Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
73674/18.4YIPRT.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: INJUNÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - a injunção traduz-se num procedimento ou mecanismo eivado de simplicidade e celeridade, tendo por desiderato subjacente a cobrança simples de dívidas, por forma a “aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas”, surgindo num quadro de evidente necessidade de melhoramento dum sistema que “estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção” ;
- para a pertinente determinação da forma do processo a aplicar, não basta olhar e ponderar, apenas, se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000 €, antes urgindo, igualmente, para além da verificação e preenchimento de tais pressupostos, indagar se o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litígio ;
- pelo que, apesar do concreto preenchimento dos pressupostos objectivos exigidos para a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, concretamente contrato de empreitada/gestão de obra ; obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €, estando em causa concretamente o valor de 10.866,18 € -, a complexidade das questões apreciandas podem ilegitimar o uso, por parte do Requerente, do procedimento de injunção.
- a verificação de tal ocorrência configura excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
- excepto nas situações em que, mediante a apresentação de oposição, o procedimento injuntivo se transmuta em acção sob a forma de processo comum, os pressupostos de admissibilidade de recurso ao processo, podem e devem ser objecto de aferição por parte do julgador, como condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO

1 EA… – I…, S.A., com sede na Rua …, nº. …, Vila Verde e Barbudo, Vila Verde, instaurou processo injuntivo contra NM… e mulher CC…, residentes na Rua …, nº. …, Lisboa, deduzindo o seguinte petitório:
I) O montante global de € 9.524,77, conforme Factura FA 2018/16, a saber: € 8.100,00 corresponde à fase nona do contrato, € 689,67 corresponde à iluminação exterior, € 612,00 corresponde à floreira bambus, € 246,00 corresponde à picagem da parede na zona de duche, deduzida das quantias de € 60,00 referente à instalação do projector pala e de € 63,20 referente à reparação dos estores ;
II) juros de mora, à taxa legal comercial supletiva, desde a data dos vencimentos das prestações em falta até ao integral e efectivo pagamento, que se contabilizam, na presente data, em € 1.341,41, a saber:
- € 1.073,42 correspondentes a juros de mora do período compreendido entre 05/08/2016 e 27/06/2018 sobre os € 8.100,00 da fase nona do contrato; e
- € 267,99 correspondentes a juros de mora do período compreendido entre 21/10/2015 e 27/06/2018 sobre os € 1.424,77 das “mais valias”.
Alegou, em suma, o seguinte:
§ A Requerente é uma sociedade comercial anónima, dotada de uma organização empresarial, que se dedica, nomeadamente, à indústria da construção civil e à gestão de obras ;
§ Requerente e os Requeridos celebraram, em 27/06/2013, contrato de gestão de obra/empreitada, a primeira na qualidade de empreiteiro civil / gestor de obra e os segundos na qualidade de donos da obra / proprietários ;
§ Por força de tal contrato, a Requerente comprometeu-se a edificar uma habitação unifamiliar, no terreno dos Requeridos, assegurando o fornecimento ou a contratação dos materiais, equipamentos e mão-de-obra necessários ;
§ Como contrapartida pela edificação os Requeridos comprometeram-se a pagar à Requerente, em prestações, o preço global de € 166.564,00 ;
§ Em compensação os Requeridos responsabilizaram-se pelo pagamento de € 27.000,00 a título de despesas e taxas necessárias à obtenção dos projectos, das licenças e dos abastecimentos de água e electricidade ;
§ Durante a execução da obra os Requeridos exigiram que fossem feitas alterações ao plano convencionando, realizando-se despesas e trabalhos que não estavam previstos no plano inicial (“mais valias”), e omitindo-se despesas e trabalhos previstos no mesmo plano (“menos valias”) ;
§ A Requerida honrou sempre o contrato celebrado e a moradia dos Requeridos foi-lhes entregue, devidamente concluída, em 20/10/2015.
2 – Devidamente notificados, vieram os Requeridos apresentar oposição, alegando, em resumo, o seguinte:
v Não é verdade que a Requerente tenha honrado rigorosamente o cumprimento do contrato, sendo que além do atraso no início da obra que lhes é imputável, a mesma encontra-se presentemente por concluir ;
v Nem tão pouco a Requerente logrou obter e entregar a licença de habitação aos requeridos, apesar de já ter passado mais de 4 anos desde o inicio da obra e cerca de 3 anos desde a sua entrega por concluir ;
v Foi efectivamente elaborado um auto de vistoria de recepção da habitação em 20 de Outubros de 2015, contudo, consta do anexo ao mencionado auto, diversos trabalhos por concluir e/ou reparar que eram e são do perfeito conhecimento da Requerente ;
v Acrescer à não conclusão dos trabalhos pendentes e à consequente não entrega da obra concluída, só passado cerca de um ano da vistoria de recepção da habitação, concretamente, em 07/10/2016, é que a requerente se dignou requerer a respectiva licença de habitação junto da Câmara Municipal de Lisboa ;
v Sendo que o pedido efectuado pela requerente foi indeferido, facto que ocultaram aos requeridos durante cerca de 1 ano, até estes terem tomado a iniciativa de consultar o processo junto da Câmara de Lisboa e sido informados do indeferimento da licença por falta de elementos ;
