Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5126/20.1T8LSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ENFERMAGEM
REPOSICIONAMENTO SALARIAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O não reposicionamento salarial, nos termos do Dec-lei nº 122/2010, de 11/11, dos enfermeiros com contrato de trabalho individual (abrangidos pelo Dec.Lei nº 247/2009, de 22/09) não ofende o princípio da igualdade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório

I- AAA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BBB, pedindo que o réu seja condenado a pagar à A.;
a) O valor de € 16.288,84 (dezasseis mil duzentos e oitenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de diferenciais remuneratórios (remuneração base e subsídios de férias e de Natal) vencidos entre 1/01/2013 e 06/03/2019, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;
OU, PARA O CASO DE IMPROCEDER ESTE PEDIDO,
b) O valor de € 8.067,08 (oito mil e sessenta e sete euros e oito cêntimos), a título de diferenciais remuneratórios (remuneração base e subsídios de férias e de Natal) vencidos entre 1/12/2015 e 06/03/2019, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.
Para tanto, a A. alegou em síntese :
- A A. celebrou com o R. um contrato individual de trabalho, com início em 16 de Agosto de 2006; 
- A A. tem direito a auferir a mesma remuneração base que o réu pagou desde 01.01.2013 aos colegas enfermeiros vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, porque prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade ao prestado por estes ao serviço do réu;
- A remuneração mensal da A., a partir de Agosto de 2006, era um valor equivalente ao que havia sido fixado à data para os enfermeiros posicionados no 1º escalão da categoria de enfermeiro, da correspondente carreira de enfermagem, em vigor para os trabalhadores em regime de direito público com uma duração semanal de 35 horas, pelo que tendo tal valor passado a ser de € 1.201,48 € a partir de 01/01/2013, deveria a sua remuneração passar também a ser desse montante a partir da mesma data e não apenas a partir de 01.01.2016, como ocorreu;
- Tendo os colegas enfermeiros vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas um horário de 35 horas e a autora um horário de 40 horas, no cálculo da sua remuneração tem ainda de ser tido em conta o diferencial decorrente do acréscimo relativo às cinco horas semanais praticadas;
- Quando o R. passou a pagar à A. a remuneração mensal de € 1201,48, fê-lo desconsiderando que o A. se encontrava, por força do contrato de trabalho, no regime de duração semanal do trabalho de 40 horas.
O réu contestou, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho saneador/sentença.
Foram considerados provados os seguintes factos:
1 - O BBB foi criado por fusão do …. com o … (art.º 1º do DL 23/2008, de 88.02), sucedendo-lhes em todos os direitos e obrigações, independentemente de qualquer formalidade (art.º 1º e 2º do DL 23/2008, de 88.02), tendo passado a denominar-se BBB (art.º 29º, al. e) do DL 61/2018, de 03.08), ora R.
2 - Em 16 de Agosto de 2006, Autora e Réu (à data …) subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO», cuja cópia consta de fls. 14v. e 15 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3 - O referido contrato individual de trabalho teve o seu início em 16 de Agosto de 2006 (cfr. cláusula 5ª do referido contrato, doc. 3), converteu-se em contrato sem termo, com efeitos a 02.05.2008 (cfr. fls. 14 dos autos, doc. 3) e cessou em 06 de Março de 2019 por denúncia da autora (conforme doc. 4 que se dá por reproduzido, a fls. 16 dos autos).
4 - Pelo aludido contrato individual de trabalho a A. obrigou-se a prestar por conta, a favor e sob as ordens e direcção do R. a sua actividade profissional de Enfermeira (cfr. cláusula 1ª do referido contrato, doc. 3), com a duração semanal de 40 horas (cfr. cláusula 4ª, nº 1 do referido contrato, doc. 3).
5 - Pelo referido contrato individual de trabalho foi então acordada a remuneração base mensal de 1.093,20 € (mil e noventa e três euros e vinte cêntimos), sujeita às contribuições e impostos obrigatórios devidos por lei, tendo em consideração o horário de trabalho acordado de 40 horas semanais (cfr. cláusulas 2ª e 4ª do referido contrato, doc. 3), como expressamente resulta do contrato.
6 - A remuneração base mensal de 1.093,20 € (mil e noventa e três euros e vinte cêntimos), correspondente ao horário de trabalho acordado de 40 horas semanais, foi paga pelo R. à A. até 30/11/2007, passando para 1.109,62 € em 01/12/2007, para 1.132,93 € em 01/12/2008, para 1.165,79 € em 01/12/2009, e para 1.201,48 € a partir de 01/10/2015.
7 - A 1 de Janeiro de 2013, todos os enfermeiros ao serviço do ora Réu com contrato de trabalho em funções públicas, integrados na carreira especial de Enfermagem, e cuja remuneração base mensal era inferior a 1.201,48 €, para uma duração de 35 horas, passaram a auferir a quantia de € 1.201,48, o que sucedeu em consequência do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 122/2010, de 11 de Novembro.
8 - A autora no exercício da sua actividade profissional de enfermeira, no regime de contrato individual de trabalho, prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade aos dos seus pares vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas e ao serviço do réu.
9 - No período de 01.10.2013 a 30.06.2016 os enfermeiros em regime de contrato de trabalho em funções públicas e ao serviço do réu tiveram igualmente um período normal de trabalho de 40 horas por semana.
10 - A autora é associada do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP).
Com base nos factos provados acima indicados, o Tribunal a quo absolveu o R. dos pedidos.
A A. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
1 - Os trabalhadores enfermeiros contratados pelas entidades públicas empresariais do sector da saúde têm um regime laboral distinto do regime comum do contrato individual de trabalho.
