Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
228/12.0TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: SOCIEDADE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – A gestão danosa, quando conexionada com a responsabilização pessoal dos 4.º a 7.º Réus, na sua qualidade de sócios e/ou administradores/gerentes, não pode ou deve ser somente configurada à luz da desconsideração da personalidade jurídica, podendo e devendo, em função dos factos alegados e dados como assentes, ser também reconduzido ao regime dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho de 2009 e 78.º, 79.º e 83.º do Código das Sociedades Comerciais, convindo lembrar, a este propósito, que segundo o artigo 664.º do Código de Processo Civil de 1961, «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º.»

II – Os créditos reclamados pelos Autores constituem retribuições e outras prestações de cariz laboral devidos por força do contrato de trabalho e/ou como contrapartida da atividade pelos mesmos desenvolvida para a 1.ª Ré, o que faz esta cair numa situação de incumprimento, conforme se mostra prevista nos artigos 323.º e 324.º do Código do Trabalho de 2009, ressaltando dos autos que a empregadora, após ter entrado em mora contratual – que acabou por motivar a resolução, com invocação de justa causa, por parte dos trabalhadores dos respetivos vínculos jurídico-profissionais –, incorreu na prática de atos de transmissão ou disposição do seu património social que se mostram proibidos pelos números 2 e 3 do artigo 324.º e número 1, alíneas d) e e) do artigo 313.º, o que acarreta a sua anulabilidade.                                             

III – A 4.ª Ré, enquanto gerente da 1.ª Ré, atuou em clara violação de normas legais que protegem os interesses dos credores da mesma, numa gestão danosa para a satisfação dos seus direitos de crédito, que se reconduz ao estatuído nos números 2 do artigo 335.º do Código do Trabalho de 2009 e 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais, implicando, nessa medida, que responda solidária e conjuntamente com tal sociedade, pelas dívidas que esta tem para com os aqui Autores, revelando-se o património conhecido manifestamente insuficiente para cobrir o montante global dos créditos reclamados pelos trabalhadores na ação principal.       

IV – A presunção contida no número 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009 permite atribuir o cariz retributivo a uma dada prestação paga pelo empregador ao trabalhador mas não lhe confere a categoria de retribuição-base.       

         (Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


I – RELATÓRIO

MAFPM, casado, titular do BI n.º (…), emitido em 03/04/2008 pelo SIC de Lisboa, com residência na Rua (…), n.º 5, 4.º A, em Mem-Martins, como 1.º Requerente, JPGP, casado, titular do BI n.º (…), emitido em 06/01/2005 pelo SIC de Lisboa, com residência na Rua (…) lote 465, 5.º A, em Lisboa, como 2.º Requerente, MFFPP, divorciada, titular do BI n.º (…), emitido 06/01/2005 pelo SIC de Lisboa, com residência na Rua (…), n.º 7, 1.º esquerdo, em Lisboa, como 3.º Requerente, OJSS, casado, titular do BI n.º (…), emitido em 16/07/2003 pelo SIC de Lisboa, com residência na Rua (…), n.º 5, 4.º D, em Mem-Martins, como 4.º Requerente, PASF, solteiro, titular do BI n.º (…), emitido em 03/08/2006 pelo SIC de Lisboa, com residência na Avenida (…), n.º 10, 4.º esquerdo, em Mem-Martins, como 5.º Requerente, JNFP, solteiro, titular do BI n.º (…), emitido em 24/03/2008 pelo SIC de Lisboa, com residência na Avenida (…), lote 552, 13.º F, em Lisboa, como 6.º Requerente, FMBSR, BI n.º (…), de 05/11/2007, emitido pelo SIC de Lisboa] com residência na Rua (…), n.º 22, em Almargem do Bispo, como 7.º Requerente, ARMPP, casado, titular do BI n.º (…), emitido em 06/09/2006 pelo SIC de Lisboa com residência na Rua (…), n.º 19, r/c direito, em Rio de Mouro, como 8.º Requerente, e PEVGT, unido de facto, titular do CC n.º (…), válido até 10/07/2014, emitido pelo SIC de Lisboa, com residência na Rua (…), lote 9, 2.º direito, em Pinhal Novo, como 9.º Requerente, vieram propor, em 18/01/2012, a presente ação de declarativa de condenação, com processo comum contra AA – IMPORTAÇÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Travessa (…), n.º 1, 1.º, (…) Lisboa, como 1.ª Requerida, BB – SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…) n.º 11 A/B, (…) Lisboa, como 2.ª Requerida, CC – IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Travessa (…), n.º 1, 3.º, (…) Lisboa, como 3.ª Requerida, DD, NIF (…), com residência na Rua (…) lote A7, 6.º D, (…) Lisboa, titular de uma quota de € 12.500,00 da sociedade comercial AA LDA e sua gerente cumulativamente titular de uma quota de €50000,00 da sociedade comercial CC e sua gerente, como 4.ª Requerida, EE, NIF (…), com residência na Rua (…) lote A7, 6.º D, (…) Lisboa, titular de uma quota de €12500,00 da sociedade comercial AA, como 5.ª Requerida, FF, NIF (…), com residência na Rua (…) lote A7, 6.º D, (…) Lisboa, presidente do conselho de administração da sociedade comercial LISBONENSE SOM SA e cumulativamente representante legal da sócia EE, aqui 4.ª Requerida, na sociedade comercial AA LDA até esta completar a maioridade, como 6.º Requerido, GG, NIF (…), com residência na Rua (…) n.º 48, 2.º, (…) Algés, titular de cargo no conselho de administração da sociedade comercial BB SA, como 7.º Requerido, formulando os seguintes pedidos:

«1. O reconhecimento da justa causa de resolução dos contratos de trabalho que operaram e a consequente condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia global de €174.812,57 a título de indemnizações, acrescida de juros de mora;

2. A condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia global de €48.828,19 a título de retribuições, acrescida de juros de mora;

3. A condenação solidária dos Réus no pagamento de salários intercalares, acrescidos de juros de mora;

4. A condenação solidária dos Réus no pagamento dos valores retidos e não entregues referentes a contribuições da Segurança Social»

*

Após os articulados, os Autores, a fls. 474 e seguintes, aditaram pedidos e a causa de pedir e peticionaram:

«5. A declaração de nulidade dos negócios de transferência da propriedade dos veículos de matrícula 00-CH-00, 00-DM-00, 00-00-OL e 00-00-QT da AA para terceiros».

