Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
880/14.2TVLSB.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITOS DE PERSONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: MAIORIA COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO E UM VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: In casu, a liberdade de imprensa e de opinião prevalece sobre o bom nome e a honra do A. visado na notícia escrita e divulgada pelos RR., por a mesma ser verdadeira;
Há, porém, responsabilidade objectiva do proprietário e do respectivo director do jornal em causa, em relação a alguns dos comentários postados na versão online e que são, notoriamente, ofensivos da pessoa do A. (direitos de personalidade).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


MANUEL C. DE ... ..., devidamente identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:
... - IMPRENSA LIVRE, SA; ... ...; ... PINTO e JOÃO ..., todos com os sinais completos nos autos.

PEDINDO: - A condenação dos Réus a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de cem mil euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação até integral pagamento; mais peticionando a publicação da sentença que vier a ser proferida nos termos do artº34º da Lei de Imprensa.

O Réu ... ... arguiu a excepção dilatória da sua ilegitimidade passiva, tendo sido proferido Despacho Saneador que julgou improcedente tal excepção.

OBJECTO DO LITÍGIO:Determinar se a publicação feita no jornal ... da ... no dia 31.3.2014, que visava o autor, viola os direitos de personalidade do autor, causando-lhe danos não patrimoniais ou se, pelo contrário, integra um exercício legítimo do direito à informação pública por parte da imprensa.

Foi proferida a competente sentença – parte decisória:
“-…-
DECISÃO.

Pelo exposto:
a)-julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu ... ... e a Ré ... - Imprensa Livre, SA a pagarem, solidariamente, ao Autor a quantia de dez mil euros a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% a contar da sentença até integral pagamento;
b)-ordeno que se proceda à publicação desta sentença, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, no jornal "... da ...", sendo os factos provados a constar do extracto os números 22, 24, 25, 26, 30 (ii), (vi), (vii), (ix), (xiii), (xv), (xvii), 31 e 40;
c)-no mais, julgo a acção improcedente por não provada, absolvendo os Réus do demais peticionado.
Custas pelo Autor e pelos Réus ... ... e ..., SA, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente.~
-…-”

Desta sentença vieram os RR. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1.–O presente recurso visa a impugnação da sentença proferida que, julgando a acção parcialmente procedente condenou os Recorrentes a pagar ao Recorrido a quantia de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença até integral pagamento, na sequência dos comentários feitos à notícia publicada na edição online do jornal “... da ...”.
2.–No que respeita à notícia publicada no jornal “... da ...”, transcrita nos pontos 22, 24, 25 e 26 dos factos provados da sentença recorrida, o Tribunal “a quo” considerou que a mesma é verdadeira, tem uma redacção sóbria e equilibrada, sendo clara que ao autor é imputada uma acusação, já formulada em queixa, sendo os factos verdadeiros e devidamente contextualizados. Mais, a notícia em causa não formula juízos de valor, não qualifica a conduta do autor cingindo-se aos factos (cfr. fundamentação da sentença recorrida constante das páginas 45 e 46 da mesma).
3.–Para além disso, no que respeita ao interesse legitimo, considerou o Tribunal “a quo” que: (i) existe uma conexão intrínseca e comunicante entre os factos revelados e a actividade pública do A., enquanto empresário, homem íntegro e honesto e apoiante de projectos sociais; (ii) existe uma contradição notória entre o comportamento privado do A. na sua casa e o comportamento público no mesmo enquanto empresário visto como um homem íntegro e honesto. A conduta do A. contraria a imagem de que beneficia e que procura enquanto figura pública. Não pode o A. ser, e aparentar ser, impoluto na esfera pública e actuar desta forma na esfera privada; (iii) na notícia expõe um crime e um comportamento anti-social, inusitado, desproporcionado face ao contexto e discussão que o gerou. Concluindo que a notícia foi dada no âmbito da prossecução de um interesse público legitimo. Foi invadido, legitimamente, o direito de resguardo do A.(cfr. fundamentação da sentença recorrida constante das páginas 47 a 50 da mesma).
4.–Assim, o Tribunal “a quo” concluiu pelo exercício lícito do direito dos Réus do que respeita à liberdade de imprensa, razão pela qual decidiu absolver os Réus, autores da notícia, do pedido formulado pelo A., considerando não se verificarem os requisitos da responsabilidade civil.
5.–No entanto, o Tribunal “a quo” surpreendeu ao vir a final a condenar a Ré, proprietária do jornal, e o Réu, director do mesmo, pelos comentários feitos à notícia pelos leitores, publicados na edição online do jornal, considerando que “alguns desses comentários consubstanciam um puro ataque pessoal ao autor e respectiva família, visam achincalhar o autor, sendo manifestamente soezes e ofensivos da honra e consideração do autor. Tais comentários excedem, claramente, o âmbito de uma critica civilizada e razoável, que vise a formação e reforço da consciência social (…)”.
6.–O Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão Lei da Imprensa no que respeita à responsabilidade do Recorrente Director do jornal e da Recorrente proprietária do mesmo. O Tribunal “ a quo” fundamentou ainda a sua decisão no Acórdão proferido pelo TEDH no caso Delfim AS V. Estónia, proferido em 10.10.2013 e 16.06.2015.
7.–Nos termos do artigo 9.º da Lei da Imprensa integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado.
8.–Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é aqui aplicável a Lei da Imprensa, mas sim, o regime da responsabilidade civil por factos ilícitos, previsto no artigo 483.º e seguintes do CC.
9.–Os comentários que, no entender do Tribunal “a quo” geram a responsabilidade civil dos Recorrentes, foram publicados num website e não na verdadeira acessão no jornal “... da ...”, pelo que, a responder alguém pelos comentários publicados teria de ser o titular do site em causa, sendo que a identidade do mesmo não foi sequer alegada nos presentes autos, nem consta da matéria de facto provada.
10.–O que consta da matéria de facto provada e alegado é que a Recorrente ... é proprietária do jornal “... da ...”, sendo o Recorrentes ... ... Director do mesmo. Em local algum da matéria de facto provada consta que qualquer um dos Recorrentes seja titular do site onde foram publicados os comentários.
11.–Pelo que, só por aqui, terá de proceder o presente recurso, devendo ser alterada a sentença recorrida e os Recorrentes absolvidos na totalidade, mas, ainda assim, sempre se dirá o seguinte.
12.–No caso Delfi V. Estónia estava em causa um jornal on-line que publicou um artigo referente à polémica decisão tomada por uma empresa de ferries (a SLK), tendo o artigo obtido 185 comentários, 20 dos quais continham linguagem insultuosa dirigida aos membros da administração da empresa SLK.
13.–O Tribunal Europeu veio a decidir que os Tribunais nacionais não tinham violado o artigo 10º CEDH porque: (i) Embora a Delfi tivesse implementado um filtro para detectar determinadas palavras, o filtro implementado não era suficiente; (ii) As mensagens em causa ficaram seis semanas on-line antes de terem sido removidas pela Delfi; (iii) Não existia uma política/mecanismo de registo prévio dos utilizadores para comentarem artigos; (iv) Seria desproporcional colocar nas pessoas vítimas dos comentários, o ónus de ter de apurar a identidade das pessoas que proferiram os comentários.
14.–No entanto, a jurisprudência mais recente do Tribunal Europeu, constante do Acórdão de 2 de Fevereiro de 2015, no caso Magyar e Index V. Hungria, vai no sentido contrário.
15.–No caso Magyar e Index V. Hungria estava em causa uma associação sem fins lucrativos, Magyar, e o maior portal de notícia na Hungria, Index, sendo que nos respectivos portais era possível aos utilizadores postar comentários nas publicações, não sendo tais comentários não eram previamente editados, nem monitorizados.
16.–O Tribunal Europeu considerou que: (i) os comentários foram despoletados pelo artigo publicado, o qual continha um assunto de interesse público, sendo que o artigo em si mesmo era fundamentado em bases factuais não contendo quaisquer juízos ofensivos ou expressões provocatórias; (ii) não estão em causa declarações factuais difamatórias mas juízos de valor e opiniões e foram colocadas no contexto da notícia publicada; (iii) as expressões usadas nos comentários eram ofensivas, e uma ou outra poderia até ser vulgar mas a utilização de linguagem vulgar em si mesma não é decisiva para considerar a declaração ofensiva. Para o Tribunal, o estilo constituiu uma parte da comunicação, como forma de expressão e é também protegido juntamente com o conteúdo da declaração; (iv) o conteúdo dos comentários, embora tenham um estilo vulgar, são comuns na comunicação através de vários portais da internet, o que reduz o impacto que possa ser atribuído às expressões utilizadas.
17.–Considerou, ainda que: as instâncias internas não analisaram as condições em que os comentários podiam ser feitos ou mesmo o sistema de registo que permitia que os comentários fossem feitos nos websites; pode ler-se na decisão do Tribunal Europeu que “os tribunais nacionais satisfizeram-se com o facto de os réus terem um certo nível de responsabilidade pelos comentários, dado de divulgaram conteúdos difamatórios, no entanto, sem fazerem uma análise proporcional da responsabilidade dos reais autores dos comentários. Para o Tribunal a conduta dos recorrentes ao providenciar por uma plataforma para que terceiros exerçam a sua liberdade de expressão ao colocarem comentários é uma actividade jornalística com uma natureza particular (…). Mesmo aceitando a qualificação feita pelos tribunais nacionais no que respeita à conduta dos recorrentes, no sentido de divulgarem conteúdos difamatórios, a responsabilidade dos recorrentes é difícil de conciliar com a existência de jurisprudência de acordo com a qual a punição de um jornalista ao assistir à divulgação de declarações feitas por uma terceira pessoa numa entrevista vai por seriamente em causa o contributo da imprensa para a discussão de assuntos de interesse público e não deve ser seguida a não ser que existam razões de particular importância.”
18.–O Tribunal Europeu teve em consideração que a empresa ofendida nunca pediu aos recorrentes a remoção dos comentários tendo optado por instaurar uma acção judicial. “(…) Na verdade, os Tribunais nacionais, impuseram uma responsabilidade objectiva aos recorrentes por terem providenciado um espaço para comentários injuriosos e degradantes e não procederam a qualquer exame da conduta quer dos recorrentes, quer do ofendido.”
19.–A responsabilização dos websites por comentários de terceiros pode ter consequências negativas no ambiente dos comentários de um portal de internet, por exemplo, ao impelir ao encerramento dos espaços de comentário. Para o Tribunal tais consequências podem ter, directa ou indirectamente, um efeito de arrefecimento do direito à liberdade de expressão na internet. (…) O Tribunal Constitucional afirmou que a operação dos portais de internet que permitem comentários sem prévia moderação é um forum do exercício do direito à liberdade de expressão. De facto, o Tribunal Europeu afirmou em várias ocasiões o papel essencial que a impressa tem numa sociedade democrática (…) – um conceito que, na sociedade moderna, incorpora a imprensa electrónica, incluindo a internet. No entanto, não pode deixar de frisar que os Tribunais Húngaros não comtemplaram qual era o papel dos recorrentes como protagonistas da livre imprensa electrónica. Não ponderaram a forma como a responsabilização de um website de notícias poderá afectar a liberdade de expressão na internet. De facto, ao determinarem a responsabilidade no presente caso, os Tribunais não procederam a qualquer equilíbrio entre tal direito e o direito do ofendido. Tal facto coloca a questão da adequação da protecção do direito à liberdade de expressão dos recorrentes.”
20.–Acabando por concluir que: (i) a rigidez da decisão dos Tribunais Húngaros reflecte uma noção de responsabilidade que efectivamente preclude o equilíbrio entre ambos os direitos de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu; (ii) no caso Delfi AS, o Tribunal Europeu considerou que quando acompanhado de procedimentos adequados que permitam uma resposta rápida, a funcionalidade de notificação para retirada dos comentários, pode funcionar em vários casos como uma ferramenta apropriada para o equilíbrio dos direitos e interesses de todos os envolvidos; (iii) o Tribunal não vê qualquer razão para que tal sistema não seja um caminho viável para a protecção da reputação do ofendido. É verdade que quando terceiros usam os comentários para a viabilização de mensagens de ódio e ameaças directas à integridade física de outros, os direitos e interesses envolvidos e da sociedade como um todo, podem justificar a imposição de responsabilidade de portais de noticiais na internet se os mesmos falharem na execução das medidas necessárias para a remoção de tais comentários, mesmo sem pedidos de retirada da alegada vitima ou de terceiros. No entanto, o presente caso não envolveu tais afirmações; (iv) o Tribunal concluiu assim que os Tribunais nacionais com as suas decisões violaram o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
21.–No caso concreto, tal como o Tribunal “a quo” decidiu: a notícia era verdadeira, foi elaborada de forma proporcional e adequada, existiu um interesse público legítimo, pelo que, tal como consta do Acórdão proferido pelo Tribunal Europeu no caso Magyar e Index, os comentários à notícia foram despoletados pelo artigo publicado, o qual continha um assunto de interesse público, sendo que o artigo em si mesmo era fundamentado em bases factuais não contendo quaisquer juízos ofensivos ou expressões provocatórias.
22.–Salvo o devido respeito por opinião em contrário, os comentários feitos à notícia e que se encontram transcritos no ponto 30 da fundamentação de facto da sentença recorrida, à luz da jurisprudência recente do Tribunal Europeu, não podem servir para responsabilizar os Réus.
23.–No caso concreto, e tal como acontecia no caso Magyar e Index, não estão em causa declarações factuais difamatórias mas juízos de valor e opiniões e foram colocadas no contexto da noticia publicada e as expressões usadas nos comentários podem ser ofensivas, uma ou outra até ser vulgar, mas a utilização de linguagem vulgar em si mesma não é decisiva para considerar a declaração ofensiva. Para o Tribunal, o estilo constituiu uma parte da comunicação, como forma de expressão e é também protegido juntamente com o conteúdo da declaração.
24.–O conteúdo dos comentários, embora tenham um estilo vulgar, são comuns na comunicação através de vários portais da internet, o que reduz o impacto que possa ser atribuído às expressões utilizadas.
25.–Também neste caso, o Tribunal “a quo”, não analisou as condições em que os comentários podiam ser feitos ou mesmo o sistema de registo que permitia que os comentários fossem feitos no websites, tendo, tal como o Tribunal Húngaro: “os tribunais nacionais satisfizeram-se com o facto de os réus terem um certo nível de responsabilidade pelos comentários, dado de divulgaram conteúdos difamatórios, no entanto sem fazerem uma análise proporcional da responsabilidade dos reais autores dos comentários. Para o Tribunal a conduta dos recorrentes ao providenciar por uma plataforma para que terceiros exerçam a sua liberdade de expressão ao colocarem comentários é uma actividade jornalística com uma natureza particular (…). Mesmo aceitando a qualificação feita pelos tribunais nacionais no que respeita à conduta dos recorrentes, no sentido de divulgarem conteúdos difamatórios, a responsabilidade dos recorrentes é difícil de conciliar com a existência de jurisprudência de acordo com a qual a punição de um jornalista ao assistir à divulgação de declarações feitas por uma terceira pessoa numa entrevista vai por seriamente em causa o contributo da imprensa para a discussão de assuntos de interesse público e não deve ser seguida a não ser que existam razões de particular importância.”
26.–O Recorrido, alegadamente ofendido com a notícia, também não pediu aos Recorrentes que a notícia fosse retirada da página da internet, conforme consta do ponto 39 da fundamentação de facto da sentença recorrida.
27.–Também nos presentes autos, o Tribunal “a quo” impõe uma responsabilidade objectiva aos Recorrentes por terem providenciado um espaço para comentários, sem proceder ao exame da conduta dos Recorrentes.
28.–A responsabilização dos websites por comentários de terceiros pode ter consequências negativas no ambiente dos comentários de um portal de internet, por exemplo, ao impelir ao encerramento dos espaços de cometário. Para o Tribunal tais consequências podem ter, directa ou indirectamente, um efeito de arrefecimento do direito à liberdade de expressão na internet. (…) O Tribunal Constitucional afirmou que a operação dos portais de internet que permitem comentários sem prévia moderação é um forum do exercício do direito à liberdade de expressão. De facto, o Tribunal Europeu afirmou em várias ocasiões o papel essencial que a impressa tem numa sociedade democrática (…) – um conceito que, na sociedade moderna, incorpora a imprensa electrónica, incluindo a internet. No entanto, não pode deixar de frisar que os Tribunais Húngaros não comtemplaram qual era o papel dos recorrentes como protagonistas da livre imprensa electrónica. Não ponderaram a forma como a responsabilização de um website de notícias poderá afectar a liberdade de expressão na internet. De facto, ao determinarem a responsabilidade no presente caso, os Tribunais não procederam a qualquer equilíbrio entre tal direito e o direito do ofendido. Tal facto coloca a questão da adequação da protecção do direito à liberdade de expressão dos recorrentes.”
29.–Assim, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal “a quo” o artigo 10.º da CEDH, pelo que deve a decisão ser revogada e substituída por outra que absolva os Recorrentes do pedido.
30.–Sempre se dirá que, reflecte-se nos presentes autos, o problema do conflito entre dois direitos: o direito ao bom-nome e reputação (artigo 26º da Constituição da República Portuguesa e artigo 70º do Código Civil) por um lado, e o direito fundamental da liberdade de expressão e informação pela imprensa (artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa e Lei 2/99 de 13 de Janeiro), por outro, considerando-se neste último, especialmente, o direito do público ser informado e o direito de informar.
31.–Atendendo ao facto de estarem em causa aquelas duas categorias de direitos constitucionalmente consagrados, isto é, de um lado, os direitos pessoais do outro a liberdade de expressão e informação, a par da liberdade de imprensa e meios de comunicação social, devemos concluir que estarmos perante uma colisão de direitos.
32.–Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP“2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
33.–Daqui resulta que tendo em devida consideração a possibilidade de verificação de conflito entre direitos fundamentais, obriga a uma ponderação dos interesses envolvidos, sob o pressuposto da análise do caso concreto, por forma a decidir qual aquele que, naqueles termos, será mais digno de protecção.
34.–O direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, sendo certo que a importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.
35.–O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sobre esta matéria, “vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte: A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As excepções constantes deste nº 2 devem se interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou «outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. (…) a CEDH não estabelece uma hierarquia entre os direitos proclamados, ou seja, o direito à honra, bom-nome e reputação, por um lado, e o direito à liberdade de expressão e informação pela imprensa, por outro, inexistindo qualquer princípio de preferência abstracta por qualquer um desses valores em conflito, face à sua igual hierarquia constitucional, antes opera uma neutralização recíproca do direito à liberdade de expressão e do direito à honra, bom-nome e reputação, devendo, tendencialmente, garantir-se a observância de ambos, no contexto de uma ponderação de interesses centrada na interpretação das singularidades do caso concreto, capaz de assegurar aos dois valores a máxima satisfação compatível com a justiça da situação em análise” - Acórdão do STJ de 14 de Fevereiro de 2012, processo 5817/07.TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
36.–De facto, e tal como foi decidido pelo Tribunal “a quo”, a noticia que deu origem aos comentários é legitima, devendo, no caso concreto, o direito à liberdade de imprensa sobrepor-se ao direito ao bom nome do Recorrente, e mais se diga que, analisados os comentários constantes da noticia, e transcritos no ponto 30 da fundamentação de facto da sentença recorrida, nenhum deles ultrapassa o limite da crítica razoável não obstante a linguagem possa ser mais “curriqueira”, o que é admitido pelo TEDH.
37.–Sendo certo que, no caso concreto o Tribunal “a quo” não fez qualquer ponderação ou exercício de equilibro entre o direito à liberdade de expressão e o direito ao bom nome, no sentido de aferir se, no caso concreto e de facto, os comentários feitos à notícia eram ilícitos.
38.–De qualquer forma sempre se dirá que, considerando o regime estabelecido na Lei da Imprensa, ao contrário do decidido na sentença recorrida, o Réu ... ..., enquanto director do jornal “... da ...” (cfr. ponto 55 da fundamentação de facto da sentença recorrida), não tendo sido o autor dos comentários em causa, nunca poderá ser condenado ao pagamento de qualquer indemnização à Recorrente.
39.–Nos termos do n.º 1 do artigo 29º da Lei da Imprensa, na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”, estabelecendo o n.º 1 do artigo 483º do Código Civil que, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”.
40.–Decorre do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa que, “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.”
41.–Em parte alguma está prevista a responsabilidade objectiva do Director do periódico, pelos conteúdos publicados, mesmo quando este tenha tido conhecimento prévio do seu conteúdo e não se tenha oposto à sua publicação, o que não foi o caso dos presentes autos, o conhecimento do Director apenas poderá relevar para aferir da eventual responsabilidade solidária da empresa jornalística, não se prevendo qualquer responsabilidade do próprio director da publicação.
42.–Aliás tem sido esse o entendimento da nossa melhor e mais recente Jurisprudência (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2009; www.dgsi.pt e “A Nova Lei da Imprensa” J.M. Coutinho ..., Coimbra Editora; p. 46), assim como o entendimento dos Tribunais de Primeira Instância, tendo sido tal entendimento seguido pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, processo 590/07.7TVLSB, 1ª secção, 7ª Vara Cível, que decidiu que “Em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o número 2 deste artigo, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa”.
43.–Assim, o Director, aqui Réu ... ..., não sendo o autor do texto em causa, não pode ser pessoalmente responsabilizado por quaisquer danos provocados pelo mesmo, uma vez que, nos termos da lei, apenas responde o próprio autor, e a Ré, ..., no caso de o conteúdo ter sido publicado com o conhecimento e sem oposição do seu director, mas nunca o Réu ... ...enquanto Director do jornal.
44.–Pelo que, ao condenar o Réu ... ..., solidariamente com os restantes, ao pagamento à Autora da indemnização fixada, violou o tribunal “a quo” o disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva o Réu ... ... do pedido.
45.–A Ré ... - Imprensa Livre, S.A., enquanto proprietária do jornal “... da ...” não pode igualmente ser condenada, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a sua responsabilidade.
46.–Do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa, conjugado com o artigo 483.º do CC, decorre que as empresas jornalísticas apenas podem ser responsabilizadas no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação: com o conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal.
47.–De todo o modo, sempre se dirá que, mesmo considerando como considerou o Tribunal “a quo”, no sentido de que no que toca ao conhecimento do director dos conteúdos publicados, que existe uma presunção legal do referido conhecimento, dispensando-se ao lesado a prova da culpa do director, nunca poderia a Ré ..., assim como o Réu ... ..., ser condenados pelos alegados danos provocados à Autora com a publicação na notícia em causa.
48.–Nos termos do artigo 349.º do CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, as presunções “importam o reconhecimento de certo facto, se não se provar o contrário; (…) supõe-se a prova dum facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido.” - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 312.
49.–Conforme se compreende da análise das normas supra citadas, as presunções encontram-se compreendidas no âmbito da prova e situam-se no plano de facto.
50.–Analisada a norma em causa, ou seja, o n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, e existindo uma presunção do conhecimento do director, temos de considerar que o facto conhecido, ou seja, a base da presunção, é a qualidade de director do periódico, sendo o facto desconhecido o seu conhecimento e não oposição sobre o conteúdo publicado.
51.–Conforme se constata pela análise da matéria de facto provada constante da sentença recorrida, da mesma consta como provado que o Réu ... ... era, à data da publicação, director do jornal “... da ...” (cfr. ponto 55 da fundamentação de facto da sentença recorrida), no entanto, da mesma não consta que o referido Réu, na sua qualidade, teve conhecimento prévio e não se opôs à publicação dos comentários, que seria o facto desconhecido cuja prova seria de presumir nos termos dos artigos 349.º e 350.º do CC.
52.–Conforme já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, a propósito das presunções: “Cremos todavia que o facto desconhecido não é um facto não alegado mas o facto a provar; traduz-se ele no facto alegado sobre o qual não se produziu prova (o que é diferente dos casos em que, produzida prova, o Tribunal julga um determinado facto “não provado”) mas ao qual o Tribunal “chegou” através de outros factos, esses provados, por via de presunção judicial. (…) Tratando-se, porém, esse facto desconhecido de um facto novo concreto e essencial a sorte do litigio, não se nos afigura que seja legitima a utilização da presunção judicial, se ele não foi alegado, visto que afinal, por tal via, o Tribunal, assim procedendo, entra em colisão com as normas conjugadas dos artigo 264.º do CPC (ónus de alegação) e 342.º/1 do Código Civil (ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado), neste caso, a utilização do mencionado juízo de decorrência lógica tem como consequência suprir, quando tal já não é possível, a falta de alegação de facto essencial constitutivo do direito.” - Acórdão do STJ de 20.01.2010, Processo n.º 642/04.5TBSXL-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
53.–Assim, da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” não consta que o Réu ... ..., enquanto Director do jornal “... da ...” teve conhecimento prévio dos comentários em causa e não se opôs aos mesmos em momento prévio à sua publicação.
54.–Conforme, aliás, foi já doutamente julgado pela 9.ª Vara 1.ª Secção, das Varas Cíveis de Lisboa, proc. n.º 2120/08.7TJLSB, cuja súmula da sentença em parte se transcreve: “no caso em análise, para além dos requisitos gerais de responsabilidade civil (…) para que a R. possa ser solidariamente responsabilizada pelos danos eventualmente causados é ainda necessário que exista conhecimento prévio do director ou do seu substituto legal do facto publicado e que nenhum destes se tenha oposto a tal publicação.”
55.–Não estão verificados os elementos dos quais depende a verificação da responsabilidade da Recorrente ..., nem a responsabilidade do Réu ... ..., pelo que quanto aos mesmos deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que os absolva do pedido.
56.–Na sentença recorrida o Tribunal “a quo” atribuiu ao Autor uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €10.000,00, apenas pelos comentários feitos à noticia em causa, constando da sentença recorrida o seguinte: “Os comentários acima analisados e identificados ofendem a honra e consideração do autor. (…) O artigo 484.º do Código Civil, sob a epígrafe de ofensa do crédito e do bom nome, estatui que “Quem afirmar ou difundir «um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, responde pelos danos causados.”
57.–A notícia em causa nos presentes autos, é, de facto, ofensiva do bom nome e honra do Recorrido, considerando os factos que estão aí relatados, no entanto, a publicação da mesma foi lícita, agindo os Réus no exercício do seu direito fundamental de liberdade de imprensa e liberdade de expressão, devendo, no caso concreto, ceder o direito à honra e bom nome do Recorrido.
58.–Os comentários feitos à notícia não contêm factos difamatórios mas antes juízos de valor feitos pelos leitores da notícia que, retiraram as suas conclusões sobre a pessoa do Recorrido, não ultrapassando o limite da crítica aceitável considerando que o Recorrido é figura pública, a qual assume na sua vida pública uma atitude completamente contrária à que assumiu na sua vida privada e que vem referida na notícia em causa.
59.–Por outro lado, há que verificar se os comentários feitos à notícia são susceptíveis de, por si só, afectar a honra e o bom nome do Autor e para aferir se determinado facto é ou não susceptível de afectar o bom-nome de alguém, têm entendido os tribunais superiores que será necessário que o facto seja susceptível de, “diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou do bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”(Ac. TRL de 29-03-2007; www.dgsi.pt).
60.–A notícia publicada no jornal “... da ...” e a qual foi considerada lícita e enquadrada no exercício legítima da liberdade de imprensa é susceptível de tal facto, mas não os comentários por si só. Aliás, não foi feita nos autos qualquer prova de que fossem os comentários e não a noticia que provocaram os danos que o Recorrido alega ter sofrido.
61.–Na realidade nenhuma das testemunhas ouvidas no processo individualizou quaisquer comentários como geradores de qualquer dano, as mesmas referiram-se sempre à notícia em si mesma e ao seu conteúdo e aos danos que tal notícia, só por si, provocou (cfr. resumo dos depoimentos prestados na audiência de julgamento constante das pág. 11 e 12 da sentença recorrida).
62.–Por outro lado, traduzindo-se o bom nome na representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o apreço social pelas qualidades e valores sociais, e traduzindo-se a respectiva ofensa na diminuição da confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou na diminuição do prestígio de que a pessoa goze ou do bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade, não foram sequer alegados factos que permitam aferir da mencionada diminuição de confiança ou prestigio no que respeita aos comentários feitos à noticia publicada.
63.–Não ficou demonstrado que os comentários feitos à notícia em causa tenham afectado qualquer prestígio ou reputação do Autor, nenhuma das testemunhas se referiu aos comentários feitos à notícia mas antes à notícia em si mesma.
64.–“O artigo 496º, nº 1, do Código Civil restringe a ressarcibilidade dessa sorte de danos, àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Devendo tal gravidade“...medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (Ac. TRL de 03/04/2008; www.dgsi.pt)
65.–O facto do Autor se ter sentido ofendido com os comentários feitos à notícia, “nada nos diz quanto à dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência. Poder-se-á ter tratado de um sentimento mais ou menos ligeiro, passageiro, rapidamente ultrapassado.” (Ac. TRL de 03/04/2008; www.dgsi.pt).
66.–A falta de alegação dos factos concretos que constituem os danos, permite ao tribunal, mesmo nesta fase e por se tratar de uma mera questão de direito, julgar improcedente o pedido uma vez que não foram alegados danos que sejam, à luz do nosso direito, passíveis de ser ressarcidos.
67.–Por tudo o supra exposto deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os Recorrentes do pedido, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a respectiva responsabilidade por quaisquer danos alegadamente sofridos pelo Autor.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser alterada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente e em consequência absolva os Recorrentes do pedido, assim se fazendo a costumada Justiça.

