Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2540/16.0T8STB-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR
PRIVILÉGIOS MOBILIÁRIOS DO ESTADO
CREDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: No caso de concurso entre créditos do Estado por impostos, garantidos por privilégio mobiliário geral, créditos da segurança social, garantidos por privilégio mobiliário geral que, nos termos do n.º 2 do art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, e crédito garantido por penhor incidente sobre o bem penhorado, os pagamentos pelo produto da venda do bem penhorado devem respeitar a ordem supra apresentada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
No apenso de reclamação de créditos respeitante à execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, intentada por Novo Banco, S.A., contra Maria Clementina, José, Maria Augusta, João Pedro e Augusto, o reclamante Novo Banco, S.A., notificado da sentença de verificação e graduação de créditos, dela interpôs recurso de apelação, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 06.02.2018, com a referência n.º 373231922 pelo Tribunal a quo que graduou os créditos reconhecidos e reclamados pela Fazenda Nacional a título de IVA e créditos reconhecidos e reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P. à frente do crédito Exequendo e Reclamado pelo Novo Banco, S.A., garantido por penhor a favor do banco aqui recorrente, pelo produto da venda do Estabelecimento Comercial de Farmácia penhorado nos autos.
2. Entende o ora Recorrente que decisão diferente se impunha, designadamente, por não ter sido feita uma correcta subsunção dos factos ao direito.
3. Em 2016/06/07 foi penhorado no âmbito destes autos o estabelecimento comercial denominado “Farmácia (…)” sito na Rua 6, (…), Barreiro, bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P..
4. Para garantia do pagamento do crédito Exequendo, no valor de 1.655.335,15 € (Um Milhão Seiscentos e Cinquenta e Cinco Mil Trezentos e Trinta e Cinco Euros e Quinze Cêntimos) acrescidos de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, custas e demais despesas a suportar com o Agente de Execução, foi constituído Penhor de 2º Grau sobre o Estabelecimento Comercial de Farmácia denominado Farmácia (…), sito em Urbanização (…), Barreiro, bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed, antes denominado Instituto Nacional da Farmácia e 48 do Medicamento, I.P. e agora Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P..
5. Para garantia do pagamento do crédito reclamado, no valor de € 107.406,77 (cento e sete mil, quatrocentos e seis euros e setenta e sete cêntimos), acrescidos de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, foi constituído Penhor de 1º Grau sobre o Estabelecimento Comercial de Farmácia denominado Farmácia (…), sito em Urbanização (…), Barreiro, bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed, antes denominado Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, I.P. e agora Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P..
6. O crédito exequendo e reclamado pelo Novo Banco, S.A. não foi objecto de quaisquer Embargos e/ou oposição, tendo sido reconhecido in totum na sentença em apreço.
7. Todavia, o Tribunal a quo entendeu graduar os créditos reconhecidos e reclamados pela Fazenda Nacional a título de IVA e créditos reconhecidos e reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P. à frente dos créditos pignoratícios da titularidade do Novo Banco, S.A.,, pelo produto da venda do aludido Estabelecimento Comercial de Farmácia penhorado nos autos.
8. Deverá improceder este entendimento do Tribunal a quo.
9. Pois, as garantias têm por função proteger os direitos de crédito, sendo certo que a garantia geral dos credores é constituída pelo património do devedor, nos termos do disposto pelo artigo 601º do Código.
10. A esta garantia geral das obrigações pode acrescer um especial reforço através de garantia real dada pelo devedor.
11. O penhor é uma garantia real que confere ao credor, de acordo com o estatuído pelo artigo 666º, nº 1, do Código Civil.
12. No penhor de direitos, como o acentua a norma do art.680º do CC, exige-se que estes tenham por objeto coisas móveis e sejam transmissíveis – o que se verifica in casu com o penhor de 1º e 2º grau constituído a favor do recorrente (crédito exequendo e crédito reclamado).
13. Nos termos do art. 749.º, n.º 1, do Código Civil, o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos, que, recaindo sobre coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
14. Da conjugação do art. 666.º, n.º 1, do Código Civil, que confere prioridade absoluta ao penhor, com o disposto no art. 749.º, n.º 1, do mesmo diploma resulta que, no confronto entre um privilégio geral e o penhor, a preferência deve ser dada a este direito real de garantia (nesse sentido, cfr. entre outros o Ac. do STJ de 30.05.2006, proc. n.º 06A1449, em www.dgsi.pt. )
15. É certo que o art. 204.º, n.º 2, da Lei n.º 110/2009 determina que o privilégio mobiliário geral de que beneficiam as instituições de segurança social prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
16. Dúvidas inexistem que, por força deste normativo, se concorrerem apenas créditos das instituições de segurança social com créditos garantidos por penhor, o crédito da Segurança Social deve ser graduado à frente do crédito pignoratício.