*

Para tal, alegaram os Autores, em síntese, (…)

*

Foi agendada data para a realização da Audiência de Partes, conforme despacho judicial de fls. 201, tendo os Réus sido citados para o efeito, através de Carta Registada com Aviso de Receção, como resulta do expediente constante de fls. 202 a 252.

Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 260 e 261), foram os Réus notificados para contestar, no prazo de 20 dias[1] e sob a cominação legal, o que os mesmos fizeram, em tempo devido, e nos termos de fls. 282 e seguintes, tendo-se defendido por exceção e impugnação.

Excecionando invocam a ilegitimidade dos Réus BB, CC UNIPESSOAL, DD, EE, FF e GG.

Impugnando sustentam a ausência de culpa na falta de pagamento dos salários dos Autores, refutam a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades Rés e invocam o pagamento parcial dos créditos reclamados.

*

Os Autores vieram responder, a fls. 462 e seguintes, à exceção arguida pelos Réus, tendo sustentado a sua improcedência.   

*

Foi proferido, a fls. 504 e seguintes e com data de 12/12/2012, despacho saneador, no qual foi admitida a cumulação de pedidos e causa de pedir requerida pelos Autores, fixado à ação o valor indicado por estes últimos na sua Petição Inicial, dispensada a realização de Audiência Preliminar - bem como, aliás, em momento posterior, a seleção da matéria de facto -, declarada, oficiosamente, a incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer da condenação dos Réus no pagamento dos descontos à Segurança Social, com a sua inerente absolvição da instância, julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva arguida pelos Réus[2], considerada regular e válida a instância nas demais vertentes, admitidos os róis de testemunhas de fls. 67 (Autores) e 354 (Réus) e mantidas as datas da realização da Audiência de Discussão e Julgamento já antes designadas em Audiência de Partes.

*

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo conforme ressalta das Atas de fls. 632 a 637 e 638 a 640 dos autos, não tendo o único depoimento testemunhal aí prestado sido objeto de gravação.

As partes, no início da primeira sessão de julgamento, manifestaram o acordo relativamente a diversos factos da Petição Inicial e dos demais articulados apresentados pelos Autores.   

A matéria de facto foi decidida por despacho proferido a fls. 641 a 682 que não suscitou quaisquer reparos pela parte presente (Autores).

Foi então proferida, de imediato, a fls. 683 a 758 e com data de 22/03/2013, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

“Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:

I – Condeno AA, LDA. a pagar a MAFPM:

1. A quantia de € 18.409,37 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de € 7.412,75 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

II – Condeno AA, LDA a pagar a JPGP:

1. A quantia de € 15.427,90 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de € 5.172,56 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

III – Condeno AA, LDA a pagar a MFFPP:

1. A quantia de € 15.568,52 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de € 9.091,12 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

IV – Condeno AA, LDA a pagar a OJSS:

1. A quantia de €8.757,49 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €6.058,00 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

V – Condeno AA, LDA a pagar a PASF:

1. A quantia de €8.847,04 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €4.883,82 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

VI – Condeno AA, Lda. a pagar a JNFP:

1. A quantia de €8.847,04 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €5.405,34 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

VII – Condeno AA, LDA. a pagar a FMBSR:

1. A quantia de €7.632,87 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €5.819,17 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

VIII – Condeno AA, Lda. a pagar a ARMPP:

1. A quantia de € 6.456,60 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €5.430,28 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

IX – Condeno AA, LDA a pagar a PEVGT:

1. A quantia de € 3.469,54 a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;

2. A quantia de €3.972,50 a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

X – Absolvo BB, S.A., CC -IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO UNIPESSOAL, LDA., DD, EE, FF e GG de todos os pedidos formulados nos autos;

Custas a cargo dos Autores e da Ré AA na proporção dos respetivos decaimentos (cf. art.º 446.º do CPC).

Registe e notifique, observando o disposto no art.º 76.º do CPT.”

*
Os Autores, inconformados com tal sentença, vieram, a fls. 779 e seguintes, dela interpor recurso, que foi admitido a fls. 839 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Os Apelantes apresentaram, a fls. 781 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

*

Os Réus não apresentaram contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificados para o efeito.

*

O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu, a fls. 845 e 846, parecer no sentido da improcedência do recurso, não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.

*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – OS FACTOS

    (…)

*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

(…)

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

(…)

C – OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES DE DIREITO  

Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que, em termos de discordância com a sentença impugnada, são suscitadas pelos trabalhadores as três seguintes questões:

a) Desconsideração da personalidade jurídica - levantamento da personalidade coletiva das Rés - extensão da responsabilidade dos créditos dos trabalhadores aqui recorrentes, na sua qualidade de credores sociais, às sociedades AA – IMPORTAÇÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA., BB – SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A e sócios EE e FF[3];

b) Ajudas de custo - sua natureza jurídica - integração na retribuição-base;

c) Reflexo da integração das ajudas de custo na retribuição-base no valor das indemnizações devidas por força da resolução com justa causa dos contratos de trabalho dos autos promovida pelos recorrentes;

d) Nulidade dos negócios jurídicos relativos às viaturas automóveis.         

D - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADEJURÍDICA - EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE

Afigura-se-nos importante abordar esta primeira problemática suscitada pelos Autores, impondo-se, por um lado, recordar os pedidos pelos mesmos formulados no final da sua Petição Inicial[4] e referentes aos Réus AA – IMPORTAÇÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA., BB – SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A, CC – IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO UNIPESSOAL, LDA., DD, EE, FF e GG, por outro, o teor da decisão condenatória prolatada pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e, finalmente, as conclusões da Apelação que abordam tal matéria:

(…)

A sentença recorrida, acerca de tal problemática, fundamentou a sua decisão nos seguintes moldes:

(…)

Chamemos, por fim, à colação, a seguinte factualidade com relevância para estas primeiras questões, que não se mostra discriminada na fundamentação acima reproduzida:

«9.º - Em 15 de Fevereiro de 2012 foram inscritos na matrícula referida em 7.º os atos de dissolução e encerramento da liquidação e de cancelamento da matrícula;

117.º - A AA era proprietária das seguintes viaturas:

- Veículo de marca Citroen, modelo BERLINGO, matrícula 00-DM-00;