Também o A. veio recorrer, recurso esse, igualmente, admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

Impugnação da matéria de facto: enumeração

A)-No presente recurso, vão impugnados os seguintes segmentos dos factos dados como provados:
O facto n.º 2, relativo à suposta agressão do A. à sua empregada doméstica, que deve ser considerado não provado;
Os factos n.ºs 19 e 20, relativos aos supostos contactos que os 3.º e 4.º RR. terão tentado estabelecer com o A., que devem ser considerados não provados;
O facto n.º 8, relativo ao relatório do Hospital de Cascais, onde o inciso “o qual fazia expressamente referência a trauma na mão esquerda e perna esquerda com dor local” deve ser substituído por outro, que contenha aquilo que efectivamente consta de tal relatório, ou seja, “o qual refere que a doente apresenta queixa com trauma na mão esquerda e perna esquerda, tendo, contudo, a observação médica assinalado a inexistência de lesões traumáticas visíveis ou de limitações da mobilidade articular” (sublinhado nosso);
O facto n.º 35, relativo à comparação do texto do direito de resposta com o texto da notícia, deve conter uma alteração, que reproduza uma adequada comparação entre os dois textos, passando a ter a seguinte redacção: “O texto do direito de resposta referido em 33 tem bastante menos relevo que o texto da notícia referido em 25, estando encabeçado por um título de dimensão bastante menor que o da notícia”.

B)-Os factos n.ºs 2, 19 e 20 são impugnados com recurso à prova gravada, devidamente conjugada com os demais elementos de prova, tudo como adiante vai especificado.

C)-Os factos n.ºs 8 e 35 são impugnados com base nos documentos constantes dos autos. A justificação das alterações reclamadas decorre dos próprios documentos a que se reportam. Relativamente ao relatório do Hospital de Cascais (facto n.º 8), é manifesto que o tribunal seleccionou apenas uma parte (aliás, a que melhor “serve” a sua tese), quando é obviamente muito relevante que igualmente se transcreva a observação clínica da inexistência de lesões traumáticas visíveis.
Quanto ao facto n.º 35, basta comparar o texto da notícia com o do direito de resposta, ambos juntos com a p. i., para se confirmar que o A. tem razão quando pretende que seja introduzida a correcção supra identificada.

O facto n.º 2

D)-A questão nuclear deste recurso tem naturalmente a ver com a impugnação do facto n.º 2: “o A. agrediu a sua empregada doméstica do seguinte modo: aproximou-se por trás, agarrou-a pelos braços e empurrou-a para o chão, caindo a mesma sobre o seu lado esquerdo - perna, anca e mão -”.
Tal facto – estabelecido apenas com o relato que a testemunha CÉLIA PUPO narrou em audiência de julgamento – não existiu e não pode ser dado como provado.

E)-A impugnação deste segmento funda-se nos seguintes meios de prova:
Depoimento de parte do A., gravado no sistema Habilus Media Player, nos termos constantes da acta da audiência final de 23 de Novembro de 2015, constante do ficheiro 20151123104018_11342597_2871024, que se encontra integralmente transcrito no Anexo A que se junta e se dá por reproduzido;
Depoimento da testemunha CÉLIA P..., gravado no sistema Habilus Media Player, nos termos constantes da acta da audiência final de 16 de Dezembro de 2015, constante do ficheiro 20151216094856_11342597_2871024, que se encontra integralmente transcrito no Anexo B que se junta e se dá por reproduzido;
Depoimento da testemunha MARIA IRENE C... O..., gravado no sistema Habilus Media Player, nos termos constantes da acta da audiência final de 23 de Novembro de 2015, constante do ficheiro 20151123114148_11342597_2871024, que se encontra integralmente transcrito no Anexo C que se junta e se dá por reproduzido;
Nos documentos constantes dos autos, particularmente o teor da notícia publicada no “... da ...” (junta com a p. i.) e os documentos remetidos pelo DIAP da Comarca de Lisboa Oeste, em 23/04/2015 (juntos em 28/04/2015), onde se inclui o relatório do Hospital de Cascais, de 29/03/2014, o auto de exame médico, de 03/04/2014, o auto de denúncia, de 29/03/2014, o auto de interrogatório do A. (ali arguido), de 03/09/2014, e o auto de inquirição da denunciante, de 02/02/2015, onde ela desiste da queixa apresentada contra o A..
F)-Antes de mais, deve ser considerado que as “corroborações periféricas” atendidas pelo Tribunal para validar o depoimento da testemunha CÉLIA P... - referentes à alegada conformidade entre as suas declarações e os sinais clínicos da suposta agressão – não existem. Ademais, dos elementos avocados para o efeito, só pode retirar-se a falta de credibilidade do depoimento dessa testemunha.

G)-Desse cotejo, devem retirar-se as seguintes ilações: CÉLIA P... apresenta versões diferentes cada vez que fala do assunto; No auto de denúncia, diz que foi agarrada pelos dois braços e projectada ao chão; ao ... da ..., terá dito que foi empurrada; em audiência de julgamento, veio dizer que o A. a “pegou por trás”, levantou-a e atirou-a ao chão; Mas o mais grave é a sustentação de que ficou com “tudo roxo” na perna e na mão (ou braço), o que teria sido logo observado pelo Hospital de Cascais, e até objecto de fotografias, quando o relatório de fls. 156 é inequívoco quanto à ausência de lesões traumáticas visíveis; Diz que mostrou tais fotografias à jornalista do ... da ..., que relata que ela apresentaria escoriações numa perna e num braço, quando o relatório do Hospital de Cascais, contemporâneo dessas fotografias e desses relatos (tudo se terá passado entre 29 e 30 de Março), é incontornável quanto ao desmentido dessa narrativa; Confrontada, em audiência de julgamento, com essa situação, veio dizer que só teria ficado roxa na perna e na mão (ou braço) uns dias depois, o que se teria tornado visível quando foi ao exame médico (15 dias depois), esquecendo-se que, no minuto anterior, já tinha dito que as marcas até estavam visíveis em fotografias que teria exibido no hospital e à jornalista logo a 29 e 30 de Março; De resto, o exame médico não foi 15 dias depois, mas logo a 3 de Abril, não sendo então visíveis quaisquer escoriações na perna e na mão (ou braço), mas apenas uma pequena equimose, com 3 cm de diâmetro, na região glútea esquerda (obviamente compatível com a queda, tal como descrita pelo A.); Por último, não pode ignorar-se que, quando CÉLIA P... foi ouvida no inquérito, em 02.02.2015 (cfr. certidão remetida pelo DIAP de Cascais a 23/04/2015), chegou a referir que os hematomas sofridos se teriam localizado na perna e no braço direitos, “os quais ficaram negros durante uns vinte dias”.

H)-Tudo ponderado, brada aos céus que o tribunal a quo venha dizer que o relato de CÉLIA P... é corroborado pelos relatórios de fls. 156 e 157, quando eles servem para demonstrar precisamente o contrário, ou seja, a inconsistência do seu depoimento.

I)-O raciocínio do tribunal – quando valora o depoimento de CÉLIA P... e desvaloriza o do A. –assenta na circunstância do discurso de CÉLIA P... se apresentar com um “estilo expressivo”, mais circunstanciado e detalhado, enquanto o do A. seria “mais rígido”, com “enquadramento contextual mais pobre”.

J)-A partir daí – ancorado numa qualquer convicção cuja causa o leitor não consegue perscrutar –, a sentença constrói a sua teoria de que o depoimento de CÉLIA P... seria verdadeiro e o do Autor não passaria de uma estratégia para negar a verdade, o que não tem base científica, não decorre da experiência comum e, sobretudo, não se retira do depoimento de ambos, que se encontra transcrito integralmente em anexo, cuja gravação os Senhores Juízes Desembargadores não deixarão de ouvir.

K)-O tribunal desvaloriza as inconsistências do depoimento de CÉLIA P..., sustentando que elas, a existirem, seriam sobre questões marginais que “não desvirtuam o depoimento da testemunha nos seus aspectos essenciais”, constituindo até “sintoma de genuinidade e de espontaneidade”.

L)-Mas não é assim. Os seus diferentes relatos, quanto à forma como se deu a agressão e sobretudo quanto às marcas que a mesma teria deixado, têm a ver com o núcleo central do que importa apurar, não constituindo questões marginais ou irrelevantes, sendo, outrossim, fundamentais para desconsiderar o seu depoimento.

M)-De resto, não é só a matéria relativa às “corroborações periféricas”, cujo desconchavo e absurdo já se sublinharam, havendo outras situações que revelam essa inconsistência, como mais de espaço se avaliou nos n.ºs 28 a 33 do presente recurso.

N)-Avaliando o depoimento do Autor, o tribunal não o considera credível porque “o seu relato foi demasiado pensado, rígido, programado, menos detalhado, com enquadramento contextual mais pobre”. Sustenta-se em quatro argumentos que revelariam a estratégia de construção de uma história credível por parte do A.: i) ter-se esquivado a fazer a reprodução das conversas; ii) ter omitido a ordem que deu a CÉLIA P... para aceder ao quarto pelo exterior; iii) ter afirmado, referindo-se a CÉLIA P..., “tem a minha altura e o meu peso”, o que se coadunaria com o contacto físico do A. com a vítima da agressão (!); iv) ter insistido que a testemunha CÉLIA andava recorrentemente de saltos altos, o que não seria verdade e “desconstruiria” a sua tese.

O)-Não é verdade que o A. se tenha esquivado a reproduzir as conversações que teve com a testemunha CÉLIA P.... Quanto à circunstância de o A. ter omitido a ordem que teria dado à CÉLIA P... para aceder ao quarto pelo exterior, o tribunal dá como assente que a mesma tenha existido, dando por demonstrado aquilo que tinha de o ser. No que respeita à peregrina ideia de que, tendo-se o A. referido ao peso e altura de CÉLIA P..., isso denotaria o contacto físico que terão tido, entramos no domínio de uma especulação imprópria, que está para além daquilo que é admissível numa sentença.

P)-Resta a “questão dos saltos altos”, argumento que o tribunal considera decisivo para “desconstruir a tese do A.”, uma vez que CÉLIA P... não poderia estar de saltos altos quando se deu o incidente dos autos, argumentação que todavia não procede, porquanto: i) o A. e CÉLIA P... não se entendiam quanto à forma demasiado vistosa como esta, por vezes, se apresentava, o que foi inteiramente confirmado pela testemunha IRENE O...; ii) CÉLIA P... gostava de saltos altos, como a testemunha IRENE O... também referiu, embora dizendo que, durante o serviço, usaria normalmente os chinelos da farda; iii) CÉLIA P... e IRENE O... tinham horários diferentes, sendo IRENE uma empregada externa e CÉLIA uma empregada interna; iv) o A. nunca disse que CÉLIA P... andava sempre de saltos altos; o que disse foi que ela o fazia e que, na situação em causa, estava de saltos altos exactamente porque “queria sair essa noite (…) sair para entretenimento”; v) de resto, na versão de CÉLIA P..., nessa noite, ela também não estaria com os tais chinelos da farda, mas de botas (“eu estava com bota baixa, igual eu estou agora”), ou seja, a divergência entre o depoimento do A. e de CÉLIA P... não é sobre os chinelos com que ela normalmente andaria, mas sim sobre se, nessa noite, ela estava de saltos altos, como o A. bem sabe que estava, ou de “bota baixa”, como ela falsamente alega.

Q)-O A. sabe que disse a verdade. E que a testemunha CÉLIA P... mentiu. Mas o A. e os seus advogados admitem que, apesar das inconsistências do depoimento de CÉLIA P..., quem ouça as declarações de um e de outro, sem saber de mais nada, possa ficar na dúvida acerca da forma como exactamente ocorreu o incidente entre ambos. É por isso que, numa base de objectividade e seriedade intelectual, aquilo que se pretende não é impor como assente a versão do A., mas eliminar, dos factos considerados como provados, a versão da testemunha CÉLIA P...
, porque é isso que o espírito crítico e o rigor na apreciação da prova exigem.
Os factos n.ºs 19 e 20

R)-Os factos n.ºs 19 e 20 não são determinantes para o julgamento do feito. Mas a sua existência ou falsidade são relevantes para aquilatar do grau de intensidade do ilícito imputado aos RR..

S)-Tal impugnação da matéria de facto funda-se no seguinte: No depoimento de parte do R. JOÃO M... C... ..., gravado no sistema Habilus Media Player, nos termos constantes da acta da audiência final de 23 de Novembro de 2015, constante do ficheiro 20151123095700_11342597_2871024, cujo segmento relevante se encontra integralmente transcrito no Anexo D que se junta e se dá por reproduzido; Na declaração dos RR. constante dos arts. 55.º a 59.º da contestação por eles apresentada, através do seu Distinto Mandatário.

T)-Desses elementos, retira o A. as seguintes ilações: i) sem poder disso ter a certeza (obviamente), existe uma elevada probabilidade de que o contacto telefónico para o A. nem sequer tenha sido tentado, porque os RR. não conheciam o número de telemóvel do A.; ii) não é razoável que os RR. tenham começado por, na contestação, invocar, com todo o detalhe, as tentativas feitas para um determinado número de telemóvel, para depois virem invocar o contacto para um número fixo; iii) não é razoável que, num Domingo, os RR. pensassem poder encontrar o A. nas instalações da empresa de que é administrador (a Gestmin); iv) em face das dúvidas expostas, não pode dar-se como assente que a diligência do contacto telefónico tenha efectivamente existido.

Do Direito.
U)-A ilicitude do comportamento dos RR. resulta do seguinte: A publicação da notícia não foi precedida do exercício do contraditório, impedindo o A. de o exercer, sendo certo que o A. não impediu nem evitou qualquer contacto feito pelos jornalistas do ... da ...(factos provados n.ºs 41 e 42); Tal situação é agravada pelo facto desse contacto nem sequer ter sido tentado, como resulta da eliminação dos factos provados n.ºs 19 e 20; De qualquer forma, mesmo que tais contactos tivessem sido tentados, tendo ocorrido a um Domingo e para a empresa onde o A. trabalha (e onde presumivelmente não estaria àquele dia da semana), nada justifica que não se tivesse adiado a sua publicação por 24 horas, de forma a assegurar um contacto efectivo com o A. na segunda-feira seguinte. A explicação para que não se tivesse aguardado a efectivação do contacto com o A., dada pelo director-adjunto do jornal e que a sentença reproduz (invocando “factores de concorrência comercial, leia-se, com o propósito [de evitar] que outro jornal a publicasse primeiro”), é inaceitável, porque o facto noticiado não tinha gravidade nem urgência que justificasse não correr o risco de que outro jornal também a publicasse, de forma a garantir o contraditório; Acresce a falta de cuidado com que a notícia foi elaborada, referindo a existência de escoriações na perna e no braço de CÉLIA P..., que não existiam (sendo certo que os RR. referem ter tido acesso ao relatório do Hospital de Cascais, chegando a dizer, na sua contestação - cfr. arts. 23.º e 24.º -, que até as viram no braço de CÉLIA P... (!), facto que, aliás, CÉLIA P... nega, dizendo, outrossim, que terá exibido fotografias que as comprovariam); De qualquer forma, como resulta do relatório do Hospital de Cascais, tais escoriações não existiam, pelo que não podem ter sido vistas no braço de CÉLIA P..., ou em fotografias (do braço e/ou da perna) por esta mostradas, ou em qualquer outro documento; Por outro lado, é manifesto o desproporcionado sensacionalismo que se quis imprimir ao evento, sublinhando aspectos pessoais e familiares do A., que só serviram para “apimentar” a história, além da desnecessária e inconveniente revelação de dados da sua privacidade, como seja a localização da morada da sua residência (facto provado n.º 44).

V)-Por seu turno, a ilicitude do comportamento dos RR. também resulta da deficiente publicação do seu direito de resposta, que não respeitou a exigência de publicação do direito de resposta com o mesmo relevo da notícia e com chamada de capa, desrespeitando assim os requisitos previstos no art.26.º, n.ºs 3 e 4 da Lei de Imprensa, não relevando que o A. não tenha recorrido à efectivação coerciva prevista no art.27.º da Lei de Imprensa.

W)-Pelo exposto, deve estabelecer-se o seguinte:
- A notícia do ... da ... não foi precedida do exercício do contraditório, razão pela qual os jornalistas por ela responsáveis não observaram a sua obrigação de o assegurar, tal como previsto no art.14.º, n.º 1, a) e e) e n.º 2, c) e h) do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro;
- Os termos da publicação da notícia, sem que se tivesse procedido diligentemente à comprovação da versão de CÉLIA P..., designadamente, através da efectiva e cuidadosa avaliação do relatório do Hospital de Cascais e das queixas por ela invocadas, bem como o sensacionalismo desproporcionado e a divulgação de dados da privacidade do A., correspondem igualmente à violação dos deveres dos jornalistas, como resulta do art.14.º do Estatuto do Jornalista;
- Os factos noticiados atingem a honra e dignidade do A., e a publicação em causa teve uma enorme divulgação pública, tendo causado ao A. mágoa e sofrimento, e sendo apta a causar-lhe vexame e constrangimento, que por ele foi sentido, nos termos dados como provados nos factos n.ºs 45 a 51, 56 e 57;
- Deve especialmente ter-se em conta que o A. é uma pessoa recatada, que sempre se pautou por discrição na sua vida pessoal e familiar, sendo um empresário respeitado, tido como íntegro e honesto, que oferece apoio a projectos sociais, nos termos dados como provados nos factos n.ºs 11 a 14, 18, 43 e 44; e que o ... da ... é um jornal de grande divulgação, nos termos constantes dos factos provados n.ºs 52 a 54;
- A inobservância das normas legais quanto à publicação do direito de resposta do A.;
- A publicação dos comentários online, considerando a factualidade já ponderada pela sentença recorrida (cfr. págs. 62 e 63) a tal propósito (com excepção da ponderação inadequada do facto de o A. não ter requerido a remoção da notícia da edição online do CM), os quais agravaram o sofrimento e o sentimento de humilhação a que o A. foi sujeito.

X)-Tudo ponderado, considerando os critérios previstos nos arts.494.º e 496.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil, particularmente o grau de culpabilidade nos ilícitos praticados, a situação económica do ... da ..., a enorme divulgação da notícia, tendo designadamente em conta o seu efeito de propagação ilimitado através da internet, e a gravidade dos danos causados ao A. (factos n.º 45 a 51, 56 e 57), justifica-se a condenação dos RR. no pedido formulado na p. i.. Para o efeito, deve considerar-se que os 3.º e 4.º RR. são os responsáveis pela notícia publicada, que os RR. não controlaram o conteúdo dos comentários controlados, antes ou depois de serem publicados (facto n.º 40), sendo o 2.º R. o Director do jornal, quer da edição em suporte papel, quer da edição digital, o qual pertence à 1.ª R.

Y)-Caso se mantenha a condenação do 1.º e 2.º RR. por causa da factualidade relativa à publicação dos comentários online, julga-se que, ponderando a factualidade apurada, a quantia indemnizatória de € 10.000,00 fixada pela sentença é insuficiente, não devendo, nessa hipótese, ser fixada indemnização inferior a € 30.000,00, atendendo à sua natureza particularmente soez, à enorme divulgação de tais comentários e aos efeitos que causaram ao Autor, provocando-lhe grave vexame e constrangimento, não devendo valorar-se negativamente, como faz a sentença recorrida, para os efeitos do art.570.º do CC, que o A. não requerer a remoção da notícia da edição online.

Z)-Por último, caso se entenda dever tratar autonomamente o valor da indemnização pela inobservância do direito de resposta do A. nos termos legais, a indemnização a fixar nessa sede não deve ser inferior a € 10.000,00, atendendo particularmente à enorme difusão do ... da ... e à sua capacidade económica.
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente com a condenação dos RR. nos pedidos formulados na p. i..
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Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
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APRECIANDO E DECIDINDO.

Thema decidendum
- Em função das conclusões dos recursos - intentados pelos A. e RR. – são estas as questões a apreciar e decidir:

1–Do recurso do A.
-Impugnação parcial da decisão de facto;
-Falta de contraditório.
-Deficiente publicação do direito de resposta e caso seja tratado autonomamente, há que fixar também em €10.000,00 a indemnização devida ao A. quanto a este aspecto.
-Justifica-se a condenação no pedido formulado (€100.000,00).
-Ou, vingando a tese da sentença recorrida (censura pelos comentários online), a condenação deve ser em €30.0000,00.

2–Do recurso dos RR.
-Não se aplica o artº9º da lei de imprensa (online/comentários no website do ... da ...) mas sim, o regime da responsabilidade civil por factos ilícitos (artº483º CC)
-O director não pode ser condenado nos termos do artº29º nº2 da Lei de Imprensa (só a empresa e o autor do comentário) sob pena de haver responsabilidade objectiva não prevista no nosso ordenamento jurídico.
-E a empresa ... também não pode ser condenada nos termos do artº29º nºs.1 e 2 da L. Imprensa e artº483º CC (responsabilidade extracontratual).
-Não houve consequências para o A, designadamente perda de confiança em relação a si no meio social e económico em que se move.
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A)–FACTOS PROVADOS.