1.1- As entidades públicas empresariais do sector da saúde não estão englobadas no sector público empresarial desenhado pelo Decreto-Lei n° 133/2013, de 3 de Outubro: o art° 70° deste diploma estatui que ele tem natureza subsidiária face às entidades públicas empresariais do sector da saúde atento o carácter especial destas [antes no Decreto- Lei n° 233/2005, de 29 de Dezembro, e hoje no Decreto-Lei n° 18/2017, de 10 de Fevereiro (ainda não adaptado à nova Lei de Bases da Saúde)]
1.2- Nas entidades públicas empresariais do sector da saúde os processos de recrutamento devem:
 a) assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver;
 b) assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, excepto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada (art° 28°, n° 1, do Decreto-Lei n° 18/2017, de 10 de Fevereiro), o que evidencia que as entidades empregadoras do sector da saúde não são um empregador como qualquer outro: falta-lhes a autonomia da vontade típica do regime comum do contrato individual de trabalho e estão subordinadas ao princípio da legalidade.
 1.3- As entidades empregadoras do sector da saúde estão integradas na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde e os trabalhadores ao seu serviço estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como (isto é: da mesma maneira): a) ao regime constante dos diplomas que definem o regime legal de carreiras de profissões da saúde; b) demais legislação laboral; c) normas imperativas sobre títulos profissionais (art° 27°, n° 1, do Decreto-Lei n° 18/2017, de 10 de Fevereiro).
 1.4- Sendo trabalhadores de pessoa colectiva pública, e estando esta integrada na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde, encontram-se exclusivamente ao serviço do interesse público (art° 269°, n° 1, da CRP) e, portanto, funcionalizados às finalidades de interesse público cuja prossecução está legalmente a cargo da pessoa colectiva pública.
 1.5- Assim, e repetindo, o contrato de trabalho próprio das entidades públicas empresariais do sector da saúde é distinto do regime comum do contrato individual de trabalho, e por isso, estamos no domínio da função pública, enquanto actividade administrativa, e as entidades públicas empresariais do sector da saúde não são um empregador como qualquer outro.
2 - A diferenciação de regime de contratação do pessoal de enfermagem não permite a diferenciação de retribuição:
 a)Em ambos os regimes [carreira especial de enfermagem e carreira de enfermagem] as regras legais de exercício profissional são as mesmas [art°s Io, 2o, n° 1, e 3o do Decreto- Lei n° 161/96, de 4 de Setembro];
 b) Em ambos os regimes a estruturação das carreiras e o conteúdo funcional da(s) categoria(s) é igual;
 c) Em ambos os regimes os deveres funcionais são iguais, bem como iguais são as áreas de exercício profissional, as condições de admissão, a natureza do nível habilitacional, a qualificação de enfermagem, a utilização do título, o reconhecimento de títulos e categorias.
 2.1- As entidades empregadoras [pessoas colectivas públicas, sem ou com gestão empresarial (i. é: entidades públicas empresariais do sector da saúde)] estão integradas na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde, o qual é garantia institucional da realização do direito à protecção da saúde de todos os cidadãos.
 2.2- Em ambos os regimes de contratação os enfermeiros estão funcionalizados ao mesmo interesse público cuja prossecução está legalmente a cargo das suas entidades empregadoras: a prestação de cuidados de saúde gerais, universais e tendencialmente gratuitos.
 2.3- Assim, e salvo o merecido respeito, a diferenciação de regimes (aqui o de retribuição) não é imposto pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas - resulta, sim, de criação e manutenção artificial (pelo legislador) e não de objectiva desigualdade das situações.
 2.4- A esta luz, o art° 13o do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22 de Setembro, se entendido como caucionando a diferenciação de remuneração, é materialmente inconstitucional, por estar em colisão directa com o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
 2.5- A fundamental idade do princípio da igualdade [aplicação directa e imediata (isto é, sem necessidade de mediação legislativa concretizadora] determina que ele seja aplicável sem lei, contra a lei ou contra determinada interpretação da lei. O que,
 2.6- Deste modo, conduz à interpretação do art° 13° do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22 de Setembro, conforme à Constituição e aos princípios nela consignados, desde logo, portanto, o princípio da igualdade. Sendo que,
2.7- O princípio da igualdade postula a obrigatoriedade de tratamento diferente para o que é diferente, mas apenas na medida da diferença e, como já antes se mostrou, a diferença de regime de contratação em nada interfere com a actividade profissional, que é materialmente igual.
2.8- O preâmbulo do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22 de Setembro, e o Decreto-Lei n° 248/2009, de 22 de Setembro, contêm relevantes contributos para a interpretação do art° 13° do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22 de Setembro, conforme à Constituição e aos princípios nela consignados:
a) a carreira especial de enfermagem (Decreto-Lei n° 248/2009, de 22 de Setembro) é patamar de referência para a carreira de enfermagem nas entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde;
b) é pretendido garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum (de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica);
c) o percurso comum que a lei quer garantir possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres.
 2.9- Assim, em interpretação conforme à Constituição e aos princípios nela consignados, o art° 13o do Decreto-Lei n° 247/2009, de 22 de Setembro, tem a configuração de limite mínimo garantido, que não prejudica a sua alteração (orientadamente a melhoria) no quadro da autonomia de gestão, é dizer diferenciações positivas se assentes em fundamentos materiais constitucionalmente acomodáveis.
 2.10-Em síntese de tudo quanto até aqui ficou alegado e substanciado, e com todo o respeito, a douta sentença recorrida não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.