17. No entanto, quando além dos créditos da Segurança Social concorram com o crédito pignoratício outros créditos dotados de privilégio mobiliário geral, maxime de créditos por impostos, gera-se uma evidente contradição normativa: é que art. 204.º, n.º 1, da Lei n.º 110/2009 manda graduar o crédito da segurança social a par com o crédito por impostos, o n.º 2 graduar o crédito da segurança social a seguir ao crédito pignoratício e o art. 747.º, n.º 1, do Código Civil, por seu turno, graduar o crédito por impostos a seguir a este último.
18. Atento este cenário, perfilhamos do entendimento plasmado no Ac. do TRC, datado de 20.06.2017, proferido no âmbito do Processo n.º 6100/16.8T8CBR-C.C1, onde foi relator Dr. LUÍS CRAVO, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, de que esta “lacuna de colisão” deve ser colmatada através da prevalência absoluta do crédito pignoratício, no confronto com os diversos créditos privilegiados, tendo em conta a natureza excecional que revestem as normas que conferem privilégios gerais - certo que, à margem da autonomia privada, afetam o princípio da igualdade dos credores -, a determinar que não possam ser aplicadas por analogia e que, quanto a elas, deva prevalecer o critério da sua interpretação restritiva (nesse sentido, o Ac. da RC de 23.04.1996, CJ, t. II, pág. 36, e de 25.01.2011, proc. n.º 825/08.9TBMGR-K, C.1 e o Ac. da RP de 6.05.2010, proc. n.º 744/08.9TBFVR-E.P1, estes em www.dgsi.pt, e Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de Credores, Almedina, 2004, pág. 302).
19. Como tal, e tendo em consideração o princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico (a que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 363/02, de 17.09.2002, publicado no DR n.º 239, I-A de 16.10.2002, apelou para declarar inconstitucional as normas contidas nos arts. 2.º do Dec. Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e 11.º do Dec. Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo o qual o privilégio mobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca e Acórdão n.º 362/2002, datado de 17.09.2002, publicado no DR n.º 239, I-A de 16.10.2002, em relação ao créditos de natureza fiscal/tributários da titularidade da Autoridade Tributária/Fazenda Nacional), deve concluir-se que, no confronto entre o direito de crédito garantido por penhor e os direitos de créditos garantidos por privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais e da titularidade das instituições de segurança social derivados de taxa contributiva, a prevalência deve operar por essa ordem, com o crédito garantido por penhor a ser graduado em 1º lugar.
20. Nesta conformidade todo exarado na decisão recorrida relativamente à graduação dos créditos reclamados que preferem no produto da venda do Estabelecimento Comercial de Farmácia denominado Farmácia (…), sito em Urbanização (…), Barreiro, bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. deverá, necessariamente, soçobrar, devendo a mesma ser revogada e proferida uma outra nos exactos termos aqui exarados, devendo ser graduado em 1º lugar pela venda do aludido Estabelecimento Comercial os créditos garantidos por penhor, com sucede com o crédito reclamado e exequendo do aqui Recorrente.
21. Tendo a decisão recorrida violado os arts. 666º, n.º 1, 735º e 749º, n.º 1, todos do Código Civil e art. 2º da CRP.
O apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra nos exatos termos explanados.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão que se discute neste recurso é se os créditos do Novo Banco, exequendo e reclamado, que estão garantidos com penhor sobre o estabelecimento de farmácia penhorado nesta execução, prevalecem sobre os reclamados créditos da Segurança Social e das Finanças.
Da sentença recorrida resultam assentes os seguintes
Factos
1. Novo Banco, S.A., alegando que a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão foram transferidos da sociedade Banco Espírito Santo, S.A. para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A., tendo em vista as finalidades enunciadas no art.º 145.º-A do RGICSF, reclamou a verificação e graduação de um crédito no montante global de € 107.406,77, a que deverão acrescer juros legais já vencidos desde a data do vencimento da aludida livrança, Imposto de Selo sobre os juros, despesas prováveis do Agente de Execução e ainda juros legais vincendos até integral e efetivo pagamento, crédito objeto do processo de execução que move aos executados e que sob n.º 2541/16.9T8STB, que corre os seus termos na Comarca de Lisboa - Almada – Instância Central – 2ª Secção de Execução – J2, crédito garantido por hipotecas voluntárias em vigor e Penhor de 1º Grau sobre o Estabelecimento Comercial de Farmácia denominado Farmácia (…), bem penhorado na execução a que estes autos estão apensos.