-Estão provados os seguintes factos:
1-No passado dia 28 de Março de 2014, o A. teve um desentendimento com uma mulher que prestava serviços domésticos em sua casa, quando se tratou de saldarem as respectivas contas.
2-O A. agrediu a sua empregada doméstica do seguinte modo: aproximou-se por trás, agarrou-a pelos braços e empurrou-a para o chão, caindo a mesma sobre o seu lado esquerdo (perna, anca e mão).
3-O que fez, em concreto, no seguimento de uma discórdia relativamente ao montante pecuniário a que aquela teria direito, aproximadamente no valor de 100€. Posteriormente, o Autor acabou por pagar tal quantia à empregada em questão.
4-A referida empregada doméstica contactou, no dia 30.03.2014, Domingo, a redacção do jornal “... da ...”, tendo falado com a 3.ª R., ... Pinto, telefonema em que deu conhecimento da apresentação de uma queixa-crime contra o A. junto da GNR de Alcabideche, por alegada agressão.
5-Perante este contacto, a 3.ª R. sugeriu que se encontrassem pessoalmente nesse mesmo dia por forma a certificar-se da existência efectiva de uma tal ocorrência e dos precisos termos em que, alegadamente, teria tido lugar.
6-Para esse efeito, a 3.ª R. dirigiu-se a Massamá, onde se encontrou com a referida empregada doméstica, a qual se encontrava acompanhada de dois amigos.
7-A referida senhora procedeu a um relato detalhado dos factos relativos à ocorrência, os quais integravam a queixa-crime por agressão, apresentada contra o A.
8-A empregada doméstica exibiu à jornalista o relatório do Hospital de Cascais emitido na madrugada daquele dia anterior, o qual fazia expressamente referência a trauma na mão esquerda e perna esquerda com dor local.
9-Terminado o encontro, a 3.ª Ré diligenciou no sentido de obter a confirmação dos factos que lhe haviam sido transmitidos, junto das autoridades locais.
10-Os serviços da GNR de Alcabideche vieram validar as informações transmitidas, confirmando a existência de uma queixa-crime pela prática de um crime de agressão contra o A.
11-O A. é empresário.
12-O A. é Presidente do Conselho de Administração da Gestmin, SGPS, SA, empresa que, directamente e através de outras empresas que detêm a 100% - emprega mais de 300 pessoas.
13-A Gestmin detém uma participação de quase 6% da REN – que emprega mais de 700 pessoas - onde o A. é administrador não executivo.
14-O A. é um empresário em constante procura de novos investimentos, com alguma notoriedade social, tendo sempre sido visto, no meio social e profissional onde se insere, como um homem íntegro e honesto.
15-O A. é um dos sete filhos do casamento de António Sommer ... com Maria Cristina de ....
16-O seu pai é comummente conhecido como um dos maiores empreendedores portugueses do século XX, sendo que a sua mãe foi herdeira de uma das maiores fortunas de Portugal.
17-No seu testamento, António ... deixou 500 milhões de euros para a criação de uma fundação em Portugal, destinada à investigação na área da investigação biomédica - Fundação D. Anna de Sommer ... e Dr. C. Montez ... - a qual é hoje uma referência internacional no âmbito da inovação científica e tecnológica.
18-A holding familiar dirigida pelo A. oferece apoio a projectos sociais, cujo âmbito de acção é relativo a instituições que tenham as áreas da educação e/ou da saúde como objecto principal.
19-A 3.ª e 4.º RR tentaram, durante o domingo (dia 30.3.2014), estabelecer contacto telefónico com o Autor, por forma a recolher a sua versão relativamente aos factos que iriam ser sujeitos a divulgação, dando-lhe oportunidade para exercer o respectivo contraditório, caso assim o entendesse.
20-Não obstante as tentativas de contacto para o número de telefone 214826840 que encontraram associado à pessoa do A., e o qual se encontrava válido e com rede, não conseguiram aqueles Réus concretizar qualquer conferência telefónica com o A.
21-O número de telefone referido em 20 é da Gestmin SGPS, SA, podendo ser encontrado no site dessa empresa.
22-No dia 31.03.2014, foi publicado na página 13 do Jornal “... da ...”, a notícia com o título “Milionário acusado de agredir por 100€”, para a qual remete uma chamada de primeira página, que está no canto superior esquerdo da capa do mesmo jornal.
23-Tal notícia é da autoria dos jornalistas ... Pinto e João ..., 3.ª e 4.º RR.
24-Na página 13, os títulos e subtítulos da notícia são os seguintes: «ALCABIDECHE - QUEIXA CONTRA EMPRESÁRIO APRESENTADA NA GNR”; “Milionário acusado de agredir por 100 €”; “Manuel ... terá empurrado empregada doméstica, que caiu, em discussão”.
25-No corpo do artigo, pode ler-se o seguinte:
“O milionário Manuel C. ... enfrenta na GNR uma queixa por agressões que foi apresentada sábado de madrugada no posto de Alcabideche, em Cascais, por uma empregada doméstica com quem se desentendeu por causa do valor do salário que a mesma tinha de receber. Em causa estava uma discussão por 100 euros e a vítima acabou no hospital. A empregada doméstica, interna, estava em casa da família há três meses. E desentendeu-se com o patrão quando se preparava para deixar de trabalhar no local. O salário da mulher seria de 800 euros mensais, mas, segundo fonte da GNR, Manuel C. ... queria entregar-lhe apenas 700 euros. Em plena discussão a mulher foi empurrada, caindo depois no chão da cozinha, apresentando algumas escoriações numa perna e num braço. Quando a mulher saiu de casa ainda chamou a GNR, que se dirigiu à Quinta da T..., na M... da S.... Uma patrulha de militares deslocou-se ao local, inteirou-se da situação e aconselhou a queixosa a deslocar-se ao hospital de Cascais. A queixa-crime foi formalizada pela vítima já na madrugada de sábado após ter sido atendida naquela unidade hospitalar. O caso participado vai ser agora investigado. A mulher tem agora de fazer exames no Instituto Nacional de Medicina Legal se quiser avançar com a queixa no Ministério Público. Manuel C. de ... ..., 68 anos, nasceu numa das famílias mais ricas e influentes do País. Pertence ao conselho de administração da REN, onde detém 5,8 por cento das acções. Em 2008 ocupava a 20ª posição dos homens mais ricos do País, com uma fortuna avaliada em 332 milhões de euros. O CM tentou ontem à noite contactá-lo, mas sem sucesso.”
26-A notícia vem ainda acompanhada de um fotografia do visado, em cuja legenda se pode ler “Manuel ..., 68 anos, é acusado de ter tido discussão violenta por causa de ordenado”, bem como, das seguintes referências: “Quarto filho – Manuel ... é o quarto filho do falecido António ...” e “Dois mil milhões – Manuel ... herdou com os irmãos uma fortuna de dois mil milhões de euros”, as quais vêm dispostas na parte “Pormenores”.
27-No dia que antecedeu a publicação da notícia, o Réu Director encontrava-se de folga, estando por isso, totalmente impossibilitado conhecer tal conteúdo, em momento prévio à sua divulgação.
28-Não tendo tido conhecimento prévio dos mesmos, não lhe foi dada, sequer, a oportunidade para apreciar da licitude da respectiva publicação.
29-A notícia foi publicada igualmente na edição digital do jornal.
30-Tal notícia pode ser consultada no “... da ...” em suporte digital, sob o título “Milionário acusado de agredir por 100 euros”, acompanhada de comentários de leitores que a seguir se transcrevem nos exactos termos em que foram publicados: i. “Manuel ... não quis pagar correctamente o valor da rescisão da empregada humilhando a funcionária com abuso de poder porque os ricos acham que a justiça para eles não existe e passam por injustiçados”; ii. “Aqui no nosso concelho (Mértola), apoderam-se (Manuel e Luís ...) de terras de tal maneira que até conseguiram fechar estradas públicas que davam acesso ao rio Guadiana e à ribeira de Oeiras”; iii. “O Sr. Manuel ..., sujou o seu fato de alpaca, burrou as suas luvas de pelica, salpicou a sua camisa com as lágrimas da humilhação que fez passar à empregada Conclusão homem muito pequeno sem estrutura intelectual”; iv. “Ainda há quem pense que as pessoas lhe pertencem, como na escravatura. É o "QUERO, POSSO E MANDO"; v. “foi assim que ele ficou milionário...tira aqui 100, ali 500, ali 200.000 etc...tristeza”; vi. “O empreendorismo lusitano parolo, manhoso e conservador do tecido empresarial da aldeia. O miserabilismo recorrente que por isso, para pagar salários e por comida na mesa necessita de empréstimos do exterior”; vii. “O Sr. Manuel ... não tem vergonha de se baixar a um nível destes com uma funcionária. Quando morrer leva os cem euros para a cova serve para lhe comprar flores. Estes patrões estão mesmo egoístas querem é gosma”; viii. “A mesquinhez assim como a pobreza de espirito não são só apanágio de pessoas de menores recursos monetários! Existem muitos ricos a merecer esta crítica. O velho ... era apenas rico; não soube educar o Manuel...”; ix. “Foi das pessoas mais parvas que eu lidei até hoje foi este rico e muito pobre, é um miserável”; x. “Vá lá então, a senhora não podia fazer um descontito ao Milionário, francamente! A vida dele está difícil”; xi. “Quando a ganância é demasiada, os milionários têm estes hábitos...”; xii. “Lembram-se do reformado que limpou um desta família?? Não aprenderam nada...”; xiii. “Já um familiar creio que o irmão deste foi morto à facada ou à martelada por um ex-empregado, certamente por serem 'boas pessoas'. São uma vergonha social”; xiv. “Esta história está mal contada. Os artistas, um é rico outro é pobre. O que andam à procura, a menina trabalha 3 meses e quer sair. Qual a nacionalidade da menina. O menino não paga porquê. Polícia e hospital”; xv. “Não lhes chegou a machada que um empregado explorado deu num deles há alguns anos atrás! Abutres, depois vêm com "fundações" a fingir caridade! Facínoras!”; xvi. “não lhe cortaram as asas e o rico faz o que quer!”; xvii. “Esta família não tem maneiras... o outro lixou-se por causa do caseiro e este agora com a criada”; xviii. “Recordo que há uns anos atrás, um dos irmãos ..., foi assassinado também por desavenças com um funcionário...”
31-Tais comentários ou são assumidamente anónimos, ou estão reportados a nomes que não permitem identificar quem os produziu.
32-Em face da notícia, o A. exerceu o seu direito de resposta, por carta de 14 de Abril de 2014, onde repudia o teor da notícia, e refere que nunca agrediu a referida empregada doméstica, nem nas circunstâncias descritas, nem em quaisquer outras, tendo reclamado a publicação desse texto, com igual chamada de capa (documento de fls. 23, cujo teor se dá por reproduzido).
33-Na edição do “... da ...” de 16 de Abril, foi publicado - no canto inferior direito da página interior 14 do jornal e sem qualquer fotografia - o texto do seu direito de resposta, desacompanhado de qualquer chamada de capa.
34-A grafia do texto de resposta, letra e tamanho, são idênticas à grafia do texto que lhes deu origem.
35-O texto referido em 25 e o texto referido em 33 têm extensões bastante distintas.
36-O A. não apresentou nenhuma imagem para acompanhar o texto de resposta submetido a divulgação, mas somente escritos (com aquela extensão).
37-A publicação do texto referida em 33 foi: i) Gratuita; ii) Feita na mesma secção em que foi publicado o texto que lhe deu origem (Secção Portugal); iii) Com a mesma grafia e de acordo com a extensão do escrito apresentado; iv) De uma vez só, sem interpolações ou interrupções; v) Precedida da indicação de que o texto se tratava de um direito de resposta.
38-O autor não pediu que a publicação do direito de resposta fosse feita online.
39-O autor nunca requereu que o artigo jornalístico fosse removido da edição online do jornal.
40-Os Réus não controlaram o conteúdo dos comentários publicados, antes ou depois de serem postados.
41-O ... da ... publicou a notícia sem previamente ouvir o autor, sem lhe ter dado a oportunidade de apresentar a sua versão.
42-O autor não impediu nem evitou qualquer contacto feito por jornalista.
43-O Autor é uma pessoa recatada, não exibe a sua casa, nem a sua família, tendo-se sempre pautado por discrição na sua vida pessoal e familiar.
44-A notícia dá nota da morada pessoal do Autor como sendo na Quinta da T..., na M... da S..., revelando um dado da sua privacidade que o A. não gosta de expor.
45-A publicação da notícia - na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – causou ao Autor mágoa e sofrimento, pois viu a sua reputação, honra e intimidade da vida privada abaladas.
46-O leitor comum da notícia é levado a acreditar que a mesma tem consistência e credibilidade, resultando de uma investigação séria do jornal.
47-O A. teve de se justificar perante o filho e subordinados, sendo que o filho o interpelou sobre a situação.
48-A publicação da notícia – na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – foi objecto de comentários no meio profissional do A., que emprega centenas de pessoas.
49-E teve uma grande divulgação junto da opinião pública.
50-Com a publicação da notícia, o A. sentiu-se constrangido.
51-A publicação da notícia – na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – é apta a causar-lhe um certo vexame e constrangimento, que o A. sentiu no contacto diário com as pessoas designadamente com os subordinados.
52-O “... da ...” é um jornal de grande divulgação nacional, com tiragem de cerca de 100 mil exemplares diários, cuja capa é habitualmente exposta, com grande visibilidade, nos escaparates dos postos de venda de imprensa.
53-A edição digital do “... da ...” tem, por mês, mais de 1 milhão de visitantes.
54-A 1.ª R. é dona do “... da ...” - da edição em suporte papel e da edição digital - e faz parte do grupo “Cofina”, um dos mais importantes da comunicação social portuguesa.
55-O 2.º R. é o Director do ... da ... (quer da edição em suporte papel, quer da edição digital).
56-A divulgação da notícia através da internet tem um efeito de propagação ilimitado.
57-Quando é inserido o seu nome no motor de pesquisa do Google, aparecem associadas as sugestões de pesquisa “Manuel ... empregada” e “Manuel ... agressão”.

FACTUALIDADE NÃO PROVADA.

Não se provaram os seguintes factos:
Artigos 21, 47, 49, 50, 59, 60 e 68 dos Temas da Prova.

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
Os factos provados sob 1, 11 a 14, 22 a 26, 29 a 33 estão provados por acordo e documento consoante despacho proferido a fls. 126.

Quanto aos demais factos, a convicção do Tribunal quanto às respostas de teor afirmativo estribou-se na apreciação crítica e conjugada:

A–DA PROVA TESTEMUNHAL.
- Isabel M... M... S... L..., a qual trabalha como secretária do Autor há 12 anos, privando com o Autor nessa qualidade. Pronunciou-se sobre a postura do autor quanto à sua vida privada (de recato). Falou com o autor sobre o teor da notícia publicada. Apercebeu-se que a notícia suscitou comentários entre os funcionários das empresas do autor. Após a ocorrência dos factos que deram azo à notícia, por indicação do autor, procedeu ao pagamento adicional de € 100 a Célia P....
O seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 3, 43, 45 a 51.
- Maria Irene C... O..., a qual trabalha para o autor na residência deste há cerca de 14 anos, exercendo actualmente as funções de doméstica (externa). Embora não tenha visto a notícia, apercebeu-se do mal-estar causado ao autor, sendo interpelada a propósito de tal notícia por pessoas na rua que sabem que trabalha para o autor. Tem o autor como uma pessoa que não gosta de se expor. Questionada sobre o modo como normalmente se apresentava Célia P..., afirma que esta gostava de se arranjar mas que trabalhava com "chinelos próprios da casa", não se recordando de a ver trabalhar de saltos altos. A Célia P... telefonou-lhe no dia seguinte à agressão afirmando à testemunha que o autor a tinha agredido. Mais esclareceu que o autor não gostava do facto da Célia P... se apresentar com unhas de gel e cabelo comprido enquanto trabalhava. Prestou um depoimento bastante espontâneo e sem temor.
O seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 1, 2, 43, 45 a 51
- António E... C... O..., gestor, o qual exerce funções para a Gestmin há cerca de dez anos, privando com o autor no exercício de tais funções. Soube da notícia por comentários na empresa, não lhe parecendo que os factos fossem verdadeiros na medida em que tem uma imagem do autor como pessoa que trata os colaboradores com respeito. Já esteve em casa do autor e foi um dos convidados no casamento da filha do autor. Tem o autor por pessoa recatada e que "controla bem o que se vai passar."
O seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 43, 45 a 51.
- Tomás Palma ..., filho do autor, empresário e advogado de profissão. Descreveu o autor como uma pessoa recatada e não muito sociável. Apercebeu-se que o autor ficou bastante triste e incomodado pela publicidade da notícia. Falou várias vezes com o pai sobre a notícia sendo que o pai lhe disse, pela sua honra, que não tinha tocado na Célia P... o que, para a testemunha, chega para acreditar no pai. Esta testemunha assumiu, com exagero, o papel de testemunha abonatória do próprio pai/autor ao ponto de afirmar que tinha uma versão dos factos na cabeça, segundo a qual a Célia P... se atirou para o chão, acusando o autor de lhe bater. Posteriormente, a testemunha afirmou mesmo que "às vezes, temos falsas memórias"… Ao querer saber mais do que efectivamente a sua razão de ciência alcança, esta testemunha perdeu credibilidade e ficou bastante mal na fotografia (cf. também o que se diz infra sobre os detalhes oportunistas).
Sem embargo, o seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 43, 45 a 51.
- Eduardo J... D..., jornalista no ... da ... desde 2007 de que é director-adjunto.
Pronunciou-se sobre o autor como sendo uma pessoa com notoriedade e dimensão pública. No que tange às diligências e elementos que precederam a publicação da notícia, foi convicção do jornal que a queixa estava bastante documentada, não havendo razões para duvidar da autenticidade do relato. Esclarece que não há controlo prévio dos comentários online feitos às notícias.
No que respeita ao momento da publicação da notícia, assumiu que a notícia foi publicada sem ouvir o autor em razão do interesse público da notícia e por factores de concorrência comercial, leia-se, com o propósito que outro jornal a publicasse primeiro.
O seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 9, 10, 15 a 17, 27, 28, 34 a 41, 46.
- Henrique M..., jornalista, o qual trabalha no ... da ... há dez anos, sendo editor na área da justiça. Os 3º e 4º réus trabalham sob a dependência desta testemunha.
Relatou o procedimento que precedeu a publicação da notícia bem como a forma como foi requerido e executado o direito de resposta.
O seu depoimento relevou para a prova dos factos enunciados sob os números 5 a 10, 34 a 41.
- Célia R... P..., a qual trabalhou para o Autor como empregada doméstica durante três meses, tendo protagonizado parte nuclear dos factos que dão azo a esta acção.
Descreveu a relação laboral que manteve com o autor, os factos ocorridos no dia 28 que precederam a agressão do autor, a agressão e a conduta posterior que a testemunha adoptou, designadamente, deslocação ao hospital, queixa na autoridade policial, a iniciativa que teve de contactar o ... da ... e a entrevista que manteve com a 3ª ré.
Prestou o seu depoimento estando o Autor sentado ao lado do respectivo mandatário.
A agressão sofrida, a par do não pagamento da quantia a que se arrogava direito (e que posteriormente acabou por lhe ser paga pelo autor) causaram-lhe forte humilhação.
Daí que a mesma tenha reagido da forma que o fez num curto espaço de tempo (queixa, deslocação ao hospital, contacto com o ... da ...), de forma imediata e firme, sendo que pela reacção podemos tirar ilações sobre a existência e âmbito do facto que a geram, no caso, da agressão.
O autor - como se verá infra - nega a ocorrência da agressão.
Todavia, o depoimento desta testemunha foi absolutamente convincente, designadamente pela ordem de razões que se resume a seguir. O depoimento prestado pela testemunha Célia foi espontâneo, sincero, franco, simples, com uma distinção clara entre o que sabia e o que não sabia. Fez um relato com estilo expressivo e com uma produção tendencialmente inestruturada (cf. o nosso Prova Testemunhal, Almedina, 2013, p. 118), o que abona a sua credibilidade.
Falou de improviso, facultando informação à medida que se ia recordando da mesma, apresentando declarações sucessivamente mais detalhadas. Apresentou um grande número de detalhes quanto ao momento que precede a agressão e quanto a esta, descrevendo de forma concretizada as interacções havidas com o autor – cf. Ob. Cit., p. 120.
Em especial, há que relevar o segmento do respectivo depoimento que decorre entre os minutos 28 e 30 em que descreve o contexto da agressão, designadamente «Fui pelo corredor. “Por aqui não! Lá por fora!” [ordenou o autor] (…) me levantou e jogou para o chão (…) quando ia sair para fora [da cozinha e da casa; ou seja, o autor proibiu a testemunha de aceder pelo interior da casa (a partir de escadas interiores na cozinha) ao seu quarto sito no piso inferior, obrigando-a a aceder ao quarto pelo exterior da casa quando a testemunha podia aceder ao quarto de forma mais célere e confortável pelas escadas da cozinha; quando a testemunha obedeceu e se dirigia à porta exterior da cozinha é que ocorre a agressão] para buscar as minhas coisas».

Este segmento consubstancia o enlace entre um facto essencial do evento (agressão) e circunstâncias contextuais bem como representa a inserção de um pormenor/detalhe inusual (ordem do autor para aceder pelo exterior da casa ao contrário do que seria normal) mas que não é claramente irreal, o que empresta especial credibilidade ao testemunho. Como afirmámos em Prova Testemunhal, p. 301, «a testemunha descreve detalhes que não são estritamente necessários à descrição do incidente em questão. Normalmente, ao mentir não se inventam detalhes irrelevantes que não contribuem para a demonstração do evento principal, quer pela sua irrelevância quer pelo grau de dificuldade que implica este exercício de memória». Ou seja, estão preenchidos os revelantes parâmetros do enquadramento contextual e dos detalhes inusuais que inculcam a veracidade do testemunho – cf. Ob. Cit., pp. 120-121. Está em causa a concreção e viveza do testemunho prestado.

Nas suas alegações, o ilustre mandatário do autor procurou descredibilizar este testemunho com fundamento em dois segmentos do depoimento que tem por inconsistentes: (i) quanto ao relato feito sobre as partes do corpo em que a testemunha foi atingida pela agressão e (ii) sobre a afirmação da testemunha de que, no tribunal de trabalho de Cascais, o juiz lhe recomendou que aceitasse o acordo porque o autor era uma pessoa “influente. Cremos que a primeira inconsistência nem ocorreu e, quanto à segunda, resta saber se a testemunha tem noção de quem efectivamente proferiu tais palavras, sendo que a testemunha não aparenta muita literacia nem conhecimento do sistema judicial.
Contudo, mesmo que ocorressem tais inconsistências, as mesmas não desvirtuam o depoimento da testemunha nos seus aspectos essenciais e atendidos supra. Consoante referimos no nosso Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pp. 304-305, “(…) uma plena coincidência em todos os pontos relatados pelas testemunhas (ou sucessivamente relatados pela mesma testemunha) pode constituir uma indicação menos segura de veracidade do que a ocorrência de discrepâncias nos depoimentos. Conforme refere MUÑOZ SABATÉ, o exame lógico sobre esta questão reconduz-nos ao paradoxo sobre concordâncias, segundo o qual a concordância prova mais quando está limitada a um curto número de pontos. “Os pontos de concordância das afirmações divergentes são os que constituem os factos históricos cientificamente determinados.” - vide, MUÑOZ SABATÉ, Técnica Probatória, 3ª Ed., Barcelona, 1993, p. 344.
Diversamente, quanto as contradições se estendem aos aspectos centrais do facto relatado de forma que não seja logicamente possível que a testemunha tenha vivido ambas as versões dos factos, sucumbe credibilidade ao relato.
O mesmo sucede se o facto narrado por uma testemunha colide com um facto notório, com as regras da experiência unanimemente aceites ou com a prova legal de um facto, situações em que o relato não pode prevalecer.
Ao contrário do que ocorre com a confissão, inexiste o princípio da indivisibilidade do depoimento pelo que cabe ao julgador cindir os segmentos do depoimento que se afiguram sinceros e verazes daqueles que são forjados e errados.
Conforme refere ROBERTO AMBROSINI, por força do princípio da livre apreciação da prova, o juiz não está necessariamente obrigado a acolher integralmente o depoimento da testemunha, tendo a possibilidade de cindi-lo e de utilizá-lo só em parte, ou seja, limitando-o àquela parte que melhor se harmoniza com os outros meios de prova que merecem ser considerados por credíveis, desde que tal convencimento seja oportunamente suportado através de um percurso motivacional côngruo e imune a ilogicidade ou manifesta irracionalidade – vide, La Prova Testimoniali Civil. Profili Processuali, IPSOA, 2006, p. 212.
Deste modo, bem se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.6.2009 quando aí se afirmou que “O juiz não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na sua globalidade, cabendo-lhe a difícil tarefa de dilucidar em cada um deles o que lhe merece crédito.”
Em sentido confluente, RONALD FISHER, reportando-se a vários estudos sobre a correlação entre a inconsistência e a exactidão dos depoimentos, assinalam que a recordação inexacta de partes do crime (evidenciada por declarações contraditórias da testemunha) não pode servir como preditor sobre a exactidão global do depoimento. Ou seja, a inconsistência da recordação sobre um aspecto específico não nos diz nada sobre a exactidão do restante depoimento da testemunha. Essa particular inconsistência deve dar azo a uma sondagem com perguntas adicionais a fim de aferir o âmbito potencial da inexactidão do depoimento. Não pode ser formulada uma regra universal para classificar as pessoas como mentirosas ou não com base na consistência das respectivas respostas. Em decorrência dessa constatação, afirmam que é incorrecta a táctica dos advogados, comum nos tribunais, de tentarem descredibilizar a globalidade do depoimento com fundamento numa inconsistência específica. As inconsistências, mesmo que existissem, são absolutamente periféricas aos factos essenciais ao relato sendo que, quanto a estes, o depoimento prestado pela testemunha assume características que abonam - insofismavelmente - a sua credibilidade. Com efeito, a existência de contradições intrasujeito quanto a detalhes periféricos ou também se racionou em termos similares: “Não colhe, do mesmo jeito, o argumento do tudo ou nada na aceitação de um depoimento; uma testemunha pode revelar melhor conhecimento e maior segurança em relação a alguns factos do que a outros; quando aos factos de que tem idêntico conhecimento, não é descabida a hipótese da dualidade de depoimento; se, porventura, tiver interesse no desfecho da questão, pode muito bem afeiçoar as declarações à versão defendida pela parte a quem as mesmas aproveitam.” E prossegue: “Tudo passará, no fundo, por que o tribunal logre alcançar as motivações do depoente e saiba destrinçar o certo do errado, partindo, naturalmente, de bases lógicas e objectivas, que terá de plasmar na fundamentação.”

O que há que ver, é se, no essencial, as declarações constituem um todo coerente. As contradições podem constituir, bem pelo contrário, sintoma de genuinidade e espontaneidade da testemunha - cf. Ob. cit., p. 303.
Este depoimento beneficia também de corroborações periféricas, designadamente do relato de episódio de urgência de 29.3.2014, pela meia-noite (fls. 156) e subsequente exame médico de 3.4.2014 (fls. 157).

Note-se que estamos em sede de um processo cível e não de um processo criminal pelo que o standard de prova (cf. infra) é inferior ao que ocorreria num processo criminal. Dito de outra forma, o autor não está a ser julgado pela prática de um crime de ofensas corporais, caso em que o standard de prova seria mais exigente, relevando também de forma mais premente o apuramento cabal das lesões sofridas.

O depoimento da testemunha Célia relevou para a prova dos factos provados 2 a 10.
As testemunhas depuseram com conhecimento directo de parte dos factos sobre que foram inquiridas, de modo idóneo e de molde a convencer o Tribunal quanto à ocorrência dos factos que foram dados como provados.
Na valoração do depoimento testemunhal, aquilatou-se nomeadamente: na intervenção pessoal nos factos em causa; na decisão e consistência das respostas; na transparência do conhecimento directo dos factos; na serenidade da postura; nas reacções dos depoentes, no tom de voz, modo de dizer e outras circunstâncias similares que modificam o sentido das palavras; na isenção e imparcialidade denotadas versus eventuais interesses na causa e/ou eventual ligação às partes.

De modo ainda mais concretizado, entendemos que na valoração dos depoimentos testemunhais sobrelevam os seguintes critérios: A coerência do relato efectuado, devendo o mesmo ter uma boa estruturação do ponto de vista lógico; a contextualização do relato (contexto cognitivo) de molde que o relato que oferece detalhes de uma circunstância ou ambiente vital, espacial ou temporal em que se desenrolam os factos descritos, fazendo-o de forma plausível e espontânea, constitui índice da veracidade do depoimento: as corroborações periféricas no sentido de averiguar se o relato da testemunha é confirmado por outros dado que, indirectamente, demonstram a veracidade da declaração; essa corroboração pode advir da coincidência das diferentes declarações sobre um facto, abrangendo também a prova circunstancial ou derivada de presunções; a (in) existência de detalhes oportunistas a favor da parte no processo.

Trata-se de averiguar se a testemunha faz referências a dados, normalmente desnecessários, que pretendem beneficiar uma das opções que se estão a debater no processo, por exemplo, manifestações sobre o carácter ou intencionalidade de uma das partes ou mesmo de justificação das actuações das partes, que extravasam o que se perguntou à testemunha. A testemunha, ao actuar assim pretende que os factos sobre que depõe se interpretem a favor de quem deseja beneficiar.

No caso de testemunhas com algum interesse na causa (v. g. as pessoas indicadas no Artigo 497º do Código de Processo Civil ou trabalhadores e outros dependentes economicamente das partes), são expectáveis a coerência do depoimento e a existência de detalhes oportunistas pelo que a respectiva ocorrência deve ser secundarizada ou ser simplesmente utilizada como elemento justificador do não merecimento de credibilidade.

Para a avaliação deste tipo de testemunhas deve valorar-se fundamentalmente a contextualização dos relatos e, a posteriori, a existência de corroborações – cf. JORDI NIEVA FENOLL, La Valoración de la Prueba, Marcial Pons, 2010, p. 284.

O acto de valorar depoimentos não se basta com o somatório dos mesmos, sendo certo que responder à matéria dos Artigos não é transpor para essas respostas as palavras das testemunhas. Uma coisa é o que a testemunha diz e outra, muito diferente, é o valor daquilo que diz. Os depoimentos pesam-se caso a caso, no contexto em que se inserem, tendo em conta a razão de ciência invocada, a sua razoabilidade face à lógica, à razão, às máximas da experiência e aos conhecimentos científicos, relevando ainda na valoração do depoimento os aspectos comportamentais e reaccionais acima já mencionados.

Conforme refere LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, Coimbra Editora, 2013, p. 200, “No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (…) por natureza implica (...) ”.

O convencimento do julgador deve fundar-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, tendo em vista lograr a paz social, o que não se compadece com indagações intermináveis e de natureza puramente epistemológica. Ou seja, as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência comum - Acompanhamos GONZÁLEZ LAGIER, “Presunción de Inocencia, Verdad y Objetividad”, in GARCÍA AMADO e RAÚL BONORINO (coords.), Prueba Y Razonamiento Probatorio en Derecho, Debates sobre Abducción, 2014.

Necessário é que o juiz aprecie as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto [Artigo 607º, nº5 do Código de Processo Civil], exigindo-se que o julgador proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, sendo a livre apreciação lógica e motivada em obediência a critérios legais.

Na generalidade das acções cíveis, em que se inclui esta, o standard probatório aplicável é o da probabilidade prevalecente (“mais provável que não”), do qual decorre que, entre as várias reconstruções alternativa dos enunciados fácticos, deve eleger-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação maior face às demais, devendo preferir-se aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Numa perspectiva cognoscitivista ou racional da prova, afirma que «Entre prova e verdade existe uma conexão teleológica (a finalidade da prova é a averiguação da verdade de determinados enunciados) mas não existe uma conexão conceptual (dizer que um enunciado foi provado não é dizer que é verdadeiro, em termos absolutos, mas que parece verdadeiro à luz da informação disponível) (…)» - para uma análise mais desenvolvida, cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pp. 373-384.