- Veículo de marca Hyundai, modelo H1, matrícula 00-CH-00;

- Veículo de marca Mercedes-Benz, modelo 308 D/35,5, matrícula 00-00-OL;

- Veículo de marca Citroen, matrícula 00-00-QT;

118.º - Desde 30 de Dezembro de 2011 a propriedade do veículo de marca Citroen, modelo BERLINGO, matrícula 00-DM-00, encontra-se registada a favor de JAR, antigo funcionário e vogal do conselho de administração da BB;

119.º - Desde 10 de Janeiro de 2012 a propriedade do veículo de marca Hyundai, modelo H1, matrícula 00-CH-00, encontra-se registada a favor de HAMM, funcionário da BB e AA;

120.º - Desde 14 de Fevereiro de 2012 a propriedade do veículo de marca Mercedes-Benz, modelo 308 D/35,5, matrícula 00-00-OL, encontra-se registada a favor da HH, S.A. antiga fornecedora de bens da Ré;

121.º - Desde 23 de Abril de 2012 a propriedade do veículo de marca Citroen, matrícula 00-00-QT encontra-se registada a favor de LMSBV, funcionário da RALIC II;

122.º - Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, desde 1 de Fevereiro de 2012, a sociedade II, LDA., com o seguinte objeto: importação, representação, distribuição e comércio de equipamento elétrico e eletrónico;

123.º - Figuram como sócios da sociedade referida em 122.º: JPCC e HAMM.».

Da leitura da Petição inicial apresentada pelos Autores constata-se, desde logo, que as únicas referências a normas jurídicas que justifiquem a desconsideração ou afastamento da personalidade jurídica das três Requeridas e a responsabilização subsidiária dos demais Réus pessoas singulares são as dos artigos 1.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e 601.º e 334.º do Código Civil, sustentando-se tais pedidos numa causa de pedir complexa que, em termos factuais, se traduz, numa palavra, na mistura e indiferenciação de patrimónios coletivos e particulares, bem como no desenvolvimento de uma gestão danosa relativamente à 1.ª e 2.ª Rés.

Se atentarmos na síntese constante da fundamentação da sentença recorrida, verificamos que a mesma lança mão essencialmente do artigo 334.º do Código Civil (instituto do abuso de direito), sufragando a posição defendida por uma parte considerável da nossa doutrina e jurisprudência.

Ora, se o primeiro cenário constitui um dos fundamentos normalmente invocados para o afastamento da personalidade coletiva[5], já o segundo não se reconduz primordialmente ou unicamente a tal instituto, que, aliás possui contornos jurídicos ainda imprecisos, até porque, como referem os segundos autores identificados na Nota de Rodapé n.º 9, o mesmo não tem base legal inequívoca[6], inexistindo «na legislação societária portuguesa preceito legal que assuma a função de a prever e concretizar de modo genérico», havendo significativas divergências entre a doutrina nacional e estrangeira e a nossa jurisprudência relativamente às situações que consentem o recurso subsidiário e excecional tal figura[7].

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/23009, processo n.º 08A3991, relator: Paulo de Sá, publicado em www.dgsi.pt (sumário parcial) faz uma síntese das situações que, reconhecidamente, podem fundar o afastamento da personalidade jurídica:    

IV - Estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias reprováveis que, na vertente do abuso da responsabilidade limitada (que não se confunde com a do abuso da personalidade), podem conduzir à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade, avultando, de entre elas: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objeto social e prosseguir a sua atividade; as relações de domínio grupal.

V - Para além destas situações, também se podem perfilar outras em que a sociedade comercial é utilizada pelo sócio para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente, assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa.

VI - A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem carácter subsidiário, pois só deverá ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar.

Não nos parece que a referida gestão danosa, quando conexionada com a responsabilização pessoal dos 4.º a 7.º Réus, na sua qualidade de sócios e/ou administradores/gerentes, possa ou deva ser somente configurada à luz da desconsideração da personalidade jurídica, podendo e devendo, em função dos factos alegados e dados como assentes, ser também reconduzido ao regime dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho de 2009 e 78.º, 79.º e 83.º do Código das Sociedades Comerciais - na redação do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, conforme retificado pela Declaração de Retificação n.º 28-A/2006, de 26 de Maio - que está aqui em causa[8], convindo lembrar, a este propósito, que o juiz, segundo o artigo 664.º do Código de Processo Civil de 1961, «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º[9]

Chegados aqui, impõe-se referir que, em termos gerais, concordamos com a bem elaborada fundamentação da sentença recorrida, por se nos afigurar que, efetivamente e após feito o devido cruzamento e ponderação dos factos, documentos e princípios e direito aplicáveis, não se pode encarar o cenário factual e jurídico daí resultante, pelas suas características, gravidade e intensidade, como justificador do pretendido afastamento da personalidade jurídica coletiva (melhor dizendo, da autonomia patrimonial) das Rés AA, LDA e BB – SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A.

Importa, desde logo, referir, quando à Ré CC – IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO UNIPESSOAL, LDA., da qual era sócia e gerente a aqui Ré DD e que, tendo sido constituída em 27/10/2009[10], foi dissolvida em 15/2/2012 (Pontos 7.º, 8.º e 9.º), que inexistem quaisquer factos para além dos acima enunciados que insinuem sequer uma qualquer intervenção ou participação, mesmo que incidental ou pontual, em toda a cadeia de acontecimentos que se acham acima sintetizados, dessa empresa, mal se compreendendo, por isso a sua responsabilização direta pelos créditos reclamados pelos Autores nesta ação ou mesmo em termos da sua despersonalização, enquanto ente coletivo, por forma a imputar tal responsabilidade à referida demandada (única sócia e gerente).

Resta-nos, portanto, abordar a situação da referida Ré BB – SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A..

A sentença recorrida não prestou grande atenção ao quadro fáctico que rodeou a criação da Ré AA e à transmissão progressiva e total de «testemunho» da Ré BB para esta última, reconduzindo-se a uma transmissão de empresa encapotada (artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009) tal passagem de atividade, estabelecimentos (mediante, nomeadamente, a cedência da respetiva posição nos contratos de Utilização de Loja em Centro Comercial), equipamentos, bens, mercadorias e trabalhadores (designadamente, os aqui Autores, ainda que “contratados de fresco” pela nova sociedade no dia seguinte à formalização dos acordos de revogação com a anterior, numa artimanha jurídica que, perdoe-se-nos a expressão, ficou logo com a cauda e a maior parte do corpo de fora, aos lhes serem reconhecidas as respetivas antiguidades e categorias) e mesmo do passivo, refletido na assunção de diversas dívidas da BB.

