Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1201/22.6T8CSC.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
ANTERIOR ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Estando o sinistrado afetado de incapacidade permanente parcial por força de anterior acidente de trabalho, e mostrando-se tal incapacidade já bonificada com o fator 1.5 em razão da idade, deve ser ponderada a incapacidade correspondente às sequelas do sinistrado antes de aplicado o fator de bonificação, para efeito de cálculo da capacidade restante.


(Elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., nos autos emergentes de acidente de trabalho acima identificados, notificada da sentença, com a qual não se conforma, vem dela interpor o presente recurso de apelação.

Pede a revogação da sentença.

Funda-se nas seguintes conclusões:
1–Na sentença sob recurso o Meritíssimo Juiz seguiu o ensinamento que decorre do acórdão de 28.09.2022 dessa Relação, tirado no âmbito do Processo 1047/20.6T8PTM.L1-4, ou seja, que o fator 1.5 tem natureza corretiva, incidindo sobre a IPP que em concreto é fixada, ou, dito de outro modo, que este fator não é em si mesmo uma IPP mas antes uma correção ou bonificação.
2–Deste ensinamento e da sentença resulta que se se colocar 50% (ou se se multiplicar pelo fator 1.5) em cima de uma qualquer incapacidade, o resultado é essa mesma incapacidade acrescida de qualquer coisa (correção ou bonificação dessa mesma incapacidade), que, afinal, não é incapacidade.
3–Este entendimento seguido na sentença parece não fazer sentido – bonifica-se ou corrige-se a incapacidade pelo fator 1.5, mas o resultado final não constitui tudo incapacidade. Uma parte é incapacidade, mas o resto é um bónus de qualquer coisa que não se sabe o que é, mas que, na elaboração das contas para apuramento do valor da pensão, já é (ou já vale como) incapacidade.
4–No fundo, o que na sentença se faz é bonificar a pensão (resultante da incapacidade) em 50%, quando o que o legislador quis e escreveu foi bonificar as incapacidades.
5–O que a alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI estabelece é que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas … Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
6A letra destas Instruções Gerais da TNI é clara: a bonificação interfere no valor da incapacidade a atribuir, modificando-a para mais.
7Se o objetivo do legislador fosse a de, apenas, bonificar a pensão, tê-lo-ia escrito.
8O entendimento de que no caso de acidentes de trabalho sucessivos, a IPP relevante para efeitos de apuramento da capacidade restante será a IPP fixada sem ponderação do fator 1.5, não tem apoio na letra das Instruções Gerais da TNI e traduz-se na admissão de que tal bonificação só se destina ou só serve para bonificar em 50% o valor da pensão a pagar pela entidade responsável.
9A sentença em apreço é injusta, viola o ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, ofende o princípio da justa reparação estabelecido no artigo 59º, alínea f), da C. R. P. e, eventualmente, o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º.
10Pelo que, deverá ser substituída por acórdão que considere que a capacidade restante resultante do acidente anterior é de 97%, que fixe a IPP decorrente do acidente dos presentes autos em 5,82% (97% de capacidade restante x IPP de 4% = 3,88% x 1.5), alterando, em consequência, o valor a pensão fixada.

AAA, Autor, com o patrocínio do Ministério Público, veio apresentar a sua RESPOSTA ao recurso interposto concluindo:
O carácter corretivo do fator 1.5 preconizado na sentença recorrida é aquele que mais permite salvaguardar o princípio da justa reparação;
A sentença recorrida não merece qualquer reparo, merecendo a total adesão do sinistrado;
Inexiste a violação de qualquer preceito legal, designadamente, o ponto 5 das Instruções Gerais da TNI prevista no Decreto-Lei nº 352/2007, ou o artº 59º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
A IPP deve fixar-se em 5,82%?

