Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25/10.8PTSNT-A.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-Tendo o condenado em pena de multa requerido o seu pagamento em prestações – artigo 47º, nº 3, do Código Penal – a causa de suspensão da prescrição da pena a que alude a alínea d), do nº 1, do artigo 125º, do mesmo Código, inicia-se com o despacho judicial que autoriza o pagamento da multa em prestações e cessa com o vencimento da primeira das prestações não pagas, uma vez que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
II–Tendo o condenado efectuado o pagamento da 1ª prestação, constitui este pagamento voluntário de parte da multa acto de execução desta e, por isso, dotado do mérito de despoletar o efeito interruptivo da prescrição da pena previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 126º, do Código Penal.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


1.-Nos autos com o NUIPC 25/10.8PTSNT, da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra - Instância Local – Secção Criminal – J4, foi proferido despacho, aos 19/09/2016, em que se decidiu declarar extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido M..

2.-O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1-Nos presentes autos, por douta sentença transitada em julgado no dia 30-05-2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 5,00, o que perfaz a multa global de €325,00 (cfr. fls. 93-101 e 109).
2-Por douto despacho, proferido em 7 de Maio de 2013, foi autorizado o pagamento da pena de multa em 5 prestações, iguais e sucessivas, no montante de €65,00 cada uma (cfr. fls. 123).
3-Notificado de que havia sido deferido o pagamento da pena de multa em 5 prestações mensais e sucessivas, devendo a 1a ser paga até ao dia 30/04/2014 e as restantes nas datas indicadas no mapa junto e constantes das restantes guias, com a advertência de que a falta de pagamento de qualquer prestação implicaria o imediato vencimento das restantes, o arguido apenas pagou a 1ª prestação da pena de multa, no montante de €65,00, no dia 8 de Maio de 2014 (cfr. fls. 124; 130 e 131-135).
4-Mais se verifica que o arguido não pagou qualquer outra prestação da pena de multa e que as 2ª, 3ª, 4ª e 5ª prestações se venciam nos dias 30 de Maio, 30 de Junho, 30 de Julho e 30 de Agosto, todas de 2014, respectivamente (cfr. fls. 124).
5-Nesta sequência, em 15 de Setembro de 2016, o Ministério Público promoveu a conversão do remanescente da pena de multa em dívida na prisão subsidiária correspondente, referindo expressamente que a pena de multa ainda não se encontrava prescrita, atenta a verificação de uma causa de suspensão da prescrição da pena de multa, prevista no artigo 125º, n.º 1, alínea d) do Código Penal (cfr. fls. 178).
6-Sucede que, por douto despacho proferido o fls. 180, a M.ma Juiz do processo, embora reconhecendo o existência da aludida causa de suspensão da prescrição da pena de multa, declarou a mesma extinta, por prescrição (cfr. fls. 180).
7-Dispõe o artigo 122º nº 1 al. d) do Código Penal que as penas inferiores a dois anos de prisão prescrevem no prazo de 4 anos, sendo que o n.º 2 do mesmo normativo legal estipula que o prazo de prescrição da pena inicia-se com o trânsito em julgado da sentença.
8-De acordo com o disposto no artigo 125º, n,º 1, alínea d), do Código Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que perdurar a dilação do pagamento da multa, sendo certo que tal prazo volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. artigo 125º, n.º 2, do Código Penal).
9-O não pagamento de umo prestação implica o vencimento automático das restantes, ou seja, são imediatamente devidas todas as subsequentes prestações quando é omitido o pagamento de uma.
10-Trata-se de um vencimento determinado "ope legis", isto é, não está dependente de despacho judicial que o declare, posto que não exige qualquer ponderação das circunstâncias do não pagamento, mas antes decorre da lei, nos termos do artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal.
11-Assim, a partir do momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações dentro do prazo que lhe foi concedido, cessa a dilação para pagamento da multa e, por isso, cessa a causa de suspensão, retomando-se a contagem do prazo de prescrição.
12-Relativamente a este assunto pode ver-se, por todos, a seguinte jurisprudência: Acórdão da Relação do Porto, Processo n.º 1098/05.0PGMTS.P1, 07-01-2015, Relator ÁLVARO MELO, in www.dgsi.pt.; Acórdão do Relação do Porto, 440/10.7GDVFR-A.P1, de 15-06-2016, Relatora MARIA PRAZERES SILVA; Acórdão da Relação de Coimbra, Processo n.º 1366/06.4PBAVR.C1. 23-05-2012, Relator LUÍS TEIXEIRA e Ac. da Relação de Lisboa, Processo n.º 347/04.7GEOER.L1-9, 25-03-2010, Relatora Maria do Carmo Ferreira, in www.dgsi.pt.
13-No que tange à pena de multa e às causas que contendem com o decurso do seu prazo prescricional, consideramos que apenas está prevista a suspensão da prescrição, elencada na al. d) do art. 125º acima transcrita, e não a causa de interrupção, prevista na alínea a), do mesmo normativo legal (Neste sentido, vide acórdão do Relação do Porto, de 20/05/2009, in www.dgsi.pt).
14-É que tal entendimento, além de não decorrer expressamente da letra da lei, não se justifica do ponto de vista da unidade do sistema jurídico, para o qual, e no que concerne à pena de multa, está expressamente previsto o regime de suspensão do prazo de prescrição e já não o da sua interrupção.
15-Com efeito, a considerar-se o cumprimento em prestações da pena de multa como causa de interrupção da prescrição, cair-se-ia no absurdo de se tratar mais favoravelmente aquele que cumpre parcialmente, pagando uma ou mais prestações - cujo prazo de prescrição veria interrompido, com reinício de novo prazo (cfr. nº 2 do art. 126º, do Código Penal) - em detrimento daquele que nada cumpre, que não liquida qualquer prestação, caso em que a interrupção da prescrição nunca se verificaria.
16-Deste modo, efectuados os respectivos cálculos, tendo em consideração a existência da aludida causa de suspensão do prazo de prescrição da pena de multa, prevista na línea d) do n.º 1, do artigo 125º, do Código Penal e as considerações supra expendidas, forçoso é concluir que a pena em causa nos autos ainda não se encontra prescrita.
17-Face ao exposto, e salvo sempre o máximo respeito pelo douto despacho da M.ma Juiz do Tribunal "a quo", é nosso entendimento que o mesmo deverá ser revogado e substituído por outro que considere que a pena de multa ainda não se encontra prescrita, prosseguindo os autos os demais termos até final.
Nestes termos devem Vossas Excelências dar total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida.