v Perante evidentes sinais de insolvência da requerente em 2017, que culminou com a apresentação de um PER (Processo Especial de Revitalização) que corre termos junto do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz …, sob o Proc. …/…, mais se adensaram as certezas dos Requeridos acerca da incapacidade da requerente cumprir as suas obrigações e com isso resolver os problemas pendentes, situação mais premente nos dias de hoje ;
v Como é do perfeito conhecimento da requerente, a zona do Bairro da Encarnação, Olivais, onde se insere a residência do requerido, passou a integrar a Área de Reabilitação Urbana de Lisboa (ARU), por força da aprovação do Aviso n.º 8391/2015 de 21 de Julho de 2015, que aprovou a Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa. Tal alteração, conjugada com a alínea a) do nº 1 do artigo 18º do CIVA (Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA), concede aos proprietários abrangidos pela ARU um beneficio fiscal nas facturas de obras de reabilitação ou reconstrução, com a redução da taxa do IVA para 6% ;
v Facto este negligenciado pela requerente nas ultimas 3 facturas emitidas aos requeridos, pelo que o valor reclamado pela requerente, também nessa parte, não se encontra correcto ;
v Os requeridos reclamam assim da requerente o pagamento dos seguintes montantes:
I. 8.616,36 € a titulo de trabalhos por concluir e reparações;
II. 441,76 € relativo a trabalhos já realizados e suportados pelo requerido;
III. 1.661,08 € referente ao sobre custo suportado com a tarifa de água de obra;
IV. 3.295,40 € referente ao diferencial da taxa do IVA das duas últimas facturas
entregues;
V. 1.500,00 € a título de danos morais sofridos.
Totalizando : 15.514,60 € (quinze mil quinhentos catorze euros sessenta cêntimos).
v Considerando o crédito reconhecido pelos Requeridos, efectuando-se a compensação de créditos entre as partes, os requeridos terão haver da requerente a quantia de 7.323,55 € ;
v Deverá assim, por esta via, ser a requerente condenada a pagar aos Requeridos, a quantia de 7.323,55 € (sete mil trezentos vinte três euros cinquenta cinco cêntimos), acrescidos dos juros de mora que se vencerem desde a citação.
Conclui, nos seguintes termos:
Nestes termos, sempre com o douto suprimento de V.Exa., deve a presente oposição ser julgada provada e procedente, e em consequência ser:
a) a Injunção julgada improcedente, na parte em que os requeridos não confessaram;
b) rectificado o montante de capital peticionado pela requerente, aplicando-se a taxa do IVA de 6%, passando para 8.191,05 € ;
c) ser a requerente, G…, S.A. e M…, Lda, condenadas solidariamente no pedido reconvencional :
I. a concluir os trabalhos elencados em 29., ou, em alternativa, assumirem os custos orçamentados em : 8.616,36 €;
II. no pagamento dos custos com trabalhos urgentes realizados pelos requeridos, no montante de : 441,76 €;
III. no sobre custo suportado com o consumo de água com tarifa de obra, no montante de : 1.661,08 € ;
IV. no diferencial do IVA não deduzido nas facturas posteriores a Julho de 2015 no montante de : 3.295,40 €;
V. No pagamento dos danos morais sofridos, no montante de 1.500 €;
d) em alternativa, face aos valores apurados e procedendo-se á compensação de créditos, deverão, requerente, G…, S.A. e M…, Lda, ser condenadas, solidariamente, a pagar aos Requeridos o montante de : 7.323,55, acrescido Juros de mora desde a citação até ao integral pagamento”.
3 – Mediante articulado apresentado em 31/10/2018, veio a Autora responder, pronunciando-se acerca da oposição apresentada e pedido reconvencional deduzido.
Concluiu no sentido dos pedidos da Autora serem julgados procedentes, condenando-se os Réus nos termos peticionados.
4 – Em 11/12/2018, foi proferida DECISÃO (saneador sentença), que concluiu nos seguintes termos:
Nestes termos e face a todo o exposto supra, conhecendo a excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento de mérito da causa, determina-se a absolvição dos RR. da presente Instância nos termos do n.º 2 do art.º 576º e art. 577º, do CPC .
Custas pela A. (O processo especial de revitalização constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos do artigo 4º, nº 1 alínea u) do Regulamento das Custas Processuais e a isenção subjectiva de custas prevista no citado normativo apenas é aplicável enquanto estiver pendente o processo especial de revitalização, cessando logo que o processo finde, haja ou não aprovação e homologação do plano apresentado no seu âmbito).
Notifique.
Registe”.
5 – Inconformada com o decidido, a Requerente/Autora interpôs recurso de apelação, em 29/01/2019, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1. Não se conforma o Recorrente com a sentença que absolve os Recorridos da instância com fundamento na verificação de uma excepção dilatória inominada, a saber: a falta dos pressupostos exigidos para a utilização do procedimento de injunção.
2. É admissível utilizar o procedimento de injunção em duas situações: quando esteja em causa um requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 e quando estejam em causa obrigações emergentes de transacções comerciais.
3. O limite consagrado no art. 1.º do DL 269/98, de 1 de Setembro refere-se às obrigações pecuniárias de per si; não se refere ao contrato de que emergem as obrigações pecuniárias.
4. In casu, estamos perante uma obrigação pecuniária de valor inferior aos € 15.000,00.
5. Face ao exposto, estão reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção, o que se alega”.
6 – Os Recorridos/Apelados não apresentaram contra-alegações.
7 – O recurso foi admitido por despacho de 19/03/2019, como apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
8 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil [2], estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina, apenas, apreciar se deve ou não proceder a sancionada excepção dilatória inominada da inadequação processual, que determinou a absolvição dos Requeridos/Réus da instância.