FUNDAMENTAÇÃO:

OS FACTOS:

Estão provados os seguintes factos:
1.A 20.12.2021, em Oeiras, quando exercia a sua profissão de Vendedor de refrigerados sob orientação e direção da Ioplis, Produtos Alimentares, Unipessoal, Lda., o senhor AAA, nascido em 22.07.1962, ao descer do carro, meteu o pé no degrau da viatura, que estava molhado e escorregou, tendo torcido joelho direito.
2.Que lhe causou entorse do joelho direito com resultante lesão meniscal,

3.Com períodos de IT, ou seja, de incapacidade temporária:
- ITP a 20% de 21.12.2021 a 27.12.2021;
- ITA de 28.12.2021 a 17.03.2022;
- ITP a 10% de 18.03.2022 a 31.03.2022.

4.Com alta em 31.03.2022.
5.Em 10.02.2023, ao exame objetivo o A. apresentou: «amiotrofia da coxa direita de 1cm (com perímetros das coxas medidos 15cm acima da interlinha articular dos joelhos de 40,5cm à direita e 41,5cm à esquerda); sem choque de rótula; sem rigidez articular; sinais meniscais negativos; sem sinais de laxidez ou instabilidade ligamentar».
6.À data do acidente, o A. auferia a retribuição anual de 15.880,04€.
7.Na altura do acidente, a respetiva responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida para a R. pela apólice n.º AT29022926, pela referida remuneração anual.
8.O A. recebeu da R. a quantia global de 2.551,16€ como indemnização pela IT.
9.O A. despendeu em transportes com deslocações a Tribunal a quantia de 20€, que a R. aceitou pagar quando tal lhe foi pedido em 27.10.2022.
10.Por acidente de trabalho sofrido em 27.05.2020, cuja ação correu termos pelo Juiz 3 deste Juízo do Trabalho de Sintra sob nº 17257/20.3T8SNT foi atribuída ao A., a partir de 08.12.2020, e por sequela de meniscectomia parcial interna do menisco interno do joelho esquerdo – gonalgias residuais sem Mc Murray, incapacidade permanente parcial de 2%, também bonificada pelo fator 1.5 em razão da idade.

***
 
O DIREITO:

Em causa na presente apelação a conclusão exarada na sentença de acordo com a qual sendo a capacidade restante a considerar de 0,98 e beneficiando o A. do fator de bonificação de 1,5 pela sua idade, atribui-se-lhe por conta do acidente a IPP de 5,88% [3,92%x1.5]”.
A sentença recorrida na apreciação da questão ora submetida a esta apelação considerou que o referido fator de bonificação não corresponde, nem pode ser entendido como tal, a um qualquer coeficiente de desvalorização, a somar-se aos demais considerados em função do quadro sequelar, mas como um fator corretivo. Por isso, à luz da Instrução geral 5 (e também da Instrução Específica) a correção (operada bem a jusante da subsunção sequelar ao previsto na TNI) pela idade não pode ser levada ao cálculo da capacidade restante - no mesmo sentido, como exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.09.2022 (1047/20.6T8PTM.L1-4), em www.dgsi.pt.

Apreciando!

O acidente a que se reportam os autos ocorreu em 20/12/2021, pelo que está sujeito às disposições constantes da Lei 98/2009 de 4/09 e da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL 352/2007 de 23/10.
A questão veio a colocar-se porque o sinistrado sofrera, anteriormente, um outro acidente de trabalho, do qual decorrera uma IPP de 2% bonificada com o fator de bonificação 1,5.
Não está em causa a aplicabilidade deste fator. O que se discute é a incidência do mesmo - qual a IPP relevante para efeito de cálculo da capacidade restante no que concerne ao acidente sofrido em 2020: a IPP de 2% correspondente às sequelas de tal acidente à luz da TNI ou a IPP de 3%, que é a bonificada?
O Artº 21º/3 da LAT dispõe que o coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
Por sua vez, dispõe o Artº 11º/3 que no caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.