3- A douta sentença recorrida convoca o acórdão n° 133/2018, de 13 de Março, do Tribunal Constitucional (descarregável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) no qual se diz:
“Em suma, os Autores; (i) não aportaram ao processo elementos que permitissem a comparação entre quantidade, natureza e qualidade de trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado por enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas; e, por outro lado (ii) não apresentaram razões que permitissem concluir que a mera natureza do vínculo impusesse tratamento ao abrigo do princípio da igualdade”.
 3.1- A doutrina do acórdão é factor de conforto da A. ora Recorrente Jurisdicional: dele resulta que bastaria a verificação positiva de qualquer uma das suas asserções para que o julgado fosse favorável aos ali impetrantes. E,
 3.2 - A douta sentença recorrida dá como provado que “A autora no exercício da sua actividade profissional como enfermeira, no regime do contrato individual de trabalho, prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade aos dos seus pares vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas”.
3.3- A fundamentalidade do princípio da igualdade impõe a sua aplicação directa sem lei, contra a lei ou contra determinada interpretação da lei pelo que, e com todo o respeito, a douta sentença recorrida não fez boa interpretação e aplicação no direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.
3.4 Por outro lado, a natureza do vínculo da A., ora Recorrente Jurisdicional (contrato de trabalho próprio das entidades públicas empresariais do sector da saúde que é distinto do regime comum do contrato individual de trabalho)em nada interferiu com a actividade profissional contratada e desempenhada (prestação de cuidados de enfermagem em estabelecimento integrado na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde) impõe tratamento ao abrigo do princípio da igualdade, por força dos patentes elementos de igualdade e semelhança: não há clivagem entre ambos os contratos de trabalho quanto à actividade profissional contratada, quanto ao desempenho profissional subordinado e funcionalizado à prossecução do interesse público e quanto à avaliação do desempenho profissional.
  3.5- Assim, e com todo o respeito, a douta sentença recorrida não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.
O recorrido contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
A. O thema decidendum é a diferença remuneratória existente entre 01/01/2013 e 06/03/2019 entre os enfermeiros com contrato em funções públicas e os enfermeiros com contrato individual de trabalho, tema que foi abordado de forma exímia pelo Tribunal a quo.
B. O Recorrido é uma entidade pública empresarial, isto é, uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e patrimonial, cujo capital é detido pelo Estado, tal como decorre do Decreto-Lei n.º 233/2005 de 29 de dezembro.
C. O Recorrido encontra-se submetido à superintendência e tutela do Ministério da Saúde, conforme resulta dos artigos 18º e 19º do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10/02, artigos. 1º e 5º do Decreto-Lei nº 23/2008, de 08/02, Anexo I do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29/12 e Decreto-Lei nº 133/2013, de 03/10.
D. Do artigo 14º do Decreto-Lei nº 233/2005 de 29 de dezembro resulta que as relações de trabalho nos hospitais EPE, estão submetidas ao regime do contrato individual de trabalho, regendo-se pelo “Código do Trabalho, demais legislação laboral
e normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos”.
E. Do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 233/2005 de 29 de dezembro (cuja redacção atual é a constante do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 18/2017 de 10 de fevereiro) resulta que as relações de trabalho ao abrigo do contrato de trabalho em funções públicas (CTFP) são residuais e tem um regime próprio de transição.
F. Em cumprimento da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro de 2008, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, que procedeu à criação da carreira especial de enfermagem, na qual ingressavam os trabalhadores que mantivessem com a entidade empregadora uma relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas e, cujas posições remuneratórias, segundo o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 248/2009 foram reguladas por diploma próprio, o Decreto-Lei n.º 122/2010 de 11 de novembro de 2010.
G. Foi aprovado o Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, que veio definir o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, remetendo-se, nos termos do 13.º deste mesmo Decreto-Lei, as posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem para instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
H. A regulação, por instrumento de regulamentação coletiva, das posições remuneratórias e das remunerações dos trabalhadores com contrato individual de trabalho em exercício de funções no Recorrido, apenas se verificou com a entrada em vigor do acordo coletivo entre o …, e outros e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses – SEP, publicado no Boletim de Emprego e Trabalho, n.º 43, de 22 de novembro de 2015, o qual determinou, na sua Cláusula 2.ª, que os trabalhadores sujeitos ao regime do Código Trabalho passariam a beneficiar de regime remuneratório idêntico ao previsto para os trabalhadores com contrato em funções públicas, previsto no Decreto-Lei n.º 122/2010, com efeitos a 1 de outubro de 2015.
I. A celebração de contratos individuais de trabalho, qual seja a profissão, ou natureza do empregador, estão sempre subordinados à lei e aos instrumentos de regulamentação coletiva eventualmente aplicáveis. Pelo que, não existe qualquer relação contratual especial, caso contrário estaríamos perante vários contratos de trabalho “especiais”, que variam consoante a natureza da entidade empregadora, esteja a mesma integrada no Serviço Nacional de Saúde ou noutro serviço do Estado ou em outro sector!!
J. À entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27 de maio), a Recorrente já não era trabalhadora do Recorrido, o seu contrato iniciou-se a 16 de agosto de 2006 e cessou a 6 de março de 2019, por denúncia da Recorrente, conforme resulta dos factos provados 2 e 3, que não foram impugnados.
K. O artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009 é constitucional, porque não atenta quanto ao principio da igualdade, porquanto remete para um Instrumento Coletivo de Trabalho, cuja égide é gerida pelo principio da autonomia privada, liberdade contratual, e, sob o qual podiam as partes fixar uma remuneração superior ao dos trabalhadores em funções públicas ou onde se poderia conferir efeitos retroativos aos montantes remuneratórios definitivos pelas partes (nos termos da alinea c) do n.º 1 do artigo 478.º do Código do Trabalho), o que não foi efetuado.