O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
1) Da aferição dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção ;
2) Da admissibilidade de tal aferição, nas situações em que, por efeito da oposição deduzida, existe transmutação do processo injuntivo em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (AECOP).

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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade a ponderara é a que resulta do iter processual supra descrito.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Do procedimento de INJUNÇÃO e aferição dos seus PRESSUPOSTOS

O artº. 1º do DL nº. 269/98, de 01/09 - diploma preambular que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância -, prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
Por sua vez, o artº. 7º de tal regime define o conceito de injunção, no sentido de ser “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
A providência injuntiva é, deste modo, aplicável:
§ A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 € (cf., o citado artº. 1º do Diploma Preambular – DL nº. 269/98, na redacção do artº. 6º do DL nº. 303/2007, de 24/08 – e os artigos 1º a 5º do anexo ao mesmo Decreto-Lei) ;
§ A obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº. 32/2003, de 17/02.
Dispunha o artº. 2º deste diploma, ser o mesmo aplicável “a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 - São excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”.
Procedendo às definições, as alíneas a) e b) do artº. 3º, prescrevem dever entender-se, para efeitos da regulação em causa, por transacção comercial “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, enquanto que por empresa dever-se-á entender “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.
Enquanto o artº. 7º, na redacção conferida pelo DL nº. 107/2005, de 01/07, prescrevia que  
“1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos” (sublinhado nosso).