B–DOS DOCUMENTOS oportunamente juntos aos autos os quais foram valorados em conjugação com a prova testemunhal.
FACTOS PROVADOS SOB OS DOCUMENTOS JUNTOS A FLS.: 156, 153-154; 15 a 17; 21, 143, 34, 35, 37, 26, 44; 22; 57; 32.
Documentos electrónicos idóneos acessíveis em:
http://www.f....org/pt/afundacao/o-fundador/; http://portaldafilantropia.org/pt/news_text-2-12-848-biografias; antonio...#.Vo55R7aLT4Yhttp://www.historiadeportugal.infoantonio-desommer-.../Documento electrónico idóneo acessível em http://www.gestmin.pt/solidariedade.html
Note-se que os documentos particulares escritos ou assinados por terceiros, que não as partes, são apreciados livremente pelo Tribunalcf. Artigos 376º e 366º do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.5.2005, Lopes Pinto, de 31.5.2005, Ferreira Girão,05B1094, de 29.1.2008, Santos Bernardino, 4528/07, acessíveis em www.dgsi.jstj/pt. “Os documentos particulares que, em resultado de terem sido impugnados, carecem da força probatória estabelecida no artigo 376º do Código Civil podem, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre os factos quesitados, com base na sua maior ou menor credibilidade”Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.4.2004, Quirino Soares, 04B795.5

C–DOS DEPOIMENTOS DE PARTE prestados:
Pelo Réu João Miguel Calisto ..., o qual relevou para a prova dos factos 19 a 21, 27, 28, 41, 42, 53, 54, 55.
Pelo Réu ... Manuel Martins ..., o qual relevou para a prova dos factos 27, 28, 52 a 56.
Pelo Autor, o qual relevou para a prova dos factos 3 e 42.
O depoimento de parte, no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte, constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunalArtigo 361º do Código Civil - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.5.2006, João Camilo, de 14.12.2006, João Camilo, de 5.5.2015, Gabriel Catarino, 607/06, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31.5.2007, Jorge Leal, 2123/2007, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj; cf. ainda o estudo desenvolvido de REMÉDIO MARQUES, “A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte”, in Julgar, Nº 16, Jan-Abr 2012, pp. 137-172.
Impugnar um documento não significa que deixe de ter valor probatório.
Uma coisa é a força probatória de um documento e outra bem diversa é a convicção do julgador, formada após a análise crítica das provas, incluindo a dos documentos.
Em especial, no que tange ao depoimento de parte do Autor há que observar o seguinte.
O Autor esquivou-se a fazer a reprodução de conversações, conforme lhe foi solicitado pelo tribunal (cf. Ob. cit., p. 120). No que tange ao âmago dos acontecimentos (a agressão), cingiu-se a uma versão sucinta, cristalizada, segundo a qual a testemunha Célia estava de saltos altos, escorregou no piso da cozinha e caiu. Mais afirmou que a Célia, lhe dirigiu vários impropérios (que só concretizou após insistência, não o fazendo espontaneamente) que o incomodaram, logo atalhando que "Já tem idade suficiente para não me sentir ofendido" (postura defensiva perante a agressão, negando a sua hostilidade crescente que transbordou em agressão). A versão assumida pelo Autor e o modo como prestou o seu depoimento evidenciam várias características que desabonam a sua credibilidade por estarem associadas a depoimentos falazes. Assim, o relato foi demasiado pensado, rígido, programado, menos detalhado, com um enquadramento contextual mais pobre - cf. Ob. cit., pp. 114 e 120-121.
O Autor omitiu a ordem que deu à Célia para aceder ao seu quarto pelo exterior da vivenda quando ela podia aceder ao mesmo, de forma mais cómoda e rápida, pela escada.

Conforme refere ALDERT VRIJ, "Comparados com quem fala a verdade, os falazes estão interessados em tentar construir um relato que eles crêem que criará uma impressão credível nos outros, e deixarão de fora informação que, na sua perspectiva, prejudicará a sua imagem de serem pessoas sinceras" - Op. cit., p. 122.

Quem mente, não varia o seu depoimento nem sequer para melhorá-lo, sendo tal cristalização evidente por comparação mesmo com as declarações que o Autor prestou no processo crime a fls. 160.

Insistiu o Autor que a testemunha Célia andava recorrentemente de saltos altos, o que foi negado - de forma espontânea - pela testemunha Maria Irene, também empregada doméstica do autor, a qual declarou não se recordar da Célia a trabalhar de saltos altos, afirmando que a Célia “andava com chinelos próprios da casa”.

A tese do autor dos saltos altos está, assim, desconstruída.
Também curioso o segmento do depoimento do Autor em que o mesmo afirma que a Célia “tem a minha altura e o meu peso”, o que se coaduna inteiramente com a percepção que o Autor teve com o contacto físico aquando da agressão.
O Autor esteve focado em criar uma história que fosse plausível e sem contradições, no âmbito de uma estratégia que pode ser resumida no mote “Keepitsimple”.
Pelo contrário, a testemunha Célia preocupou-se em relatar os factos tal como os viveu, segundo o mote “Keepit real”.
Conforme analisámos na nossa Prova Testemunhal, p. 147, “Na sucinta expressão de VRIJ Et al., (…) os que falam verdade usam a sua memória para tentar reconstruir a realidade, enquanto os bons mentirosos usam a sua memória para recordar os ingredientes de uma boa história.”
Estas diferentes estratégias reflectem-se no teor dos depoimentos no caso de interrogatórios repetidos. Nesta eventualidade, “(…) os bons mentirosos tentarão repetir o que disseram no interrogatório prévio, enquanto os que falam a verdade tentarão reconstruir o que viveram, estando menos preocupados com o que disseram previamente. Os mentirosos que consigam seguir a sua estratégia produzirão declarações com um grau de consistência mais alto e, por conseguinte, têm uma probabilidade de não ser detectados, enquanto o trabalho evocativo dos que falam a verdade podem debilitar o grau de consistência do respectivo depoimento (o que pode lançar dúvidas sobre o depoimento).” - cfr. ALDERT VRIJ et al., “Good Liars”, in The Journalof Psychology&Law, 38/Spring-Summer 2010, p. 92 e ALDERT VRIJ et al., “Good Liars”, in The Journal of Psychology & Law, 38/Spring-Summer 2010, p. 93.
Os depoimentos prestados pela testemunha Célia e pelo Autor evidenciam estas estratégias na medida em que o Autor se manteve firme no guião e não quis afastar-se do mesmo, nem sequer para reproduzir as conversações, enquanto a testemunha Célia esteve preocupada em reconstruir o que viveu, chegando a emocionar-se, reconstruindo os factos mesmo de forma desordenada e crescentemente detalhada (cf. Op. Cit., p. 118, Produção inestruturada) não se preocupando com a coerência e consistência com declarações prévias.

As respostas negativas aos artigos derivam designadamente:
- Da prova produzida em sentido oposto ou incompatível;
Artigo 21 dos Temas da Prova versus facto provado sob 2 e respectiva fundamentação;
Artigo 60 dos Temas da Prova versus facto provado sob 21. Sendo domingo, não era verosímil que estivesse alguém a trabalhar em tal empresa.
- Da insipiência e insuficiência da prova produzida:
Artigos 47, 49, 50, 59 dos Temas da Prova: inexiste prova documental de tal facto, o qual também não foi minimamente verbalizado por qualquer testemunha;
Artigo 68 dos Temas da Prova: inexiste prova documental de tal facto, o qual também não foi minimamente verbalizado por qualquer testemunha. Acresce que existem placas na M... da S... indicar a Quinta da T... (depoimento de Maria Irene).
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B)–QUESTÃO DE FACTO.
Como escreveu Cabral da Moncada, “se a acção e a excepção são os meios formais de defesa judiciária dos direitos, os meios materiais são substituídos pela prova” – in, Lições de Direito Civil, 4ª Edição, 1995, pag.795.
Apenas o A. recorre e parcialmente, da decisão de facto, impugnando, em concreto, os seguintes factos:
“-…-
2 - O A. agrediu a sua empregada doméstica do seguinte modo: aproximou-se por trás, agarrou-a pelos braços e empurrou-a para o chão, caindo a mesma sobre o seu lado esquerdo (perna, anca e mão).
8 - A empregada doméstica exibiu à jornalista o relatório do Hospital de Cascais emitido na madrugada daquele dia anterior, o qual fazia expressamente referência a trauma na mão esquerda e perna esquerda com dor local.
19 - A 3.ª e 4.º RR tentaram, durante o domingo (dia 30.3.2014), estabelecer contacto telefónico com o Autor, por forma a recolher a sua versão relativamente aos factos que iriam ser sujeitos a divulgação, dando-lhe oportunidade para exercer o respectivo contraditório, caso assim o entendesse.
20 - Não obstante as tentativas de contacto para o número de telefone 214826840 que encontraram associado à pessoa do A., e o qual se encontrava válido e com rede, não conseguiram aqueles Réus concretizar qualquer conferência telefónica com o A.
35 - O texto referido em 25 e o texto referido em 33 têm extensões bastante distintas.
-…-”

Como o recorrente/A. sublinha nas suas alegações de recurso, a factualidade central/nuclear a apreciar diz respeito à existência, ou não, de agressão do A. à testemunha Célia P....
Sobre este ponto, entende o recorrente/A. que, a referida Célia apresentou versões diferentes nas várias declarações que prestou sobre este assunto e que o relatório médico do Hospital de Cascais não atesta que aquela tenha sofrido “trauma na mão esquerda e perna esquerda” decorrentes da agressão que aquela teria sido vítima fruto do também contestado empurrão dado pelo A..

- Que dizer (artº662º do CPC)?

Havendo gravação da prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento e cumprido que foi o ónus a cargo do recorrente/A. a fim de impugnar a decisão relativa à matéria de facto, procedeu-se à total audição do respectivo CD (gravação/registo da A.D.J.)artº640º do CPC.

Passa-se a sintetizar os depoimentos e testemunhos prestados no julgamento em discussão:

A)–Depoimentos de parte.
1 – João M... C... ..., que trabalha no “... da ... desde 1998, referiu que: “Por ser Domingo, tentaram um contacto com o A. através da Gestmin (empresa dirigida pelo A.), mas não houve reposta; a notícia saiu na Segunda seguinte; o jornal tem visibilidade mas a exposição é igual à dos outros; não tem acesso aos números exactos da respectiva tiragem, mas é muita; quanto aos lucros não sabe; no fim de semana o Director não trabalha em regra pelo que não deve ter tido conhecimento da notícia; a edição fecha às 10/11h da noite de Domingo; há uma hierarquia, mas não sabe quem substituiu o Director.”
2 – ... ..., director do ... da ..., desde Fevereiro de 2007, disse que: “Não tem conhecimento dos factos porque não estava no jornal, em virtude de ser Domingo e a sua folga ser ao Sábado e Domingo; um dos adjuntos ou o chefe de redacção substitui o director, havendo uma escala; devemos sempre tentar ouvir a pessoa visada na notícia; o ... da ... é o jornal que mais vende, mais de 100.000 exemplares e nessa altura a tiragem era ainda maior; estão em nove mil bancas no País inteiro; o jornal digital/online tem mais dum milhão de visitantes diários; há vários itens pelo que a leitura não é linear; há um ano atrás ainda não havia monitor que nos permita saber em tempo real qual a notícia mais lida; quanto à notícia nada sabe; só em situações excepcionais (por exemplo eleições) está no jornal ao Domingo.”     
3 – Manuel ..., referiu que: “Havia uma discórdia quanto aos 100 euros; disse-lhe que trabalhava até Sexta; estava lá (em sua casa) há menos de três meses; na Sexta houve a referida discórdia; ela queria sair no fim-de-semana e eu achava que ela não devia lá ficar no fim-de-semana, pois terminava o vínculo na Sexta e eu também estaria ausente, não a querendo lá em casa sem mim; a senhora incomodou-se com ambas as coisas; os 100 euros era razoável face ao tempo em que faltou; ela ganhava 800 euros e eu queria pagar 700 euros; depois do clamor desta história e para me ver livre (não a ter à perna) resolvi pagar os 100 euros; era a única empregada interna; mas havia outras externas; ela cumpriu a Sexta e sabendo que eu ia de fim de semana, ela sairia, penso, Domingo; fizemos contas e eu paguei 700 euros por ela ter faltado alguns dias; e disse-lhe que já não a queria lá em casa; ela dirigiu-me impropérios e que ia fazer queixas à Polícia e a alguém do seu relacionamento para chamar a GNR que apareceu à porta da sua casa nessa noite; a conversa foi á hora do jantar e a GNR apareceu por volta das 23h; a conversa passou-se na cozinha; ela pegou no telemóvel e estava de saltos altos e caiu; não a agredi; ela é que disse palavras que ainda gravo; a GNR nem falou comigo; deduz que a senhora se queixou à GNR de a ter agredido; e disseram-lhe para apresentar queixa e ir ao Hospital; a conversa com a GNR passou-se junto ao portão da sua casa/quinta; depois da discussão disse-lhe que já não a queria na sua casa e ela foi fazer as malas; os meus filhos menores também moram la com a mãe; viu que a senhora caiu mas não se lembra de ela se ter magoado, nem ela se queixou; a discussão na cozinha foi depois o jantar; ela não cozinhava; colaborava pondo e levantado a mesa; quando interpelada por andar de saltos, decote e unhas compridas, respondeu-lhe que na entrevista não fora advertida quanto a isso.”     
   
B)–Testemunhos.
Isabel M... L..., secretária do A. na empresa Gestmin, disse que: “O A. é uma pessoa recatada; preserva a sua privacidade; nos dias seguintes à notícia constatou o seu constrangimento; estava incrédulo; podia afectá-lo; no escritório somos poucos mas na empresa (Leiria; Leixões) houve burburinho; viu comentários na parte digital; o A. sentiu-se desrespeitado; nunca houve qualquer situação no género; tratou do pagamento dos 100 euros; pensa que foi por transferência bancária e que já decorria o processo; têm a família ... como abastada; o casamento da filha saiu na imprensa cor de rosa; a notícia dizia que o A. tinha agredido uma funcionária por causa dum diferendo de pagamento; presume que o A. leu a notícia; os seus (do A.) contactos são com os jornais económicos e não na parte social; a excepção foi o casamento da filha e apenas fotografias.”
Maria Irene O... que trabalha para o A. há 14 anos, referiu que: “Não tem internet nem leu o jornal, mas contaram-lhe a notícia; o A. estava muito incomodado e o nome dele é que estava em causa; para qualquer pessoa é desagradável e nunca ouviu nada contra ele/A.; até a si a incomodaram, na padaria e no supermercado, perguntando-lhe se ainda lá trabalhava (na casa do A.) ou se se ele agredia as pessoas; a história é falsa e não tem lógica nenhuma, mas as pessoas acreditam na notícia; que chatice tenho que estar sempre a justificar-me perante os amigos, disse ele/A.; o A. é muito recatado; presa a sua privacidade; quanto ao caso, tinha saído mais cedo; normalmente deixa o jantar alinhavado; não me lembro dos saltos altos, mas ela era vistosa e normalmente andava com os sapatos da casa; ela contou-lhe que o A. não queria pagar os 100 euros e que lhe bateu, mas não acredito; por isso ela chamou a polícia; sabe que a filha do A. casou em Lisboa e não viu a notícia; ela disse-lhe que quando ia buscar o telemóvel o A. lhe bateu e foi bater com a perna no móvel; acha estranho pois o A. nunca bateu em ninguém; esta conversa foi no dia a seguir; telefonou para si pois ia-se embora e queria dar-lhe uma satisfação; já se sabia que ela ia sair; ela já tinha outro trabalho com contrato que lhe agradava mais; ela usava unhas de gel e o A. não gostava que ela tivesse o cabelo grande e solto a servir, bem como, com as unhas de gel.”
António E... C... O..., gestor e funcionário do grupo Gestmin, disse que: “Os amigos comentaram consigo, indagando o que se passou (é possível agressão a uma empregada por causa dos 100 euros?); acharam estranho; o A. ficou triste e magoado; não me pareceu possível; nem sequer lhe deram a hipótese de se retractar; estão a aproveitar de ser empresário; afecta a sua reputação; era capa de jornal e enviaram-lhe um scan da notícia; houve algum burburinho na empresa/corredores; o A. é recatado, não aparece nem em termos de negócios; a casa do A. é na Malveira e não agrediu de maneira nenhuma; ele trata os colaboradores com respeito; o grupo tem mais de 300 colaboradores; a importância acerca da chefia é importante também por parte dos fornecedores, financiadores, clientes; principalmente, por ele/A. sentir que era uma injustiça; mas o jornal devia contactar o visado; não sabe se exerceu o direito de resposta; esteve no casamento da filha, mas não sabe se saiu na imprensa; os jornais interessam-se por ele como empresário; comprámos a ONI; somos accionistas de referência; a exposição pública é via empresarial; eu não admito a agressão.”
Tomás Leal ..., filho do A. e advogado de profissão, referiu que: “No dia em que a notícia saiu recebeu mensagem dos amigos com a notícia e a perguntar o que se passava; 10/15 amigos falaram sobre o assunto; ninguém me conhece porque prezo a minha privacidade; o pai sentiu-se humilhado e exposto; o pai é recatado; já houve um rapto na família por isso ninguém lá vai (a sua casa) sem o pai saber; até os electricistas têm que avisar a secretária; expuseram a morada do pai; contra a vontade da irmã houve uma notícia no ... da ..., mas a propósito dum outro evento que não o seu casamento; neste a segurança não deixava entrar os jornalistas; não queriam notícias sobre o casamento, mas as fotografias foram tiradas ao longe; trocaram mails e o pai estava incomodado (sobre a notícia em discussão); os comentários pesaram tanto como a notícia; fome e vontade de comer do jornalista; não sabe como é que a GNR, o jornalista e o Hospital se articularam; a GNR foi lá a casa porque ela se calhar não queria sair de casa; leve as suas coisas a... não, hoje sai dissera o meu pai; não me lembro; se calhar foi ela que chamou a GNR; o pai não lhe contou que ela tinha caído; não me lembro; fui educado para dizer o que tenho a certeza; o que tenho na cabeça é que ela se atirou para o chão; e disse que ele lhe bateu; mas para mim o meu pai não lhe tocou; o pai disse-me por sua honra que não lhe tocou; revista Caras? O casamento da irmã não saiu excepto talvez a dizer que ia casar e a propósito de outro evento; se estiver com amigos a notícia é ... e os amigos; o comportamento cuidadoso deve ser de qualquer pessoa; no meu íntimo tenho uma versão na cabeça, atirou-se para o chão; isso foi em Março/Abril do ano passado.”
Eduardo D..., director adjunto do ... da ..., desde 2007, disse que: “Sabe da notícia; temos um mecanismo de avaliação, a dimensão pública do visado/... e haver queixa na polícia; é uma pessoa/A. conhecida como empresário; foi certificada a existência de queixa e procuramos falar com queixosa e com o A.; tem que haver exercício do contraditório; trabalha um fim de semana por mês no jornal; há casos complexos e outros menos complexos; no dia seguinte tentamos o direito de resposta que respeitamos sempre; no Domingo há que ponderar os interesses e havia sempre a possibilidade de falar com o visado e publicámos o direito de resposta; não sabe se a notícia era superior ao direito de resposta; não temos controlo prévio daquilo que vamos publicar; é suficiente o telefone da empresa? Sim e podia-se falar no dia seguinte com o visado; não se podia esperar pela Segunda? Havia interesse público e concorrencial; podia ir a casa dele/A.? Não me lembro dos detalhes; o relatório não fala em escoriações e dizem que foi agredida? Não sei se falaram com ela.
Henrique M..., editor do ... da ..., referiu que: “inteirei-me da notícia; sou editor da área da Justiça; a jornalista ... já tem mais de 5/8 anos connosco; confio nas fontes dos jornalistas em causa; foi num fim de semana, mas houve o cuidado de confirmar com pelo menos duas fontes; o contraditório é respeitado sempre, só que neste caso não foi possível apesar das tentativas feitas; fomos diligentes; foi exercido o direito de resposta na íntegra; só publicam online e a fotografia a pedido; o contacto (com o A.) foi tentado através da empresa que normalmente tem assessorias; a fonte era assumida e foram confirmar a queixa; donde retiraram as escoriações numa perna? A notícia essencial era a apresentação da queixa.
Célia R... P..., doméstica, disse que: “trabalhou 2/3 meses na casa do A.; 15 dias antes do acontecido disse que não queria continuar; o A. achava que não tinha condições para continuar; eram quase 10h/22h e ele/A. não fazia contas; eu trabalhava Domingo e não estava combinado; só queria o que tinha Direito; ordenado e parte do subsídio; o A. disse-lhe, primeiro arruma as coisas e depois assina o papel; quando ia descer pela escada da cozinha que dava acesso ao seu quarto ele queria que fosse pelo quintal; ele me pegou e jogou no chão; o telemóvel foi longe; veio um casal ajudar; fui na delegacia e no Hospital; tudo o que o jornal publicou é verdade; eu estava de bota baixa; foi por causa de cem euros; mais tarde, o A. pagou quinhentos e tal euros; o juiz do trabalho disse que era melhor acordar pois, o A. era muito influente; telefonou para o jornal e fez exame forense em Cascais (Tribunal); tenho fotografias e gravação da conversa com o A. no portão; foi ao Hospital no dia 28-3-2015; quando foi contactada pela jornalista estava na rua como é que podia mostrar à jornalista o que tinha no corpo; depois de15 dias tinha o corpo roxo (exame forense); eu fui logo ao Hospital e só estava vermelho; pegou-me para o chão, perna e braço do lado esquerdo; fiquei mais dum mês com as coisas negras; ele/A. me pegou no braço, me levantou e atirou-me ao chão; que saiba ele não ia para lado nenhum; eu avisei com antecedência de 15 dias que ia sair nesse dia/Sexta; eu nunca desrespeitei um patrão; disse você vai pagar o que me deve nem que seja na Justiça; eu não tinha contrato e ele queria que eu assinasse os papéis que tinha na mão; ele não queria pagar e eu disse que que vou chamar a polícia; ele/A. disse vai arrumar as coisas e por aqui não; voltei e ele veio por detrás, agarrou-me e deitou-me ao chão; aí chamei a polícia; a Dona Margarida (ex-cônjuge do A.) foi par ao quarto e quando lhe liguei não me atendeu.”
Impõe-se a análise e valoração dos depoimentos de parte à luz dos artºs452º a 454º do CPC (direito probatório formal) e dos artºs.352º a 361º (direito probatório material); dos testemunhos (artºs.495º a 526º do CPC e artº392º a 396º do CC).

Retira-se do confronto entre os aludidos normativos legais e o caso em estudo conclui-se inexistirem questões de ordem formal e que não houve confissão por parte do A. quanto à agressão em discussão.

Deste modo, compete a este Tribunal de Recurso apreciar livremente, quer os depoimentos de parte, quer os testemunhos prestados na Audiência de Discussão e Julgamento e que acima estão resumidos e ainda ter em conta os documentos junto aos autos e que não foram impugnados, com especial relevo para os constantes de fls.21 a 31 (notícia em causa e exercício do direito de reposta); 153 a 162 (queixa crime, exame médico/hospital de Cascais e exame forense/Tribunal de Cascais/Serviços do Ministério Público)

Como aprofundadamente foi discutido na sentença recorrida e nas alegações do recorrente/A., a valoração da prova obedece a princípios de lógica e coerência, independentemente de ser directa ou indirecta.

In casu e perante versões diferentes dos protagonistas (A. e Célia P...), há que relevar na formação da convicção do Tribunal, todos os elementos probatórios relacionados com os factos em causa.

Queremos com isto dizer que, o que torna mais credível o testemunho da Célia P... (em contraposição com o depoimento do A.)são as opiniões clínicas (médica e de enfermagem) expressas no episódio de urgência ocorrido cerca de 1h/2h depois da discussão havida entre os referenciados protagonistas(ocorrida entre as 22h e 23h do dia 28-3-2014) e que depois foram corroboradas no auto de exame médico, em que se refere que a lesão/sequela observada(equimose arroxeada na região glútea esquerda, medindo 3 cm de diâmetro) é compatível com informação dada pela paciente Célia, sendo que a urgência teve lugar na madrugada de 29-3-2014 e o exame médico verificou-se em 3-4-2014.
        
Estamos todos cientes de que os factos ocorrem de modo dinâmico o que torna quase impossível reproduzi-los completamente.
Contudo, há acordo quanto à existência duma acalorada discussão entre o A. e a então sua empregada interna Célia.
Tal discussão ocorreu na cozinha da habitação do A. e em virtude de ambos quererem por fim à relação laboral existente e não haver acordo quanto ao montante a receber pela Célia P....
O A. entendia que devia descontar cem euros ao ordenado mensal antes acordado de oitocentos euros e ainda que a então empregada Célia devia deixar a sua casa nesse próprio dia (Sexta-Feira).
Perante a exigência por parte da então empregada da totalidade do ordenado (divergiam no valor de cem euros) e a sua intenção de sair no Domingo, o A. exaltou-se e não permitiu que aquela tivesse acesso ao seu quarto através da escada interior existente na própria cozinha e ordenou-lhe que fosse por fora da casa (acesso exterior).  
E foi nessa altura, quando ela se ia encaminhar para a porta que (segundo as palavras da então empregada Célia de nacionalidade brasileira) ele me pegou e jogou no chão”.
Conjugando o testemunho acima expresso da então empregada com a queixa criminal deduzida pela mesma poucas horas de depois (cfr. documento de fls.153 a 155/GNR de Alcabideche) e as observações feitas no Hospital de Cascais (logo depois daquela queixa) e o conteúdo do exame médico realizado nos Serviços do Ministério Público de Cascais, não podemos deixar de concordar com a factualidade dada como assente no ponto 2: “O A. agrediu a sua empregada doméstica do seguinte modo: aproximou-se por trás, agarrou-a pelos braços e empurrou-a para o chão, caindo a mesma sobre o seu lado esquerdo (perna, anca e mão).”

Não podemos esquecer que, sem embargo do princípio constitucional intransponível da dupla jurisdição (directamente relacionado com um verdadeiro/completo direito de recurso), há pormenores que só a imediação da prova permite e isso só acontece aquando do Julgamento em primeira instância.

Quanto às lesões traumáticas dadas como provadas no ponto 8 e como decorre da extensa fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo baseou-se (como deve ser e supra assinalámos) na apreciação global de toda a prova e não só no conteúdo do documento de fls.156 (resumo do episódio de Urgência).

Finalmente e quanto aos factos contidos nos pontos 19, 20 e 35 (factos provados) foram confirmados pelos testemunhos verosímeis de Eduardo D... e Henrique M... e pelos documentos de fls. 21 e 26 (que “falam” por si), não sendo este o momento para retirar as respectivas consequências jurídicas.  
      
Tudo visto, improcede o recurso (do A.) quanto da decisão de facto e consequentemente, julgam-se definitivamente fixados os factos antes dados como provados e não provados.
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C)–QUESTÃO DE DIREITO.
Definida, em definitivo, a factualidade provada e não provada, importa apreciar os factos assentes à luz do Direito e tendo em devida conta as questões elencadas aquando da delimitação do(s) tema(s) das apelações deduzidas pelos A. e RR. – cfr. supra -.
O enquadramento legal feito pelo Tribunal a quo é irrepreensível e desenvolvido (transcrição):
“-…-
O litígio em apreciação nestes autos centra-se na intersecção colidente dos direitos de personalidade do autor, por um lado, e da liberdade de imprensa, por outro.
Recorreremos a um método silogístico, começando por analisar o posicionamento de tais direitos em abstracto e as vias de resolução, da sua resolução, que são propugnadas para, depois, entrar na resolução do conflito que tem de ser sempre concreta embora com apelo aos princípios e regras de enquadramento.