L. Mais, não há ainda violação do princípio da igualdade, uma vez que a diferenciação de regimes e remuneração em causa, não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional, não gerando qualquer violação do princípio da igualdade.
M. Tem sido confirmada pela Jurisprudência a constitucionalidade dos diplomas legais que regulam o regime jurídico dos enfermeiros, acima referidos, designadamente: Acórdão do Tribunal Constitucional nº 131/2018 de 13 de março, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; Acórdão do Tribunal Constitucional nº 129/2013 de 24.04.2013, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 208/2019 de 28 de março, disponível em www.blook.pt.
N. Este entendimento tem sido ainda seguido por todas as instâncias, nomeadamente: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo: 496/14.3TTVFR.P1, de 20-06-2016, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 6196/16.2T8GMR.G1, de 17/12/2018, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 3639/15.6T8VFR.P1, de 08/01/2018, disponível em www.dgsi.pt. e, ainda pelos Tribunais de 1.ª instância, como é o caso do Tribunal da Comarca de Lisboa, no âmbito dos processos n.ºs 5758/20.8T8LSB, que corre termos no J4 do Juízo do Trabalho de Lisboa; 7262/20.5T8LSB, que correu termos no J1 do Juízo do Trabalho de Lisboa; 7637/20.0T8LSB, que correu termos no J7 do Juízo do Trabalho de Lisboa; 20766/20.0T8LSB, que correu termos também no J7 do Juízo do Trabalho de Lisboa; 3828/20.1T8LSB, que correu termos no J5 do Juízo do Trabalho de Lisboa.
O. No que diz ainda respeito ao princípio da igualdade a jurisprudência existente nesta matéria tende a admitir que a mera diferenciação de vínculos jurídicos permite a diferenciação de regimes jurídicos e de estatuto remuneratório, o que neste caso é evidente: i) quer pelo que resulta do Decreto-Lei n.º 247/2009 e do Decreto-Lei n.º 248/2009, ambos de 22 de setembro, quer da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (designadamente arts. 19º a 24º, arts. 45º a 51º, arts. 60º a 51º e 288º a 313º, arts. 92º a 100º, arts. 126º a 143º, arts. 176º a 240º todos da LGTFP) em contraposição com o regime constante do Código do Trabalho, ii) quer ainda por numa relação de emprego público existe uma acentuada unilateralidade na fixação do regime das relações de emprego público e a importância do interesse público revelada pelos artigos 165.º, n.º 1, alínea t), 266.º, n.º 2 e 269.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o que não sucede numa relação laboral de natureza privada, que é moldada pela liberdade contratual e a efetiva vontade das partes.
P. Mais, para estarmos perante discriminação remuneratória entre trabalhadores, violadora dos princípios constitucionais da igualdade e do princípio trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores, em situação remuneratória diferenciada, produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade, perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), o que a Recorrente não fez, como devia ter feito nos termos dos artigos 24º e 25º do Código do Trabalho e do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Q. O Tribunal a quo considerou, e bem, existirem razões para a diferenciação de regime, as quais decorrem não só do regime jurídico distinto, mas também porque seria ilegal à luz do artigo 35.º e da alinea a) do n.º 2 do artigo 36.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2013, mediante o qual se encontrava vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciassem valorizações remuneratórias dos titulares, bem como se encontrava vedada a aplicação de alterações de posicionamento remuneratório dos trabalhadores. Regime este que se manteve no artigo 39.º da Lei de Orçamento de Estado para 2014, aprovada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e no artigo 38.º da Lei de Orçamento de Estado para 2015, aprovada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
R. Assim, atendendo ao entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no âmbito do processo n.º 131/2018 de 13 de março e, consequentemente, que não está em causa uma violação do princípio da igualdade que reclame a “harmonização” do montante retributivo dos trabalhadores com contrato individual de trabalho e dos trabalhadores com contrato em funções públicas, então verificamos e assim se pugna de concluir, que o pagamento dos diferenciais aos trabalhadores, é ilícito!
S. Acresce que sem conceder a tudo o quanto se encontra exposto e, por mero dever de patrocínio, e, caso o recurso seja considerado procedente da análise dos valores que foram efetivamente peticionados resulta que o mesmo, salvo o devido respeito, contém erros, o que simplesmente representaria um ilegítimo enriquecimento sem causa.
Conforme demonstrado a título de mero exercício, mesmo que fosse devido algum valor, que não é e não se concebe, tal valor seria de € 7. 878,92 e, jamais o montante de € 16.288,84 ou de € 8.067,08.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso.
*
II- Importa solucionar as seguintes questões :
- No período entre 1/01/2013 e 06/03/2019 ocorreu violação do princípio da igualdade no que concerne à retribuição da recorrente tendo por referência a retribuição auferida pelos seus pares em regime de contrato de trabalho em funções públicas?
- A interpretação perfilhada pela sentença recorrida do art. 13º do Dec-lei nº 247/2009, de 22 de Setembro é inconstitucional ?
*
III- Apreciação
Os factos provados são os acima indicados.
A sentença recorrida foi fundamentada da seguinte forma :
« ( …) « De acordo com o disposto no art.º 5º, nº 2, al. c) do DL 122/2010, de 11 de Novembro (cfr. também o art.º 1º da Portaria nº 1553-C/2008, de 31.12, que aprovou a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, valor do nível 15 da tabela anexa, bem como o art.º 2º, nº 1 do DL 122/2010, de 11.11, que fixou o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, bem como a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios da tabela remuneratória única constante do seu anexo), o valor de € 1.201,48 passou a constituir a partir de 01.10.2013 a remuneração mínima da categoria de enfermeiro, da carreira especial de enfermagem aprovada pelo DL nº 248/2009, de 22 de Setembro, diploma que veio definir o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional (art.º 1º), mas que se aplica apenas “aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas” (art.º 2º).