Entretanto, foi publicado o DL nº. 62/2013, de 10/05, prevendo acerca de medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, que, no seu artigo 13º, revogou o DL nº. 32/2003, com excepção dos artigos 6º e 8º, mantendo ainda este em vigor “no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma”, ou seja, celebrados até 30/06/2013 – cf., o artº. 15º. Acrescentou, ainda, que “as remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte”.
O presente diploma transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº. 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, prevendo no seu artigo 2º acerca do seu âmbito de aplicação e procedendo igualmente à definição de transacção comercial e de empresa nas alíneas b) e d), do artº. 3º, nos termos já equacionados pelo DL nº. 32/2003, de 17/02.
Por sua vez, o artº. 10º, prevendo acerca dos procedimentos especiais, referencia que:
“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (sublinhado nosso).
Resulta, assim, da breve enunciação legal efectuada que “desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor” [3].

Ora, no caso sub júdice, entendeu a Requerente, ora Apelante, que estando em causa a quantia global de 10.866,18 € - 9.524,77 € de capital e 1.341,41 € de juros moratórios vincendos até á apresentação do requerimento, conforme artº. 18º do Regime Anexo ao DL nº. 269/98 -, justificava-se o recurso ao mecanismo de injunção, destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00 €.
Efectivamente, tal como resulta da pretensão apresentada, está em equação o alegado incumprimento de um contrato de empreitada/gestão de obra, celebrado entre a Requerente como empresa dedicada ao exercício da construção civil e os Requeridos particulares, pelo que, tal como consta do requerimento inicial apresentado, não estamos perante obrigação emergente de transacção comercial. Pois, desde logo, não se preencheria o conceito de transacção comercial supra enunciado – cf., a alínea a), do artº. 3º -, para além dos Requeridos assumirem a qualidade de consumidores, o que igualmente afastava a aplicabilidade do regime previsto no citado DL nº. 32/2003 – cf., a alínea a), do nº. 2, do artº. 2º.
Percebe-se o desiderato logrado alcançar pela Requerente, pois, prima facie, sendo certo que podia recorrer ao processo comum de declaração ou, desde logo, à acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato – cf., artigos 1º a 5º do diploma anexo do DL nº. 269/98, de 01/09 -, tentou obter, através do mecanismo da injunção e expectando a não oposição dos Requeridos, a imediata obtenção de um título executivo.
Pelo que, tendo sido este o mecanismo ou meio processual acolhido, cumpre então aferir e ajuizar se o procedimento injuntivo constitui o iter ou procedimento processual adequado a peticionar o pagamento da ultima prestação do pagamento acordado em sede de contrato de empreitada/gestão de obra (em incumprimento), acrescida de quantia referente a alegados trabalhos a mais (denominadas mais valias) e deduzido o valor de trabalhos que, apesar de incluídos no contrato de empreitada outorgado, foram pagos directamente pelos Requeridos donos da obra (denominadas menos valias).