A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS SEUS LIMITES NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA NACIONAIS.

O Artigo 37º da Constituição, sob a epígrafe de Liberdade de expressão e informação dispõe que:
“1.-Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2.-O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3.-As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos Tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4.-A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”

Já o Artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, consignava que:
“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”

Também o Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem rege sobre tal matéria nestes termos:
“1- Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (...)
2- O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do Poder Judicial.”.

Tais princípios fazem parte do direito português (Artigo 8º, nº1 da Constituição), sendo que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Artigo 16º, nº2 da Constituição). Institui-se aqui o princípio da interpretação - Lei nº 65/78, de 13 de Outubro aprovou, para ratificação, tal Convenção, em conformidade com a Declaração Universal - o que implica que, no caso de polissemia de uma norma constitucional de direitos fundamentais, deve dar-se preferência àquele sentido que permita uma interpretação conforme à Declaração Universal.

Nos termos do Artigo 1º da Lei da Imprensa (aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro), é garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei. A liberdade da imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.

Contudo, logo no Artigo 3º da mesma Lei e sob a epígrafe de Limites, dispõe-se que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.” - Neste sentido, cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed. Revista, p. 138.

Resulta das normas referidas que o direito à informação constitucionalmente consagrado não é um direito absoluto, comportando limitações que devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade - cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 394/93, Nunes de Almeida, DR, I Série, de 29.9.93.

No seu Acórdão nº 81/84, D.R., II Série, de 31-01-1985, o Tribunal Constitucional considerou que “a liberdade de expressão como, de resto, os demais direitos fundamentais não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a protecção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de protecção pára ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. (...) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos designadamente com aqueles que se acham também directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)], haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização”.

No seu Acórdão nº 67/99, de 3.2.99, Paulo Mota Pinto, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional reiterou que“ (…) a liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual” com certos bens jurídicos pessoais (…) não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada”.

Entre os outros direitos constitucionalmente protegidos e que atuam como limites imediatos à liberdade de imprensa estão, de facto, a integridade moral e física das pessoas (Artigo 25º, nº1, da Constituição) e os direitos ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar (Artigo 26º, nº1, da Constituição).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclama no seu Artigo 12º que nenhum indivíduo pode ser sujeitos a intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família e correspondência, nem ataques à sua honra e reputação.

O Artigo 8º, nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é explícito ao declarar que qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. E, no seu Artigo 10º, nº1, consagra a liberdade de expressão sem prejuízo de, logo no nº2 do mesmo preceito, dispor que: “O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”

Também a lei ordinária tutela tais direitos.

Assim, sob a epígrafe de Tutela Geral da Personalidade, o Artigo 70º do Código Civil dispõe que“1 - A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral. 2 - Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.”

Da conjugação destas disposições da lei ordinária com os Artigos 24º a 26º e maxime 1º da Constituição (“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana...”) decorre que, desde logo, é a própria Constituição a consagrar um direito geral de personalidade, acolhendo o princípio que a todo e qualquer aspecto em que necessariamente se desdobra um direito geral de personalidade deve caber o maior grau de protecção do ordenamento jurídico, pois os direitos de personalidade são inerentes à própria pessoa, não podendo ser postergados sob pena de negar o papel da pessoa como figura central da sociedade - Cf. Ac. do Tribunal Constitucional nº6/84, Magalhães Godinho, BMJ nº 340, p. 179.

O artigo 70º, nº1 recorre à cláusula geral “personalidade física e moral” para a protecção do indivíduo encontrar apoio legal o que se justifica dada a crescente e imprevisível mutação da vida. Mais concretamente e face ao caso subjudicio, importa saber como conjugar o direito/dever de informação e o direito à honra, ao bom nome e à reputação social.

Refere GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4ª Ed., p. 496, que “a solução destes casos de conflito não é tarefa fácil, recorrendo muitas vezes a doutrina e jurisprudência ao “critério da ponderação de bens”, ao “princípio da concordância prática”, à “análise do âmbito material da norma” e ao “princípio da proporcionalidade”. Também é frequente o recurso à ideia de abuso de direitos fundamentais, designadamente quando se considera que o exercício de um direito fundamental viola criminalmente um outro direito (direito à integridade pessoal, direito ao bom nome e reputação). Aponta-se igualmente como critério operador o princípio da optimização de direitos e bens constitucionais conducente ao estabelecimento de limites aos direitos colidentes de forma a conseguir uma autêntica eficácia óptima de ambos os direitos. De qualquer modo e para este autor, a directiva fundamental era esta: todos os direitos têm, em princípio, igual valor, devendo os seus conflitos solucionar-se preferentemente mediante o recurso ao princípio da concordância prática. Com este princípio, visa-se delimitar o âmbito material constitucionalmente protegido dos direitos e bens constitucionais que estão em confronto, entendendo que, nos casos de crimes de liberdade de imprensa, a nossa jurisprudência tem infra valorado a dignidade e a honra em favor de um direito de liberdade de expressão que, material e constitucionalmente, não tem o âmbito que se lhe atribui - Cfr. Nota 58 da 2ª edição da mesma obra. Sobre a epígrafe de “Direito constitucional de conflitos e protecção de direitos fundamentais”, veja-se ainda o artigo do mesmo autor na RLJ, Ano 125º, p. 35 e ss.

Segundo o critério da ponderação de bens, estando em causa o exercício de dois direitos constitucionais em colisão, a solução de tal litígio deve resultar de um juízo de ponderação em que se procure, em face da situação concreta, encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais - neste sentido, VIEIRA DE ANDRADE, Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, p. 220. Porém, só existe verdadeiro conflito de direitos quando os mesmos são exercidos dentro dos seus limites uma vez que não há direitos absolutos ou ilimitadamente elásticos - JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, IV. Vol., p. 157.

Este critério pressupõe a inexistência de uma ordenação abstracta de bens constitucionais o que torna indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adaptada às circunstâncias do caso. A ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens. A ponderação de princípios conflituantes – cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7 ª Ed., Almedina, 2003, pp. 1237 e 1241.
Assim, como limites imediatos à liberdade de imprensa, podem assinalar-se a integridade moral e física das pessoas (Artigo 25º, nº1 da Constituição) e os direitos ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (Artigo 26º, nº1 da Constituição): serão limites autónomos, podendo ser aplicados cumulativamente, sem incompatibilidades entre si, e exercer uma influência recíproca, pois um limite não torna supérfluos os outros – cf. NUNO E SOUSA, A liberdade de imprensa, Coimbra, 1984, p. 268.

De acordo com o critério do âmbito material da norma, dir-se-á que os limites de cada direito determinam-se em função do seu próprio fim e pela existência de outros direitos. Assim, se o agente, no exercício concreto do direito, ultrapassa o seu fim, extravasa o limite do direito.

O critério do princípio da proporcionalidade assenta no seguinte raciocínio: quando se aprecia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente protegido que resulta, em consequência, desvantajosamente afectado - cf. JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 178.

O meio restritivo escolhido, pressuposto que seja apto e indispensável, só tem que ser não desproporcional.

Conforme se escreveu no Acórdão n.º 634/93, Nunes de Almeida, in ATC, 26º Vol., p. 211, "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."Seguindo este raciocínio, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.9.2004, Graça Amaral, CJ 2004 – I, pg. 94, que “a solução para o litígio decorrente da colisão do exercício de dois direitos constitucionais terá de resultar de um juízo de ponderação e coordenação entre tais direitos, tendo em conta a situação em concreto, de forma a encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais, encarando as limitações aos respectivos direitos tão só enquanto necessárias para salvaguarda do “outro” direito constitucionalmente protegido, com respeito aos princípios da proporcionalidade, da adequação e necessidade- princípio da ponderação de bens e interesse relevantes no caso concreto.”.

O princípio da concordância prática, que constitui decorrência inerente do princípio da proporcionalidade, impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. “Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede , como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens”- cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7 ª Ed., Almedina, 2003, p. 1225.Realça este autor que os direitos fundamentais se devem considerar como direitos prima facie e não direitos definitivos, dependendo a sua radicação subjectiva definitiva da ponderação e da concordância feita em face de determinadas circunstâncias concretas. Conclui que «(…) as normas dos direitos fundamentais são entendidas como exigências ou imperativos de optimização que devem ser realizadas, na melhor medida possível, de acordo com o contexto jurídico e respectiva situação fáctica. Não existe, porém, um padrão ou critério de soluções de conflitos de direitos, válido em termos gerais e abstractos. A “ponderação” e/ou harmonização no caso concreto é, apesar da perigosa vizinhança de posições decisionistas, uma necessidade ineliminável. Isto não invalida a utilidade de critérios metódicos abstractos que orientem, precisamente, a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas: “princípio da concordância prática”; “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”» - Op. Cit., pp. 1275-1276.

Note-se que, segundo o Artigo 18º, nº2 da Constituição, a lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Este artigo preconiza o princípio material da proporcionalidade o que envolve, para os tribunais, a obrigação de interpretar e aplicar os preceitos sobre direitos, liberdades e garantias de modo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, dentro do sistema jurídico, e a obter equilíbrio, a concordância prática, se possível a realização simultânea dos direitos, liberdades e garantias, por um lado, e da iniciativa privada, por outro – cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 152, 156 e 157. Em sede de conflito entre o direito/dever de informação e o direito à honra, ao bom nome e à reputação social, a jurisprudência vem apelando, com frequência, ao princípio da concordância prática de tal modo que a restrição a um deles , em prol do outro, se reduza ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.7.2005, Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, de 20.4.2006, Granja da Fonseca, CJ 2006- II, pp. 107-110, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.2.2002, Oliveira Barros, CJ Ac. STJ 2002 – I, pp. 92-96, de 5.12.2002, Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, de 16.11.2006, Rodrigues dos Santos, acessível no mesmo site.

De modo mais concreto, tem sido decidido que “sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da alegação de todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação” - Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.3.96, Fernando Fabião, CJ 96-I, pp. 123-129, de 29.10.96, Aragão Seia, BMJ nº 460, pp. 686-699, de 7.3.2002, Oliveira Barros, 184/02, de 10.10.2002, Oliveira Barros, 2751/02, de 26.2.2004, Araújo Barros, 3898/03, de 3.3.2005, Ferreira de Almeida, 4789/04, de 27.1.2010, Silva Salazar, 48/04.

Serão, nomeadamente, os casos em que estiver em causa um interesse público que se sobreponha aos direitos de personalidade e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação, sendo exigível que a informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factoscf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.9.2000, Silva Salazar, CJ Ac. STJ- III, pp. 42-45.

Com efeito, o jornalista tem o direito de noticiar factos verdadeiros – ou, pelo menos, na séria convicção de serem verdadeiros por os ter apurado através de fontes de informação idóneas, diversificadas e controladas – e que tenham valor socialmente relevante, desde que o faça de forma moderada ou adequada, sem ultrapassar o necessário à divulgação do facto.
Na síntese do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.1.2012, Sérgio Poças, 41/07, “O direito de informar deve prevalecer quando, no caso concreto, resulta que a notícia (i) é dada na prossecução de interesse público legítimo, (ii) é verdadeira ou não há razões objectivas para, em boa fé, não a considerar como tal e (iii) se mantém dentro dos limites informativos.” O Supremo Tribunal de Justiça tem reiterado esta doutrina no sentido de que o direito de informar deve prevalecer sobre o direito à honra e direitos de personalidade similares desde que a notícia em causa cumpra os seguintes requisitos: (i) seja dada na prossecução de interesse público legítimo; (ii) seja verdadeira; (ii) seja transmitida com proporcionalidade e adequação - neste sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.2.2002, Oliveira Barros, 4384/01, de 5.12.2002, Araújo de Barros, 3553/02, de 3.3.2005, Ferreira de Almeida, 4789/04, de 17.9.2009, Cardoso de Albuquerque, 832/06, de 14.2.2012, Hélder Roque, 5817/07, de 8.5.2013, Moreira Alves, 1486/03, de 21.10.2014, Gregório da Silva Jesus, 941/09.

Se forem violados deveres deontológicos pelos jornalistas, por não actuarem com a diligência exigível com vista à recolha de informação ou se, negligentemente, as recolheram de fonte inidónea e se essas informações não foram testadas de modo a assegurar a sua fidedignidade e objectividade, ocorrerá actuação culposa do jornalista.
A prova da actuação diligente na recolha e tratamento da informação (a actuação de acordo com as legis artis) incumbe ao jornalista - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.9.2008, Fonseca Ramos, 2452/08.
Uma das regras deontológicas do jornalista é a de ouvir as partes com interesses atendíveis.

No que tange à veracidade da notícia, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.9.2009, Cardoso Albuquerque, 832/06, propugnou-se que: «(…) o rigor e a objectividade que se exigem ao jornalista no seu dever de informar não existem em absoluto, antes o que se pode exigir é um esforço de objectividade, anotando a este propósito e de novo voltando ao campo penal, Figueiredo Dias (Revista de Leg. e Jur., Ano 115º, p. 171) que o conceito de “verdade jornalística” não tem que traduzir uma verdade absoluta …” pois o que importa, em definitivo, é que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente».
Mas esta comprovação não pode revestir-se das exigências da própria comprovação judiciária, antes e apenas utilizar as regras derivadas das legis artis dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, significando isto que ele terá de utilizar fontes de informação fidedignas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.
A densificação do conceito de boa fé na divulgação pela imprensa de notícias de factos não verdadeiros é de crucial relevo para se ajuizar se os RR dela poderão beneficiar em termos de excluir a ilicitude duma conduta passível de integrar violação do bom nome e crédito do A, enquanto imputando a este factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação reveste alguma complexidade, sendo de acordo com alguma doutrina transportável para a responsabilidade civil (v. o estudo de Martine Madoux in Revista Portuguesa de Ciências Criminal, Ano 9, fasc. 2, Abri-Junho de 199, p225) composta dos seguintes elementos fundamentais:
1– Os factos inverídicos têm de ser verosímeis, ou seja têm de ser portadores de uma aparência de veracidade susceptível de provocar a adesão do homem normal e não só do informador;
2– Por outro lado, o informador terá de demonstrar que procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que chegou a confrontar as informações com várias fontes;
3– O informador terá também de demonstrar que agiu com moderação nos seus propósitos, ou seja, que se conteve dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar, evitando o sensacionalismo ou os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo
4– Finalmente, o informador devera demonstrar a ausência de animosidade pessoal em relação ao ofendido a fim de que à informação inverídica não possa considerar-se ataque pessoal.
Ainda no que tange à verdade da notícia, acolhemos o ensinamento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.2.2012, Hélder Roque, 5817/07, nos termos do qual:
«(…) não se trata de uma verdade absoluta e, por inteiro, correspondente ao facto histórico narrado, pois o que importa, em definitivo, é que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba serem inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se, suficientemente. Mas aquela comprovação não pode, por seu turno, revestir-se das exigências da comprovação cientifica ou mesmo da comprovação judiciaria, antes hão de a ela bastar-se as exigências derivadas das «legis artis» dos jornalistas, que se não contentarão com um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquele repouse numa base objectiva, de que resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade haverá que possuir o mesmo efeito que esta, como elemento da justificação. A prova de que as imputações efectuadas correspondem à verdade, ou de que o agente só as tomou como tais, depois de cumprido o dever de esclarecimento, só deve ser admissível, nos limites do direito de informação e da correspondente função pública da imprensa, correndo o ónus da prova, a cargo daquele».
Segundo JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão - Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Coimbra, 2002, p. 807, o cidadão "deve poder exprimir as suas suspeitas e especulações razoavelmente apoiadas, por via dedutiva, indutiva e abdutiva, em evidências circunstanciais de que algo vai mal no funcionamento das instituições socialmente relevantes, latu sensu, sem que seja exigível que as consiga provar num tribunal, aspecto particularmente relevante naquelas situações da vida pública em que é irresponsável não especular. Do mesmo modo, o jornalista que torna conhecidos indícios de um escândalo público não deve ter que provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios", cabendo ao debate público posterior determinar a verdade ou falsidade dos factos através de "mais discurso" e não da repressão do discurso produzido porque, em muitos casos, os responsáveis pelo irregular funcionamento das instituições políticas e sociais são os primeiros a ocultar as informações necessárias para ocultar essa irregularidade.
Em suma, e na síntese do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2006, Rodrigues dos Santos, acessível em www.dgsi.pt/jstj: “Os mesmos princípios, a mesma conduta e os mesmos limites se impõem aos jornalistas a quem se exige a observância de princípios éticos; constitui dever de quem informa contribuir para a formação da consciência cívica, desenvolvimento cultural, fortalecimento da cidadania, não fomentando reacções primárias ou lançando sementes de violência, sentimentos gratuitos de indignação e de revolta e respeitando a consciência moral das gentes; devem, ademais, tratar os assuntos com toda a seriedade, profissionalismo, competência e objectividade. O princípio norteador da informação jornalística será o de causar o menor dano possível e não entrar no campo do ilícito o que colocará os jornalistas, se tal acontecer, na obrigação de indemnizar na justa medida do dano ocasionado. Deve, ainda, ter-se em conta o valor socialmente relevante da notícia, o cuidado na forma de a transmitir, a verdade da informação alcançada ela através da objectividade, da seriedade das fontes.”

A jurisprudência italiana tem exigido, precisamente, que a realização do direito de informar, para ser lícita, tem de observar os requisitos do interesse público da notícia, da verdade da notícia e da correcção da exposiçãocf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.1.2000, Lourenço Martins, CJ Ac. STJ- II, p. 178. Salus rei publicae, suprema lex esto, ou seja, o interesse público, a função pública da imprensa, quando actua como tal, deve sempre prevalecer como objectivo e como medida.

Nas palavras de FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Almedina, 2011, p. 301, “uma vez respeitadas as exigências de rigor na recolha dos dados (fidedignidade das fontes), bem como os ditames da proporcionalidade no tocante ao conteúdo das declarações e havendo interesse objectivo na sua transmissão, a liberdade de expressão legítima a divulgação de factos, mesmo quando estes se revelam prejudiciais aos olhos dos respectivos destinatários”. IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra de Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, p. 143, fala a este propósito no respeito pelo princípio da verdade da informação, segundo o qual “do lado do jornalista pode invocar-se um direito a divulgar informações verdadeiras de interesse público, ao que naturalmente corresponde um direito do público a recebê-las.”

Quando relata factos no exercício do direito de informação que eventualmente ponham em causa o bom nome e honra das pessoas, o jornalista deve expor os factos do modo mais comedido possível, com moderação e urbanidade 17, dentro do propósito de informar com ponderação, adequação na forma e verdade (veja-se o Art. 14º/1 a) do Estatuto do Jornalista que exige a este rigor e isenção 18 na informação).

A adstrição do jornalista a este tipo de deveres está também reflectida no Código Deontológico do Jornalista, aprovado em 4 de Maio de 1993, em Assembleia Geral do Sindicado dos Jornalista, de que extractamos os pontos mais relevantes:
1.–O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.
2.–O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.
3.–O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos (Assim, Acórdão do STJ de 18.2.88, Alves Peixoto, BMJ nº 374, p. 218; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.1.93, Bessa Pacheco, CJ 1993 - I, p. 215, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.93, Silva Salazar, acessível em www.dgsi.pt/jtrl. Na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.99, Garcia Marques, BMJ nº 484, p. 339, “O direito-dever de exprimir o pensamento e a liberdade de expressão têm de ser exercidos com clara preocupação cívica e com respeito pelos outros homens.” Isenção é a qualidade de quem descreve as coisas com imparcialidade, com independência, sem de deixar influenciar pelos seus próprios interesses ou pelos interesses de terceiros a quem deseja servir – cf. LUIS BRITO CORREIA, Direito da comunicação social, I, Almedina, p. 578).
4.–O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público.
5.–O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que violentem a sua consciência.
6.–O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas.
A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS SEUS LIMITES NA DOUTRINA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. No que tange ao conflito entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, a jurisprudência do TEDH é mais liberal do que a jurisprudência nacional e, a haver alguma hierarquia abstracta entre tais direitos, o TEDH tende a dar prevalência à liberdade de expressão.
Na síntese de JÓNATAS MACHADO, ”Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas e Equiparadas”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, V. 85 (2009), p. 80, «(…) o TEDH tem vindo a enfatizar de forma consistente a centralidade do direito à liberdade de expressão, imprensa e radiodifusão, consagrado no artigo 10º do CEDH, enquanto elemento conformador e estruturante de uma sociedade democrática, com inevitáveis limitações para os direitos de personalidade, especialmente de figuras públicas. O TEDH tem sustentando que a imprensa desempenha um papel eminente numa sociedade democrática. Se é verdade que isso não significa que ela tem direito de ultrapassar certos limites, nomeadamente respeitantes à protecção da reputação ou de outros direitos, também é verdade que lhe incumbe comunicar, no respeito dos seus deveres e das suas responsabilidades. Tem-se verificado uma nítida dessintonia entre o entendimento dos tribunais nacionais e o do TEDH, que tende a afirmar o seu direito de supervisão europeia e a reduzir a margem de apreciação dos Estados, apontando claramente para uma interpretação dos direitos de personalidade de uma forma restritiva, que não comprometa o papel central da liberdade de expressão, de informação e de imprensa numa sociedade democrática.»
Na expressão de IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, Op. Cit., p. 80, Nota 111,no âmbito da jurisprudência do TEDH, “Na ponderação entre liberdade de expressão e direito à honra, sobretudo de figuras públicas, os pratos da balança partem de uma posição desequilibrada, em desfavor do direito à honra.
Assim, o TEDH tem asseverado, repetidamente, que: «A liberdade de expressão vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam. Esses princípios assumem particular importância no domínio da imprensa. Se ela não deve ultrapassar os limites em vista, nomeadamente, da reputação de outrem, incumbe-lhe, contudo, transmitir informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre outros temas de interesse geral. Os limites da crítica admissível são mais largos quando é visado um político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, do que quando é visado um simples particular. O homem político expõe-se inevitável e inconscientemente a um controlo atento das suas acções e gestos, quer pelos jornalistas quer pelos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância, sobretudo quando produz declarações públicas que se possam prestar à crítica.» (Acórdão Oberschlick contra Áustria, de 1.7.97);«(…) a liberdade do jornalista compreende também a possibilidade de recurso a uma certa dose de exagero ou até mesmo de provocação. O direito à liberdade de expressão, consagrado no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito de manifestação de cada um. A liberdade de expressão vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam. Assim o recomendam o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não há “sociedade democrática”. Esses princípios assumem particular importância no domínio da imprensa. Os limites da crítica admissível são mais largos quando é visado um político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, do que quando é visado um simples particular. Exige-se uma interpretação restritiva das excepções ou condicionamentos à liberdade de expressão previstos no nº2 do art. 10º da Convenção. A ingerência litigiosa que configure um condicionamento deve corresponder a uma necessidade social imperiosa e ser proporcional ao objectivo legítimo pretendido.» (Acórdão Lopes Gomes da Silva contra Portugal, de 28.9.2000). De acordo com a doutrina do TEDH, “não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis porque, se assim fosse, estaria impedida de publicar praticamente tudo. Por outro lado, a liberdade de imprensa está protegida mesmo quando o seu exercício implica um dano na reputação de outrem, sobretudo quando o visado é uma figura pública.” - IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, Op. Cit., pp. 67-68. E, mais adiante, p. 292,afirma tal autora que:«(…) a instância jurisdicional europeia de Estrasburgo vem reiterando a relevância da admissibilidade da prova da verdade em relação à imputação dos factos. Por outro lado, sublinha que, quando não for possível provar a veracidade de um facto, deve ser garantida a prova da boa fé deixando à imprensa uma necessária margem de erro. Se o jornalista teve, ao tempo da publicação, razões suficientes para acreditar na veracidade da informação não deve ser sancionado. Se o jornalista orientou a sua conduta no sentido da prossecução de um interesse público e houve um considerável esforço da sua parte para verificar os factos não deve ser punido ainda que os factos sejam comprovadamente falsos. A protecção da liberdade de imprensa nos casos de divulgação de factos falsos, com a convicção de que eram verdadeiros, garante aos jornalistas um “breathingspace” para o erro, imprescindível para a sua subsistência».
A doutrina do TEDH foi acolhida e sintetizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.6.2011, João Bernardo, 1272/04, nestes termos: «A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra. Não o ignora no artigo 10.º, n.º2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão. Esta construção levou aquele Tribunal a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º2. E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte: A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas; Na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH
No que tange a juízos de valor (por contraposição a factos), o TEDH enfatiza que os mesmos são insusceptíveis de serem sujeitos à prova da verdade, devendo “haver uma base factual suficiente, pois quando não têm qualquer sustentabilidade em factos não podem deixar de se considerar excessivos” - IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, Op. Cit., pp. 78-79.
E, mais adiante, a mesma autora clarifica a doutrina do TEDH assim: “A exigência da prova da verdade como pressuposto de validade dos juízos de valor impediria a imprensa de publicar uma parte considerável de artigos e opiniões de manifesto interesse público, restringindo intoleravelmente a liberdade de expressão, maxime a liberdade de imprensa, no exercício da sua função pública de enorme importância”Op. Cit., p. 301.
Como bem assinala ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A Influência da CEDH no Diálogo Interjurisdicional”, in Revista Julgar, Nº 7- 2009, p. 39, «Os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional».
Desta forma, há que tomar em devida consideração a jurisprudência do TEDH, não podendo os Tribunais nacionais deixar de ponderar nas soluções jurisprudenciais decorrentes daquele Tribunal, já que a jurisprudência relativa à liberdade de expressão construída na interpretação e aplicação do artigo 10º do CEDH oferecem critérios de grande utilidade para os tribunais nacionais - neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.5.2013, Ondina Carmo Alves, 5394/08.
-…-”

- Quid juris?

Sinopse, do Direito a ponderar/aplicar:
-Constituição da República Portuguesa/CRP; Lei da imprensa/Lei 2/99 de 13-1; Código Civil/CC e Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH.

Dispõe o artº29º, nº1 da Lei da Imprensa que:
- Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais que enformam o instituto da responsabilidade civil, nomeadamente na sua vertente extracontratual.
O objecto da presente acção, tal como emerge da petição inicial, perfilha-se claramente no domínio da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.
Significa isto que se torna necessário proceder à análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos enunciados no artº483º, do CC, o qual estipula que:
1- Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2- Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
O dever de reparação, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação destes requisitos: 
- A existência de um facto voluntário do agente e não de um mero facto natural causador de danos;
- A ilicitude desse facto;
- Que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante;
- Que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele.
Sobre o instituto da responsabilidade extracontratual, por todos, veja-se, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª Ed., pag.473.
Por sua vez, o nº 2 do aludido artº29º da Lei da Imprensa, estabelece que:
- No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.
A Constituição da República Portuguesa regula no seu artº37º, nº1 que:
- As liberdades de expressão e informação, garantindo que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
E segundo o artº25º, nº1 da CRP:
- A integridade moral e física das pessoas é inviolável e com o direito ao bom nome e reputação do artº26º, nº1 - a todos são reconhecidos o direito ao bom nome e reputação - se há-de definir em concreto, a medida do sacrifício de cada qual para que, a final, todos esses direitos, com igual consagração e protecção constitucional, possam coabitar numa sociedade democrática.
Limites da liberdade de imprensa: Os que decorrem da Constituição e da Lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
É igualmente relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar – artº26º, nº1 da mesma CRP.
O artº70º CC prescreve que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, encontrando-se esta tutela geral da personalidade integrada por direitos como, por exemplo, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida íntima e familiar, etc.
E como ensinava, Orlando de Carvalho, “a personalidade humana é um prius da personalidade do Homem”in, Teoria geral do Direito Civil, Coimbra 1981, pag.161.
A privacidade enquanto bem e valor faz parte do chamado “catálogo axiológico dos povos”.
Os dois direitos são direitos fundamentais de personalidade e por isso são direitos inatos, absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis, “dada a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo” (Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto).
Assim, em caso de conflito entre ambos, há-de fazer-se apelo ao artº335º do CC que dispõe que: havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
Conforme se refere no acórdão do STJ de 26.09.00, in CJ, tomo III, p. 42, nessa eventualidade, e por aplicação do disposto no citado artº335º do CC, há que entender que a liberdade de expressão não possa e não deva atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
Se há um qualquer interesse público a prosseguir com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais.
Se o interesse de quem informa se situa no domínio do privado sem qualquer dimensão pública o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação - Acórdão do STJ de 14.01.10, in, www.dgsi.pt.
Há ainda que atentar no disposto no artº80º, nº2 do CC onde se pode ler que a extensão da reserva é definida conforme o caso e a condição das pessoas.
São estes dois elementos, um objectivo e outro subjectivo, em função dos quais se delimita a protecção do titular do direito.