2. Instituto da segurança Social, IP. reclamou a verificação e graduação de créditos no montante de € 70.734,93 e respetivos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo os vencidos até Julho de 2017 no valor de € 7.561,89, referente a contribuições para a segurança social em dívida pelo executado José (…), crédito garantido por privilégio mobiliário geral e por privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, no termos dos artigos 204º e 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
3. A Fazenda Nacional reclamou a verificação e graduação de um crédito no montante global de € 100.979,27, relativo a impostos em dívida pelos executados Maria Clementina (…) e José (…), alegando para tanto o seguinte:
1º- Em 07/06/2016, foi penhorado o estabelecimento comercial, denominado “Farmácia (…)”, sito em Rua 6, (…), incluindo os direitos emergentes do Alvará, emitido pelo INFARMED, sob o n.º (…), do qual fazem parte integrante os bens constantes em anexo, que é pertença dos executados;
2º - A executada deve à Fazenda Nacional a seguinte quantia proveniente de I.R.S.:  a) €: 49.222,45, referente ao ano de 2015 inscrito para cobrança em 22/03/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 207,61;
3º - O executado deve à Fazenda Nacional a seguinte quantia proveniente de I.R.S.:  a) €: 501,00, referente ao ano de 2016 inscrito para cobrança em 20/12/2016, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 4,23; b) €: 49.222,45, referente ao ano de 2015 inscrito para cobrança em 22/03/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 207,61;
4º- O executado deve à Fazenda Nacional as seguintes quantias provenientes de I.V.A.: a) €:1.920,91, referente ao mês de Setembro do ano de 2016, inscrito para cobrança em 23/11/2016, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 16,20;  b) €:508,37, referente ao mês de Outubro do ano de 2016, inscrito para cobrança em 27/12/2016, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 4,28;  c) €: 1.092,05, referente ao mês de Dezembro do ano de 2016, inscrito para cobrança em 22/02/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 9,22;  d) €:1.255,41, referente ao mês de Janeiro do ano de 2017, inscrito para cobrança em 22/03/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 10,59; e) €:1430,60, referente ao mês de Fevereiro do ano de 2017, inscrito para cobrança em 24/04/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 12,06; f) €:907,01, referente ao mês de Março do ano de 2017, inscrito para cobrança em 24/05/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 12,22; g) €:1.011,88, referente ao mês de Abril do ano de 2017, inscrito para cobrança em 26/06/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 9,09; h) €:622,56, referente ao mês de Maio do ano de 2017, inscrito para cobrança em 24/07/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 3,22; i) €:1.085,02, referente ao mês de Junho do ano de 2017, inscrito para cobrança em 28/08/2017, sendo devidos juros de mora desde essa data, e que até Setembro de 2017 perfazem o valor de €: 0.44;
5º- Os créditos supra indicados estão vencidos, são líquidos e exigíveis.
6º- Os créditos provenientes de I.V.A. gozam de um privilégio mobiliário geral sobre o bem penhorado, atento o disposto no artigo 736º, n.º1, do Código Civil.
7º- Os créditos provenientes de I.R.S. gozam de um privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes mo património dos sujeitos passivos à data da penhora, atento o disposto nos artigos 111º do C.I.R.S., 736º, n.º 1, do Código Civil e artigo 50º, n.º 2 da L.G.T.
4. Foram admitidas liminarmente as reclamações.
5. Notificados Reclamados e exequente, não houve oposição.
6. Os créditos reclamados, por estarem devidamente documentados e não tendo sido impugnados, foram tidos por reconhecidos, bem como as respetivas garantias reais.
7. Nos autos de execução foram penhorados:
a) Pela AP. 3430 de 2016/05/25, o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Barreiro, freguesia Lavradio, sob o nº (…)/20090528.
b) Em 2016/06/07 o estabelecimento comercial denominado “Farmácia (…)” sito na Rua 6, (…), Barreiro, Setúbal.