Fundando-se na alegação factual aduzida pelas partes, considerou o saneador sentença estarmos “perante um negocio jurídico de 166.564,00”, o qual “tomou a designação de empreitada, para a edificação de uma habitação, com a existência de um plano de trabalhos, com alterações ao mesmo, com um plano de pagamentos”, sendo este o “contrato que está ser agora a ser discutido nos autos e não o simples pagamento de uma tranche residual do mesmo”.
Acrescenta que a “discussão em toda a linha de uma empreitada desta envergadura, em que a própria A. vem alegar na sua resposta, ter suspendido os trabalhos pela falta de cumprimento contratual por parte dos RR. não se coaduna processualmente para se reduzir num requerimento injuntivo”.
Pelo que “estamos perante uma situação em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, o que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa”, assim se determinando “rejeitar a utilização do procedimento injuntivo (e do processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato), já que, não estando em causa uma simples transacção comercial e também não se evidencia uma qualquer obrigação exclusivamente pecuniária, que emirja do contrato celebrado entre as partes”.
Aduz, então, configurar a presente situação “uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do CPC de 2013 e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspectiva, possa conduzir a idêntico resultado processual”, pois, “tal excepção dilatória inominada, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Concluindo no sentido de que “a transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição que seja deduzida, em acção declarativa de condenação - acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato -, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam”.

Vejamos.
Conforme supra referenciámos, a Autora, na qualidade de empreiteira/gestora da obra, imputa aos Requeridos, na qualidade de donos da obra/proprietários, incumprimento no outorgado contrato de empreitada/gestão de obra, nomeadamente no que concerne á falta de pagamento de uma última parcela do preço acordado, a que aditam o valor por invocados trabalhos não previstos no contrato celebrado (mais valias) e subtraem o valor de trabalhos pagos directamente pelos Requeridos, apesar de previstos no mesmo contrato (menos valias). Ao valor do capital correspondente, adiciona, ainda, juros moratórios vencidos, que liquida, peticionando ainda os vincendos até efectivo e integral pagamento.
 Por sua vez, os Requeridos/Réus, na oposição apresentada, invocam incumprimento por parte da Requerente empreiteira, alegando que a obra acordada ainda se encontra por concluir, o mesmo sucedendo a parte dos trabalhos a mais acordados, que a mesma não foi entregue pronta e que a Requerente nem sequer ainda logrou obter e entregar a licença de habitação, apesar de a tal se ter obrigado.
Acrescentam que para além de trabalhos não concluídos, existem ainda desconformidades enunciadas que necessitam de ser reparadas, para além de que o valor alegadamente devido encontra-se mal liquidado, pois foi-lhe aplicada indevida taxa de IVA.
Formulam, por outro lado, pedido reconvencional – valor dos trabalhos não realizados, dos trabalhos urgentes já realizados pelos Requeridos, do sobre custo com o consumo de água com tarifa de obra, do diferencial do IVA indevidamente calculado e indemnização por danos morais sofridos -, com base no qual deduzem compensação de créditos entre as partes, deduzindo, ainda, incidente de intervenção principal provocada de duas entidades, a quem imputam responsabilidade solidária pelo incumprimento ocorrido.
Entendeu a decisão apelada que, perante o descrito quadro, a concreta situação não permite preencher os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, ou seja, não se coaduna processualmente com o requerimento injuntivo, assim impedindo o Tribunal de conhecer acerca do mérito da causa.
E, tal acontece em virtude de se estar a discutir nos presentes autos o próprio contrato de empreitada, nomeadamente o seu invocado incumprimento e mesmo alterações ao acordado, e não o simples (não) pagamento de uma tranche ou parcela acordada. 

Ora, a injunção traduz-se num “mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
Como vem entendendo a jurisprudência, “Importa acentuar qual a realidade subjacente à criação do regime em apreço: o crescimento exponencial das acções de cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores que invadindo os tribunais ameaçavam convertê-los, sobretudo nos grandes centros urbanos, em meras extensões dessas empresas, pondo em causa a decisão em tempo útil de outras questões que interessam aos cidadãos. Não esqueceu também o legislador que “a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentenças”.
Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção.
Resulta do exposto que o objectivo do legislador foi aplicar este procedimento às situações em que está em causa apenas a cobrança de uma dívida emergente de um contrato, de valor não superior a € 15.000,00” [4].
Pelo que, citando vários arestos das Relações, aduz que “neste quadro normativo, o processo de injunção não é meio processualmente adequado a peticionar indemnização, por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços.”.
Quer dizer, neste tipo de processos simplificados, não é fácil enquadrar, a bem da Justiça pretendida, situações factuais em que como causa de pedir emerge, além dos valores reportados às obrigações pecuniárias e juros em dívida, cláusulas penais reportadas à quebra do vínculo contratual com os inerentes encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato.
Tal como não é fácil enquadrar, a bem da mesma preocupação de Justiça, situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam.
Assim se compreende que “o processo simplificado que o legislador pretendeu com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere obtenção de um título executivo, em acções que geralmente apresentam grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como obrigações decorrentes de contratos de utilização de lojas em centros comerciais.”.
E também é pacífico na jurisprudência que, “não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância” (sublinhado nosso).

