclusão processual, que o legislador manifestamente não estabeleceu. Finalmente, em abstracto, não está excluído que o beneficiário, a justo título, de nomeação de patrono oficioso se veja constrangido a ela renunciar e a contestar através de mandatário constituído. Bastará pensar em situações em que o patrono nomeado deixe transparecer falta de interesse ou falta de preparação técnica e, não obstante, não se disponha a pedir escusa do patrocínio. De notar que, apesar de tal renúncia, permanece o requerente sob a alçada do regime de apoio judiciário, designadamente para efeitos de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não podendo tal benefício ser-lhe retirado excepto nas hipóteses e através dos procedimentos previstos nos nºs 1 a 4 do artº 13º da Lei nº 34/2004”.

No mesmo sentido foi decidido pelo Acórdão da Relação do Porto, de 18.02.2014, acima mencionado, segundo o qual solução idêntica à aplicada na decisão ora recorrida poderia “colidir com princípios constitucionais e isto porque o requerente do apoio judiciário, não perde, por via deste requerimento, nem o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos, nem o direito de constituir mandatário; estes são direitos fundamentais (artº 20º nºs 1 e 2 da CRP), cuja restrição só pode resultar da lei nas particulares circunstâncias que a própria Constituição prevê (artº 18º da CRP). Mas a densificação desta evidência implica admitir a possibilidade, como hipótese, do requerente da nomeação de patrono haver adquirido meios de fortuna entre o momento do requerimento e o momento do deferimento do pedido e, nestas circunstâncias, a imposição da sua defesa por via da nomeação de patrono sob pena de consumpção do prazo da defesa, violaria um destes princípios, pois que, ou se defende com o patrocínio oficioso e tem direito ao prazo para a defesa, caso em que se lhe negaria o direito a constituir mandatário ou constitui mandatário e não teria prazo para a defesa, caso em que se lhe negaria o acesso à defesa dos seus direitos.”

E continua o mesmo acórdão: “Certo que, ainda assim, o exercício do direito concedido pela norma - a interrupção do prazo em curso destina-se a permitir que o demandado que invocou não ter condições económicas para suportar os custos da constituição de mandatário não seja, por esta razão, prejudicado – pode ser ilegítimo, basta pensar na situação de o requerente sabendo não reunir minimamente as necessárias condições, requer a nomeação de patrono no exclusivo intuito de ver dilatado o prazo inicial de contestação, mas esta é uma condição de todos os direitos (a susceptibilidade de serem violados) a ser dirimida, caso a caso, com recurso às regras gerais sobre o modo de exercício dos direitos (artigo 334º do C.C)”.

Esta situação não se encontra, enquanto tal, nem equacionada, nem indiciada nos autos e muito menos ligada à repressão da litigância de má-fé (artigos 8º e 542º do CPC).

Deste modo, procedem parcialmente as conclusões das alegações do recurso apresentado pelo réu.

EM CONCLUSÃO :

A interrupção do prazo da contestação em que o réu prove documentalmente haver requerido a nomeação de patrono, aproveita-lhe ainda que, concedida a nomeação, venha a apresentar a sua defesa subscrita por advogado constituído.

III - DECISÃO:

Atento o exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Revoga-se o despacho recorrido, na parte em que ordenou o desentranhamento da contestação e respectivos documentos, por extemporânea, e devolução ao respectivo subscritor (alínea B) do despacho);
b) Mantém-se a restante parte do despacho recorrido, na parte em que declarou cessado o apoio judiciário concedido ao réu na modalidade de nomeação e pagamento parcial da compensação de patrono (alínea A) do despacho);
c) Anula-se a tramitação posterior ao referido despacho, determinando-se a normal tramitação do processo, uma vez readmitida nos autos a contestação que o réu nela apresentara.
Custas a cargo da parte vencida a final.

Lisboa,  30/04/2015

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa

[1] Todos acessíveis em www.dgsi.pt
[2] In www.dgsi.pt.