Porém, como reconhece a autora sob o art.º 18º da petição inicial, este diploma (tal como o DL 122/2010, de 11.11) não é aplicável aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho ao serviço das E.P.E da saúde, como é o seu caso, uma vez que a estes é aplicável o regime aprovado pelo DL nº 247/2009, de 22 de Setembro.
O Dec.-Lei nº 247/2009, de 22/09, teve como objecto a definição do regime legal da carreira aplicável «aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde», para além das questões da habilitação profissional, da progressão profissional e diferenciação técnico-científica (art. 1º deste diploma), sendo o seu âmbito de aplicação os «enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, nos termos dos diplomas legais que definem o regime jurídico dos trabalhadores das referidas entidades, sem prejuízo da manutenção do mesmo regime laboral e dos termos acordados no respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho» (art.º 2º, nº 1 deste diploma).
Assim, é insofismável a vontade do legislador em optar pela manutenção da existência de diferentes regimes jurídicos entre enfermeiros ao serviço da mesma entidade contratante, apesar da aproximação da regulamentação dos mesmos pelos referidos diplomas, tal como se pode ver no preâmbulo do DL nº 247/2009, de 22 de Setembro, no qual se escreve o seguinte:
“Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou-se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais.
No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal.
Na presente legislatura, iniciou-se a reforma da Administração Pública. Em conformidade, a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, prevendo, em particular, a revisão dos regimes dos corpos ou carreiras especiais.
No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado.
Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego.
Para alcançar este desiderato, torna-se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva.
Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado.”
Verifica-se que o legislador teve como objectivo, claro e inequívoco, dotar os enfermeiros sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho de uma carreira profissional idêntica à dos enfermeiros com relação jurídica de emprego público, visando-se até uma harmonização dos respectivos direitos e deveres, mas no que especificamente respeita às «remunerações e posições remuneratórias», prevê-se no seu art.º 13º o seguinte: “As posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
Assim, os dois diplomas publicados no mesmo dia mantiveram nessa altura a diferença de regimes em matéria remuneratória, pois, o Dec.-Lei nº 248/2009, de 22/09, que instituiu a carreira especial de enfermagem aplicável «aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas» (art.º 2º), no que respeita a «remunerações», estatuiu no seu art.º 14º o seguinte:
“1 - A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem é efectuada em diploma próprio.
2 - Os trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem em exercício efectivo de funções nas unidades de saúde familiar são agrupados autonomamente, para efeitos remuneratórios, em tabela própria, nos termos previstos em diploma próprio”.
O diploma em questão veio a ser o já referido Dec-Lei nº 122/2010, de 11.11, cuja aplicabilidade a autora pretende que lhe seja aplicada, embora reconheça que directamente tal não sucede.
Na verdade, à autora é aplicável o IRCT previsto no supra referido art.º 13º do Dec.-Lei nº 247/2009, de 22.09, e que define as remunerações e posições remuneratórias dos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, o qual apenas veio a ser publicado no BTE nº 43, de 22/11/2015, a pág. 3194 e 3195, sob a designação de «Acordo colectivo entre o …  e outros, e o …  (instrumento parcelar e transitório aplicável aos trabalhadores enfermeiros em regime de contrato de trabalho», de que o réu é subscritor, e que veio estabelecer que, com efeitos a partir de 01/10/2015 (e sem prejuízo do pagamento de eventuais diferenciais que venham a ser apurados por meios processuais e procedimentais idóneos), os níveis e posições remuneratórios dos trabalhadores enfermeiros abrangidos pelo presente instrumento, são correspondentes aos aplicáveis aos trabalhadores enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem (cfr. cláusulas 2ª e 3ª do IRCT).
Daqui decorre que, a partir de 01/10/2015, houve uma efectiva equiparação, em matéria remuneratória, entre os enfermeiros com relação jurídica de emprego e os enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, sendo o IRCT em causa aplicável à autora, uma vez que é filiada no … que o subscreveu.
Perante este quadro legal e em face do contrato de trabalho existente entre autora e réu é manifesto que inexiste fundamento contratual para que aquela reclame sobre este qualquer crédito laboral fundado numa retribuição mensal superior àquela que foi efectivamente contratualizada entre as partes, fixada em € 1.165,78 a partir de 01.01.2009 e até 30.09.2015 (cfr. nº 6 dos factos provados).
Reconhecendo a autora este quadro legal aplicável, a mesma funda a sua pretensão no princípio constitucional do trabalho igual salário igual, ao alegar que lhe deve ser também aplicado o reposicionamento remuneratório nos termos do referido Dec.-Lei nº 122/2010, de 11.11, por prestar trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade ao que é prestado pelos enfermeiros sujeitos ao RCTFP.
Sobre as mesmas questões que aqui se colocam já se pronunciaram e decidiram os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/05/2017, proferido no processo nº 11509/16.4T8LSB.L1-4, e de 22/11/2017, proferido no processo nº 11509/16.4T8LSB.L1-4 (disponíveis em www.dgsi.pt/jtrl), cujo entendimento foi no sentido de reconhecer aos enfermeiros com contrato individual de trabalho o direito ao reposicionamento salarial com efeitos a 1 de Janeiro de 2013, bem como os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20/06/2016, proferido no processo nº 496/14.3TTVFX.P1-4, e de 07/07/2016 proferido no processo nº 497/14.1TTVFX.P1-4, cujo entendimento foi no sentido de não reconhecer aos enfermeiros com contrato individual de trabalho o direito ao reposicionamento salarial com efeitos a 1 de Janeiro de 2013 (disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp).