Dispõe o artº562º do CC que:
- Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado precisamente nesta norma legal, que a reparação se faz por reconstituição natural. Quando esta não for possível, a indemnização far-se-á em dinheiro – artº566º, nº 1 do CC.
Nos termos do artº564º do CC, há que ter em conta os danos danos emergentes e os lucros cessantes.
E os danos patrimoniais, quando pela sua gravidade, a tutela do direito, os danos de natureza não patrimonial ou moraisartº496º, nº 1 do Código Civil.
Nos termos do artº566º do CC, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
E tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.
Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Tem-se entendido que merecem a tutela do direito os danos que “espelhem uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento, que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornem inexigíveis em termos de resignação” (Ac. Rel. Coimbra de 5/06/1979, CJ, tomo 111, pág. 892; e a nível doutrinal, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Tomo I, pag.572).
A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada e aprecia-se em função de tutela do direito – sobre este ponto, vide, Vaz Serra, in, RLJ, 109, pag.115.
Para a fixação da indemnização compensatória, nos termos do artº496º, nº 3 do CC há que ter em conta a equidade e as circunstâncias referidas no artº494º do mesmo CC, ou seja, o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
Como princípio, a compensação visa proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor ou perturbação sofridas.
Voltando à liberdade de imprensa versus direito ao bom nome, honra e privacidade-
Há reconhecidamente um conflito entre os mencionados valores os quais não foram esquecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão/DUDHC (1789).
Sobre a resolução desse conflito e o comando do artº335º do CC (colisão de direitos) que nos obriga a valorar os interesses em jogo e aquilatar com equilíbrio em que termos algum deles ultrapassou o limite legalmente permitido vejam-se os exaustivos acórdãos do STJ de 14-2-2012 (Pº nº5817/07) e de 8-5-2013 (Pº nº1755/08.OTVLSB.L1S1), ambos publicitados in www.dgsi.pt.
Deixámos para o fim a análise da Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH porque, como lembra a sentença recorrida e nos termos do artº8º da CRP (integração na nossa ordem jurídica), enforma, primordialmente e de modo prevalecente, todo o nosso ordenamento jurídico.

Dispõe o artº10º da CEDH que:
1- Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (...)
2- O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do Poder Judicial.

Acerca da dimensão e limites do direito em estudo (liberdade de informação/direito ao bom nome) existe abundante jurisprudência do Tribunal Europeu do Direitos do Homem/TEDH,  a qual está analisada, sistematicamente, por quem participou nela, longos anos e de modo activo: Ireneu C. Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em especial e para o caso sub judice, anotação ao artº10º, fls.274 a294, 2016, 5ª Edição Revista e actualizada, Almedina.

O segmento da sentença recorrida a sindicar é o seguinte:
-...
A NOTÍCIA PUBLICADA NO ... DA ... DE 31.3.2014
No dia 31.03.2014, foi publicado na página 13 do Jornal “... da ...”, a notícia com o título “Milionário acusado de agredir por 100€”, para a qual remete uma chamada de primeira página, que está no canto superior esquerdo da capa do mesmo jornal. Na página 13, os títulos e subtítulos da notícia são os seguintes: «ALCABIDECHE – QUEIXA CONTRA EMPRESÁRIO APRESENTADA NA GNR” “Milionário acusado de agredir por 100 €” “Manuel ... terá empurrado empregada doméstica, que caiu, em discussão”
No corpo do artigo, pode ler-se o seguinte: “O milionário Manuel C. ... enfrenta na GNR uma queixa por agressões que foi apresentada sábado de madrugada no posto de Alcabideche, em Cascais, por uma empregada doméstica com quem se desentendeu por causa do valor do salário que a mesma tinha de receber. Em causa estava uma discussão por 100 euros e a vítima acabou no hospital. A empregada doméstica, interna, estava em casa da família há três meses. E desentendeu-se com o patrão quando se preparava para deixar de trabalhar no local. O salário da mulher seria de 800 euros mensais, mas, segundo fonte da GNR, Manuel C. ... queria entregar-lhe apenas 700 euros. Em plena discussão a mulher foi empurrada, caindo depois no chão da cozinha, apresentando algumas escoriações numa perna e num braço. Quando a mulher saiu de casa ainda chamou a GNR, que se dirigiu à Quinta da T..., na M... da S.... Uma patrulha de militares deslocou-se ao local, inteirou-se da situação e aconselhou a queixosa a deslocar-se ao hospital de Cascais. A queixa-crime foi formalizada pela vítima já na madrugada de sábado após ter sido atendida naquela unidade hospitalar. O caso participado vai ser agora investigado. A mulher tem agora de fazer exames no Instituto Nacional de Medicina Legal se quiser avançar com a queixa no Ministério Público. Manuel C. de ... ..., 68 anos, nasceu numa das famílias mais ricas e influentes do País. Pertence ao conselho de administração da REN, onde detém 5,8 por cento das acções. Em 2008 ocupava a 20ª posição dos homens mais ricos do País, com uma fortuna avaliada em 332 milhões de euros. O CM tentou ontem à noite contactá-lo, mas sem sucesso.”

A notícia vem ainda acompanhada de um fotografia do visado, em cuja legenda se pode ler “Manuel ..., 68 anos, é acusado de ter tido discussão violenta por causa de ordenado”, bem como, das seguintes referências: “Quarto filho – Manuel ... é o quarto filho do falecido António ...” e “Dois mil milhões - Manuel ... herdou com os irmãos uma fortuna de dois mil milhões de euros”, as quais vêm dispostas na parte “Pormenores”.
Atento o teor da notícia, cumpre testar a teoria do triplo limite do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o direito de informar deve prevalecer sobre o direito à honra e direitos de personalidade similares desde que a notícia em causa cumpra os seguintes requisitos: (i) seja dada na prossecução de interesse público legítimo; (ii) seja verdadeira; (ii) seja transmitida com proporcionalidade e adequação. Em primeiro lugar, a notícia é verdadeira: a agressão ocorreu (factos provados 1 a 3) e foi precedida por uma discussão sobre se um valor de cem euros era ou não devido a título de ordenado. Durante a agressão, a vítima foi empurrada tal como consta da notícia, caindo no chão da cozinha. A notícia indica como lesões "algumas escoriações na perna e num braço" e no relatório do Hospital de Cascais consta que, após a agressão e na ida ao hospital, a vítima apresentava "trauma na mão esquerda e perna esquerda com dor local". Apesar das palavras empregues na notícia não coincidirem com o teor textual do relatório do Hospital, reportam-se a uma mesma realidade: a existência de uma lesão numa perna na sequência de agressão que finda com a vítima caída no chão. Numa queda no chão, na sequência de ato de empurrar, é natural que a vítima se tente proteger com a mão e o braço pelo que a menção ao braço na notícia, que não à mão, é despicienda, tanto mais que se provou que a vítima caiu sobre o seu lado esquerdo (perna, anca e mão). As menções à situação patrimonial e familiar do Autor constantes na notícia também são verdadeiras (cf. factos 11 a 18), sendo que o Autor não se insurge contra tais menções em si. O dever do jornalista de actuar com a diligência exigível com vista à recolha de informação de fonte idónea e de testar a informação de modo a assegurar a sua fidedignidade e objectividade é procedimental e instrumental em relação ao dever de noticiar factos verdadeiros.20 Assim, provada a veracidade da imputação - como é o caso - não há que curar até que ponto foi cumprido tal dever. Ou seja, o que interessa é aquilatar do cumprimento do dever principal (noticiar factos verdadeiros), só havendo que analisar o cumprimento dos deveres acessórios- em que se incluem a audição da contraparte com interesses atendíveis, no caso, o Autor - se sucumbir o cumprimento daquele dever principal. Nesta medida, fica prejudicada a apreciação do alegado incumprimento pelos Réus do dever de ouvir, previamente, o Autor antes da publicação da notícia - cf. factos 19 a 21 e 28.A notícia tem uma redacção sóbria e equilibrada, sendo claro que ao autor é imputada uma acusação, já formulada em queixa, por parte da empregada que foi agredida. Os factos relatados são verdadeiros e devidamente contextualizados. A notícia não formula juízos de valor sobre a conduta do Autor, v.g., não qualifica a conduta do Autor como odiosa, vergonhosa, etc. Cinge-se aos factos. A notícia não contém expressões sensacionalistas ou exageros. Não é feito um ataque pessoal e gratuito ao Autor com intuitos meramente ofensivos ou persecutórios, de pura malquerença pessoal.
A notícia foi dada no âmbito da prossecução de um interesse público legítimo?
Atenta a matéria de facto provada sob 11 a 18 e 43, infere-se que o Autor constitui uma figura pública involuntária (cf. IOLANDA BRITO, Op. cit., p. 47), conceito que surge por oposição ao conceito de figura privada como «todo o cidadão anónimo, que vive no recato da sua existência, assistindo passivamente ao desenrolar dos acontecimentos que fazem história, mais ou menos ampla, de um povo» (IOLANDA BRITO, Op. cit., p. 45).
Uma figura pública está, por natureza, sujeita a um maior escrutínio dos seus concidadãos e da imprensa. Nas palavras de IOLANDA BRITO, Op. cit., pp. 75-76,«De acordo com os princípios gerais que resultam da sua jurisprudência sobre o artigo 10º da CEDH, a imprensa desempenha um papel de "cão de guarda"».
(20) Conforme refere PAULO MARTINS, Op. cit., p. 167, «A questão da audiência prévia constitui, nesta medida, um meio do cumprimento do dever de verdade - logo , de assegurar o rigor - já que permite a confirmação das informações." ("watchdog"), fundamental numa sociedade democrática, incumbindo-lhe a divulgação de informação e opiniões sobre todas as questões de interesse geral, nos termos dos deveres e responsabilidades que lhe são impostos, não ultrapassando os limites exigidos pela defesa da reputação. No entanto, esses limites serão mais amplos quando o visado for uma figura pública, como um político, e não um simples particular, na medida em que aquele, agindo na qualidade de personagem pública, se expõe, inevitável e conscientemente, ao escrutínio dos jornalistas e dos cidadãos em geral, devendo, por isso, mostrar maior tolerância perante o controlo atento das suas palavras e atitudes, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos.»

Tendo a agressão ocorrido sob o tecto da residência do Autor até que ponto deve ser levantado o véu da sua privacidade em razão do Autor ser uma figura pública?
Não é possível distinguir o plano da esfera privada do da esfera pública, de forma estanque e definitiva, porquanto «A regra é a da permanente comunicabilidade entre público e privado, tanto quais que mesmo factos pertencentes à esfera da privacidade ou até da maior intimidade podem tornar-se objecto de devassa e legítima discussão, quando produzem efeitos na vida pública, contendendo com o interesse comunitário» - PAULO MARTINS, O Privado em Público, Direito à Informação e Direitos de Personalidade, Almedina, 2013, p. 35.
Whittle e Cooper sistematizam em grupos as razões mais frequentes que têm justificado a invasão da privacidade de figuras públicas com fundamento no interesse público, designadamente: «§ Contradição entre o comportamento privado e o discurso público/valores publicamente defendidos. § Prestação de contas por figuras públicas. § Privacidade "pactuada" que "consiste na ideia de que se alguém recorre aos media para se promover, exibindo uma parcela da sua vida privada, não podem impedir que outras partes sem expostas» (PAULO MARTINS, Op. cit., p. 43).

Segundo os mesmos autores, justificam o interesse público na esfera jornalística os seguintes aspectos: «a exposição ou a detecção de crimes ou de comportamento anti-social; a possibilidade de evitar que as pessoas sejam enganadas por uma declaração ou acção de um indivíduo ou organização; a divulgação de informações que permitam tomar uma decisão informada sobre assuntos de interesse público ou revelem incompetência que afecte o público; a promoção de um debate informado sobre questões-chave; a promoção de prestação de contas e transparência das decisões e despesas públicas; o combate à fraude e corrupção; a promoção da concorrência; o contributo para que as pessoas entendam e possam contestar decisões que as atingem» - PAULO MARTINS, op. cit., p. 43.
Nas palavras de PAULO MARTINS, Op. cit., p. 45,«A avaliação do interesse público ergue-se , assim , a um patamar de exigência mais elevado. É necessário demonstrar que o acto ou conduta revelados têm conexão ou produzem efeitos na actividade da figura pública visada. A mera satisfação da curiosidade pública não corresponde à função social dos media». É necessário divisar uma relação útil entre a revelação dos factos da vida privada com as actividades públicas desempenhadas pelo indivíduo, nas quais radica o estatuto de figura pública. Como afirma JORGE WEMANS, «A exigência da opinião pública em querer saber quem e como são as figuras públicas que atravessam o espaço da notoriedade é democraticamente compreensível. Em momentos cruciais, todos suspeitamos que ninguém decide em função apenas daquilo que pensa, mas em função daquilo que realmente é como pessoa».
(21) No Acórdão do STJ de 14.6.2005, Nuno Cameira, 945/05, esta mesma ideia transparece no seguinte segmento: «(…) a invocação do direito de informar no art.37º , nº1, da Constituição, não legitima a conduta do lesante se não houver qualquer conexão entre as imagens ou factos divulgados pertencentes ao foro privado do lesado e a actividade profissional por ele desempenhada que originou a sua notoriedade pública».(21) O "Público" em Público - As Colunas do Provedor do Leitor, Coimbra, Minerva, 1999, p. 64, apud PAULO MARTINS, Op. cit., p. 45.
Ora, o Autor é um empresário conhecido do público português, desde logo pela família de que provém, bem como pela actividade que exerce no mundo empresarial - cf. factos 11 a 18. Tem sido sempre visto, no meio social e profissional onde se insere, como um homem íntegro e honesto. Como empresário, o Autor atua materialmente como entidade patronal de mais de 300 pessoas (facto 12).
No conflito que ocorreu entre o Autor e a sua empregada, o Autor actuou nas vestes de entidade patronal, sendo o dissídio ocasionado pela discussão sobre o montante a pagar pelo Autor à sua empregada. O Autor negava-se a pagar um valor de cem euros que acabou por pagar mais tarde. A qualquer empresário - e sobretudo a alguém com a história pessoal do Autor, empresas detidas e fortuna pessoal - é exigível e expectável que actue com lisura de procedimentos e honre os compromissos assumidos, desde logo os salários convencionados com os trabalhadores. Não é socialmente aceitável que um empresário como o autor não tenha a capacidade de dirimir dissídios - enquanto entidade patronal - de forma pacífica, chegando - pelo contrário - à agressão física de uma mera empregada doméstica. Existe uma notória antítese entre o comportamento do Autor enquanto entidade patronal sob o seu tecto e a imagem que o Autor beneficia e procura aos olhos da sociedade enquanto empresário e entidade patronal de muitos trabalhadores.
Em suma, existe uma conexão intrínseca e comunicante entre os factos relevados e a actividade pública do Autor, enquanto empresário, homem íntegro e honesto e apoiante de projectos sociais.
Em segundo lugar, existe uma contradição notória entre o comportamento privado do Autor na sua casa e o comportamento público do mesmo enquanto empresário, visto como um homem íntegro e honesto. A conduta do Autor contraria a imagem de que beneficia e que procura enquanto figura pública. Não pode o Autor ser, e aparentar ser, impoluto na esfera pública e actuar desta forma na esfera privada.
Em terceiro lugar, a notícia expõe um crime e um comportamento anti-social, inusitado, desproporcionado face ao contexto e discussão que o gerou.
Por todo o que fixa exposto, concluímos que a notícia foi dada no âmbito da prossecução de um interesse público legítimo.
Foi invadido, legitimamente, o direito de resguardo do Autor. Assim não ocorreria se, a título meramente exemplificativo e académico, a notícia publicada consistisse numa destas situações:(i) agressão do Autor a familiar no âmbito de uma discussão; (ii) ou se fosse noticiado uma alegada relação sentimental do Autor com a empregada ou outrem.
Nestas hipóteses académicas - a que se recorre para clarificação do raciocínio - é manifesto que as notícias não teriam qualquer relação útil com a actividade pública desempenhada pelo Autor, sendo a sua divulgação ilícita.

OS COMENTÁRIOS ONLINE À NOTÍCIA.
A notícia em causa pode ser consultada no "... da ..." em suporte digital, sob o título "Milionário acusado de agredir por 100 euros", sendo acompanhada por comentários feitos pelos leitores (facto 30).
Alguns desses comentários consubstanciam um puro ataque pessoal ao autor e respectiva família, visam achincalhar o autor, sendo manifestamente soezes e ofensivos da honra e consideração do autor.
Tais comentários excedem, claramente, o âmbito de uma crítica civilizada e razoável, que vise a formação e reforço da consciência social. Entre os comentários que assumem tal enfoque destacamos os seguintes: § “O Sr. Manuel ..., sujou o seu fato de alpaca burrou as suas luvas de pelica salpicou a sua camisa com as lágrimas da humilhação que fez passar à empregada Conclusão homem muito pequeno sem estrutura intelectual”;§ “O empreendorismo lusitano parolo, manhoso e conservador do tecido empresarial da aldeia. O miserabilismo recorrente que por isso, para pagar salários e por comida na mesa necessita de empréstimos do exterior!”;§ “O Sr. Manuel ... não tem vergonha de se baixar a um nível destes com uma funcionária. Quando morrer leva os cem euros para a cova serve para lhe comprar flores. Estes patrões estão mesmo egoístas querem é gosma”;§ “Foi das pessoas mais parvas que eu lidei até hoje foi este rico e muito pobre, é um miserável”;§ “Já um familiar creio que o irmão deste foi morto à facada ou à martelada por um ex-empregado, certamente por serem 'boas pessoas'. São uma vergonha social!”;§ “Não lhes chegou a machada que um empregado explorado deu num deles há alguns anos atrás! Abutres, depois vêm com "fundações" a fingir caridade! Facínoras!”;§ “Esta família não tem maneiras... o outro lixou-se por causa do caseiro e este agora com a criada”.
A questão que aqui emerge é a seguinte: em que medida a 1ª e 2º Réus respondem pela existência e divulgação de tais comentários online à notícia que revestem caracter ofensivo?
Os comentários online pretendem estabelecer uma relação mais próxima com os utilizadores do site do jornal, tendo em vista fidelizá-los. «O utilizador move-se na internet de acordo com os seus interesses, gostos e desejos, e decerto que se tornará mais assíduo em sítios que permitam que expresse as suas ideias de forma mais fiel possível e mais célere, já que essa é uma das características do meio por excelência…» - EULÁLIA PEREIRA/MARGARIDA ALMEIDA/PEDRO PUGA, "Liberdade de Expressão e a Regulação dos Comentários Online", p. 93, in AA. VV., Informação e Liberdade de Expressão na Internet e a Violação de Direitos Fundamentais, Lisboa, 2013. Como refere pertinentemente MARIA DE LURDES LOPES, "Valoração Jurídico Criminal de Comentários Violadores do Direito à Imagem e ao Nome e Apologéticos de Violência, Discriminação ou Intolerância Étnica, Racial e de Género", p. 55, in AA. VV., Informação e Liberdade de Expressão na Internet e a Violação de Direitos Fundamentais, Lisboa, 2013, «A Internet, pelas suas características - centralidade da autonomia individual, interactividade, diversidade de conteúdos, descentralização da autoridade, possibilidade de anonimato - potencia a criação de uma ideia de licitude dos conteúdos disponibilizados e dos comportamentos assumidos, suscitando nos usuários a adopção de actos que retrairiam (e eventualmente recriminariam) em ambiente real». Todavia, os limites à liberdade de expressão são os mesmos quer para o ecossistema virtual quer para o mundo real, sendo a ação a mesma do ponto de vista material, diferindo apenas o meio pelo qual é concretizada. Conforme referem incisivamente EULÁLIA PEREIRA et al, op. cit., p. 96, «Não obstante estarmos perante um espaço de discussão, que se quer público e o mais amplo possível e onde a liberdade de expressão deve ser salvaguardada, a verdade é que a divulgação destes conteúdos não cai nem num vazio legal nem num vazio de regulação. Relativamente às publicações periódicas electrónicas, a ERC tem defendido que "estamos perante a versão electrónica de um jornal editado por uma empresa que prossegue "actividades de comunicação social", e que, no essencial, corresponde à versão em papel com o mesmo título. Um jornal "online" não constitui, assim, um género diferente relativamente às publicações não digitais, e, muito menos relativamente à sua versão em papel". O entendimento que tem sido postulado pela ERC é que a estas publicações deve aplicar-se, com as necessárias adaptações, a Lei da Imprensa. Com efeito, o seu artigo 9º da lei referida ao dispor que "integram o conceito de imprensa (…) todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado". Através da formulação "qualquer que seja o modo de distribuição utilizado", o legislador deixa clara a intenção de incluir no âmbito de aplicação da Lei da Imprensa as publicações periódicas electrónicas» - cfr. Peter Schneider publicou um cartoon no jornal New Yorker, em 5.7.1993, que define bem o anonimato na internet:"On the internet, nobody knows you're a dog."
Concordamos, inteiramente, com a interpretação assim propugnada sob pena desta realidade cair num vazio legal inadmissível.
E prosseguem tais Autores mais à frente, pp. 97-98, nestes termos, que subscrevemos: «(…) os espaços dedicados a comentários de leitores são espaços dos OCS, destinados aos leitores ( um serviço) e não, stricto sensu, espaços dos leitores. São ferramentas/serviços do próprio OCS, proporcionados, livremente, aos leitores pelos próprios OCS. Um OCS não deixa de sê-lo por estar online. Do mesmo modo, um espaço disponibilizado pelo próprio OCS, no seu próprio sítio online, sob a sua chancela - a sua marca -, não deixa de estar sob a responsabilidade editorial do mesmo. Não está aqui em questão a liberdade de expressão dos leitores, mas o direito, e dever, dos OCS moderaram um espaço criado pelos próprios, sobre a sua alçada, nos seus próprios sítios electrónicos. A presença dos OCS online não pode estar subjugada à lógica de um mero fórum de discussão online, com termos de uso e condições de utilização frágeis e moderação inexistente ou débil».
Os comentários online podem estar sujeitos a vários mecanismos de validação/moderação/controle, entre os quais se destacam: (i) um filtro informático que bloqueia determinadas palavras pré-definidas; (ii) um mecanismo de pós-validação através da denúncia; (iii) a pré-validação de todos os comentários antes da sua publicação. Este método é o mais eficaz e é seguido, actualmente, pelo jornal "Público" - cf. EULÁLIA PEREIRA et al, pp. 99-101.
Os Réus não controlaram o conteúdo dos comentários publicados, antes ou depois de serem postados, de tal modo que os mesmos ficaram acessíveis online.
Ora, nos termos do Artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei da Imprensa, "ao director competente: orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação". Nesta medida, cabe ao director a decisão de publicar ou não determinado comentário. «Esta decisão, que se traduz num ato de validação ou não, configura-se como um ato de natureza editorial, uma vez que pressupõe a análise e selecção dos comentários que vão ser publicados ou então envolve a decisão de abrir um espaço de comentários às notícias divulgadas online» - EULÁLIA PEREIRA et al, Op. cit., pg. 98.
Mesmo que não estivesse directamente provada a inércia do Réu director, como está, sempre ocorreria uma presunção do conhecimento pelo mesmo do teor dos comentários publicados na medida em que «o tribunal pode inferir o conhecimento e aprovação pelo director da publicação periódica de notícia nele inserida, por lhe caber a responsabilidade última pela determinação do respectivo conteúdo, a menos que se provasse que nada teve a ver com ela, por quaisquer razões circunstanciais» - Acórdão do STJ de 21.9.2010, Cardoso de Albuquerque, 4226/06.
O 2º Réu não impediu a publicação de tais comentários ofensivos, como devia ter feito, incorrendo em responsabilidade civil perante o Autor - cf. Artigo 29º, nº1, da Lei da Imprensa e Artigo 483º do Código Civil.
A Ré ... responde solidariamente com tal Réu - cf. Artigo 29º, nº2, da Lei da Imprensa.
A responsabilização do sítio electrónico que publica comentários ofensivos já foi sancionada por duas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ambas proferidas no caso Delfi AS V. Estónia - 64569/09, uma primeira em 10.10.2013 e a segunda, em 16.6.2015, confirmando a primeira e proferida pela Grande Câmara.
Os factos desse caso são os seguintes: um dos maiores portais electrónicos da Estónia publicou um artigo sobre uma companhia de ferries, sendo que tal artigo deu azo a comentários online com ameaças pessoais ao proprietário da companhia e linguagem ofensiva contra o mesmo. Este processou o portal, o qual foi condenado a pagar a quantia de € 320 por danos. O TEDH considerou que a condenação do tribunal nacional não violou o Artigo 10º da CEDH, atendendo nomeadamente: postados em reacção a um artigo postado no portal dá ao carácter injurioso e ameaçador dos comentários; ao facto de ter sido uma empresa, gerido por esta numa base comercial; à insuficiência de medidas adoptadas em concreto para evitar danos e para assegurar a possibilidade realista de os comentadores serem responsabilizados; à moderada sanção aplicada pelo tribunal nacional.
Na síntese feita pelo próprio TEDH, a decisão proferida pela Grande Câmara, em 2015, escudou-se nesta argumentação, http://www.echr.coe.int/Documents/CLIN_2015_06_186_ENG.pdf: «(…) As regards the necessity of the interference with the applicant company’s freedom to impart information, the Court attached particular weight to the professional and commercial nature of the applicant’s news portal, and to the fact that it had an economic interest in the posting of comments. Moreover, only the applicant company had the technical means to modify or delete the comments published on the news portal. Against this background, the applicant company’s involvement in making public the comments on its articles on the portal went beyond that of a passive, purely technical service provider. As to whether the liability of the actual authors of the comments could serve as an alternative to the liability of the Internet news portal, the Court recalled that anonymity on the Internet, although an important value, had to be balanced against other rights and interests. In reaching this conclusion, it was mindful of the interest of Internet users in not disclosing their identity, but also pointed to the sometimes very negative effects of an unlimited dissemination of information on the Internet. In this regard, the Court referred to a judgment in which the Court of Justice of the European Union (CJEU) had found that the individual’s fundamental rights, as a rule, overrode the economic interests of the search engine operator and the interests of other Internet users.1 Moreover, the Internet allowed for different degrees of anonymity, with providers sometimes being the only ones able to identify Internet users that wished to remain anonymous vis-à-vis the public. In the present case, the uncertain effectiveness of measures allowing the establishment of the identity of the authors of the comments, coupled with the lack of instruments put in place by the Internet portal with a view to making it possible for a victim of hate speech to effectively bring a claim against the authors of the comments, supported the domestic courts’ view that the injured person had to have the choice of bringing a claim against the applicant company or the authors of the comments. As to the measures taken by the applicant company to tackle the publication of unlawful comments on its portal, an obligation for large news portals to take effective measures to limit the dissemination of hate speech and speech inciting violence could not be equated to “private censorship”. In fact, the ability of a potential victim of such speech to continuously monitor the Internet was more limited than the ability of a large commercial Internet news portal to prevent or remove unlawful comments. Notwithstanding certain mechanisms to deal with comments amounting to hate speech or speech inciting to violence actually in place on the applicant company’s website, which could function in many cases as an appropriate tool for balancing the rights and interests of all involved, they had been insufficient in the specific circumstances of the case, as the unlawful comments had remained online for six weeks. Finally, a sanction of EUR 320 imposed on the applicant company could by no means be considered disproportionate to the breach established by the domestic courts. It also did not appear that the applicant company had had to change its business model as a result of the domestic proceedings. It followed from the above that the domestic courts’ imposition of liability on the applicant company had been based on relevant and sufficient grounds and had not constituted a disproportionate restriction on its right to freedom of expression. Conclusion: no violation (fifteen votes to two)».
Flui do exposto que se impõe a responsabilização da 1ª Ré e do 1º Réu pela publicação dos comentários ofensivos ao Autor.