No concernente à TNI importa observar todo o prescrito nas suas Instruções Gerais e muito concretamente aquilo que se consignou na nº 5/a), d) e e), a saber:

5Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a)-Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator;
b)-…
c)-…
d)-No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. Sobre a regra prevista nesta alínea prevalece norma especial expressa na presente tabela, propriamente dita;
e)-No caso de lesão ou doença anterior aplica-se o n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro[1];
f)-…
Conjugados estes normativos não pode deixar de se concluir que a avaliação da incapacidade deve ser sempre adequada à exata e justa medida da perda da capacidade aquisitiva, tendo em consideração o princípio da capacidade restante quando haja mais do que uma incapacidade em equação.

Tal como afirma Paula Leal de Carvalho, com a fórmula constante da Instrução Geral nº 5-a) fica claro “que o fator de bonificação é aplicável à incapacidade geral (somatório dos coeficientes de desvalorização parcelares) e não a cada um dos coeficientes parcelares” de onde a autora conclui “que o aumento da IPP decorrente da aplicação desse fator (diferença entre a IPP com o fator 1.5 e sem o mesmo) não deverá ser tido em conta no âmbito do cálculo da capacidade restante, sobre o qual irão incidir os subsequentes coeficientes de desvalorização (A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e o fator de bonificação de 1.5, Prontuário de Direito do Trabalho, 2017-I, 87).

Donde se subscreve o juízo efetuado na sentença acerca da função corretiva do referido fator de bonificação. Função também assumida nos Ac. desta RLx. de 15/12/2022, Proc.º 1818/21.6T8CSC[2] e de 28/09/ 2022, Proc.º 1047/20.6T8PTM.L1-4.

Na verdade, a aplicação do fator 1.5 em razão da idade tem uma “função corretiva”, visando compensar os sinistrados laborais pela maior dificuldade que terão no exercício das suas funções, o que tem consequências ao nível do esforço despendido. Ou ainda porque o acesso ao mercado de trabalho se dificulta a partir da existência de acidentes causadores de incapacidades. Mas, tal como ponderado no Ac. de 15/12/2022, “sendo um fator de correção ou bonificação que se repercute no concreto grau de IPP correspondente às diferentes sequelas, não é aquele fator, “em si mesmo, um coeficiente de desvalorização”, não fazendo sentido que seja ponderado para aferir da capacidade restante sobre que vai incidir o cálculo da IPP correspondente às lesões resultantes do novo acidente de trabalho”.

Conforme já reconheceu o Tribunal Constitucional «a proteção jurídico-laboral reforçada dos sinistrados ou doentes é um princípio básico, do qual não se pode abdicar, em defesa dos mais elementares direitos dos trabalhadores. Na realidade, tal princípio justifica por si só, quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e atualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da atividade laboral, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afetam a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, a atividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente». (Ac. nº 526/2016, de 4/10/2016, Procº1059/15, publicado no DR, 2ª série, de 7/11/ 2016).

Em consequência, estando o sinistrado afetado de incapacidade permanente parcial por força de anterior acidente de trabalho, e mostrando-se tal incapacidade já bonificada com o fator 1.5 em razão da idade, deve ser ponderada a incapacidade correspondente às sequelas do sinistrado antes de aplicado o fator de bonificação, para efeito de cálculo da capacidade restante.

Com o que não vemos como ser beliscado o disposto no Artº 59º/1-f) da CRP, segundo o qual a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional, constitui um direito dos trabalhadores. O direito consignado na lei laboral mediante aplicação dos critérios emergentes da TNI, nos moldes em que o está, não colide com a margem de livre apreciação do legislador, não sendo desrazoável.   Termos em que se confirma a sentença.

Tendo ficado vencida na apelação, a Apelante suportará as respetivas custas nos termos do disposto no Artº 527º do CPC.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.


Lisboa, 13-07-2023

 
MANUELA FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
LEOPOLDO SOARES


[1]Correspondente ao Artº 11º/2 da Lei 98/2009
[2]Subscrito pela Relatora