Tal transmissão de estabelecimento informal e sub-reptícia esvaziou de substrato patrimonial a 2.ª Ré, dado o mesmo ter passado a constituir e a integrar o da 1.ª Ré, ficando a BB reduzida ao seu substrato pessoal, firma e matrícula aberta na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sem ter sequer qualquer participação, como sócia, na referida empresa sua sucessora e transmissária, sendo o inverso igualmente verdadeiro, tanto quanto resulta dos elementos documentais disponíveis nos autos (faça-se notar que a 2.ª Ré, que inicialmente era uma sociedade comercial por quotas se transformou, em 2004, em sociedade anónima - cfr. informação de fls. 69 e seguintes dos autos de procedimento cautelar apensos).

Logo, não se pode falar numa relação de grupo entre as duas sociedades (em rigor, entre as três empresas), nem os Apelantes laboraram para as mesmas em simultâneo, apesar de só uma delas ser, em dado período temporal, a sua entidade empregadora formal, de maneira a se poder chamar à colação o regime do artigo 334.º do Código do Trabalho de 2009.  

Impõe-se também dizer que a mesma tem dívidas para com trabalhadores que foram alvo, em 2009, do despedimento coletivo pela mesma promovido mas não é devedora de quaisquer dos créditos laborais reclamados nos autos pelos 9 Autores nestes autos.

Concluiremos a apreciação jurídica da posição desta Ré, nos moldes efetuados no Acórdão prolatado nos autos de Arresto:

«Mesmo que se encare a cessação dos contratos de trabalhos celebrados entre essa 2.ª Requerida e os Apelantes e a imediata celebração de novos contratos de trabalhos entre estes últimos e a 1.º Requerida como enquadradas numa transmissão de estabelecimento ou estabelecimentos encapotada, certo é que o regime constante dos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho de 2009 responsabiliza a transmitente, em termos solidários, pelas obrigações vencidas até à data da transmissão e durante o ano subsequente a esta, obrigações essas que, contudo e no caso dos autos, tendo de ser da sua responsabilidade, não se acham minimamente demonstradas (recorde-se que a antiguidade dos trabalhadores foi reconhecida pela 1.ª Requerida e, nessa medida, mantida intocada).»

Abordemos agora a posição dos Réus DD e FF[11] nesta matéria da extensão da sua responsabilidade patrimonial pessoal relativamente ao pagamento aos Autores dos seus créditos sobre a 1.ª Ré AA (cuja condenação, convirá recordá-lo, se tornou igualmente definitiva, por trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo da análise das demais questões ainda pendentes no âmbito deste recurso de Apelação).  

Importa realçar que foi dado como assente que o Réu FF, não sendo sócio da AA (matriculada em 27/10/2009) mas apenas e até Outubro de 2011, representante legal da outra sócia não gerente da mesma (sua filha menor e também Ré EE), não existindo, por outro lado registo na Conservatória do Registo Comercial da sua nomeação como gerente, continuou, a partir de 1/3/2010, a exercer funções de gerência das quatros lojas que se mantiveram a funcionar debaixo da alçada da AA (e que antes, com mais duas, foram exploradas pela BB), tendo recebido as quantias discriminadas nos Pontos 32.º (30 de Agosto de 2010 - € 2.829,02), 37.º (27 de Outubro de 2010 - € 2.529,20) e 38.º (28 de dezembro de 2010 - € 2.501,61) a título de salário.

Relativamente a este Réu e a condutas por ele adotadas no seio das Rés societárias aludem ainda os Pontos 41.º (comunicação aos Autores do encerramento da AA em 31/10/2011), 44.º (penhora de bens na loja das Amoreiras da AA e determinação, conjuntamente com a Ré DD, da recolha pelos fornecedores do material das lojas) e 48.º e 49.º (pagamento pela BB de despesas apresentadas pela Ré DD e relativas a almoços, móveis e uma BIMBY, tendo estas duas últimas categorias de bens sido entregues na casa dessa Ré e do Réu FF).

Este quadro fáctico é, em nosso entender, claramente insuficiente para poder imputar a tal demandado, ao abrigo do instituto da desconsideração da personalidade coletiva, a pretendida responsabilidade patrimonial subsidiária do Réu FF.                                  

Julgamos igualmente que (como já tivemos oportunidade de afirmar no Acórdão proferido no âmbito do procedimento cautelar de Arresto) «não existem factos que nos permitam reconduzir as atuações da 4.ª Requerida ao disposto nos artigos 335.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009 e 83.º do Código das Sociedades Comerciais, não podendo igualmente responsabilizar, nos moldes perseguidos pelos Requerentes o 6.º Requerido (o aqui Réu FF), dado este só ser Presidente do Conselho de Administração da 2.ª Requerida, não tendo qualquer ligação formal e oficial com as outras duas empresas, quer em termos de substrato pessoal como de poderes de gerência ou de representação da única gerente nomeada, a aqui 4.ª Requerida (julgamos que os poderes de facto que tal demandado exerceu, em circunstâncias não apuradas, não consentem que se o responsabilize nos moldes que deixámos expostos com referência à 4.ª Requerida, muito embora tenham sido necessariamente consentidos por esta).»[12]      

Também no que concerne à Ré DD nos parece inexistir fundamento suficiente para lançar mão quanto a ela da figura do afastamento da personalidade jurídica, nos moldes há antes expostos.,    

Já não somos da mesma opinião quanto à aplicação a tal Apelada do regime dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho de 2009, indo seguir, de muito perto e nessa parte, o que já sustentámos no âmbito do Acórdão proferido nos autos de procedimento cautelar de Arresto.   