O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESPOSTA PELO AUTOR.

A 1ª Ré não respeitou, integralmente, o direito de resposta do Autor porquanto a resposta foi publicada sem uma nota de chamada na primeira página da edição em causa em desrespeito pela lei - cf. facto 33 e Artigo 26º, nº4, da Lei da Imprensa.
Todavia, cabia ao Autor reagir a tal cumprimento defeituoso nos termos do Artigo 27º, nº1 da Lei da Imprensa, recorrendo ao Tribunal no prazo de dez dias e para a Alta Autoridade para a Comunicação Social - cf. Acórdãos do TCAS de 17.4.2008, Cristina Santos, 02976/07, de 7.12.2011, Paulo Gouveia, 04864/09.
Desconhecemos se o fez, não cabendo analisar ou sancionar tal cumprimento defeituoso no âmbito deste processo porquanto o exercício de tais direitos estava sujeito a prazo de caducidade.

A INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS CAUSADOS AO AUTOR
Os comentários acima analisados e identificados ofendem a honra e consideração do Autor.
Subscrevendo a posição de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O direito geral de personalidade, 1995, p. 117, diremos que «(...) poderemos definir positivamente o bem da personalidade humana jus-civilisticamente tutelado como o real e o potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo , unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrados».

Trata-se de um bem jurídico global, unitário e que está delimitado pela estruturados poderes e deveres que integram o seu conteúdo normativo, pelos efeitos de negócios jurídicos emergentes da autonomia privada, por direitos de outrem, por deveres do seu titular, pelas regras da colisão de direitos, pela ponderação de causas justificativas da ilicitude e da culpa e pela não indemnizabilidade dos danos não patrimoniais sem gravidade.

A personalidade moral da pessoa integra, além da reserva da vida privada, o valor da honra.

Colhendo novamente o ensinamento de CAPELO DE SOUSA, Op. cit., pp. 303-305, diremos que: «A honra jus-civilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (...) em sentido amplo, inclui também o bom nome a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. (…) Estes bens são tutelados jus-civilisticamente impondo às demais pessoas, não fundamentalmente específicos deveres de acção, mas um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas, ou mesmo de ameaças de ofensas à honra alheia, sob cominação das sanções previstas nos Arts.70º, nº2 e 483º do Código Civil. Assim, a tutela civil da honra não se limita às áreas específicas da honra cuja ofensa é mais gritante, como acontece no direito penal, antes abrange a globalidade desse bem» - Cf. CAPELO DE SOUSA, Op. cit., p. 607, nota 8 e pp. 515 a 555.
E, mais à frente, continua tal autor, Op. Cit., p. 306, «(…) a protecção jus-civilística da honra não se restringe, como no direito penal, ao sancionamento de condutas dolosas mas também alcança a defesa face a condutas meramente negligentes”, sendo de assinalar e fazer relevar que “no direito civil não há uma taxatavidade de modos típicos de violação do bem honra, relevando todas as ofensas à honra não só em público, mas também em privado, quer verbais, quer por escrito, gestos, imagens ou outro meio de expressão, tanto as que envolvam a formulação de difamações ou outros juízos ofensivos como as que levantem meras suspeitas ou interrogações de per si lesivas e mesmo quaisquer outras manifestações de desprezo sobre a honra alheia. Tudo isto, porém, sem prejuízo de uma graduação da ofensa em função da particular importância da área violada do bem honra, do grau de intensidade do dolo ou da negligência e da especial expressividade do modo de violação».
MARIA PAULA G. ANDRADE, Da ofensa do crédito e do bom nome, Tempus Editores, 1996, p. 97, descreve a honra como: «(...) bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso».

A honra representa, afinal, fundada pretensão de respeito da pessoa no contexto das relações de comunicação e interacção social em que é chamada a viver.
A lesão da honra traduz-se, deste modo, na violação de pretensão de respeito decorrente da dignidade devida à pessoa humana.
Tal violação implica um juízo de prognose póstuma no sentido de constatar se o facto imputado ou juízo formulado constitui meio adequado para depreciar socialmente a vítima, sendo certo que a depreciação dependerá das valorações sociais do meio em que a conduta ocorreu.
A lesão efectiva-se quando a imputação ou juízo formulado é compreendido ou entendido pelo destinatário.
O Artigo 484º do Código Civil, sob a epígrafe de Ofensa do crédito e do bom nome, estatui que, “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
O crédito e bom nome não constituem categorias com autonomia face à honra.
Para efeitos deste preceito, o bom nome será aquela fama ou reputação que o lesado goza junto dos demais (honra numa vertente externa) e o crédito traduz-se no bom nome negocial - Neste sentido, M. GOUVEIA ANDRADE, Op. cit., p. 35, maxime Nota 78.
No que tange à fixação da indemnização por este dano não patrimonial há que atentar no seguinte.
Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade de danos não patrimoniais há que atentar que na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral – Artigo 70º , nº1 do Código Civil.
Essa organização“(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivo ( v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções ( v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados ( p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades ( os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.)” – CAPELO DE SOUSA, O Direito geral da personalidade, 1995, Coimbra Editora, p. 200.
E mais adiante, p. 458, afirma tal autor “Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.” Neste sentido, M. GOUVEIA ANDRADE, Op. cit., p. 35, maxime Nota 78.
Como explica MOTA PINTO, Teoria Geral Do Direito Civil, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1991, p. 115, "Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal".
Nos termos do Artigo 496º, nº1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº3 do mesmo preceito, “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.”
O legislador ficou, assim, como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (Artigo 496º, nº3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º).
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva.
Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (Artigo 496º, nº1). A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º) – cf. mais desenvolvidamente, PAULA MEIRA LOURENÇO, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 283-291, 415-416.
O Artigo 496º, nº1 do Código Civil confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custas ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.95, Lopes Pinto, CJ Ac. STJ 1995 – I, p. 233.
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objectivo e não por um padrão subjectivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada.
Na fixação do montante da indemnização deve também atender-se aos padrões adoptados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes - cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Ensina a este propósito MENEZES CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lex, 1997, pp. 482-483, que: Quando estejam em causa valores morais – portanto: atinentes à pessoa, à família, à dignidade, à saúde e ao bom nome – a responsabilidade civil deve assumir uma postura mais avançada, retribuindo o mal e prevenindo ofensas (…) Há, pois, que facilitar a imputação aquiliana, no tocante a danos morais, quer aligeirando – tanto quanto a correta interpretação da lei o permita – os seus pressupostos, quer reforçando as indemnizações”.
Enquanto o lucro obtido com a conduta ilícita for superior às eventuais e diminutas quantias a atribuir ao lesado pela produção dos danos não patrimoniais, os agentes económicos não hesitarão em colocar em causa bens jurídicos valiosos (a vida, integridade física, honra, imagem ou privacidade), perante a passividade da ordem jurídica. Nos atos ilícitos praticados contra a honra, para a reparação do dano não patrimonial, haverá que considerar a natureza, a gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política – cf. NUNO E SOUSA, A liberdade de imprensa, Coimbra, 1984, pp. 269-270; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.4.2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Note-se que a divulgação através da imprensa e, sobretudo, através da internet como foi o caso dos comentários em análise, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, constitui um meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora de dano, “(…) seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a , deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público”– JOÃO LUÍS MORAIS ROCHA, Lei da Imprensa, 1996, p. 100.
Vivemos numa sociedade sob o signo do individualismo, o qual «não provoca apenas o culto do bem-estar e do corpo, da autonomia e da expressão, acentua[ndo] o desejo de cada um ser tratado como uma pessoa digna de respeito e consideração, a todos os níveis de existência privada e profissional, intensifica[ndo] a exigência de reconhecimento individual e a rejeição dos sinais de humilhação, outrora bastante tolerados (…)»GILLES LIPOVETSKI, O crepúsculo do dever – A ética indolor dos novos tempos democráticos, D. Quixote, 1994, pp. 317-318.
Prossegue tal autor: “o reino pós-moderno do indivíduo não se esgota na classificação competitiva de uns em relação aos outros, no “heroísmo” do vencedor e da autoconstrução de si próprio; ele é inseparável de uma procura acrescida de qualidade de vida e de consideração individual, incluindo agora a relação com o trabalho”.
Já na obra de William Shakespeare, Otelo, Ato III, Cena III, Europa-América, s/d, pp. 64-65, a personagem Iago afirmava: “o bom nome em homem ou mulher, querido senhor meu, é a jóia mais preciosa das suas almas: quem rouba a minha bolsa , rouba um rebotalho, quase nada; foi minha, é de outro e tem sido escrava de milhares; mas aquele que me rouba o meu bom nome, rouba-se aquilo que o não enriquece, e me faz realmente pobre”.

Com relevância para a fixação da indemnização, provaram-se ainda os seguintes factos:
i.-O autor é uma pessoa recatada, não exibe a sua casa, nem a sua família, tendo-se sempre pautado por discrição na sua vida pessoal e familiar
ii.-A publicação da notícia, na edição digital e com os cometários que lhe foram associados, concausou ao autor mágoa e sofrimento, pois viu a sua reputação, honra e intimidade da vida privada abaladas
iii.-A publicação da notícia, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados, foi objecto de comentários no meio profissional do Autor, que emprega centenas de pessoas
iv.-E teve uma grande divulgação junto da opinião pública.
v.-A publicação da notícia, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados, é apta a concausar-lhe um certo vexame e constrangimento, que o Autor sentiu no contacto diário com as pessoas, designadamente com os subordinados.
vi.-A edição digital do "... da ..." tem, por mês, mais de um milhão de visitantes
vii.-A propagação da notícia através da internet tem um efeito de propagação ilimitada.
viii.-O Autor nunca requereu que o artigo jornalístico fosse removido da edição online do jornal
ix.-A 1ª Ré é a dona do "... da ..." e faz parte do grupo "Cofina!, um dos mais importantes da comunicação social portuguesa.
Nestas circunstâncias, tendo em conta os factos apurados e ponderados, considerando o facto gerador do dano e suas efectivas consequências, a relevância dos danos e o grau de culpa do Réu director que actuou com dolo necessário, por um lado, e a inércia do Autor ao não requerer a remoção da notícia da edição online, sendo que é esta que despoleta os comentários (cf. Artigo 570º do Código Civil), por outro, entendemos que deverá ser atribuído ao Autor uma indemnização de € 10.000, já devidamente actualizada, a título de danos não patrimoniais.

O valor dos danos não patrimoniais, normalmente, é aferido no momento em que o julgador é chamado a decidir pois é nessa altura que o juiz tem oportunidade de analisar os sofrimentos que o lesado suportou desde que ocorreu o facto danoso.

Nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002, de 27.6., “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do Artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora , por efeito do disposto no Artigo 805º, nº3 ( interpretado restritivamente), e 806º, nº1, também do Código Civil , a partir da decisão actualizadora , e não a partir da citação.”

Sempre que o juiz nada diga acerca do carácter actualizador, ou não, da sua decisão, deve ela ser considerada actualizada , a menos que, como acontece , v.g. na indemnização de despesas feitas e , em geral, de quantias certas, seja óbvia a referência a data anterior – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.5.2003, Quirino Soares, acessível em www.dgsi.jstj/pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.3.2006, Gil Roque, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

Conforme já ficou expressamente consignado a indemnização fixada está actualizada com referência à data desta sentença. Pelo que os juros moratórios - que a lei presume jure et de jure que são o dano causado pelo atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias (Artigo 806º, nos 1 e 2 do Código Civil )são devidos apenas desde a data desta sentença.

PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA.
O Autor peticiona a publicação da sentença nos termos do Artigo 34º da Lei da Imprensa.
Nos termos do Artigos 34º, nº1 e nº4, da Lei da Imprensa, a sentença condenatória proferida em acção de efectivação de responsabilidade civil é - quando o ofendido o requeira, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado – obrigatoriamente publicada no próprio periódico, por extracto, do qual devem constar apenas os factos provados relativos à infracção cometida, a identidade do ofendido e dos condenados e a indemnização fixada.
Havendo uma condenação parcial decorrente apenas dos comentários já enunciados, os factos que devem constar do extracto são apenas os provados sob os números 22, 24, 25, 26, 30 (ii), (vi), (vii), (ix), (xiii), (xv), (xvii), 31 e 40.
-…-”
Focando-nos, no caso “decidendi”:
Estamos no domínio da liberdade de expressão e de opinião e com reflexo na denominada liberdade jornalística que permite a provocação e algum exagero desde que haja base factual.
O papel de “cão de guarda” da imprensa pressupõe uma informação impregnada de valores e que pode levar ao sacrifício da honra em situações excepcionais.
Como bem explica a sentença objecto de recurso, sendo a notícia verdadeira passa a ser secundário o “formalismo” inerente à publicação da mesma, o qual no essencial foi cumprido, como explicámos aquando do tratamento da Questão de Facto.
O decidido em termos de factualidade apurada e não apurada, prejudica o recurso do A., em matéria de Direito.
Isto porque, ao contrário do defendido pelo A., ficou definitivamente assente a agressão que sofreu a sua empregada Célia, na sequência da discussão que tiveram sobre o valor a receber pela última e em virtude da ocorrida ruptura laboral.
Quanto ao direito de resposta do A., reconhecemos que não foi devidamente cumprido por parte do jornal em causa, mas como também é dito na sentença recorrida, o meio de reacção (coercivo) para o efeito está legalmente previsto no artº27º, nº1 da Lei da Imprensa que abarca não só a recusa como, igualmente, a deficiente publicação da resposta.
Nesta acção, como frisámos inicialmente, cumpre aquilatar da existência, ou não, dos pressupostos da responsabilidade civil e previamente saber, se houve ou não, um uso excessivo da liberdade de expressão, materializado na ofensa da honra do A..
Mais uma vez, subscrevemos os fundamentos da sentença, quando considera que a notícia era de interesse público e o seu conteúdo ponderado e em conformidade com os factos que estiveram na sua base, como se provou nesta acção.
Ficou provado que o A. faz parte duma família conhecida em Portugal, designadamente, o seu falecido pai, António ..., pela sua relevante faceta empresarial e filantrópica (Fundação ...).
Como lembra o TEDH, aqueles que têm notoriedade da sociedade em que estão inseridos, seja no campo académico, político, económico ou qualquer outro (por exemplo desportivo) são particularmente escrutinados por essa mesma sociedade.
E dentro da sociedade, a imprensa tem um papel incontornável resumido na expressão emblemática de “cão de guarda” dos valores que a devem enformar.
De maneira paradigmática e exaustiva (citando-se abundante jurisprudência nacional/internacional e doutrina) escreveu-se no, relativamente recente, Acordão do STJ, de 21-10-2014 (relator: Gregório Silva Jesus) proferido no pº941/09.OTVLSB.L1.S1/1ª Secção e publicitado, in, www.dgsi.pt.:
“-…-
No plano dos instrumentos legais de natureza internacional, importa destacar que o art. 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04/11/1950, directamente vigente na ordem jurídica portuguesa ex vi do art. 8.º, n.º 2, da CRP, proclama, além do mais, que “qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar”.
Realce-se, outrossim, que o art. 16.º, n.º 2, da CRP, impõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devam ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 10/12/1948, a qual estabelece que ninguém sofrerá “ataques à sua honra e reputação(cf. o respectivo art. 12.º).
(…)
No plano da legislação ordinária, a Lei da Imprensa – aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13/01, entretanto alterada pelas Leis n.ºs 18/2003, de 11/06, e 19/2012, de 08/05 –, dispõe, igualmente, no seu art. 1.º, n.º 2, que “a liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”.
Idêntico reconhecimento tem assento, no ordenamento jurídico internacional a que Portugal está vinculado, em especial, nos arts. 19.° da DUDH – “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão” –, e 10.°, n.° 1, da CEDH“Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (…)”.
O exercício da liberdade de expressão e de informação, eventualmente, limitador de outros direitos de personalidade, deve, porém, obedecer (sempre) à realização de um interesse legítimo que será, por via de regra, um interesse geral ou um “interesse público”, enquanto conceito normativo, e não, meramente, “um interesse do público” só podendo a divulgação justificar a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais, na medida em que da mesma sobressaiam aqueles interesses, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas.
Delimitado o núcleo central da questão decidenda, e do feixe dos direitos que ali confluem, é importante acentuar que todos eles fazem parte do elenco dos direitos fundamentais, mas não são absolutos, pois que podem ser objecto de restrições, devendo as eventuais restrições limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que conduz necessariamente a conflitos.
A CRP não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom-nome e reputação, e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. art. 26.º, n.º 1), e o direito à liberdade de expressão e informação, através da imprensa, que estabelece (cf. arts. 37.º e 38.º).
Tratando-se qualquer deles de direitos fundamentais e invioláveis, mas admitindo o n.º 3, do art. 37.º da CRP, o estabelecimento de sanções para “as infracções cometidas no exercício” do direito de expressão e informação – ao contrário do que sucede para o caso do “direito ao bom nome” –, e assegurando o n.º 4, o direito a indemnização pelos danos sofridos com essas infracções – a par de o n.º 2 do art. 26.º assegurar o estabelecimento de garantias efectivas contra a utilização abusiva de informações relativas às pessoas e famílias –, poder-se-ia ser levado a concluir que se procedeu a uma hierarquização dos direitos em confronto, de modo a que o direito à livre expressão ceda perante o direito ao bom-nome e reputação, prevalecendo os direitos de personalidade sobre os direitos menos importantes.

Contudo, a prevalência do direito à honra e ao bom-nome, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que a afirmação, embora potencialmente ofensiva, serve o fim legítimo do direito de informação, não ultrapassando ela o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.

Destarte, a solução de uma situação concreta de colisão ou conflito daqueles direitos terá de passar pela harmonização de ambos, razão pela qual, na análise e ponderação das reais circunstâncias em equação e na busca dessa concordância prática, há-de intervir o princípio da proporcionalidade, procurando a solução que se apresente mais conforme aos valores constitucionalmente tutelados (cf. art. 18.º da CRP), tal como dispõe o art. 335.º, n.º 1, do CC: “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

Não deve perder-se de vista, como antes se salvaguardou, no que tange ao conteúdo da liberdade de informação, que o direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia, o que vale por dizer que deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.
Se há um qualquer interesse público a prosseguir, com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade – ponderou-se no Acórdão deste Tribunal de 14/01/10, Proc. 1869/06.0TVPRT.S1 –, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação”.
Por isso, “a necessária composição dos bens jurídicos conflituantes, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de restrição de direitos fundamentais – como se decidiu no Acórdão do STJ de 14/02/12 –, impõe o dever de obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compreensão, por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, sem pôr em causa o seu conteúdo essencial, e sem prejuízo da introdução de limitações indispensáveis à conservação do núcleo essencial do direito à informação, maxime, no que tange ao livre exercício da função pública da imprensa, mas que terá de recuar, por força da necessária ponderação, quando a sua actualização redundar em lesão de interesses de outrem dignos de tutela e de maior relevância, e a divulgação seja efectuada por forma a exceder o necessário à defesa do bom-nome e reputação do visado.
Não se escamoteie, outrossim, que os limites à liberdade de imprensa serão mais amplos – como adverte Rodrigues de Brito“quando o visado for uma figura pública, como um político, e não um simples particular, na medida em que aquele, agindo na sua qualidade de personagem pública, se expõe, inevitável e conscientemente, ao escrutínio dos jornalistas e dos cidadãos em geral, devendo, por isso, demonstrar maior tolerância perante o controlo atento das suas palavras e atitudes, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos”.
(…)
Acresce que o TEDH, como dá nota o Conselheiro Henriques Gaspar, considerou já, num caso com algumas semelhanças – Campos Dâmaso v. Portugal (2008)“que o interesse em informar o público prevalecia sobre o dever de respeitar a presunção de inocência, uma vez que os artigos vinham na sequência de outras referências anteriores, que haviam mesmo determinado a abertura do inquérito, e não tomavam posição sobre a eventual culpabilidade da pessoa visada, limitando-se a descrever o conteúdo da acusação do Ministério Público”.

Neste âmbito, o jornalista terá de saber distinguir, com especial acuidade e cuidado, a fronteira entre uma informação credível e certificada de uma informação anónima, pouco ou nada qualificada, fazendo a destrinça devida entre ambas, de modo a não incorrer na divulgação inusitada e mesmo falsa de alguns factos, sendo essa realidade particularmente relevante quando o processo se encontra em fase de inquérito (e eventualmente submetido ao segredo de justiça).

Porém, como escreve Jónatas Machado, um jornalista que torna conhecidos indícios da existência de um escândalo público não deve ter que provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios. Caberá ao debate público, sem prejuízo do exercício da função jurisdicional, determinar a verdade ou a falsidade dos factos através de «mais discurso» e não da repressão do discurso produzido. Isto, tanto mais quanto é certo que, em muitos casos, os responsáveis pelo irregular funcionamento das instituições políticas e sociais são os primeiros a ocultar as informações necessárias para provar essa irregularidade”. A verdade noticiosa, como tal, não tem o sentido de “verdade absoluta”: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um “esforço de objectividade” e seguindo um critério de “crença fundada na verdade”.
Por isso mesmo, como enfatiza Faria Costa, “não pode ser dada a mesma relevância quando se confrontam, por exemplo, o exercício de um ius narrandi com o pleno exercício do direito de crítica ou mesmo de opinião”.

Este autor, ao fazer a exegese do ilícito penal ínsito no art. 180.º do Código Penal (Difamação), salienta que o legislador foi mais longe na tutela da função pública da imprensa, quanto às causas de justificação, “ao admitir a possibilidade de justificação mesmo em situações em que não se logre fazer a prova da verdade. Tal justificação pode ocorrer, ainda, no caso em que, apesar de não se ter feito a prova da verdade dos factos, o agente tivesse fundamentos sérios para, em boa fé, os reputar como verdadeiros. Presta-se aqui, deste jeito, uma forte homenagem à imprensa, na medida em que o risco inerente ao desempenho dessa actividade pode justificar lesões à honra levadas a cabo por imputações de factos falsos”. E acrescenta: “Na verdade, exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para proferir uma sentença de condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação. Por isso, situações há em que, no julgamento, com os meios e o tempo de investigação mais dilatados, se comprova que, afinal, a imputação não correspondia à verdade, e, apesar isso, a conduta é ainda justificada penalmente”.

Tudo radicará, por conseguinte, na boa fé do jornalista, não com uma significação subjectiva, mas com um respaldo objectivo de averiguação conscienciosa da veracidade dos factos noticiados, que, como se disse, pode não ocorrer sempre, o que está dependente do respeito pelas regras de cuidado inerentes ao exercício da actividade de imprensa.

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 14/02/12, já citado, “ (...) A solução mais conveniente com vista a superar o conflito existente entre a tutela do direito à honra e do direito de informação, de acordo com os princípios constitucionais e legais vigentes, reconduz-se a considerar como pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que a imprensa, ao fazer a imputação, tenha actuado dentro da sua função pública de formação da opinião publica e visando o seu cumprimento [a], utilizando o meio, concretamente, menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o seu dever de esclarecimento e comprovação, o dever de verificação da verdade da imputação [e].

Só que, quanto a este último, não se trata de uma verdade absoluta e, por inteiro, correspondente ao facto histórico narrado, pois o que importa, em definitivo, é que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba serem inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se, suficientemente.
Mas aquela comprovação não pode, por seu turno, revestir-se das exigências da comprovação cientifica ou mesmo da comprovação judiciaria, antes hão-de a ela bastar-se as exigências derivadas das «legis artis» dos jornalistas, que se não contentarão com um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquele repouse numa base objectiva, de que resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade haverá que possuir o mesmo efeito que esta, como elemento da justificação”.
Nesse aspecto, por lapidares, citam-se as palavras de Maria Lúcia Amaral, exaradas no voto de vencido ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2008, de 29/05/08: “A diferença entre o exercício do «direito de expressar o pensamento» e o exercício do «direito de informar» corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente «tipo» alargado do seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá que pressupor a boa fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e comprovação exaustiva da veracidade – parece-me que é exigir mais do que é permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar”.

O que se consigna supra, vai, aliás, na linha da jurisprudência do TEDH, no que se reporta em especial à interpretação do art. 10.º da CEDH. Como frisado por Henriques Gaspar, “na jurisprudência do TEDH, a liberdade de expressão tem sido considerada como super liberdade e um dos direitos mais preciosos do homem, condição sine qua non de uma verdadeira democracia pluralista, necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade; a sociedade democrática repousa precisamente sobre o pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas”.

A relevância daquela jurisprudência internacional é apreensível, em termos processuais civis, pela leitura do art.771.º, al. f) do CPC (que o DL n.º 303/2007, de 24/08, veio introduzir) e que possibilita a revisão de decisão (nacional) transitada em julgado quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (cf. o actual art. 696.º, al. f), do NCPC).

Neste Supremo Tribunal, o Acórdão de 30/06/11, Proc. n.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1, após efectuar uma resenha breve da jurisprudência do TEDH, no tocante à interpretação do alcance do art. 10.º da CEDH, relembra que a CEDH se situa num plano superior ao das leis ordinárias internas, por força dos arts. 8.º e 16.º, n.º 1, da CRP, concluindo que o direito à honra não é tutelado, no plano geral, pela Convenção, a ele se reportando apenas como possível integrante das restrições à liberdade de expressão enunciadas no n.º 2 do art. 10.º.