Ora, da análise da concreta questão controvertida em equação, resulta claro não estarmos, sem mais, perante o mero ou simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito.
Com efeito, analisado o quadro conflitual exposto, não estamos apenas perante a simples cobrança de uma dívida de fácil balizamento ou delimitação, nem está apenas em equação o mero (in)cumprimento de obrigações pecuniárias.
Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado mútuo incumprimento do contrato de empreitada/gestão de obra outorgado, quer no que concerne ao alegado não pagamento parcelar do preço acordado, quer, ainda, para além do mais, no que se refere ao seu não cumprimento ou conclusão por parte da empreiteira, não eliminação de desconformidades, inadequada facturação relativamente ao IVA, sobre custos suportados pelos danos da obra e eventual compensação de créditos a operar. Ou seja, urge ponderar e apreciar acerca da relação contratual existente, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas as partes, divergindo estas quanto à existência e amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento. 
Pelo que, nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 27/11/2014 [5], a controvérsia em equação nos presentes autos está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade”. Donde resulta que, nestas situações, não é adequado nesta forma processual “decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como são as obrigações decorrentes de contratos de utilização de lojas em centros comerciais” ou outros de complexidade similar.

É certo que, no entendimento de Paulo Duarte Teixeira [6], “o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”.
Entendimento este perfilhado, entre outros, pelos doutos Acórdãos da RP de 24/02/2015 [7] e de 12/07/2017 [8], referindo-se expressamente neste que “por muito complexas que sejam as matérias suscitadas no âmbito daquele contrato, as mesmas são irrelevantes para a determinação da forma de processo a aplicar, visto que os únicos requisitos que a lei prevê para a utilização do procedimento de injunção são, no caso, apenas o «cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000»”.
Pelo que, verificados os requisitos do meio escolhido, “não há, assim, que falar no uso indevido e inadequado do procedimento escolhido”, ou seja, “verificados os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, não é caso de utilização indevida do procedimento injuntivo, pelo que não se verifica o erro na forma do processo, nem sequer a excepção dilatória inominada decorrente da sua falta”.
Todavia, não se pode olvidar que “determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor” [9].
Ora, consta do preâmbulo do DL nº. 107/2005, de 01/07, que introduziu alterações nos já invocados DL nºs. 269/98 e 32/2003, que “com o presente diploma, é colocado à disposição do credor de dívidas emergentes de contratos de valor não superior a E 14 963,94 o regime simplificado e expedito da injunção, permitindo-lhe obter, num curto espaço de tempo, um título executivo para cobrança das mesmas”.
Pelo que, com a consagração daquele quadro legal pretendeu-se, fundamentalmente, impedir ou obstar à mora nas obrigações pecuniárias, e não a obtenção de “um mecanismo processual admonitório, compulsório ou de responsabilização indirecta do devedor [10]. O objectivo subjacente á introdução daquela legislação foi a de obter simplificação e desburocratização, imprimindo celeridade e prontidão na cobrança de débitos, consistindo estes em “pretensões pecuniárias, em princípio de pequeno montante, e em que prima facie não haja litígio efectivo e actual entre as partes” [11].
Nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 21/04/2016 [12], o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade ,como é o caso:
-há que analisar e avaliar clausulado complexo; há que analisar e avaliar a resolução levada a cabo pela requerida ; há que analisar e ponderar as consequências da resolução ; há que conceder á requerida a possibilidade de deduzir pedido de reconhecimento de um crédito ,por via da reconvenção ( artº 266 nº2 al c) CPC)”.
Donde, acrescenta o mesmo douto aresto, citando a decisão impugnada, “o requerimento de injunção com a linearidade prevista no art° 10° do D.L. 269/98 de 1 de Setembro e uma notificação para pagar ou deduzir oposição em 15 dias, e com o conteúdo descrito no art° 13° do mesmo diploma (com uma advertência como a prevista na alínea e) do respectivo nº1 !!!) só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação deste expediente célere e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efectivamente…(“)"Caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção" ( Cfr. neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 20.5.2014 relatado pelo Desembargador Fonte Ramos, consultável na Base de Dados do IGFEJ.) e de se coarctar direitos de defesa dos demandados (acrescentamos nós)”.