Com efeito, se tivermos não só presente o que iremos de seguida dizer quanto à ilegitimidade da transmissão dos três veículos automóveis a terceiros (factos constantes dos Pontos 117.º a 123.º e artigos 313.º, 314.º, 323.º e 324.º do Código do Trabalho de 2009), como ainda os factos constantes dos Pontos 32.º, 37.º, 38.º, 33.º a 36.º e 39.º, 44.º e 46.º, em que, por iniciativa da 4.ª e 6.º Réus, foi o património social da 1.ª Requerida diminuído, sem justificação jurídica suficiente (como foi o caso dos pagamentos feitos ao seu companheiro e aqui 6.º Réu) ou num tratamento privilegiado de alguns dos credores sociais da aludida empresa em desfavor dos demais, como é o caso dos aqui Autores[13], não sendo despiciendo recordar também o que se passou no quadro da 2.ª Ré, com a utilização de fundos da mesma, resultantes da sua atividade económica, no pagamento de despesas pessoais da 4.ª Ré, já para não falar, finalmente, na transmissão anómala de patrimónios sociais e na sucessiva criação de sociedades, como as aqui três primeiras Requeridas e ainda uma quarta, conforme resulta de fls. 124 a 127 dos autos apensos do procedimento cautelar de arresto - a II,LDA. -, cujo objeto é parcialmente coincidente com o daquelas - importação, representação, distribuição e comércio de equipamento elétrico e eletrónico - e cujos sócios são HAMM, ex-funcionário da 2.ª Requerida e adquirente do HYUNDAI e JPCC, acionista da HH, SA, que adquiriu o MERCEDES BENZ, e único gerente dessa mesma sociedade.                  

Este panorama, quando encarado globalmente revela, no que toca à 4.ª Ré, uma clara violação, enquanto gerente da 2.ª Ré, de normas legais que protegem os interesses dos credores da mesma[14], numa gestão danosa para a satisfação dos seus direitos de crédito, que se reconduz ao estatuído nos números 2 do artigo 335.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009 e 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais, implicando, nessa medida, que responda solidária e conjuntamente com a Requerida AA - IMPORTAÇÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA., pelas dívidas que esta tem para com os aqui Apelantes, revelando-se o património conhecido - as mencionadas quatro viaturas, ainda que em estado novo e de acordo com as regras da experiência comum - manifestamente insuficiente para cobrir o montante global dos créditos reclamados pelos trabalhadores nesta ação (€ 223.747,42), tanto mais que existem outros trabalhadores com créditos sobre a mesma, como resulta de penhora feita no quadro da ação executiva que corre os seus termos no 3.º Juízo, 2.ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa (cfr. Auto de penhora, datado de 13/10/2011 e junto a fls. 260 a 273 dos mesmo autos apensos).

Logo, tem o recurso de Apelação dos Autores de ser julgado procedente no que concerne à responsabilização do património pessoal da 4.ª Ré pelo pagamento dos créditos peticionados nos autos, em termos solidários com a 1.ª Ré AA, que, para tal efeito, já se mostra definitivamente condenada.             

E - AJUDAS DE CUSTO - RETRIBUIÇÃO-BASE

Os Apelante vêm também, quanto a tais «ajudas de custo» falsas, sustentar o seguinte:

(…)

A Factualidade que importa aqui considerar é a seguinte:   

(…)

A sentença recorrida não se pronunciou concretamente sobre tal matéria, muito embora, por exclusão de parte, se possa afirmar que o tribunal recorrido não considerou tal prestação, ainda que possuindo natureza retributiva, dado não se destinar a compensar quaisquer despesas realizadas pelos Autores ao serviço da 1.ª Ré RALIC II (cfr., a esse respeito, os artigos 258.º e 260.º do Código do Trabalho de 2009), no cômputo da indemnização devida pela referida empresa, enquanto entidade empregadora dos ditos trabalhadores, por forçada resolução com justa causa promovida pelos mesmos ao abrigo dos artigos 394.º a 396.º do mesmo diploma legal[15].

Ora, cruzando os factos acima dados como provados com tal regime legal, com especial relevância para o disposto no número 1 do artigo 396.º, onde se alude expressamente ao «direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade», é manifesto que o tribunal só poderia atentar nas quantias indicadas na Factualidade dada como Assente como revestindo ou integrando inequivocamente o conceito de retribuição-base (inexistindo nos autos qualquer menção a diuturnidades) e não quaisquer outras prestações, de índole retributiva mas complementares daquela, como é o caso do «subsídio de turno» e das aqui analisadas «ajudas de custo».

A Matéria de Facto dada como Assente, ainda que complementada pelos documentos juntos aos autos, não nos permite ir mais longe e qualificar juridicamente tais ajudas de custo não apenas como remuneração mas ainda como retribuição-base.

Importa realçar que a presunção contida no número 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009 permite atribuir o cariz retributivo a uma dada prestação paga pelo empregador ao trabalhador mas não lhe confere a categoria de retribuição-base, pois que, como estabelece o número 2 da mesma disposição, «A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie».        

Não se ignora que os Réus, nos artigos 51.º a 53.º da sua contestação e por referência aos artigos 162.º a 174.º da Petição Inicial, que abordam exatamente a questão das “ajudas de custo” e da sua natureza retributiva, alegam o seguinte:

«51.º - Quanto à matéria alegada de 162.º a 174.º, a saber, ajudas de custo, tais valores foram pagos a pedido e no interesse dos trabalhadores que entre si entenderam ser menos oneroso para si, na medida em que não pagariam IRS nem deduziriam Segurança Social sobre tais valores.

52.º - Tendo sido de sua iniciativa a proposta de um “acordo de cavalheiros” nesse sentido, ainda que a AA não tivesse qualquer interesse nessa situação.

53.º- Sendo certo que os Autores se beneficiaram com prejuízo do erário público, com a mesma».

Ora, ainda que se possa admitir que tais ajudas de custo possam ter resultado da partição da retribuição-base auferida pelos oito recorrentes enquanto ao serviço da Ré BB, SOCIEDADE IMPORTADORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÓNICOS, S.A, seguro é que ignoramos os valores a esse título percebidos anteriormente pelos referidos trabalhadores, de maneira a, através da comparação de valores ou do quadro remuneratório praticado antes e depois, obtermos a certeza (ou pelo menos formarmos uma convicção suficiente) sobre tal cenário simulado e também fraudulento para o erário público. 

Logo, tem esta vertente do recurso de Apelação dos Autores de ser julgada improcedente, com a confirmação da decisão recorrida nessa parte.      

