Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
160/21.7PGCSC.L1-9
Relator: MARIA JOSÉ CORTES CAÇADOR
Descritores: POLÍCIA MUNICIPAL
TESTE DE ALCOOLÉMIA
PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Não é valida a prova produzida e recolhida pela Polícia Municipal, no que respeita ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue realizado a um arguido tratando-se assim de um método proibido de prova, nos termos do art.º 126.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal levando à absolvição daquele.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 19 de abril de 2021, no processo sumário n.º 160/21.7PGCSC, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido AA foi absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
Não conformado com sentença absolutória do arguido, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, sintetizando os argumentos do seu recurso, nas seguintes conclusões: 
1. A sentença recorrida absolveu o arguido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, de que estava acusado.
2. O Tribunal a quo absolveu o arguido porquanto considerou que o teste quantitativo realizado pela Polícia Municipal, constitui uma prova proibida em processo penal (art.º 161.º, n.º 1 e 2 al. a), d), f), g) e l) e 162.º, n.º 1 do CPA e art.º 126.º, n.º 1, 2 al. b) e c) do CPP).
3. Efetivamente, na sentença posta em crise, a Mmª Juiz a quo considerou que a Polícia Municipal, que “não é força de segurança e muito menos órgão de polícia criminal”, ao ter realizado o teste quantitativo, ao abrigo da manutenção de uma detenção ilegal, agiu fora do âmbito das suas competências, regulamentadas na Lei n.º 19/2004, de 20 de maio.
4. A detenção por parte das Polícias Municipais tem sempre como pressuposto a ocorrência de um crime público ou semi - público, punível com pena de prisão e em situação de flagrante delito.
5. No caso dos autos, Agentes da Polícia Municipal presenciaram, no exercício das suas funções, o arguido a conduzir um veículo automóvel numa via pública e solicitaram-lhe que realizasse o teste qualitativo de álcool no sangue.
6. O arguido acusou, então, uma TAS superior à legalmente permitida, o que integra uma situação de flagrante delito, ou, pelo menos, de uma forte suspeita da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, crime este que, em abstrato, é punível com pena de prisão e que se enquadra, enquanto crime rodoviário, nas funções de fiscalização da circulação rodoviária, o que legitima os Agentes da Polícia Municipal a detenções, a coberto das disposições legais acima invocadas.
7. Nesta situação, qual a atuação seguinte que deveria tomar a Polícia Municipal? Conduzir o condutor às instalações da PM e realizar o necessário teste quantitativo do álcool. Só depois deste teste quantitativo, é que obtém prova segura de que o visado conduz com uma taxa de álcool superior à legalmente admitida- e qual a concreta taxa-, pelo que só neste momento é que o Agente da Polícia Municipal pode elaborar o competente auto de notícia e deter o infrator em flagrante delito. Este é o entendimento perfilhado pelo Ministério Público da Comarca de Cascais,
Ou,
8. Conduzir, no imediato, o condutor ao Posto da GNR ou à Esquadra da PSP com jurisdição na área de deteção do ilícito ou, em alternativa, contactar aquela força de segurança para que pudesse entregá-lo no imediato, dando conta, da verificação de flagrante delito da prática de condução em estado de embriaguez. Este é o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo.
9. A situação em apreço foi já analisada detalhadamente pelo Tribunal da Relação de Lisboa no douto acórdão de 29 de julho de 2020, proferido no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1, do Juízo de Pequena Criminalidade de Cascais.
10. Do mesmo modo, foi analisada, mais recentemente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa no douto acórdão de 5 de maio de 2021, proferido no processo n.º 395/20.5PDCSC.L1, do Juízo de Pequena Criminalidade de Cascais.
11. Diga-se que não desconhecemos que o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no seu douto acórdão de 8 de julho de 2020, proferido no processo n.º 86/20.1PBCSC-L1, do Juízo de Pequena Criminalidade de Cascais e, bem assim, no douto acórdão de 24 de março de 2021, proferido no processo n.º 244/20.9PCCSC, pugnou pelo entendimento seguido na sentença recorrida, embora, neste último, com voto vencido.