Especificamente, o TEDH, no caso Lingens v. Áustria (1986), sublinhou o papel de cão de guarda (watchdog) exercido pela imprensa, sustentando que a liberdade de imprensa é essencial numa sociedade democrática, tendo reforçado, no caso Thorgeirosn v. Iceland (1992) que a condenação de um jornalista é susceptível de desencorajar o debate aberto de questões de interesse público. O TEDH postulou, ainda, que não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis, porque, se assim for, a imprensa estaria impedida de publicar praticamente tudo.
Detendo-se na análise da jurisprudência portuguesa, pelo TEDH, Rodrigues de Brito, tece os seguintes considerandos: “Em matéria de liberdade de expressão, o Estado português tem sido condenado pelo TEDH, por violação do art. 10.º da CEDH, com base na falta de verificação do requisito da necessidade da restrição numa sociedade democrática. Com efeito, como salientou o TEDH no caso KK e SIC v. Portugal (2007), as instâncias judiciais nacionais não encontraram um justo equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos jornalistas à liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos e a reputação do visado. Sustentou, ainda, que a motivação avançada pelos tribunais portugueses para justificar a condenação, embora pertinente, não era suficiente, nem correspondia a qualquer necessidade social imperiosa. Concluindo, assim, que a condenação não representou um meio razoavelmente proporcional à prossecução do interesse legítimo em causa, tomando em consideração o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa, pelo que tinha ocorrido uma violação do art. 10.º do CEDH”.
Subsequentemente a este caso, o TEDH produziu variadíssima jurisprudência similar, visando o Estado português, considerando que ocorreu postergação do art. 10.º da CEDH, designadamente, nos casos (i) Campos Dâmaso v. Portugal (2008), (ii) Público – Comunicação Social e Outros v. Portugal (2010), Pinto Coelho v. Portugal (2011), (iv) Bargão e Domingos Correia v. Portugal (2012), (v) Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo v. Portugal (2014).
Da análise de todos esses processos, deflui que o TEDH tem acentuado que a liberdade de imprensa – caracterizada como cão de guarda/watchdog/chien de garde – constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher informações e de as transmitir, constituindo a “ingerência” das autoridades – nas condições enumeradas no parágrafo 2.º do art. 10.º da CEDH – o epicentro do controlo jurisprudencial daquela instância jurisdicional.
A sociedade democrática e os seus princípios estruturantes são o verdadeiro limite à “ingerência” que tem de se revelar necessária: “a necessidade tem de ser definida como exigência social imperiosa para defesa dos valores e equilíbrios entre direitos, segundo critérios de proporcionalidade, comandados pelas ideias de tolerância, abertura e pluralismos inerentes à sociedade democrática”.
(…)
Tudo visto, e regressando ao caso em apreciação, é de concluir que a ré/recorrente agiu com a diligência que era exigível a quem desenvolve a actividade jornalística, e ao elaborar a notícia publicada no semanário II de 08/12/2006, não praticou qualquer facto ilícito e culposo, razão pela qual se impõe concluir pela sua absolvição total e incondicional do pedido aduzido pelo autor, com a necessária revogação da decisão recorrida.

Resta sumariar:
I- A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.
II- O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.
III- A verdade noticiosa não significa verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objectividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade.
IV- Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.
V- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de impressa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações, com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática.
-…-”
Ora, sendo verdadeiros os factos que basearam a notícia em causa, justifica-se a sua divulgação pública, em prejuízo da reserva privada do A..
Na interpretação do artº10º da CEDH, o TEDH sublinha que a liberdade de imprensa fornece aos cidadãos um dos melhores meios de conhecer de julgar ideias e as atitudes dos seus dirigentesvide, Ireneu Barreto, ob. cit. pag.277.  
E não há dúvida que a conduta do A. é censurável por violar direitos fundamentais da vítima, nomeadamente, a sua integridade física.
Logo, deve ser confirmada a sentença nesta parte.
Fica por apreciar, os fundamentos que levaram condenação dos RR., ..., enquanto titular do “... da ...”, imprensa escrita e site e respectivo director das versões “papel” e digital como o próprio 2º R. admitiu.
Segundo estes RR./recorrentes, não podem ser responsabilizados pelos comentários feitos por terceiros no “site” que se provou pertencer à primeira e que é dirigido pelo segundo – cfr. 54 e 55 dos factos assentes.
O próprio director esclareceu em julgamento que: “(…) o jornal digital/online tem mais dum milhão de visitantes diários; há vários itens pelo que a leitura não é linear; há um ano atrás ainda não havia monitor que nos permita saber em tempo real qual a notícia mais lida; quanto à notícia nada sabe”

Os websites/sites são locais virtuais que reúnem informações disponibilizadas na web.
Os internautas/pessoas usam a internet para aceder aos sites e interagir umas com as obras, opinando, nomeadamente, sobre o conteúdo ai disponibilizado.
Os sites são administrados e têm responsáveis a quem compete a monitorização e a filtragem do conteúdo e comentários sobre o mesmo.
A responsabilização dos utilizadores desses “lugares” do ciberespaço pressupõe controlo editorial que dificilmente é compaginável com o comentário espontâneo e livre.
Daí que a responsabilização clássica deva ser substituída por “ferramentas” diferentes e compatíveis com o mundo virtual/instantâneo – sobre este tema, em geral, Castells, M, in, A Galáxia Internet, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002; e de modo mais particular, Leonardi M., Responsabilidade Civil na Internet e Nos Demais Meios de Comunicação; S. Paulo, Saraiva, 2007, pags.73 a 91.
Se o utilizador emitir opiniões de ódio (ideológica, racista, sexista) ou ofensiva da honra de alguém, surgem duas ordens de problemas:
-O utilizador está identificado e pode ser directamente responsabilizado;
-O utilizador é anónimo e a responsabilidade recai sobre os responsáveis do site.
A prevenção é muito importante nestes casos, devendo os titulares e dirigentes dos sites, definir previamente as regras e os valores que defendem – que são os universalmente reconhecidos e vigentes no nosso País – e monitorizar os comentários em função desses valores.
Logo que seja detectada a violação das ditas regras/valores - já na altura essa monitorização era possível e desejável no jornal/site/... da ..., com a maior circulação e consulta em Portugal (dados oficiais e publicamente conhecidos) - e independentemente da responsabilização dos autores ser possível, devem ser removidos.
A responsabilidade dessa remoção é do titular e de quem dirige o respectivo site sobre os quais recai, por tudo o que fica dito, uma responsabilidade objectiva e solidária, semelhante à do risco prevista no artº500º do CC.
O arestos do TEDH citados pelos recorrentes não são tão divergentes quanto se pretende demonstrar, desde logo, porque os casos analisados são diferentes – Delfi v. Estónia e Magyar v. Index V. Hungria: o primeiro (condenatório, se bem que simbolicamente) não deixa de chamar a atenção para a necessidade da existência dum mecanismo de registo, responsabilizante para os comentadores e que seria desproporcional colocar nas pessoas vítimas dos comentários, o ónus de apurar a identidade da daqueles comentadores; o segundo iliba o portal em causa, mas refere não estarem em causa declarações factuais difamatórias, mas juízos de valor e opiniões emitidas no contexto da notícia publicada.  
     
A “ratio” é a mesma e está contida na reiterada argumentação do TEDH, que “atravessa” hoje a nossa jurisprudência, de que destacamos a do Mais Alto Tribunal do País/STJ.
A liberdade de expressão implica «deveres e responsabilidades», incumbindo aos «medias» a obrigação de verificar as declarações difamatórias contra particulares e no caso da internet a sua responsabilidade estendem-se não só aos que publicam como também aos comentários que acolhem”ainda, Ireneu Barreto, ob. cit. pag.284.
Na nossa sociedade, porque democrática, impera o primado do Direito, o que significa que todos somos iguais perante a lei, independentemente do nosso estatuto social, politico ou económico.

Destarte, conclui-se pela responsabilização dos 1º R. (proprietário) e 2º R. (director), ficando por quantificar a indemnização devida ao A. em relação aos comentários em causa.
São estes os factos a valorar:
“-…-
- A notícia foi publicada igualmente na edição digital do jornal.
 - Tal notícia pode ser consultada no “... da ...” em suporte digital, sob o título “Milionário acusado de agredir por 100 euros”, acompanhada de comentários de leitores que a seguir se transcrevem nos exactos termos em que foram publicados: i. “Manuel ... não quis pagar correctamente o valor da rescisão da empregada humilhando a funcionária com abuso de poder porque os ricos acham que a justiça para eles não existe e passam por injustiçados”; ii. “Aqui no nosso concelho (Mértola), apoderam-se (Manuel e Luís ...) de terras de tal maneira que até conseguiram fechar estradas públicas que davam acesso ao rio Guadiana e à ribeira de Oeiras”; iii. “O Sr. Manuel ..., sujou o seu fato de alpaca, burrou as suas luvas de pelica, salpicou a sua camisa com as lágrimas da humilhação que fez passar à empregada Conclusão homem muito pequeno sem estrutura intelectual”; iv. “Ainda há quem pense que as pessoas lhe pertencem, como na escravatura. É o "QUERO, POSSO E MANDO"; v. “foi assim que ele ficou milionário...tira aqui 100, ali 500, ali 200.000 etc...tristeza”; vi. “O empreendorismo lusitano parolo, manhoso e conservador do tecido empresarial da aldeia. O miserabilismo recorrente que por isso, para pagar salários e por comida na mesa necessita de empréstimos do exterior”; vii. “O Sr. Manuel ... não tem vergonha de se baixar a um nível destes com uma funcionária. Quando morrer leva os cem euros para a cova serve para lhe comprar flores. Estes patrões estão mesmo egoístas querem é gosma”; viii. “A mesquinhez assim como a pobreza de espirito não são só apanágio de pessoas de menores recursos monetários! Existem muitos ricos a merecer esta crítica. O velho ... era apenas rico; não soube educar o Manuel...”; ix. “Foi das pessoas mais parvas que eu lidei até hoje foi este rico e muito pobre, é um miserável”; x. “Vá lá então, a senhora não podia fazer um descontito ao Milionário, francamente! A vida dele está difícil”; xi. “Quando a ganância é demasiada, os milionários têm estes hábitos...”; xii. “Lembram-se do reformado que limpou um desta família?? Não aprenderam nada...”; xiii. “Já um familiar creio que o irmão deste foi morto à facada ou à martelada por um ex-empregado, certamente por serem 'boas pessoas'. São uma vergonha social”; xiv. “Esta história está mal contada. Os artistas, um é rico outro é pobre. O que andam à procura, a menina trabalha 3 meses e quer sair. Qual a nacionalidade da menina. O menino não paga porquê. Polícia e hospital”; xv. “Não lhes chegou a machada que um empregado explorado deu num deles há alguns anos atrás! Abutres, depois vêm com "fundações" a fingir caridade! Facínoras!”; xvi. “não lhe cortaram as asas e o rico faz o que quer!”; xvii. “Esta família não tem maneiras... o outro lixou-se por causa do caseiro e este agora com a criada”; xviii. “Recordo que há uns anos atrás, um dos irmãos ..., foi assassinado também por desavenças com um funcionário...”
- Tais comentários ou são assumidamente anónimos, ou estão reportados a nomes que não permitem identificar quem os produziu.
- O Autor é uma pessoa recatada, não exibe a sua casa, nem a sua família, tendo-se sempre pautado por discrição na sua vida pessoal e familiar.
- A publicação da notícia - na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – causou ao Autor mágoa e sofrimento, pois viu a sua reputação, honra e intimidade da vida privada abaladas.
- A publicação da notícia – na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – foi objecto de comentários no meio profissional do A., que emprega centenas de pessoas.
- E teve uma grande divulgação junto da opinião pública.
- Com a publicação da notícia, o A. sentiu-se constrangido.
- A publicação da notícia – na edição de papel, na edição digital e com os comentários que lhe foram associados – é apta a causar-lhe um certo vexame e constrangimento, que o A. sentiu no contacto diário com as pessoas designadamente com os subordinados.
- O “... da ...” é um jornal de grande divulgação nacional, com tiragem de cerca de 100 mil exemplares diários, cuja capa é habitualmente exposta, com grande visibilidade, nos escaparates dos postos de venda de imprensa.
- A edição digital do “... da ...” tem, por mês, mais de 1 milhão de visitantes.
- A divulgação da notícia através da internet tem um efeito de propagação ilimitado.
-…-”
Sem nos esquecermos de tudo antes referido e que levou à absolvição parcial dos RR., concretamente, o facto relevantíssimo da notícia em causa ser verdadeira, não se pode deixar de censurar nos moldes também já explanados, alguns comentários publicados no ... da ... digital/online.
As expressões que acima sublinhámos (bold) são, notoriamente, ofensivas do A. e sua família, trazendo despropositadamente à colação um crime de que foi vitima um irmão do A. e imputando-lhes crimes.
Essas imputações são difamatórias, ultrapassando o que é tolerado: A denominada “linguagem vulgar”.
Devido à notoriedade do jornal em causa e ao efeito “altifalante” que a internet possibilita, têm tutela do Direito.
Mas, como aconteceu no caso “Delfi” (supra analisado e em que foi arbitrada uma indemnização no valor de €350,00) a indemnização não poderá deixar de ser simbólica, sendo certo ainda que os comentários em discussão têm na sua origem uma notícia verdadeira/exceptio veritatis.
E mais, há que ter em atenção que não foram os RR. os autores dos comentários e que a sua responsabilidade é meramente objectiva e circunscrita às frases que destacámos.
Tudo visto, impõe-se reduzir a indemnização arbitrada (€10.000,00) para quinhentos euros (€500,00).
No mais (designadamente, em matéria de publicitação), confirma-se a sentença que acabámos de sindicar.
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Sumariando (artº663º nº 7):
-In casu, a liberdade de imprensa e de opinião prevalece sobre o bom nome e a honra do A. visado na notícia escrita e divulgada pelos RR., por a mesma ser verdadeira;
-Há, porém, responsabilidade objectiva do proprietário e do respectivo director do jornal em causa, em relação a alguns dos comentários postados na versão online e que são, notoriamente, ofensivos da pessoa do A. (direitos de personalidade). 
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DECISÃO.
- Assim e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação de Lisboa (...ª Secção):
a)-Em julgar totalmente improcedente o recurso do A.;
b)-E parcialmente procedente, o recurso dos RR. e consequentemente, mantêm o decidido pelo Tribunal a quo, excepto no que se reporta à indemnização que se fixa em €500,00 (quinhentos euros).   
-Custas pelos A. e RR. (1º e 2º), na proporção dos respectivos vencimentos.


Lisboa, (26-4-2017)


Relator: Afonso Henrique C. Ferreira
1º Adjunto: Rui M. Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário P. P. Gonçalves



Declaração de voto.

Votei vencido, por discordar da condenação solidária de ambos os RR. (o Réu ... ... e a Ré ……. - Imprensa Livre, SA) no pagamento ao Autor duma qualquer indemnização pecuniária a título de reparação de danos não patrimoniais.
Desde o momento que o tribunal de 1ª instância e esta Relação confluem no entendimento segundo o qual a notícia publicada na edição do dia 31.03.2014 do Jornal “... da ...”, sob o título “Milionário acusado de agredir por 100€contém um relato verdadeiro dos factos nela imputados ao A. (em síntese: ter agredido uma sua ex-empregada doméstica, empurrando-a e fazendo-a cair ao solo - o que lhe provocou escoriações numa perna e num braço – na sequência dum desentendimento surgido entre ambos acerca do valor do salário a que a empregada teria direito [800 euros ou 700 euros]) - coisa que me parece indiscutível, face à matéria de facto provada fixada em 1ª instância e mantida inalterada por esta Relação, sendo certo, por outro lado, que  a notícia em causa «tem uma redacção sóbria e equilibrada, sendo claro que ao autor é imputada uma acusação, já formulada em queixa, por parte da empregada que foi agredida; Os factos relatados são verdadeiros e devidamente contextualizados; A notícia não formula juízos de valor sobre a conduta do Autor, v.g., não qualifica a conduta do Autor como odiosa, vergonhosa, etc.; Cinge-se aos factos; A notícia não contém expressões sensacionalistas ou exageros; Não é feito um ataque pessoal e gratuito ao Autor com intuitos meramente ofensivos ou persecutórios, de pura malquerença pessoal»  (ut  Sentença recorrida) e a notícia foi dada no âmbito da prossecução de um interesse público legítimo  (porquanto: i) o Autor é um empresário conhecido do público português, desde logo pela família de que provém, bem como pela actividade que exerce no mundo empresarial; ii) Tem sido sempre visto, no meio social e profissional onde se insere, como um homem íntegro e honesto. Como empresário, o Autor atua materialmente como entidade patronal de mais de 300 pessoas; iii) No conflito que ocorreu entre o Autor e a sua empregada, o Autor actuou nas vestes de entidade patronal, sendo o dissídio ocasionado pela discussão sobre o montante a pagar pelo Autor à sua empregada [o Autor negava-se a pagar um valor de cem euros que acabou por pagar mais tarde]; iv) A qualquer empresário - e sobretudo a alguém com a história pessoal do Autor, empresas detidas e fortuna pessoal - é exigível e expectável que actue com lisura de procedimentos e honre os compromissos assumidos, desde logo os salários convencionados com os trabalhadores; v) Não é socialmente aceitável que um empresário como o Autor não tenha a capacidade de dirimir dissídios - enquanto entidade patronal - de forma pacífica, chegando - pelo contrário - à agressão física de uma mera empregada doméstica; vi) Existe uma notória antítese entre o comportamento do Autor enquanto entidade patronal sob o seu tecto e a imagem que o Autor beneficia e procura aos olhos da sociedade enquanto empresário e entidade patronal de muitos trabalhadores; vii) Existe uma contradição notória entre o comportamento privado do Autor na sua casa e o comportamento público do mesmo enquanto empresário, visto como um homem íntegro e honesto [A conduta do Autor contraria a imagem de que beneficia e que procura enquanto figura pública. Não pode o Autor ser, e aparentar ser, impoluto na esfera pública e actuar desta forma na esfera privada.]; viii) a notícia expõe um crime e um comportamento anti-social, inusitado, desproporcionado face ao contexto e discussão que o gerou), a eventual responsabilidade civil incorrida pelos RR. assenta exclusivamente no conteúdo alegadamente injurioso  dos comentários anónimos feitos “on-line” pelos leitores do jornal “... da ...” e que podem ser consultados na versão digital deste quotidiano, em anexo à notícia em questão.
Segundo o tribunal de 1ª instância, alguns desses comentários on-line feitos pelos leitores «consubstanciam um puro ataque pessoal ao autor e respectiva família, visam achincalhar o autor, sendo manifestamente soezes e ofensivos da honra e consideração do autor», pelo que os RR., ao não terem controlado o respectivo conteúdo, antes ou depois de serem “postados”, de tal modo que os mesmos ficaram acessíveis on-line, seriam civilmente responsáveis, perante o Autor, pelos danos não patrimoniais por este sofridos.
O Acórdão em questão reitera o entendimento do 1º grau segundo o qual algumas das expressões usadas nos referidos comentários “on-line” «são notoriamente ofensivas do A. e sua família, trazendo despropositadamente à colação um crime de que foi vitima um irmão do A. e imputando-lhes crimes. Essas imputações são odiosas e difamatórias, ultrapassando o que é tolerado: A denominada “linguagem vulgar”».
É aqui – e apenas aqui – que reside a radical divergência do signatário, sendo que essa divergência, por si só, conduz a que, contrariamente ao entendimento dos Exmos. Desembargadores que prevaleceu neste Acórdão, não se impunha apenas reduzir a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada na 1ª instância (de 10 mil euros para 500 euros), mas antes julgar a acção totalmente improcedente e absolver ambos os RR. de todos os pedidos condenatórios contra ele formulados pelo Autor.
Efectivamente, os RR. só teriam eventualmente incorrido em responsabilidade civil perante o Autor, no que ao conteúdo dos comentários on-line feitos pelos leitores do jornal diz respeito, se porventura esses comentários contivessem, eles próprios, afirmações difamatórias ou juízos de valor objectivamente injuriosos que extravasassem do objecto da notícia publicada no jornal (por ex., se algum leitor tivesse assacado ao Autor  qualquer outra conduta criminosa que não a relatada na notícia publicada ou tivesse simplesmente insultado gratuitamente o Autor,apodando-o de ladrão,ou corruptto,ou pedófiloou adjectivando-o com qualquer outro impropério objectivamente ofensivo).
Todavia, no caso em apreço, os comentários "on-line" que constam da matéria de facto não extravasam sequer a matéria da notícia verdadeira publicada pelo jornal “... da ...” na mencionada edição do dia 31.03.2014.
E, como essa notícia - infelizmente para o Autor - é verdadeira (é isso que decorre claramente dos factos provados), claro que os comentários tecidos pelos leitores acerca duma conduta pouco abonatória e desonrosa para qualquer homem – consubstanciada na agressão física a uma mulher, sua empregada doméstica, consumada no interior de sua casa, por causa dum simples desentendimento monetário de 100 euros - não podiam, logicamente, ser favoráveis ou desculpabilizadores da conduta do Autor, nem sequer seria expectável que fossem axiologicamente neutros.
Os leitores do jornal, já informados antecipadamente - por tal ser um facto notório e ainda por cima corroborado pela própria notícia (nesse ponto também factualmente verdadeira) - acerca da muito desafogada situação económico-financeira do Autor (um dos homens mais ricos de Portugal, dono duma fortuna avaliada, em 2008, em mais de 330 milhões de euros, sendo um dos herdeiros do falecido empresário A…. ..., comummente conhecido como um dos maiores empreendedores portugueses do século XX, sendo que também a mãe do Autor foi herdeira de uma das maiores fortunas de Portugal), ao tomarem conhecimento de que um grande milionário agrediu fisicamente uma sua empregada doméstica para evitar pagar-lhe 100 euros (mesmo que não fossem devidos), só podiam exprimir acerca do Autor e da sua personalidade sentimentos de desaprovação. Foi o Autor que, ao ter a conduta revelada pela notícia verdadeira publicada no jornal, se colocou voluntariamente na posição de merecer a censura pública dos leitores da edição electrónica do jornal.
Acresce que esses comentários, sendo embora de gosto pelo menos algo duvidoso, não são de molde a ferir a sensibilidade do homem comum. Dizer-se que os ricos costumam conseguir escapar facilmente às malhas da justiça, que é incrível como um milionário bate numa empregada por causa de 100 euros, que o Autor devia ter vergonha por ter agido como agiu, que o Autor “sujou o seu fato de alpaca, burrou as suas luvas de pelica, salpicou a sua camisa com as lágrimas da humilhação que fez passar à empregada Conclusão homem muito pequeno sem estrutura intelectual”; que “Ainda há quem pense que as pessoas lhe pertencem, como na escravatura. É o "QUERO, POSSO E MANDO"; que “A mesquinhez assim como a pobreza de espirito não são só apanágio de pessoas de menores recursos monetários! Existem muitos ricos a merecer esta crítica. O velho ... era apenas rico; não soube educar o Manuel...”; é algo que corresponde àquilo que se sabe ser a "vox populi", aquilo que pensa o cidadão médio (nem sempre com razão mas algumas vezes justificadamente).
Mesmo a alusão (de inequívoco mau gosto) ao episódio que redundou na morte dum irmão do Autor não é, em si mesma, difamatória:  é público e notório – por tal ter sido, na época, amplamente noticiado na Comunicação Social - que um irmão do Autor foi assassinado por um seu ex-empregado (um caseiro que tomou conta duma propriedade durante longos anos) na sequência dum longo litígio laboral que mantiveram entre si.
É muito plausível que o Autor se sinta incomodado cada vez que alguém lhe recorda esse episódio trágico que causou a morte prematura dum seu irmão. Porém, o A. não pode ignorar que todo o país conhece esse caso e os contornos do litígio laboral que esteve na origem do assassinato do seu irmão. E o A. tem de admitir - por muito que isso lhe custe – que, em função do modo como o episódio foi, na altura, amplamente relatado pela imprensa, há quem pense que, se o seu falecido irmão não tivesse sido tão intransigente na disputa laboral que manteve com o seu ex-caseiro, provavelmente ainda hoje estaria vivo.
Por isso, não é de surpreender que o conhecimento público de mais uma história em que um membro da família ... aparece associado a um episódio de maus tratos a um empregado (ainda por cima, neste caso, tratando-se duma mulher) traga à memória de todos esse episódio trágico da morte do irmão do A. e suscite comentários desabonatórios para o próprio Autor (sugerindo que constitui apanágio dos membros desta família maltratar os seus empregados ou ex-empregados).
Resumindo: os comentários anónimos gerados pela notícia verdadeira divulgada pelo jornal propriedade da Ré dona do site onde esses comentários foram "postados" não são, objectivamente, de molde a atingir o "bom nome" do Autor numa dimensão tal que tornassem exigível à empresa Ré que retirasse imediatamente tais comentários da sua página on-line.  Trata-se de comentários banais, que retratam o sentir da generalidade dos cidadãos quando tomam conhecimento que um empresário de sucesso, um homem muito abastado financeiramente, agrediu uma sua empregada doméstica, empurrando-a e fazendo-a cair ao solo, com isto lhe causando escoriações num braço e numa perna, apenas por se ter desentendido com ela acerca do valor da indemnização a que ela teria direito em caso de despedimento (700 euros ou 800 euros).  O homem comum (com ou sem fundamento) pensa que um homem muito rico não "suja as suas mãos" por causa duma quantia tão insignificante como essa (100 euros).
Comentários deste teor, por muito duvidoso que seja o gosto dos seus autores, não são susceptíveis de abalar a "boa imagem" de que o A. porventura gozava junto dos seus conhecidos e empregados. 
Tudo mudaria se a notícia fosse objectivamente falsa e se o A. não tivesse tido o comportamento que a notícia tornou pública. Mas - infelizmente para o A. - a notícia era substancialmente verdadeira e merecedora de interesse público e, por isso, os comentários dos leitores do jornal acerca do comportamento reprovável do Autor (que tal notícia tornou conhecido do grande público) só podiam ser-lhe desfavoráveis e negativos
O Autor tinha, à partida, de contar com a elevada possibilidade de ser objecto de comentários e apreciações fortemente desaprovadores da sua conduta.  Como é que alguém com grandes disponibilidades financeiras que perde literalmente a cabeça e agride uma sua empregada doméstica por causa dum divergência penuniária de 100 euros se surpreende por a sua conduta suscitar a reprovação geral, em termos veementes ?
Neste contexto, não era, de modo nenhum, exigível aos Réus que diligenciassem pela pronta remoção da página electrónica do jornal dos aludidos comentários desfavoráveis ao Autor que os leitores anónimos do jornal ali “postaram”.
De resto, este entendimento está em sintonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Magyar e Index V. Hungria (onde estava em causa uma associação sem fins lucrativos, Magyar, e o maior portal de notícia na Hungria,Index, sendo que nos respectivos portais era possível aos utilizadores postar comentários nas publicações, não sendo tais comentários previamente editados, nem monitorizados).
Neste caso, o Tribunal Europeu considerou que:(i) os comentários foram despoletados pelo artigo publicado, o qual continha um assunto de interesse público, sendo que o artigo em si mesmo era fundamentado em bases factuais não contendo quaisquer juízos ofensivos ou expressões provocatórias; (ii) não estão em causa declarações factuais difamatórias mas juízos de valor e opiniões e foram colocadas no contexto da notícia publicada; (iii) as expressões usadas nos comentários eram ofensivas, e uma ou outra poderia até ser vulgar mas a utilização de linguagem vulgar em si mesma não é decisiva para considerar a declaração ofensiva. Para o Tribunal, o estilo constituiu uma parte da comunicação, como forma de expressão e é também protegido juntamente com o conteúdo da declaração; quanto ao conteúdo dos comentários, embora eles tenham um estilo vulgar, são comuns na comunicação através de vários portais da internet, o que reduz o impacto que possa ser atribuído às expressões utilizadas.
A esta luz, o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais deduzido pelo Autor devia ter sido julgado totalmente improcedente, por resultar da factualidade apurada a ausência dos pressupostos da obrigação de indemnizar consubstanciados na ilicitude da actuação do lesante e no nexo de causalidade entre a conduta do lesante e o dano sofrido pelo lesado.
Assim sendo, teria revogado in totum a sentença recorrida, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo, consequentemente, os RR. de todos os pedidos contra eles formulados pelo Autor.

Rui Torres Vouga