Pelo exposto, conclui-se, que para a determinação da forma do processo a aplicar, não basta olhar e ponderar, apenas, se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000 €, antes urgindo, igualmente, para além da verificação e preenchimento de tais pressupostos, indagar se o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litígio.
Pelo exposto, e in casu, apesar do concreto preenchimento daqueles pressupostos objectivos exigidos para a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, concretamente contrato de empreitada/gestão de obra ; obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €, estando em causa concretamente o valor de 10.866,18 € (e é este o valor a ponderar efectivamente, e não o alegado valor global do contrato em equação) -, a complexidade das questões apreciandas, nos termos supra expostos, ilegitimam, nos termos constantes da decisão recorrida, o uso, por parte da Requerente Apelante, do procedimento de injunção.
O que, nos termos expostos, configura excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil.

II) Da ADMISSIBILIDADE de tal AFERIÇÃO

Aqui chegados, urge aferir acerca da admissibilidade da aferição dos enunciados pressupostos exigidos para a utilização do procedimento injuntivo, ou seja, determinar se, deduzida oposição a este, que determinou a transmutação do processo em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos – cf., artigos 16º e 17º do Anexo ao DL nº. 269/98 -, ainda será possível apreciar acerca do preenchimento daqueles pressupostos.
Referencia o douto Acórdão do STJ de 14/02/2012 [13], ainda que ajuizando acerca de situação em que a transmutação do processo de injunção é para a forma do processo comum – cf., o nº. 1, do artº. 7º, do então vigente DL 32/2003 -, que a decisão de absolvição da instância, quando não se verifica o preenchimento dos pressupostos que legitimam o recurso ao processo injuntivo, “é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção”.
Acrescenta que as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação ( artigo 7.º/2 do DL n.º32/2003)”.
Todavia, “no caso da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais de valor não superior à alçada da Relação, prescreve o n.º3 do artigo 7.º do DL n.º 32/2003 que tais ações “seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos””.
Acrescenta, então, que “a questão de direito substantivo - por exemplo, saber se houve uma transação comercial com consumidor – tem incidência no processo especial a utilizar; por isso, o pedido de condenação no pagamento da quantia reclamada não pode, nessa ação, ser concedido se não se provar que o crédito que o autor invoca tem origem em transação comercial que esteja abrangida no âmbito do Decreto-Lei n.º 32/2003. Assim, se a causa tiver de prosseguir por se mostrar necessário averiguar questões de facto atinentes com a efetiva natureza da transação comercial, o juiz não poderá deixar de as apreciar”.
Deste modo, no caso de o pedido de injunção se transmudar nesta ação especial, então, se o crédito reclamado não for nenhum daqueles que a lei correlaciona com este processo especial, a ação não pode proceder; a ação apenas será julgada procedente desde que o crédito invocado seja um daqueles que pelas suas características a lei faça corresponder a este processo especial.
Concluindo, então, que, “situando-nos já no âmbito de ação declarativa ordinária, não releva, enquanto facto obstativo do conhecimento de mérito, a prova de que a transação comercial que constitui causa de pedir não está inserida no âmbito das transações comerciais que permitem o recurso à providência de injunção; pois, ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação(sublinhado nosso) [14].
Resulta do ensinamento do presente aresto, apesar de se reportar a obrigações emergentes de transacções comerciais, que excepto nas situações em que, mediante a apresentação de oposição, o procedimento injuntivo se transmuta em acção sob a forma de processo comum, os pressupostos de admissibilidade de recurso ao processo, podem e devem ser objecto de aferição por parte do julgador, como condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada.
Pelo exposto, e sem ulteriores delongas, conclui-se que a circunstância de, na presente situação concreta, a primitiva e intentada injunção se ter transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não legitima a utilização indevida daquela (injunção) [15].