12. Contudo, aderimos aos fundamentos explanados no douto acórdão de 29 de julho de 2020, proferido no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1, do Juízo de Pequena Criminalidade de Cascais, que, desde já, citamos: “o artigo 4º nº 1 alínea e) da Lei n.º 19/2004, incluí entre as competências próprias da polícia municipal, a detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal. Pese embora não deva usar do prazo de 48 horas previsto no art.º 254º nº 1 al. a) do CPP, a alusão a entrega imediata reforça a necessidade de o detido ser entregue com urgência, no mais curto espaço de tempo possível, mas é compatível com a elaboração do auto de notícia pela polícia municipal, o qual não prescinde da realização prévia do teste quantitativo do álcool e, uma vez realizado este e obtida uma TAS superior a 1,20 gr/litro está perfeitamente consolidado o flagrante delito”.
13. Assim sendo, o Ministério Público considera que a Polícia Municipal tem competência para a realização do teste quantitativo, não podendo este ser considerada prova proibida, nos termos do art.º 126.º do C.P.P.
14. Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de que vinha acusado.
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Admitido o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito não suspensivo, foi cumprido o disposto no art.º 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
Nesta Relação, a Exa. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como pacificamente decorre do art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e, ainda, designadamente, em sintonia com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995) e com o acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt.
Da conjugação das normas constantes dos art.ºs 368.º e 369.º, por remissão do art.º 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do Código de Processo Penal, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410.º, n.º 2, do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
No presente caso, o objeto do recurso é uma questão de Direito, qual seja a de apurar se é valida a prova produzida e recolhida pela Polícia Municipal, no que respeita ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue realizado ao arguido ou se se trata de um método proibido de prova, nos termos do art.º 126.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
2.2. Fundamentação de facto
No que ora releva, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
1. No dia 17.04.2021, pelas 23h35, na Rua xxxxxxx, na freguesia de São Domingos de Rana, em Cascais, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “xxxxxxx”.
2. Intercetado pela Polícia Municipal de Cascais foi determinado ao arguido a realização de teste de álcool através do analisador do ar expirado (de despiste qualitativo), tendo o mesmo dado o resultado aproximado de 1,99 g/l de sangue.
3. Ato contínuo, os Agentes da Polícia Municipal determinaram ao arguido que os acompanhasse no “carro de patrulha” da Polícia Municipal de Cascais.
4. Dirigiram-se com ele até ao Departamento de Polícia onde foi realizado o teste de pesquisa de álcool no sangue através do analisador do ar expirado (aparelho quantitativo).
5. Consta junto aos autos, Auto denominado “de notícia por detenção”, exarado no Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
6. Consta também, e igualmente da lavra do Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização, “notificação”, a fls. 12 dos autos, da qual resulta, entre os mais, a indicação de que o cidadão foi notificado de que poderia realizar a “contra-prova” relativamente ao exame quantitativo realizado e de que o mesmo havia prescindido da sua realização.
7. O aludido escrito está subscrito pelo aqui arguido e pelo agente autuante.
8. Resulta dos autos, a fls. 3 e seg., desta feita da lavra da PSP da Esquadra de Fiscalização Policial de Cascais: “Data/hora: 18.04.2021; 01h14 (…)
Pela data e hora indicada, quando me encontrava de graduado de serviço à Divisão de Cascais, dirigiu-se a este Departamento Policial, dois elementos da Polícia Municipal de Cascais, pelas 00h50, onde a agente me fez a entrega da ora detido (…) em anexo auto de notícia por detenção elaborado pela Polícia Municipal de Cascais, Talão de controlo da alcoolemia (…).