Mais recentemente o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 131/2018, de 13/03 (www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), pronunciou-se e decidiu no sentido de «não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório contido neste diploma se aplica subjetivamente apenas aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, excluindo os enfermeiros com contrato individual de trabalho».
A fundamentação expressa neste Acórdão do Tribunal Constitucional foi fundamentalmente a que a seguir se transcreve:
“2.5. Recordando (item 2.3., supra) que a questão da alegada desigualdade se coloca apenas por referência à diferença do vínculo dos Autores (com contrato individual de trabalho), face a outros trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, deve ser dada nota clara de que as diferenças da natureza dos vínculos, não sendo em si mesmas decisivas, não são, à partida, inócuas na ponderação do que é substancialmente igual ou desigual.
Sobre a matéria, pode ler-se no Acórdão n.º 828/2017 o seguinte:
“[…]
[O] “estatuto geral “ dos trabalhadores da Administração Pública, abrangendo o que é comum a todos eles, nomeadamente, a definição do sistema de vínculos, carreiras e categorias, as condições de acesso e de recrutamento, e o complexo de direitos e de deveres funcionais, é matéria de reserva relativa da Assembleia da República, cabendo ao Governo estabelecer os respetivos desenvolvimentos através de decretos-lei de desenvolvimento (alínea t), n.º 1, do artigo 165.º e alínea c), n.º 1, do artigo 198.º, da CRP). Por outro lado, os trabalhadores da Administração Pública, no exercício das suas funções estão exclusivamente ao serviço do interesse público (n.º 1 do artigo 269.º e 271.º da CRP). Ainda que se admita que da Constituição não decorre um modelo de vínculo laboral puramente estatutário, o certo é que a Administração Pública está, na sua autonomia pública e privada, sujeita a parâmetros de juridicidade que não vinculam, na mesma medida, a generalidade dos cidadãos, na específica margem de liberdade decorrente da sua autonomia privada.
Não obstante haver elementos que aproximam a relação de emprego público à relação jurídica privada, como é o caso da equiparação entre trabalhadores do setor privado e público quanto à titularidade e exercício de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores – objetivo da alteração que a primeira revisão constitucional fez ao n.º 1 do artigo 269.º, ao substituir a expressão “funcionários” pela alternativa “trabalhadores da Administração Pública” – a verdade é que se extraem da Constituição muitos aspetos da conceção estatutária da relação de emprego público. A manutenção de uma acentuada unilateralidade na fixação do regime das relações de emprego público e a importância do interesse público revelada pelos artigos 165.º, n.º 1, alínea t), 266,º, n.º 2 e 269.º, n.º 1 singularizam o regime da relação de emprego público perante a relação de emprego privada.
Ora, a especificidade da relação de emprego público em face do regime de emprego privado também se manifesta no domínio da contratação coletiva. O direito de contratação coletiva das relações de trabalho é reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública (artigo 56.º, n.º 3 da CRP). Todavia, encontra-se sujeito a maiores condicionalismos do que no setor privado, pelo facto do núcleo essencial da relação de emprego público continuar a ser unilateralmente fixado pelo Estado, por via da reserva relativa de competência legislativa, e pela subordinação da Administração Pública e dos seus trabalhadores ao interesse público.
As limitações à autonomia coletiva nas relações de emprego público andam associadas à necessidade de garantir a especificidade do regime jurídico-funcional dos trabalhadores públicos. É esse objetivo que justifica, por exemplo, a existência de modalidades especiais de autorregulação coletiva dos vínculos laborais (artigo 2.º do RCTFP); de um “sistema de articulação” em detrimento de um “sistema de concorrência” de instrumentos de regulação coletiva (artigo 343.º do RCTFP); a legitimidade do Ministério das Finanças para a celebração desses acordos, dada a necessidade de os compatibilizar do ponto de vista financeiro (artigo 347.º do RCTFP).
Essa diferença substancial revela-se logo ao nível da contrapartida económica da prestação de trabalho: enquanto no regime de contrato individual de trabalho, a fixação das remunerações é um campo de “natural soberania” da autonomia coletiva, e portanto, um domínio especialmente aberto à regulação coletiva (Acórdão n.º 229/94), no regime de emprego público, as remunerações constituem matéria de «bases» do regime da função pública, não podendo ser alteradas por instrumentos de regulação coletiva de trabalho (artigo 206.º do RCTFP, correspondente ao atual artigo 144.º, n.º 1, da LTFP). Em matéria de remunerações, essa possibilidade só poderá ocorrer ao nível dos suplementos remuneratórios, sem prejuízo de terem que ser criados por lei, o que significa que por via de tais instrumentos não se pode instituir novos suplementos mas apenas disciplinar os existentes (artigo 81.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008).
[…]” (sublinhados acrescentados, mantendo-se as considerações em causa válidas, mutatis mutandis, face ao regime instituído pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, doravante LGTFP).
Não é, pois, indiferente para a solução do caso o regime de vinculação, até mesmo porque “[…] o princípio de que para trabalho igual salário igual, como qualquer princípio constitucional, deve ser conjugado com outros princípios constitucionais e, concretamente, neste âmbito específico [das relações jurídico-privadas], carece de ser articulado com o princípio geral da autonomia privada, com a liberdade de empresa e com a própria liberdade de filiação sindical” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Lisboa, 2010, p. 1155). Já foi, até, assinalado que se impõe “redescobrir todo um mundo de matizações na transposição do plano das relações entre trabalhadores e entidades públicas para o domínio da relação entre privados” (Rui Medeiros, O direito fundamental à retribuição – em especial, o princípio a trabalho igual salário igual, Lisboa, 2016, p. 31).