Donde se conclui, em súmula, num juízo de total improcedência da presente apelação:
§ pelo não provimento das conclusões recursórias ;
§ na reiteração do supra exposto, e confirmação do saneador sentença apelado, pelo preenchimento de excepção dilatória inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza – cf., fls. 99.

***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:

a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerente/Autora/Recorrente/Apelante EA… - I…, S.A., em que figuram como Requeridos/Réus/Recorridos/Apelados NM… e CC…;
b) Em consequência, confirma-se a decisão apelada (saneador sentença), que, pelo não preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento injuntivo, julgou verificada excepção dilatória inominada, conducente à absolvição da instância ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Requerente/Autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.

Lisboa, 24 de Abril de 2019

Arlindo Crua - Relator
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente)

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.
[3] Cf., o douto Acórdão desta Relação de 17/12/2015, Relatora: Maria Teresa Albuquerque, Processo nº. 122528/14.9YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt .
[4] Assim, o douto aresto da RP de 28/10/2015, Relator: Vítor Amaral, Processo nº. 126391/14.YIPRT.P1, citando douto Acórdão da mesma Relação de 31/05/2010, Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 385702/08.8YIPRT.P1, ambos in www.dgsi.pt .
[5] Relatora: Octávia Viegas, Processo nº. 1946/13.3TJLSB.L1-8, in www.dgsi.pt .
[6] Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, Revista Themis, VII, n.º 13, páginas 169-212.
[7] Relator: Henrique Araújo, Processo nº. 67210/13.6YIPRT.P1, in www.dgsi.pt .
[8] Relator: Fernando Samões, Processo nº. 89602/06.9YIPRT.P1, in www.dgsi.pt .
[9] Assim, o já referenciado Acórdão desta Relação de 17/12/2015.
[10] Joao Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, Injunções e Acções de Cobranças, 2012, pág. 22.
[11] Paulo Teixeira Duarte, ob. cit., pág. 190.
[12] Relatora: Teresa Prazeres Pais, Processo nº. 184887/14.1YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt .
[13] Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[14] Cf., ainda, a douta Decisão Singular desta Relação de 11/02/2019 – Relator: Carlos Marinho, Processo nº. 69245/17.0YIPRT-A.L1-6, in www.dgsi.pt -, onde se sumariou que:
“I.– Tendo o procedimento de injunção sido convertido em acção declarativa comum face à dedução de oposição pelo Requerido, não existe obstáculo legal ao conhecimento da validade da activação de cláusula penal.
II.– Tendo-se migrado para contexto processual completamente distinto do inicial, são irrelevantes as limitações anteriores por nos encontrarmos perante um distinto contexto técnico e diversas finalidades.
III.– As acções declarativas comuns não podem ser rejeitadas por falta de pressupostos ou contextos processuais relativos a processado já desaparecido, inexistente e inaplicável.
(….)
V.– Em sede de um determinado tipo de acção, não pode um Tribunal averiguar se se preenchem os pressupostos de outro tipo de acção ou procedimento”.
[15] Cf., o recente douto Acórdão desta Relação de 05/02/2019 – Relator: José Capacete, Processo nº. 70173/17.5YIPRT.L1-7, in www.dgsi.pt -, ainda que, salvo melhor opinião, de forma aparentemente injustificada, aludindo a “exceção dilatória inominada consistente no erro na forma do processo”.