3.-Inexiste resposta à motivação de recurso.

4.-Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “Visto”.

5.-Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.

1.-Âmbito do Recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se a pena de multa em que foi condenado nos presentes autos M. se encontra prescrita.

2.-Elementos relevantes para a decisão.

2.1-Por sentença de 13 de Janeiro de 2012, transitada em julgado aos 30/05/2012, foi M. condenado na pena de sessenta e cinco dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, no montante global de 325,00 euros, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal.

2.2-Por despacho de 10 de Maio de 2013, foi autorizado o pagamento da multa em cinco prestações mensais, iguais e sucessivas de 65,00 euros, com a advertência de que a falta de pagamento de qualquer das prestações importaria o vencimento das restantes.

2.3-Foram emitidas guias para pagamento das prestações, tendo a 1ª prestação termo do pagamento em 30/04/2014; a 2ª prestação em 30/05/2014; a 3ª prestação em 30/06/2014; a 4ª prestação em 30/07/2014 e a 5ª prestação com termo em 30/08/2014.

2.4-O condenado apenas efectuou o pagamento da 1ª prestação, o que ocorreu em 08/05/2014 e foi aceite pelo tribunal.

2.5-Por despacho de 27/04/2015 foi proferido despacho a declarar vencidas as demais prestações, face ao seu não pagamento nas datas de vencimento.

2.6-Tem o seguinte teor o despacho recorrido, proferido em 19/09/2016, na parte relevante (transcrição):

Foi o arguido M., nos presentes autos, condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de €5,00.
A sentença transitou em julgado no dia 30-05-2012 (cfr. fls.108).
O prazo de prescrição é de quatro anos (art. 122º nº 1 al d) do Código Penal).
O período de dilação do pagamento da multa é causa de suspensão da prescrição (art. 125º nº 1 al. d) do Código Penal.
Sendo que a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
No caso sub judice o arguido requereu o pagamento em prestações da pena de multa em que tinha sido condenado, o que foi deferido.
O arguido não procedeu ao pagamento da totalidade das prestações.
O prazo de prescrição da pena de multa suspende-se durante o período em que o arguido foi autorizado a pagar a multa em prestações. Mas tendo o arguido faltado ao pagamento das prestações, vencendo-se todas as demais nos termos do disposto no art. 47º nº 5 do Código Penal, a causa de suspensão cessa no último dia do prazo que o arguido tinha para proceder ao pagamento dessa prestação (cfr. Ac do TRL de 25-09-2013 relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Margarida Ramos de Almeida, consultado in www.dgsi.pt).
Tendo em conta a data em que se iniciou a prescrição e o período de suspensão, importa concluir que o prazo de prescrição já decorreu.
Pelo exposto, declaro extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada nos autos ao arguido M..

Apreciemos.