2.6. Visto em traços largos o enquadramento da questão a apreciar, realça-se, em primeiro lugar, que os termos em que a mesma se delimita – ou seja, sem dados que permitam uma comparação das condições (quanto, quando e como) em que é prestado o trabalho entre os Autores e outro grupo de trabalhadores e sem que tenha havido aplicação de norma em tal sentido (cfr. itens 2.3.2. e 2.5., supra) –, limita fortemente a pretensão recursória. E limita-a porque, nos termos apontados, ela só teria sucesso se a Constituição obrigasse a ignorar a natureza do vínculo para efeitos remuneratórios, enquadrando essa distinta natureza numa espécie de categoria suspeita no quadro da consideração da ideia de igualdade – parece-nos intuitivo que regimes legais diferenciados pelo facto jurídico gerador não alicerçam esse elemento de suspeição ontológica.
2.6.1. Assim colocada a questão – apreciando-se, pois, a aptidão genérica da natureza do vínculo para fundar distinções remuneratórias –, o exposto em 2.4. e 2.5. permite concluir, sem dificuldade, que, para efeitos de aplicação do princípio trabalho igual, salário igual, há que determinar se o trabalho em causa é, efetivamente, igual e que, por regra, não é igual (por natureza) o trabalho prestado ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas, face ao trabalho prestado ao abrigo de um contrato individual de trabalho.
Desde logo, o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas contém regras – a título meramente exemplificativo, as atinentes a exclusividade das funções (artigo 20.º e 22.º da LGTFP), recrutamento (artigos 33.º e ss. da LGTFP e, no caso da carreira especial de enfermagem, artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, regras que não têm paralelo, designadamente, com o que resulta dos artigos 11.º e 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro), avaliação no período experimental (artigo 46.º da LGTFP), avaliação do desempenho (artigos 89.º e ss. da LGTFP), mobilidade (artigos 92.º e ss. da LGTFP), alterações decorrentes de procedimentos de reorganização de serviços e racionalização de efetivos geradores de valorização profissional de trabalhadores (Lei n.º 25/2017, de 30 de maio – v., especialmente, o seu artigo 36.º) – que divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado. Acresce que as carreiras especiais dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas estão sujeitas a regras próprias (v. artigos 84.º e ss. da LGTFP).
Por outro lado, a LGTFP introduz fortes limitações aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, prevendo, designadamente, que estes não podem afastar “[…] as normas legais em matéria de remunerações […]”, salvo em caso de previsão expressa (artigo 144.º, n.º 1, da LGTFP) e estabelecendo um elenco taxativo de matérias que podem ser contempladas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (artigo 355.º da LGTFP).
O regime de especial vinculação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas contrasta evidentemente com o dos trabalhadores ao abrigo de contrato individual de trabalho, relativamente aos quais impera a liberdade contratual e a álea do contrato, com a ressalva das normas imperativas, e um espaço mais generoso de regulamentação coletiva.
2.6.2. Face ao que se foi afirmando, torna-se evidente que a pretensão dos Recorrentes não pode ser acolhida.
Decidir no sentido da procedência do recurso implicaria ignorar as assinaláveis diferenças de regime, atrás apontadas, que separam as duas categorias de trabalhadores em causa, com o que isso traz de desigualdade (das condições) do seu trabalho.
Afirmar um direito à igualdade do salário, nestas circunstâncias significaria, ademais, obrigar a uma forte desarmonia sistémica, pois o legislador deixaria de poder dotar o setor empresarial, na área da saúde, de instrumentos de contratação jurídico-privados que visam proporcionar uma maior flexibilidade na gestão dos recursos humanos, sendo legítimo prosseguir o interesse da maior eficiência e racionalização dos recursos disponíveis. Negar ao legislador margem de conformação nesta matéria não apresentaria, como vimos, fundamento bastante. Pelo contrário: o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas é coerente com o estabelecimento do regime remuneratório em diploma próprio, já que se trata de uma carreira especial, que importa regular em termos uniformes; ao passo que o regime dos trabalhadores com contrato individual de trabalho é coerente com a afirmação da liberdade contratual e a definição dos patamares remuneratórios mínimos em instrumento de regulamentação coletiva. Sistemicamente contraditório seria, pelo contrário, obrigar a que estes últimos acompanhassem sempre e automaticamente o regime remuneratório dos primeiros, privando o setor empresarial de um instrumento gestionário importante.
Complementando estas razões, deve notar-se que o regime remuneratório dos enfermeiros com contrato individual de trabalho se revelará mais ou menos favorável conforme os respetivos profissionais tenham maior ou menor sucesso na negociação coletiva, não sendo de excluir que – em cenários de maior força na negociação coletiva e/ou necessidade do lado da procura – a dita “desigualdade” se resolva a seu favor, na comparação com os enfermeiros limitados pelo regime estatutário. Quando e se assim for, também essa diferença será justificada pela esfera de liberdade contratual em que se movem.
2.6.3. Em suma, os Autores: (i) não aportaram ao processo elementos que permitissem a comparação entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado por enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas; e, por outro lado, (ii) não apresentaram razões que permitissem concluir que a mera natureza do vínculo impusesse igual tratamento ao abrigo do princípio da igualdade salarial – pelo contrário, as razões atendíveis são de sinal oposto.
Com o que se conclui não ocorrer violação do princípio da igualdade referido à remuneração laboral, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP.”