9. Nada consta averbado no certificado de registo criminal do arguido.
10. O arguido é assistente operacional da empresa municipal “xxxxx”, e aufere cerca de € 680,00, mensalmente.
11. Vive com os pais e contribui com cerca de € 50,00 para a economia doméstica, mensalmente.
Factos Não Provados
a) No circunstancialismo descrito em 1., o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,53g/l, correspondente à TAS de 2,33g/l registada, deduzido o erro máximo admissível.
b) O arguido sabia que conduzia o referido veículo na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinariam necessariamente uma TAS superior a 1,2 g/l.
c) Sabia ainda que, por esse facto, estavam consideravelmente reduzidas as suas faculdades psicológicas necessárias à condução automóvel, designadamente no que respeita à coordenação das funções de sensação e de perceção e à coordenação motora, e que em tais condições não lhe era permitido conduzir veículo a motor na via pública.
d) Não obstante, o arguido quis conduzir, e conduziu, tal veículo nos termos e condições acima descritos.
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Continuam a verificar-se todos os pressupostos processuais conducentes à apreciação do recurso, nada obstando ao seu conhecimento, e ao qual foram corretamente conferidos o efeito e o regime de subida.
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2.3. Fundamentação de direito (apreciação do recurso)
Segundo o disposto no art.° 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. E refere o n.º 2, al. c), que são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante a utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei.
Trata-se de proibições absolutas, o que implica que, em caso algum, as provas obtidas através de tais procedimentos poderão ser valoradas pelo tribunal, nunca poderão ser usadas, nem mesmo com o consentimento do próprio titular, uma vez que atentam contra direitos indisponíveis.
Já as proibições de prova previstas no n.º 3, do mesmo art.º 126.º, são proibições relativas, na medida em que caso as provas sejam recolhidas com prévia autorização ou consentimento dos titulares dos direitos ali previstos, as mesmas provas são válidas e eficazes e são suscetíveis de valoração, podendo fundamentar a convicção do Tribunal, na fixação da matéria de facto.
Trata-se de assegurar a descoberta da verdade material no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
A reconstrução da verdade material do evento histórico pode ser condicionada por outros valores, a verdade processual pode, por boas razões no plano político, ser construída por meios que confinam o acesso à verdade material, as proibições de prova” (Paulo Dá Mesquita, A prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, estudo sobre a prova no processo penal português, à luz do sistema norte-americano, 2011, Coimbra Editora, p. 264. No mesmo sentido, Luís Bértolo Rosa, Consequências Processuais das Proibições de Prova, Revista de Ciência Criminal, Ano 20, n.º 2, abril-Junho 2010, Coimbra Editora, p. 232 e Paulo de Sousa Mendes, As Proibições de Prova no Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Junho de 2004, Almedina, p. 152).
Conclui-se, pois, que, sendo a prova proibida, à luz do art.º 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, jamais poderá ser utilizada no processo, é como se nunca tivesse existido e, portanto, não pode ser valorada (Luís Pedro Martins de Oliveira, Da Autonomia do regime das Proibições de Prova, in Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos Sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, sob o coordenação de Teresa Pizarro Beleza e de Frederico Lacerda da Costa Pinto, Almedina, março de 2019, p. 282).
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Vejamos, então, o mérito do recurso, sendo seu objeto, como acima já se deixou exposto, ante as conclusões da respetiva motivação, apurar se é válida a prova produzida e recolhida pela Polícia Municipal, no que respeita ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue realizado ao arguido ou se se trata de um método proibido de prova, nos termos do art.º 126.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Ponderados todos os argumentos e fundamentos vertidos na douta sentença proferida pela primeira instância, com os quais concordamos na íntegra e damos por reproduzidos para todos os efeitos legais, e para os quais remetemos, à luz da doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 684/2015, de 15 de dezembro, publicado no D.R. n.º 42, 2.ª Série, de 01 de março de 2016 e do disposto no art.º 425.º, n.º 5, do Código de Processo Penal segundo o qual “os acórdãos absolutórios enunciados no art.º 400.º, n.º 1, al. d), que confirmem decisão de primeira instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”, decide-se, ao abrigo daquele preceito legal, e das normas e princípios expostos, negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Acrescentamos, porém, ainda que, no que respeita às funções da Polícia Municipal, conforme decorre do art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, as polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa na área da jurisdição municipal.