F - MONTANTE DAS INDEMNIZAÇÕES DEVIDAS

Na sequência da posição assumida pelos recorrentes quanto às “falsas ajudas de custo”, vêm os mesmos procurar retirar as inerentes e inevitáveis consequências ao nível do valor das indemnizações que lhes foram judicialmente atribuídas, nos seguintes moldes: 

(…)

Ora, como facilmente se evidencia do que deixámos decidido no Ponto anterior do presente Aresto, não podendo as referidas “ajudas de custo” integrarem a retribuição-base para efeitos de cálculo da indemnização devida aos Autores por força da resolução pelos mesmos dos respetivos contratos de trabalho com invocação de justa causa culposa, nada há que alterar, nesse aspeto, ao que foi -e bem - decidido pelo tribunal da 1.ª instância.

Sendo assim, tem também a Apelação dos Autores de ser julgada improcedente nesta sua outra faceta, com a inerente manutenção do teor da sentença impugnada.      

G - NULIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DE ALIENAÇÃO DAS VIATURAS

Finalmente, por referência aos pedidos formulados posteriormente, no quadro desta ação, alegaram ainda os Autores o seguinte quanto a tal assunto:

(…)

A Matéria de Facto Provada a considerar quanto a esta temática é a seguinte:

(…)

Voltando a reiterar o que se disse no Acórdão prolatado nos autos de Procedimento Cautelar de Arresto que se mostra apenso, se tivermos em consideração os créditos reclamados pelos nove Autores no âmbito desta ação, constatamos que os mesmos se referem a retribuições e outras prestações de cariz laboral devidos por força do contrato de trabalho e/ou como contrapartida da atividade pelos mesmos desenvolvida para a 1.ª Ré, o que faz esta cair numa situação de incumprimento ou mora, conforme se mostra prevista nos artigos 323.º e 324.º do Código do Trabalho de 2009[16].

Desse regime legal, que importa conjugar com o dos artigos 313.º e 314.º do mesmo diploma legal[17], ressalta que a empregadora AA, LDA., após ter mergulhado, desde Maio de 2011, num claro, coletivo e continuado cenário de mora contratual - que acabou por motivar a resolução, com invocação de justa causa, por parte dos nove trabalhadores aqui demandantes dos respetivos vínculos jurídico-profissionais -, incorreu na prática de atos de transmissão ou disposição do seu património social que se mostram proibidos pelos números 2 e 3 do artigo 324.º e número 1, alíneas d) e e) do artigo 313.º do Código do Trabalho de 2009, o que acarreta a sua anulabilidade, sendo que o reconhecimento e declaração de tal invalidade jurídica se situa ainda dentro das fronteiras definidas pelo pedido de nulidade deduzido ao abrigo dos artigos 601.º e 280.º do Código Civil (que, nessa medida, tem de ser encarado afinal como de anulabilidade) pelos Autores nesta ação, tendo esta última dado entrada em juízo em 18/01/2012 e sido deduzido em 3/5/2012, logo, dentro do prazo de 1 ano previsto no artigo 287.º, número 1, do mesmo diploma legal.[18]/[19]                                             

       

Sendo assim e em conclusão, pelos motivos expostos, julga-se o presente recurso de Apelação procedente também nesta parte, com a inerente alteração da sentença recorrida.                                  

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por MAFPM, JPGP, MFFPP, OJSS, PASF, JNFP, FMBSR, ARMPP e PEVGT, nessa medida se alterando a sentença impugnada, quer no que concerne à condenação da Ré DD, em termos solidários com a AA, pelo pagamento aos Autores das verbas em que a 1.ª Ré foi condenada, quer no que toca à anulação dos negócios jurídicos referentes à transmissão das viaturas automóveis identificadas nos autos, mantendo-se no demais a sentença recorrida.                 

     

Custas da ação e do presente recurso a cargo dos Apelantes e dos Apelados, na proporção do decaimento – artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 08 de Outubro de 2014      

José Eduardo Sapateiro

Sérgio Almeida

Jerónimo Freitas


[1] Os Réus pediram a prorrogação do prazo para contestar de 10 dias para 20 dias, o que foi deferido pelo tribunal da 1.ª instância.  
[2] Tendo o despacho saneador transitado em julgado no que toca a tais matérias, por as partes afetadas por tais decisões não terem interposto recurso das mesmas em tempo útil e legal.  
[3] Tal delimitação do objeto do recurso implica que a sentença recorrida já tenha transitado em julgado e se tornado definitiva no que respeita à absolvição dos Réus EE e GG, com a inerente formação do caso julgado material.    

[4] «1. O reconhecimento da justa causa de resolução dos contratos de trabalho que operaram e a consequente condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia global de € 174.812,57 a título de indemnizações, acrescida de juros de mora;

2. A condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia global de € 48.828,19 a título de retribuições, acrescida de juros de mora;