8. Sobre o imóvel referido em 7. a) encontra-se registada a favor do Banco Espírito Santo, S.A., pela AP. (…) de 2012/06/06, uma hipoteca voluntária, destinada a garantir as obrigações emergentes:  a) do contrato de financiamento em regime multiusos BES Express BILL nº zero zero um seis um dois zero zero zero zero um cinco tres tres zero, no montante de cem mil euros, celebrado entre o BES e José (…) e mulher Maria Clementina (…), contribuintes nºs (…) e (…);  b) do contrato de financiamento nº zero zero um seis um dois zero zero zero zero um cinco tres três um, no montante de um milhão quinhentos mil euros, celebrado entre o BES e João Pedro (…) e Augusto (…), contribuintes número (…) e (…). JURO ANUAL - 9% acrescido de 2% a título de cláusula penal. DESPESAS - 64 000, 00 Euros, sendo o máximo assegurado 2.192.000,00 Euros.
9. A referida hipoteca está hoje inscrita a favor do Exequente/Reclamante, Novo Banco, S.A., cf. AVERB. - AP. (…) de 2015/04/24. 4.
10. A favor do Banco Espírito Santo, S.A. foi constituído Penhor de 1º Grau sobre o Estabelecimento Comercial de Farmácia denominado Farmácia (…), sito em (…), Barreiro, Setúbal, bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed, antes denominado Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, I.P. e agora Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. , bem como dos direitos emergentes do Alvará n.º (…) emitindo pelo Infarmed, antes denominado Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, I.P. e agora Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. - o estabelecimento comercial referido em 7.b).
11. Na sentença recorrida, graduou-se os créditos, para serem pagos pelo produto da venda do estabelecimento comercial penhorado, pela seguinte forma:
1.º Crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IVA;
2.º Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP;
3.º Crédito exequendo e crédito reclamado pelo Novo Banco, S.A.,
Saindo precípuas as custas da execução e do concurso de credores.
O Direito
Está em causa a graduação a fixar entre os créditos do apelante, que estão incontroversamente garantidos por penhor incidente sobre o estabelecimento de farmácia penhorado nestes autos, os créditos da Fazenda Nacional, emergentes de impostos e os créditos da Segurança Social, respeitantes a contribuições em dívida.
Como é sabido, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos eventuais juros, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro (art.º 666.º n.º 1 do Código Civil). É uma garantia real completa, incidente ab initio sobre uma coisa ou direito em concreto, oponível erga omnes (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, nota ao art.º 666.º).
Por sua vez o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 733.º do Código Civil).
O privilégio creditório mobiliário é geral quando abrange o valor de todos os móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de ato equivalente (n.º 2 do art.º 735.º do Código Civil).
Nos termos do n.º 1 do art.º 749.º do Código Civil, o privilégio creditório geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
Ou seja, não vale contra direitos reais de gozo que terceiros tenham adquirido, bem como sobre os direitos reais de garantia que o devedor haja entretanto constituído. A existência do privilégio geral não impede que o devedor aliene ou onere bens do seu património. Essas alienações são oponíveis ao credor, ao qual caberá, se for o caso, o direito de usar da impugnação pauliana (P. Lima e A. Varela, obra citada, nota ao art.º 749.º do CC).
Os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia pois que não incidem sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real e, consequentemente, não conferem ao respetivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam.
Assim, eles assumem-se como meros direitos de prioridade que apenas têm algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais na medida em que prevalecem contra os credores comuns na execução do património do devedor.
Consequentemente, ao contrário do que sucede com os privilégios especiais, os quais, nos termos do art.º 750.º do CC são suscetíveis de prevalecer sobre o direito de terceiro garantido por uma causa de preferência, os privilégios gerais não são, ex vi do art.º 749.º C.Civ., oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor.
Porém, poderão existir regras especiais que derroguem este regime geral.
É o que sucede com os créditos da segurança social, nos termos constantes no art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16.9, com as alterações publicitadas):
Privilégio mobiliário
1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.
2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.”
Isto é, os aludidos créditos da segurança social gozam de privilégio geral mobiliário e, além disso, prevalecem sobre créditos garantidos por penhor, ainda que de constituição anterior. Assim, os créditos reclamados nesta execução pela Segurança Social prevalecem sobre os créditos da ora apelante, pese embora estes estarem garantidos por penhor.