Como resulta do estabelecido no artigo 122º, nº 1, alínea d) e nº 2, do Código Penal, o prazo de prescrição da pena de multa é de quatro anos, contados desde a data do trânsito em julgado da decisão que a tiver aplicado.

Assim, tendo em atenção que a sentença que condenou na pena de multa em apreço transitou em julgado em 30/05/2012, o termo do prazo de prescrição ocorreria em 30/05/2016, na ausência de verificação de alguma circunstância com virtualidade suspensiva ou interruptiva do decurso desse prazo.

Ora, de acordo com o consagrado no artigo 125º, nº 1, alínea d) e nº 2, do Código Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que perdurar a dilação do pagamento da multa e volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

E, resulta que, por despacho de 10 de Maio de 2013, o tribunal a quo autorizou o condenado a proceder ao pagamento da multa em cinco prestações mensais, iguais e sucessivas.

Na esteira do decidido no Ac. R. de Évora de 15/10/2013, Proc. nº 1715/03.7PBFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt, entendemos que a dilação do pagamento se inicia com o despacho judicial que autoriza o pagamento da multa em prestações, ao abrigo do artigo 47º, nº 3, do Código Penal – neste sentido se perfila também o Ac. R. de Coimbra de 07/10/2015, Proc. nº 519/08.5TAFIG.C1, que no mesmo sítio pode ser lido - e cessa com o vencimento da primeira das prestações não pagas, uma vez que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas, como se consagra no nº 5 do mesmo.

Mas, por força da alínea a), do nº 1, do artigo 126º, nº 1, do Código Penal, que se aplica tanto à pena de prisão como à de multa, o decurso do prazo de prescrição interrompe-se com a execução da pena.

Elucida-nos o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/2012, de 08/03/2012:

“(…) toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária, figuras que aqui não estão em discussão) enquanto não houver perda patrimonial, consubstanciando-se esta num pagamento, voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. Em relação à pena de multa, parece ser esse o entendimento de Cavaleiro de Ferreira quando, depois de referir o prazo de pagamento da multa, identifica o pagamento com a execução da multa: «Assim se indica o início do prazo para a execução voluntária da multa devida» (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, 1989, página 172)”.

Ou seja, a execução da pena tem lugar “com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento”, posição também já ventilada por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, UCE, 2ª edição, 2010, pág. 387, que menciona ser “só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena” e bem assim no Ac. R. de Évora de 15/10/2013, Proc. nº 1715/03.7PBFAR.E1, em www.dgsi.pt - “ultrapassado o dissídio jurisprudencial existente a propósito da “execução” da pena de multa deve entender-se hoje “a execução” da al. a) do nº 1 do artigo 125º do Código Penal como o cumprimento parcial (voluntário ou coercivo) da multa (…)”.

O início de pagamento verificou-se, pois o condenado liquidou a 1ª prestação que, mesmo efectuada fora do prazo, foi tida em conta pelo tribunal recorrido, constituindo este pagamento voluntário de parte da multa acto de execução e, por isso, dotado do mérito de despoletar o efeito interruptivo da prescrição da pena.

Assim, no caso sub judice, o prazo de prescrição da multa iniciou-se em 30/05/2012 (data de trânsito em julgado da sentença condenatória) e suspendeu-se entre 10/05/2013 (data de prolação do despacho que autorizou o pagamento da multa em prestações) e 30/05/2014 (data limite para o pagamento da 2ª prestação, que não foi liquidada), reiniciando-se no dia seguinte - artigo 125º, nº 3, do Código Penal: “a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.

E, tendo o condenado efectuado o pagamento da 1ª (e única liquidada) prestação da multa em 08/05/2014, nesta data ocorreu a interrupção do decurso do prazo prescricional, nos termos do artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal, começando a correr novo prazo de quatro anos, conforme se estabelece no seu nº 2.

Assim, com esta interrupção ocorrida em 08/05/2014, reinicia-se o prazo de prescrição de quatro anos. Porém, nessa data, o prazo encontrava-se suspenso por força da dilação para pagamento da multa, suspensão que cessou em 31/05/2014.

Destarte, o reinício do prazo ocorreu em 31/05/2014, sendo certo que não se verifica também o circunstancialismo previsto no nº 3, do artigo 126º.

Termos em que, a pena de multa não se mostrava à data da prolação do despacho recorrido (nem actualmente) prescrita.

Cumpre, pois, conceder provimento ao recurso.

III-DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da ...ª Secção desta Relação em conceder provimento ao recurso pelo Ministério Público interposto e, em consequência, revogam o despacho recorrido, devendo os autos seguir os seus ulteriores termos em conformidade.
Sem tributação.



Lisboa, 07/02/2017



(Artur Vargues)
(Jorge Gonçalves)