3. A condenação solidária dos Réus no pagamento de salários intercalares, acrescidos de juros de mora;

4. A condenação solidária dos Réus no pagamento dos valores retidos e não entregues referentes a contribuições da Segurança Social»
[5] Cfr., a este respeito, os dois estudos publicados na Revista “Julgar”, n.º 9, Setembro-Dezembro de 2009, ASJP, Wolsters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, a páginas 111 a 130 e 131 a 146: “Desdramatizando o afastamento da personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial)” (Catarina Serra) e “Desconsideração da personalidade jurídica - sinopse doutrinária e jurisprudencial” (Armando Lemos Triunfante e Luís de Lemos Triunfante).     
[6] Só algumas concretizações normativas, como, segundo Catarina Serra e/ou Armando e Luís Lemos Triunfante, obras e locais citados, os artigos 58.º, n.ºs 1, al. b) e 3, 84.º, 501.º e 270.-F, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, 11.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto (EIRL), 186.º, n.ºs 2 e 3 do CIRE e 334.º do Código do Trabalho de 2009 (anterior artigo 378.º do Código do Trabalho de 2003).
[7] Pedro Cordeiro, em “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, AAFDL, 1994, página 39, conclusão 8 e página 74, Ponto 3, refere que «…o postergar do princípio da separação poderá resultar da mera aplicação de normas ou da desconsideração enquanto instituto autónomo (fundamentada num abuso objetivo). (…)
É de facto problemática a justificação deste instituto. Na verdade, a necessidade de criação de um novo instituto precisa de ser demonstrada.
Tal criação será ilegítima quando o novo instituto represente apenas um aglomerado de decisões de equidade que permita, a quem aplica o direito, encontrar, dentro do sistema, soluções mais justas - baseadas na “consciência popular dominante”, na “força das coisas”, nas “realidades da vida” ou na “proeminência da realidade sobre a forma”.
De igual modo, a desconsideração só deverá ser reconhecida enquanto instituto autónomo se os problemas a que ela pretende dar resposta não puderem ser resolvidos através da mera aplicação de normas». 
[8]                                                               Artigo 334.º
Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo
Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de  domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Artigo 335.º
Responsabilidade de sócio, gerente, administrador ou diretor
1 - O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido.
2 - O gerente, administrador ou diretor responde nos termos previstos no artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido.
Artigo 78.º
Responsabilidade para com os credores sociais
1. Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.
2. Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular.
3. A obrigação de indemnização referida no n.º 1 não é, relativamente aos credores, excluída pela renúncia ou pela transação da sociedade nem pelo facto de o ato ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral.
4. No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida.
5. Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º
Artigo 79.º
Responsabilidade para com os sócios e terceiros
1 - Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.
2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º
Artigo 83.º
Responsabilidade solidária do sócio
1. O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha, por força de disposições do contrato de sociedade, o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação responde solidariamente com a pessoa por ele designada, sempre que esta for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios e se verifique culpa na escolha da pessoa designada.
2. O disposto no número anterior é aplicável também às pessoas, coletivas eleitas para cargos sociais, relativamente às pessoas por elas designadas ou que as representem.
3. O sócio que, pelo número de votos de que dispõe, só por si ou por outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha a possibilidade de fazer eleger gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização responde solidariamente com a pessoa eleita, havendo culpa na escolha desta, sempre que ela for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios, contanto que a deliberação tenha sido tomada pelos votos desse sócio e dos acima referidos e de menos de metade dos votos dos outros sócios presentes ou representados na assembleia.
4. O sócio que tenha possibilidade, ou por força de disposições contratuais ou pelo número de votos de que dispõe, só por si ou juntamente com pessoas a quem esteja ligado por acordos parassociais de destituir ou fazer destituir gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização e pelo uso da sua influência determine essa pessoa a praticar ou omitir um ato responde solidariamente com ela, caso esta, por tal ato ou omissão, incorra em responsabilidade para com a sociedade ou sócios, nos termos desta lei.
[9] Em rigor, do artigo 72.º do Código do Processo do Trabalho.
[10] Na mesma e precisa data da matrícula da Ré AA – IMPORTAÇÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA e com um objeto social muito próximo do daquela, em duas coincidências significativas mas insuficientes para quaisquer voos argumentativos seguros e objetivos, na falta de outra matéria-prima factual que os permitam, não obstante nos acharmos face a uma sociedade unipessoal, em que a sua única sócia e gerente é também sócia e gerente daquela outra empresa.   

[11] Estando este último registado como Presidente do Conselho de Administração da sociedade BB, ao passo que a sua companheira (dado ambos viverem em união de facto) é sócia e gerente da Ré AA, já condenada nos autos.
 
[12] A Dr.ª Catarina Serra, obra citada, página 128, a respeito do regime constante do número 2 do artigo 186.º do CIRE, refere o seguinte, com algum interesse para o que acabámos de deixar sustentado acima: «Dúvidas podem contudo levantar-se quando um sócio é gerente ou administrador de facto. Nesta hipótese, deixa de poder invocar-se o primeiro argumento referido (passa a estar em causa um sujeito que faz parte do substrato pessoal da sociedade) e tão-pouco pode invocar-se o segundo (o gerente ou administrador de facto, não tendo sido formalmente designado, não estará, em rigor, sujeito aos deveres mencionados nem a qualquer dos deveres típicos dos gerentes e administradores de direito)». (sublinhado nosso)   
[13] Que, realce-se, beneficiam dos privilégios imobiliários e mobiliários constantes dos artigos 333.º do Código do Trabalho de 2006 e 737.º, número 1, alínea d) do Código Civil. 
[14] Conforme relembra Catarina Serra, obra citada, páginas 111 e 112: «A constituição de qualquer sociedade, como de qualquer pessoa coletiva ou jurídica, depende da (pré) existência de autonomia patrimonial. A autonomia patrimonial, pressuposto da personalidade jurídica das sociedades comerciais, desdobra-se em duas vertentes: a responsabilidade exclusiva do património social pelas obrigações sociais e a responsabilidade do património social exclusivamente pelas obrigações sociais. Ela é absoluta ou plena (somente) nas chamadas “sociedades de capitais”…», convindo lembrar depois o estatuído nos artigos 601.º do Código Civil e 197.º e 198.º do Código das Sociedades Comerciais.          

[15]                                                         SECÇÃO V

Cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador

SUBSECÇÃO I

Resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador

Artigo 394.º

Justa Causa de Resolução

1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;

c) (…)

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.   

3 - (…)

4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 2 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.

5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. 

Artigo 395.º

Procedimento para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador

1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

2 - No caso a que se refere o nº 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.

3 - Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do nº 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível.

4 - O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.

Artigo 396.º

Indemnização devida ao trabalhador

1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

2 - No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.

3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.

4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.   

[16]                                                              CAPÍTULO VI

Incumprimento do contrato

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 323.º

Efeitos gerais do incumprimento do contrato de trabalho

1 - A parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte.

2 - O empregador que faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias é obrigado a pagar os correspondentes juros de mora à taxa legal, ou a taxa superior estabelecida em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou acordo das partes.

3 - A falta de pagamento pontual da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de suspender ou fazer cessar o contrato, nos termos previstos neste Código.

Artigo 324.º

Efeitos para o empregador de falta de pagamento pontual da retribuição

1 - Ao empregador em situação de falta de pagamento pontual de retribuição é aplicável o disposto no artigo 313.º

2 - O ato de disposição do património da empresa praticado em situação de falta de pagamento pontual de retribuições, ou nos seis meses anteriores, é anulável nos termos do artigo 314.º.