A conformidade deste regime com a Constituição da República, nomeadamente em face aos princípios da igualdade e da confiança, tem sido atestada pelo Tribunal Constitucional, tendo em vista a relevância das finalidades subjacentes ao sistema da segurança social e atendendo à não total sobreposição, relativamente ao penhor, das razões, atinentes à hipoteca, que levaram à declaração da inconstitucionalidade (acórdão 363/02, de 17.9.2002, publicado no DR n.º 269, I-A, de 16.10.2002 e acórdão 362/2002, de 17.9.2002, publicado no DR n.º 239, I-A, de 16.10.2002) das normas que concediam privilégios imobiliários gerais, prevalecentes sobre hipotecas, ainda que previamente constituídas, aos créditos da Segurança Social e aos créditos fiscais/tributários titulados pela Autoridade Tributária/Fazenda Nacional (vide, sobre a constitucionalidade do regime do privilégio mobiliário geral reconhecido aos créditos da segurança social, acórdão do TC n.º 64/2009, de 10.02.2009 e acórdão do TC n.º 108/2009, de 10.3.2009).
O regime consignado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 204.º do Código da Segurança Social tem já longa tradição no nosso sistema jurídico, conforme se dá conta no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 64/2009, de 10.02.2009:
“Os créditos por contribuições devidas a caixas sindicais de previdência, caixas de reforma ou de previdência e caixas de abono de família gozavam, já em 1951, do privilégio mobiliário geral que lhes era concedido pelo artigo 14º do Decreto-Lei nº 38 538, de 24 de Novembro.
Posteriormente, o artigo 167º do Decreto-Lei nº 45 266, de 23 de Setembro de 1963, manteve o privilégio mobiliário geral dos créditos por contribuições devidas às caixas sindicais de previdência, tendo sido, no entanto, questionada a subsistência deste privilégio face ao texto do artigo 8º do Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966, diploma que aprovou o Código Civil (sobre isto, cf. Vaz Serra, “O privilégio mobiliário geral das caixas sindicais de previdência”, Revista dos Tribunais, Ano 90º, nº 1875, 1972, p. 387 e ss. e Pessoa Jorge, “Privilégio creditório a favor das instituições de previdência”, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 169-170, 1973, p. 67 e ss.).
As dúvidas foram definitivamente dissipadas com a publicação do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho – diploma que tinha por objectivo definir as garantias que assistiam aos créditos por contribuições do regime geral de previdência e aos respectivos juros de mora –, cujo artigo 1º prescrevia que os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil, prevalecendo este privilégio sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
Esta garantia dos créditos das caixas de previdência por contribuições e respectivos juros de mora manteve-se no artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, diploma que estabeleceu o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência. “O pagamento pontual das contribuições devidas às instituições de previdência é absolutamente indispensável como fonte básica de financiamento das prestações da segurança social” (ponto 1. da Exposição de motivos do diploma).
Por outro lado, o legislador tem mantido, ao longo do tempo, a prevalência, nos pagamentos forçados, dos créditos do Estado sobre os da segurança social, graduando os respetivos privilégios creditórios à frente dos da segurança social (vide, sucessivamente, art.º 1.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 512/76, art.º 10.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 103/80 e art.º 204.º n.º 1 do Código da Segurança Social).
O que tornou recorrente a seguinte dúvida: prevendo a lei, expressamente, a prevalência dos créditos da segurança social sobre os créditos garantidos por penhor, e prevendo que o privilégio creditório mobiliário da segurança social se gradua após o privilégio creditório mobiliário por imposto do Estado, como proceder à respetiva graduação, no caso de concurso das três espécies de créditos?
A este respeito têm-se apresentado três correntes:
Para a primeira, ora defendida pelo apelante e de que se faz eco o acórdão por si citado (acórdão da Relação de Coimbra, de 20.06.2017, processo 6100/16.8T8CBR-C.C1), quando além dos créditos da Segurança Social concorram com o crédito pignoratício outros créditos dotados de privilégio mobiliário geral, maxime créditos por impostos, gera-se uma lacuna de colisão, na medida em que, resultando do n.º 1 do art.º 204.º do Código da Segurança Social, conjugado com o n.º 1 do art.º 747.º do CC, que o privilégio do Estado prevalece sobre o da segurança social, e resultando das regras gerais consagradas nos artigos 666.º n.º 1 e 749.º n.º 1 do CC que o privilégio mobiliário do Estado cede perante o crédito pignoratício, o n.º 2 do art.º 204.º do Código da Segurança Social estipula a prevalência do crédito da segurança social sobre o crédito pignoratício. Tal lacuna, defendem os seguidores desta linha de entendimento, deverá ser colmatada através da prevalência absoluta do crédito pignoratício, no confronto com os diversos créditos privilegiados, tendo em conta a natureza excecional que revestem as normas que conferem privilégios gerais - certo que, à margem da autonomia privada, afetam o princípio da igualdade dos credores -, a determinar que não possam ser aplicadas por analogia e que, quanto a elas, deva prevalecer o critério da sua interpretação restritiva.Como tal, e tendo em consideração o princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico (a que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 363/02, de 17.09.2002, apelou para declarar inconstitucional as normas contidas nos arts. 2.º do Dec. Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e 11.º do Dec. Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo o qual o privilégio mobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca), deve concluir-se que, no confronto entre o direito de crédito garantido por penhor e os direitos de créditos garantidos por privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais e da titularidade das instituições de segurança social derivados de taxa contributiva, a prevalência deve operar por essa ordem.” (citado acórdão da Relação de Coimbra, de 20.06.2017; no mesmo sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto, 11.9.2018, processo 1211/17.5T8AMT-E.P1; acórdão da Relação de Guimarães, 25.5.2017, processo 703/13.0T8MDL-K-G1; Relação de Évora, 05.11.2015, processo 284/14.7TBRMR-A.E1; Relação do Porto, 15.9.2011, CJ XXXVI, tomo IV, pp. 173 e ss; STJ, 22.4.1999, processo 98B1084; na doutrina, Salvador da Costa, O concurso de credores, 4.ª edição, Almedina, p. 275; António Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, Coimbra Editora, p. 91, nota 126).
Para a segunda corrente a referida antinomia deverá resolver-se dando prevalência ao crédito da segurança social, seguindo-se o crédito pignoratício e, finalmente, os outros créditos protegidos por privilégios mobiliários, nomeadamente os do Estado (Relação de Guimarães, 31.3.2016, processo 565/14.0T8VCT-B.G1; Relação de Coimbra, 11.12.2012, processo 241/11.5TBNLS-B.L1; Relação de Évora, 30.4.2015, processo 1277/13.7TBCTX-B.E1; STJ, 06.3.2003, processo 03B034).
Finalmente, para uma terceira corrente, em que se filia a sentença recorrida, os créditos do Estado serão pagos em primeiro lugar, a seguir o crédito da segurança social e, finalmente, o crédito pignoratício.
E, com efeito, parece-nos ser esta última visão das coisas aquela que deve ser seguida.
A primeira corrente, a pretexto de, em suprimento de uma lacuna, aplicar as regras gerais, acaba por afrontar a lei, dando prevalência a um crédito (crédito pignoratício) que norma especial expressa subordina ao crédito da segurança social.
A segunda corrente, conforme se ponderou no acórdão do STJ, de 24.9.1999, publicado na Col. de Jurisp, CJ STJ VII, tomo II, p. 77, não tem correspondência, nem na letra nem no espírito, com qualquer das formulações normativas em confronto, não se conformando quer com a disciplina do art.º 749.º, quer com o regime especial do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80 (atualmente, art.º 204.º do Código da Segurança Social).
Já a terceira posição é a única que, por um lado, respeita a proteção concedida aos créditos da segurança social expressamente consignada no n.º 2 do art.º 204.º do Código da Segurança Social e, em simultâneo, se harmoniza com a hierarquia implicitamente e logicamente decorrente do disposto no art.º 204.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Segurança Social, e 747.º n.º 1 al. a) do CC, devendo, como é próprio do funcionamento do sistema jurídico, as regras gerais contidas nos artigos 666.º n.º 1 e 749.º n.º 1 do CC ceder perante o regime especial supra descrito (neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Coimbra, 16.5.2000, CJ XXV, tomo III, pp. 9 e seguintes; STJ, 29.4.1999, supra citado, também consultável em www.dgsi.pt, embora com data de 20.04.1999, processo 99A200; STJ, 26.9.1995, BMJ 449, p. 339 e ss; STA, 22.3.1995, processo 013718; STA, 11.11.1992, processo 014274; sentença de José da Silva Paixão, 04.3.1985, CJ X, tomo I, p. 355 e ss; Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 40/90, de 07.11, BMJ 415, pp. 55 e ss, também consultável em www.dgsi.pt; na doutrina, Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 853).
A apelação é, assim, improcedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 4 do CPC).

Lisboa, 09.5.2019

Jorge Leal
Pedro Martins
Laurinda Gemas