E, exercem funções, entre o mais, nos seguintes domínios, de acordo com o seu art.º 3.º, n.º 2:
«a) Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança;
b) Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança;
c) Intervenção em programas destinados à ação das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos;
d) Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade;
e) Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.»
Nos termos do n.º 5 deste art.º 3.º, está vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, exceto nas situações referidas nos n.ºs 3 e 4.
Quanto às competências, estabelece-se no art.º 4.º:
«1 - As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de:
a) Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e proteção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
c) Execução coerciva, nos termos da lei, dos atos administrativos das autoridades municipais;
d) Adoção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infrações às normas referidas no artigo 3.º;
h) Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infrações cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
i) Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respetiva competência;
j) Ações de polícia ambiental;
l) Ações de polícia mortuária;
m) Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.
2 - As polícias municipais, por determinação da câmara municipal, promovem, por si ou em colaboração com outras entidades, ações de sensibilização e divulgação de matéria de relevante interesse social no concelho, em especial nos domínios da proteção do ambiente e da utilização dos espaços públicos, e cooperam com outras entidades, nomeadamente as forças de segurança, na prevenção e segurança rodoviária
Ora, como se pode ler no acórdão deste Tribunal da Relação de 29.07.2020, no processo n.º 34/20.9PBCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.ptobservado que seja todo este procedimento legal para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS, o resultado deste exame, expresso no talão do alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, deve ser considerado prova vinculada, pré - constituída (o que implica que não poderá ser repetida), dotada do especial valor probatório estabelecido para a prova pericial, no art.º 163.º do CPP, como também resulta do preceituado nos arts. 6.º e 7.º da Lei 18/2007 de 17 de maio (cfr. nesse sentido, Carlos Durán Climent, “La Prueba Penal”, Tomo II, Tirant lo Blanch, Valência, 2005, 2183 a 2195 e, entre muitos outros, os Acs. da Relação de Évora de 26.02.2013, proc. 279/09.2GDFAR.E1, Relação de Coimbra de 13.07.2016, proc. 73/14.9GAPNL.C1, da Relação de Guimarães de 5.12.2016, proc. 82/15.0GBPVL e da Relação de Coimbra de 11.10.2017, proc. 188/17.1PAMGR.C1, in http://www.dgsi.pt).”.
E, como resulta do art.º 4.º, alínea b), da aludida Lei n.º 19/2004, a Polícia Municipal tem competência para a fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, mas está excluída a participação de acidentes de viação que envolvam procedimento criminal.
Ora, se a Lei não permite que a Polícia Municipal participe acidentes de viação que envolvam procedimento criminal (por, manifestamente, tal competência ser das forças de segurança com que estão em coordenação), como se pode sustentar a admissão de recolha de prova em ordem à perseguição criminal de pessoa que conduz sob influencia do álcool?
Porque assim é, estando vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, não podemos deixar de concluir que lhe faltava competência para determinar ao arguido a realização do exame para quantificação da taxa de álcool no sangue através do ar expirado, que se traduz numa recolha de prova em ordem à sua apresentação a julgamento pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com observância das formalidades previstas no art.º 153.º, do Código da Estrada.
Destarte, não merece censura a sua absolvição.
Cumpre, pois negar, provimento ao recurso.
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III – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção desta Relação, e ao abrigo do disposto no art.º 425.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Ministério Público.
Notifique.
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Lisboa, 14 de outubro de 2021
(o presente acórdão foi elaborado pela primeira signatária e integralmente revisto por ambas as signatárias – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)

Maria José Cortes Caçador
Maria do Rosário Martins