3 - A violação do n.º 1 é punida com pena de prisão até 3 anos, sem prejuízo de pena mais grave aplicável ao caso.
[17]                                                                 Artigo 313.º
Atos proibidos em caso de encerramento temporário
1 - Em caso de encerramento temporário de empresa ou estabelecimento a que se refere o n.º 1 do artigo 311º, o empregador não pode:
a) Distribuir lucros ou dividendos, pagar suprimentos e respetivos juros ou amortizar quotas sob qualquer forma;
b) Remunerar membros dos corpos sociais por qualquer meio, em percentagem superior à paga aos respetivos trabalhadores;
c) Comprar ou vender ações ou quotas próprias a membros dos corpos sociais;
d) Efetuar pagamentos a credores não titulares de garantia ou privilégio com preferência em relação aos créditos dos trabalhadores, salvo se tais pagamentos se destinarem a permitir a atividade da empresa;
e) Efetuar pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio do montante disponível, na proporção das respetivas retribuições;
f) Efetuar liberalidades, qualquer que seja o título;
g) Renunciar a direitos com valor patrimonial;
h) Celebrar contratos de mútuo na qualidade de mutuante;
i) Proceder a levantamentos de tesouraria para fim alheio à atividade da empresa.
2 - A proibição a que se refere qualquer das alíneas d) a g) do número anterior cessa em caso de declaração expressa neste sentido, por escrito, de dois terços dos trabalhadores abrangidos.
Artigo 314.º
Anulabilidade de ato de disposição
1 - O ato de disposição de património da empresa a título gratuito, praticado durante o encerramento temporário abrangido pelo n.º 1 do artigo 311.º, é anulável por iniciativa de qualquer interessado ou de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores.
2 - O disposto no número anterior aplica-se a ato de disposição de património da empresa a título oneroso, praticado durante o mesmo período, se dele resultar diminuição da garantia patrimonial de créditos dos trabalhadores.
[18] A transmissão dos quatro veículos automóveis foi registada, respetivamente, em 30/12/2011 (CITROEN BERLINGO), 10/01/2012 (HYUNDAI), 14/02/2012 (MERECEDES BENZ) e 23/04/2012 (CITROEN XSARA PICASSO). 
[19] Neste ponto, suscitaram-se-nos algumas dúvidas - não levantadas pelas partes, convirá referir - no que concerne à legitimidade passiva dos demandados (v.g., da Ré AA, LDA.), pois poder-se-ia sustentar a necessidade da presença nos autos dos quatros adquirentes dos veículos automóveis acima identificados, por forma a se assegurar o litisconsórcio necessário que se verificaria na situação em análise, por força do artigo 28.º do Código de Processo Civil de 1961 e com vista a assegurar o efeito útil normal da decisão.
Traduzindo-se a ilegitimidade (plural ou singular) numa exceção dilatória de conhecimento oficioso e que pode ser apreciada pelo tribunal a todo o tempo (artigo 495.º do mesmo diploma legal), nada impediria este Tribunal da Relação de Lisboa de considerar a verificação de tal exceção dilatória por preterição de tal litisconsórcio necessário passivo, com a sua inerente absolvição da instância quanto ao referido pedido de nulidade (anulabilidade) das transmissões das ditas viaturas automóveis.
Dir-se-á que as normas que regem o regime da arguição da anulabilidade dos negócios jurídicos (artigos 285.º a 294.º e 1269.º e seguintes do Código Civil) nada determinam a esse respeito, não havendo também base contratual conhecida nos autos que imponha tal intervenção dos compradores dos veículos, afigurando-se-nos, finalmente, que no caso em presença, em que estão em causa bens móveis sujeitos a registo, as regras contidas nos artigos 291.º e 1269.º e seguintes do Código Civil apontam em sentido diverso do aqui analisado (importa referir que o prazo de 3 anos do número 2 da primeira disposição legal indicada ainda não se mostra esgotado).
A este respeito, ouça-se o Professor Artur Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume II, 1982, Almedina, páginas 198 e seguintes: «O litisconsórcio necessário só pode ter lugar quando a lei o imponha, ou haja contrato nesse sentido, ou a natureza da própria relação jurídica o reclame (cfr. art.º 28.º, n.ºs 1.º e 2.º).
O facto de a relação jurídica material controvertida afetar diretamente os interesses de várias pessoas, como sujeitos ativos ou passivos, ou o facto de a lei conferir o direito de ação a vários interessados não é assim, só por si, razão suficiente para determinar a necessidade de intervenção de todos os interessados ou legitimados.
A razão de ser do carácter excecional atribuído ao litisconsórcio necessário está nos graves embaraços que para a parte representa a sua imposição. Assim, no litisconsórcio ativo redundará em as partes ou algumas delas terem de ir ajuízo em altura que considerem impropria; no passivo, ater de proceder-se à citação de todos os réus; e num e noutro caso na verificação dos pressupostos em relação também a todos (autores e réus) o que, tudo, virá a traduzir-se em delongas que poderão afetar a consistência prática do direito, criando embaraços à defesa de uns e outros.
Daí que alei tenha circunscrito a imposição do litisconsórcio a contados casos. É certo que a sua limitação tem um custo: a possibilidade dos perigos decorrentes de soluções divergentes. Acima desse interesse, representado pela unidade da decisão, pôs a lei, porém, e justificadamente, o interesse das partes. (…)
De facto, se tivermos presente que a lei se limita a facultar - e não impõe - o litisconsórcio nas relações com pluralidade de interessados, com unidade de causa de pedir (art.º 27.º, n.º 1, 1.ª parte), conclui-se que lhe é indiferente a coexistência de decisões divergentes e logicamente contraditórias e, portanto, que a situação a evitar pela obrigatoriedade do litisconsórcio é tão só a de decisões, além de divergentes, particamente inconciliáveis: interessa mais, neste plano, a viabilidade concreta das decisões, do que a sua rigorosa coerência lógica.
De resto, esta é a solução mais razoável, dados os embaraços que o processo pode sofrer nas ações com litisconsórcio necessário. São sempre possíveis eventos como o falecimento de qualquer das partes, a sua superveniente incapacitação, a cessação da representação, etc. Ora, como os pressupostos processuais devem existir sempre em relação a todas as partes intervenientes, aqueles eventos levariam à absolvição da instância, quando não removidos atempadamente, com os consequentes prejuízos para as partes.
No próprio plano da justiça, esta solução tem a vantagem de não restringir em termos intoleráveis a liberdade do autor, a quem pode ser conveniente deixar fora do peito algum ou alguns do cointeressados - já por razões de ordem pessoal, já para evitar complicações e delongas de natureza processual (v.g., alguns dos interessados estarem, por hipótese, ausentes em parte incerta ou em lugares remotos e dispersos». 

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