Verifica-se que este aresto teve como base uma situação em que não se apurou se os enfermeiros com contratos de trabalho submetidos ao regime privado prestaram ou não trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade ao dos enfermeiros com contratos de trabalho em funções públicas, contrariamente ao que se considerou provado nos presentes autos (cfr. nº 8 dos factos provados).
Porém, apesar desse facto considerado provado, entende-se que valem aqui as razões expressas no acórdão do Tribunal Constitucional e acima transcritas para concluir que há razões que justificam a diferença de remuneração no período de 01.01.2013 a 30.09.2015 entre os enfermeiros ao serviço do réu com base nos diferentes regimes jurídicos aplicáveis, bem como a diferença de número de horas semanais de trabalho praticadas no período de 01.01.2013 a 30.09.2013 e a partir de 01.07.2016 (cfr. nº 9 dos factos provados), não ocorrendo a violação por parte do réu de qualquer norma jurídica laboral ou constitucional.
Nesta conformidade, verifica-se que a autora não tem direito aos montantes de diferenças salariais que peticiona em relação ao período de 01.01.2013 a 06.03.2019, bem como não tem direito aos montantes de diferenças salariais que peticiona subsidiariamente em relação ao período de 01.12.2015 a 06.03.2019, pelo que a acção improcede totalmente.»
Vejamos.
A recorrente invoca a violação do princípio trabalho igual, salário igual.
Estatui o art. 59º, nº1, a) da Constituição da República Portuguesa:
« Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna (…)».
O art. 25º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Proibição da discriminação”, estatui:
« 1-O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.
7 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório.
8 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 7.»
Ora, no caso concreto resultou provado sob 8 : A autora no exercício da sua actividade profissional de enfermeira, no regime de contrato individual de trabalho, prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade aos dos seus pares vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas e ao serviço do réu.
Pese embora não terem sido especificadas as funções em causa, este aspecto não merece a discordância das partes.
A questão que se coloca é se tal comportamento é justificável.
No sentido defendido pela recorrente foram proferidos Acórdãos por esta Relação em 17.05.2017 ( Desembargadora Maria João Romba) e em 22.11.2017 ( Desembargadora Paula Sá Fernandes )- www.dgsi.pt.
Em sentido contrário foram proferidos, designadamente os Acórdãos da Relação do Porto de 20.06.2016 ( Desembargador Eduardo Petersen) e 07.07.2016 ( Desembargadora Maria José Costa Pinto) e o Acórdão da Relação de Guimarães de 17-12-2018 ( Desembargadora Alda Martins) - www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, aponta o Acórdão do Tribunal Constitucional citado na sentença recorrida.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não ocorre violação do princípio trabalho igual, salário igual pelas razões que passaremos a indicar .
O recorrido constitui uma entidade pública empresarial e os trabalhadores que no mesmo exercem funções estão sujeitos, não obstante a tendência para a harmonização, a regimes jurídicos diversos.
A carreira especial de enfermagem é regulada pelo Dec-lei nº 248/2009, de 22/09  ( aplicável aos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas - vide art. 2º do mencionado diploma legal).
A carreira de enfermagem ( na qual se insere a recorrente) é regida pelo Dec-lei nº 247/2019, de 22/09.
Ambos os diplomas foram alterados pelo Dec-Lei nº71/2019, de 27/05 ( embora este último diploma não seja aplicável à data dos factos).
A clivagem não é meramente aparente e ocorrem, na prática, disparidades entre os referidos regimes ( designadamente em matéria de exclusividade) que justificam  tratamento diverso.
De acordo com o art. 13º do Dec-lei nº 247/2019, as posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Ou seja, neste domínio ( ao contrário do que sucede na carreira especial de enfermagem cujo reposicionamento salarial foi efectuado ao abrigo do DL nº 122/2010, de 11.11) a definição da remuneração está sujeita à autonomia privada.
Conforme refere o Acórdão supra citado da Relação do Porto de 20.06.2016, « o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho».
No que concerne ao principio da igualdade, refere o Acórdão de 27.05.2020 desta Relação de Lisboa (relatora Desembargadora Celina Nóbrega)- www.dgsi.pt :
"Sobre o princípio da igualdade afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/06, de 12.6.2006, citado no site da PGDL em anotação ao artigo 13º da CRP “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)”.
E de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 266/15, mesma fonte: «Recorre-se aqui à conhecida e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao princípio da igualdade. Enquanto «vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua «qualidade» agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata - tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação - é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude - em elenco não fechado - o n.º 2 do artigo 13.º É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser à partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente “(…) III - O princípio da igualdade (13º CRP) proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades.(…).
Ainda sobre o princípio da igualdade escreve-se no sumário do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.3.2020, pesquisa em www.dgsi.pt: “(…) III - O princípio da igualdade (13º CRP) proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades, não vedando, contudo, distinções fundadas em motivos objectivos e racionais (…)»
O Acórdão acima indicado do Tribunal Constitucional nº 131/2018, de 13/03 decidiu no sentido de «não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório contido neste diploma se aplica subjetivamente apenas aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, excluindo os enfermeiros com contrato individual de trabalho».
 Atentas as especificidades do estatuto jurídico dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas em contraposição com o estatuto dos enfermeiros com contrato de trabalho individual, entendemos que o art. 13º do DL nº 247/2009 não está ferido de inconstitucionalidade.
Em síntese:
Não ocorre violação do princípio da igualdade, designadamente em matéria salarial, porque, não obstante a tendência para a harmonização de ambos os regimes, estamos perante situações diversas e com origem diversa.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, atenta a isenção da recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Setembro de 2021
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos