Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1080/14.7T8BRR.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: PARECER DO CITE
NULIDADE
INEFICÁCIA
INEXISTENCIA
HORÁRIO FLEXÍVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-As nulidades da sentença devem ser enunciadas e motivadas expressa e separadamente pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, o que vale dizer, que a explanação dos factos que consubstanciam essas nulidades, não devem ser relegados para as alegações.
2-Não se pode falar em pedido extemporâneo quando junto o procedimento do parecer da CITE na pendência da lide a entidade patronal argui a sua nulidade, ineficácia ou inexistência.
3-Como estamos perante um vício invocável a todo o tempo relativo a um pressuposto da acção, também não se pode falar de alteração do pedido ou da causa de pedir.
4-E esse pedido se deve qualificar como uma questão incidental e prejudicial da acção, enquadrável no âmbito do artigo 20.º do Código de Processo do Trabalho e 92.º do Código de Processo Civil.
5-Se o trabalhador pretender exercer o direito ao regime de horário flexível é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho.
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA, SA, propôs acção com processo comum contra BB.

Pediu:
“a)Ser declarado que o horário de trabalho requerido pela Ré não é um horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve:
b)Ser declarado que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado “com folga fixa ao fim de semana, coincidente com o Sábado e Domingo”.
c)Ser declarado que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do horário de trabalho pretendido pela Ré.
d)Ser declarada a inconstitucionalidade dos art. 56.º e 57.º do Código do Trabalho.

E, em consequência da procedência de qualquer um dos pedidos acima formulados, deve:
e)Ser declarado que a Autora não está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho compreendido entre as 08H00 e as 19H30, com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o Sábado e Domingo, até o filho da Ré perfazer 12 anos;
f)Ser declarado que a Autora mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré”.

Alegou, em síntese: a R. é sua trabalhadora, com a categoria profissional de operadora de loja, afecta ao serviço pós-venda, cabendo-lhe fixar o horário de trabalho, dentro do período de funcionamento da loja (entre as 9h e as 24h/7 dias por semana); a R. requereu a atribuição de horário de trabalho flexível, entre as 8h e as 19h30m, com folgas fixas aos Sábados e Domingos, sem indicação de limite temporal; o horário pretendido não se enquadra na noção de horário de trabalho flexível e comunicou-o à R. disponibilizando-se para lhe atribuir, pelo período de um ano, um horário entre as 8h e as 19h30m, sem folgas fixas; a CITE emitiu parecer (nº 320/CITE/2014), opondo-se à sua pretensão de indeferimento do pedido da R., entendendo que o mesmo deveria ser concedido até o filho da R. perfazer 12 anos de idade; o deferimento da pretensão da A. causaria prejuízos, pois os fins-de-semana e os finais de dia, alturas em que a R. pretende não trabalhar, correspondem exactamente aos momentos de maior afluência de clientes à loja e também aos horários menos desejados pelos outros trabalhadores; dos doze trabalhadores com as mesmas funções da R., sete têm também filhos menores; o deferimento do pretendido, para mais durante 12 anos, sobrecarregaria os demais trabalhadores e poderia causar conflitos laborais; é ao empregador que compete fixar o horário de trabalho, mesmo tratando-se de horário flexível, no qual o trabalhador pode escolher o horário de trabalho tão só dentro dos limites previamente fixados pelo empregador; o trabalhador não pode de forma alguma escolher os dias da prestação de trabalho; ainda que assim não fosse, o horário pretendido não poderia ser atribuído devido a exigências imperiosas para si; e, são inconstitucionais os artºs 56º e 57º do CT, se impuserem o seu regime durante 12 anos, impondo um limite severo à livre iniciativa económica do empregador e, assim, violando os artºs 18º, nº 2 e 61º, nºs 1 e 5 da CRP.

Ocorreu audiência de partes sem que houvesse conciliação.

A R. contestou, reconvindo, assim, invocando uma excepção, impugnando factos alegados e alegando que o comportamento da A. lhe causa transtornos e angústia.

Termina pedindo a condenação “da A. a cessar a fixação de horários em violação do direito da R., conforme decisão da CITE e ainda a pagar àquela a importância de indemnização a fixar em liquidação de sentença”.

A A. respondeu em matéria de tal exceção, manteve a sua posição inicial e concluiu pela inadmissibilidade ou improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, não se admitindo a reconvenção, julgando-se improcedente a excepção e dispensando-se a enunciação dos temas da prova.

Entretanto, a A., notificada do processo administrativo da CITE, requereu nos seguintes termos:
“(…)

vem expor e requerer o seguinte:
I–A VALIDADE E A EFICÁCIA DO PARECER Nº (…)/2014 COMO QUESTÃO
PREJUDICIAL AO PRESENTE DO LITÍGIO
1.º-
A Autora intentou a presente ação judicial com o propósito de obter o reconhecimento judicial do seu direito de fixar o horário de trabalho da Ré, na sequência de um parecer proferido pela CITE, no qual esta entidade concluiu que o horário de trabalho solicitado pela Ré era um «horário flexível» e que a Autora não tinha motivos para o recusar.
2.º-
Assim, na presente ação a Autora peticionou que o douto Tribunal declarasse que horário de trabalho solicitado pela Ré não é um «horário flexível» e, subsidiariamente, peticionou ainda que o douto Tribunal declarasse que o art. 56.º do C.T. não concede à Ré o direito a exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com folga fixa ao fim de semana coincidente com o sábado e domingo, que declarasse que o art. 56.º e 57.º do C.T. são inconstitucionais, e que declarasse que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do horário de trabalho pretendido pela Ré.
3.º-
Caso o Tribunal venha a entender que o horário de trabalho solicitado pela Ré é um «horário flexível» (o que não se consente), então importa verificar se o parecer da CITE é válido e eficaz, antes sequer de se apreciar os fundamentos de recusa do empregador.
4.º-
Com efeito, da leitura conjugada dos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º do CT resulta que a entidade empregadora só terá de propor uma ação judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificada, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE.
5.º-
A contrario, se o parecer da CITE: (i) não for proferido dentro daquele prazo; ou (ii) embora emitido naquele prazo, não puder produzir os seus efeitos (por ser nulo ou, até mesmo, por inexistir), considera-se que tal parecer é favorável à intenção de recusa.
6.º-
Caso não haja um parecer válido da CITE, a presente ação tornar-se-á inútil e deixará de ser necessário apreciar o seu objeto, pois deverá considerar-se que o parecer daquela comissão foi favorável à intenção de recusa da Autora, nos termos da parte final do n.º 6 do artigo 57.º do CT.
7.º-
Em suma, a apreciação da validade do parecer da CITE constitui uma questão prejudicial relativamente ao objeto da ação, na medida em que a apreciação deste pedido pressupõe um parecer da CITE desfavorável à Autora, contanto que seja válido, eficaz e tempestivo.
8.º-
Neste sentido, num caso relativamente semelhante dos presentes autos, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 17.11.2014, que: «A acção encontra, pois, o seu fundamento no disposto no n.º 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho, tendo a A. peticionado ao tribunal que declarasse que o horário de trabalho solicitado pela recorrida não é um horário de trabalho flexível, na acepção do artigo 56.º do Código do Trabalho e, subsidiariamente, que fosse reconhecida a existência de exigências imperiosas que legitimam a recusa do horário de trabalho solicitado e fosse declarado que mantém o direito de determinar o horário de trabalho da R. sua trabalhadora.
(…)
Ora, da conjugação dos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º do CT resulta que o empregador só terá de propor uma acção judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificado, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE.
Torna-se, assim, imprescindível para aferir da utilidade da prossecução da acção saber se o parecer n.º 85/CITE/2013 padece de nulidade.
Caso não haja um acto administrativo válido emitido pela CITE, deverá considerar-se que o parecer daquela comissão é favorável à intenção de recusa da Recorrente, nos termos da parte final do n.º 6 do artigo 57.º do Código do Trabalho e esta passa a poder recusar o pedido de alteração de horário sem necessidade de uma decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
Em suma, na medida em que o conhecimento do objecto da acção pressupõe um parecer da CITE desfavorável à recorrente, emitido em 30 dias e apto a produzir os efeitos a que tende, a apreciação da validade do parecer da CITE constitui uma questão prejudicial relativamente ao objecto da acção.» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.11.2014, processo nº 609/13.2TTPRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt).
9.º-
É certo que a validade e a eficácia do parecer da CITE é uma questão do foro administrativo, mas, contudo, pode ser apreciada por um Tribunal comum se for levantada a título incidental, como questão prejudicial ao objeto da ação, nos termos do art. 92.º do C.P.C.
10.º-
Neste sentido, já decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no referido Acórdão de 17.11.2014, que:
«Os tribunais comuns têm competência para apreciar a questão da nulidade do acto administrativo em que se consubstancia o parecer da CITE emitido sobre a pretensão de horário flexível formulada pelo trabalhador com responsabilidades familiares, quando a mesma se apresenta como questão prejudicial do litígio.»
11.º-
Com efeito, o art. 92.º nº 2 do C.P.C (aqui aplicável por remissão do art. 1.º do C.P.T.) permite aos Tribunais judiciais apreciarem questões do foro administrativo que sejam prejudiciais ao objeto do litigio, sendo certo que nestes casos a decisão produz apenas efeitos inter partes, como aliás decorre da referida norma.

EM FACE DO EXPOSTO:
II–A NULIDADE E A INEFICÁCIA DO PARECER N.º 320/CITE/2014
12.º-
A CITE foi notificada por este Tribunal, a requerimento da Autora, para juntar aos autos o processo administrativo no âmbito do qual foi proferido o Parecer n.º 320/CITE/2014.
13.º-
Na sequência dessa notificação, a CITE juntou aos autos cópia do processo administrativo solicitado, que correu termos sob o n.º 922/FH/2014.
14.º-
Após análise do conteúdo do referido processo administrativo, a Autora constata que o Parecer n.º 320/CITE/2014 é um ato administrativo nulo e ineficaz.

Vejamos:
15.º-
Na presente data (16.03.2015), o Código de Procedimento Administrativo que ainda está em vigor é o aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91 de 15 de novembro, com as suas alterações subsequentes – doravante designado abreviadamente por «C.P.A.».
16.º-
É certo que o Decreto-Lei nº 4/2015 de 7 de janeiro instituiu um novo Código de Procedimento Administrativo (doravante designado por «novo C.P.A.»), mas o mesmo só entrará em vigor a 28.03.2015, conforme resulta do art. 9.º do referido diploma.
17.º-
De todo o modo, o Decreto-Lei nº 4/2015 de 7 de janeiro dispõe para o futuro, pelo que a validade substancial e formal dos atos administrativos proferidos antes da entrada em vigor deste diploma deve ser apreciada à luz do anterior Código de Procedimento Administrativo, nos termos do art. 12.º nº 1 e 2 do Código Civil.
18.º-
Ora, o Parecer nº 320/CITE/2014 foi proferido em 1 de outubro de 2014.
19.º-
Assim, a validade do Parecer nº 320/CITE/2014, como a sua eficácia, deve ser aferida à luz do C.P.A. (aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91 de 15 de novembro, com as suas alterações subsequentes), que estava em vigor no dia 1 de outubro de 2014.
Isto posto:
20.º-
Do processo administrativo n.º 922/CITE/2014 não consta qualquer documento administrativo preparatório do Parecer n.º 320/CITE/2014.
21.º-
nem tão pouco a ata da suposta reunião da CITE de 1 de outubro de 2014, com indicação dos membros presentes nessa reunião.
22.º-
Por outro lado, o Parecer n.º 320/CITE/2014, de que a Autora foi notificada e cuja cópia foi agora junta aos autos pela CITE, (i) não está assinado pelos membros que estiveram presentes na reunião da CITE de 1 de outubro de 2014, (ii) nem sequer identifica o nome ou número dos membros que estiveram presentes nessa reunião.
23.º-
Os pareceres da CITE emitidos nos termos do artigo 57.º do CT são atos administrativos, conforme é sustentado pelo Parecer do Senhor Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, que foi junto aos autos pela Autora como documento n.º 8 da petição inicial.
24.º-
Por outro lado, o funcionamento da CITE rege-se pelo Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março (adiante designado DL 76/2012).
25.º-
O artigo 10.º do DL 76/2012 dispõe o seguinte: «1 – A CITE reúne em plenário por iniciativa do presidente ou de um terço dos seus membros. 2 – A CITE só pode deliberar validamente com a presença da maioria dos seus membros, reunidos em plenário. 3 – A CITE delibera por maioria dos votos dos membros presentes, tendo o presidente voto de qualidade.» (negritos nossos).
26.º-
Resulta do n.º 1 do art. 27.º do C.P.A. (e também do nº 1 do art. 34.º do novo C.P.A.), das reuniões dos órgãos colegiais, como é o caso da CITE, deve ser lavrada ata com o resumo de tudo o que nelas tiver ocorrido, incluindo a indicação dos membros presentes, das deliberações tomadas e da forma e resultado das votações.
27.º-
O n.º 4 do art. 27.º do C.P.A. (e também o nº 6 do art. 34.º novo C.P.A.) determina que as deliberações só se tornam eficazes depois de lavradas em ata e de a mesma ser devidamente assinada.
28.º-
Porém, como se referiu acima, da análise dos elementos que constam do processo administrativo n.º 922/FH/2014, a Autora conclui que (i) o Parecer n.º 320/CITE/2014 não está assinado por quaisquer membros da CITE; (ii) inexiste qualquer ata da referida reunião de 1 de outubro de 2014, que ateste, entre outros elementos, quais os membros da CITE que nela estiveram presentes.

Pelo exposto:
29.º-
Dos elementos que constam do processo administrativo n.º 922/FH/2014 é forçoso concluir que o Parecer n.º 320/CITE/2014 é nulo por inobservância do quórum e da maioria legalmente exigida.
30.º-
Com efeito, no processo administrativo n.º 922/FH/2014 não existe nenhum elemento objetivo que evidencie quantos membros da CITE é que participaram na deliberação do Parecer n.º 320/CITE/2014, pelo que não se pode concluir que a mesma foi tomada com observância do quórum e da maioria legalmente exigida.
31.º-
Ora, de acordo com a alínea g) n.º 2 do art. 133.º do C.P.A. [bem como da alínea h) do nº 2 art. 161.º do novo C.P.A.], são nulas as deliberações dos órgãos colegiais tomadas com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigida.
32.º-
O ato administrativo nulo não produz quaisquer efeitos, podendo a nulidade ser invocada a qualquer momento e por qualquer interessado (cfr. art. 134.º do anterior C.P.A. e art. 162.º do atual C.P.A.).
33.º-
Nos termos acima expostos, seja à luz do C.P.A. (Decreto-Lei nº 442/91 de 15 de novembro), seja à luz do novo C.P.A. (Decreto-Lei nº 4/2015 de 7 de janeiro), o Parecer 320/CITE/2014 é um ato nulo, por não resultar do respetivo procedimento administrativo que o mesmo tenha sido tomado com o quórum e maioria legalmente exigida.
34.º-
E mesmo que, por hipótese, não fosse considerado um ato nulo, pelo menos há-de ter-se o Parecer 320/CITE/2014 como um ato ineficaz, uma vez que do respetivo processo não consta qualquer ata com a deliberação alegadamente tomada a 1 de outubro de 2014, nos termos do n.º 4 do art. 27.º do C.P.A., e também do nº 6 do art. 34.º do novo C.P.A).
Em conclusão:
35.º-
Sendo o Parecer 320/CITE/2014 um ato nulo (ou, pelo menos, ineficaz), é forçoso considerar-se a existência de parecer favorável à Autora, nos termos e para o disposto do disposto na última parte do nº 6 do art. 57.º do Código do Trabalho.
Nestes termos, a Autora invoca a nulidade e a ineficácia do Parecer da CITE n.º 320/CITE/2014, para todos os efeitos legais.
Consequentemente, caso o douto Tribunal entenda que a Ré solicitou à Autora um «horário flexível» na aceção do artigo 56.º do CT, requer-se seja reconhecido o direito de a Autora recusar tal horário de trabalho, com fundamento no n.º 6 do artigo 57.º do CT, segundo o qual, caso a entidade empregadora não seja notificada, no prazo de 30 dias, de um parecer válido e eficaz da CITE, esse mesmo parecer considera-se «favorável à intenção do empregador»”.

A R. respondeu dizendo:
“(…)
1º-
Este Parecer não é por certo desconhecido na causa.
2º-
E a própria A. foi notificada por certo da deliberação administrativa que a afetou na definição dos direitos da R. neste ponto.
3º-
E o acto em si constitui, como claramente anota aliás o Professor Bernardo da Gama Lobo Xavier, no seu parecer, um típico Acto Administrativo.
4º-
O qual deve ser impugnado nas instâncias administrativas e não o sendo torna-se aquela caso decidido e como tal, para mais numa peça inidónea não pode considerar-se questão prejudicial a nenhum título.
5º-
Não o podendo ser diretamente neste Tribunal, que para tal não tem competência material.
6º-
Pelo que o presente douto requerimento, além de processualmente impróprio, pois já se esgotou a fase de articulados,
7º-
É ainda extemporâneo, porquanto nem o acto administrativo foi impugnado quando devia, o que consolidou, como ainda a A. nada disse do que agora diz na altura própria e que foi no momento de impugnação da ação, pois se não estudou o dossier da deliberação, foi negligente e descuidada e isso sibi imputat. É que estamos em processo civil em que as partes alegam e provam, não em administrativo aguardando sossegadamente a chegada do processo instrutor, que é aconselhável consultar previamente.
8º-
E também traduz a introdução (fora do tempo e em acto impróprio) de novas questões ou aperfeiçoamento de argumentação, fora da finalidade para que foi notificada, como se lhe admitida uma “réplica”.
9º-
Vindo como que formular um novo pedido que não tem cabimento processualmente nem no mais desorganizado País, nem é admissível neste.
10º-
Nesta conformidade, sem prejuízo de eventual pronúncia se caso por V. Exa. Seja entendido admitido admitir o presente requerimento como nova peça, com alteração de pedido e causa de pedir, entende a R. que o requerimento ora junto constitui uma peça imprópria, extemporânea, pois há longo tempo deveria conhecer esta peça.
11º-
E introduz questões para o qual o Tribunal não é competente.
12º-
Pelo que tem um evidente caráter dilatório e, como tal, deve ser sancionado.
Nesta conformidade, face ao supra exposto, não deve ser admitido o presente requerimento, sendo, como tal, desentranhado dos autos e restituído à parte apresentante.
(…)”

Foi efectuada audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença pela qual julgou-se que a A. não estava obrigada a conceder à R. o horário de trabalho por esta reclamado.
Foi rectificada a sentença quanto ao encargo de custas.

A R. recorreu.
Concluiu:
(…)

Contra-alegou-se, ampliando o objeto do recurso.
Conclusões:

(…)
Termina pretendendo que “deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve ser admitida a ampliação do objeto do recurso, alterando-se a matéria de facto e a decisão de Direito nos termos requeridos, e nomeadamente:
a)Reconhecer-se que a Recorrida tem fundamentos para recusar o horário reclamado pela Recorrente, e mantendo-se a decisão do Tribunal a quo com este fundamento.
b)Ou, caso assim não se entenda, declarar-se que os art. 56.º e 57.º do C.T., quando interpretados no sentido de que a duração máxima do horário flexível corresponde a 12 anos seguidos, são, nesta parte, inconstitucionais, repristinando-se assim a duração máxima do horário flexível prevista nos (revogados) art. 79.º e 80.º da RCT, que é de 2 anos.
Custas do presente recurso pela Recorrente”.

Aquando a admissão do recurso, o tribunal a quo proferiu ainda a seguinte decisão:
“(…)
Conforme alega a Autora, verifica-se efectivamente um manifesto lapso de escrita aquando da fixação do valor da acção, já que o valor a que se refere o artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é de €30.000,01 e não €5.000,01.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, procede-se à correcção do referido lapso nos seguintes termos: na sentença proferida, onde se lê “€5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo)” deverá ler-se “€30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)””.

O processo foi com vista ao MP que deu parecer no sentido da improcedência do recurso, ao que respondeu a recorrente.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem sucessivamente, sem prejuízo das conclusões do recurso e das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras anteriormente, para as nulidades invocadas, a validade ou eficácia ou ainda existência do parecer da CITE, a impugnação da decisão sobre a matéria de fato, a proposta da recorrente de horário e a inconstitucionalidade de normas dos Código de Trabalho.

Na sentença considerou-se como assente:

“A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio retalhista e armazenista, comercialização, distribuição, manutenção e reparação de aparelhos electrodomésticos, aparelhos de televisão, rádio e música, artigos diversos de decoração e ainda todos os artigos que se destinem a equipamento do lar, podendo ainda proceder à importação de todos os bens destinados ao comércio retalhista. (art.º 1.º petição inicial).
A Autora é detentora de diversos estabelecimentos com a insígnia “AA”. (art.º 2.º petição inicial).
A Ré é trabalhadora da Autora desde 09.02.2007. (art.º 3.º petição inicial).
A Ré tem a categoria profissional de Operadora de Loja e presta funções na loja AA, sita no Centro Comercial (…). (art.º 4.º petição inicial)
Atualmente, a Ré está afeta à secção de resolve (serviço pós-venda / apoio a clientes) da loja. (art.º 5.º petição inicial).
A referida loja está aberta ao público durante os sete dias da semana, incluindo feriados, das 09:00 horas às 24:00 horas. (art.º 6.º petição inicial).
Atualmente, o período normal de trabalho da Ré é de 40 horas por semana. (art.º 7.º petição inicial).
No contrato de trabalho as partes estipularam que competia à Autora a fixação e alteração do horário de trabalho da Ré. (art.º 9.º petição inicial).
Tem sido sempre a Autora a fixar o horário de trabalho da Ré. (art.º 10.º petição inicial).
Em 26.08.2014, a Ré entregou à Autora uma carta, através da qual requereu um horário de trabalho «entre as 08H00h às 19H30h» bem como «(…) o regime de flexibilidade de horário com folga fixa ao fim de semana, coincidente com o sábado e domingo». (art.º 11.º petição inicial).
A Ré não indicou o prazo pelo qual pretendia usufruir desse horário. (art.º 12.º petição inicial).
A Ré anexou à referida carta uma declaração da Junta de Freguesia de Águas Livres, um mapa de horário de trabalho do seu companheiro (Sr. CC), e uma declaração cuja autoria é imputada à (…). (art.º 13.º petição inicial).
A Ré qualificou o horário que solicitou como “flexível”, tendo invocando o art. 57.º do Código do Trabalho. (art.º 14.º petição inicial).
A Autora, pelo contrário, entendia que o horário solicitado pela Ré não era um horário flexível tal como este se encontra previsto no art. 56.º do Código do Trabalho. (art.º 15.º petição inicial).
Assim, no dia 12.09.2014 (e não 2013, atento ao teor de fls 40 a 42), a Autora comunicou à Ré que entendia que o horário de trabalho solicitado não correspondia a um horário flexível. (art.º 16.º petição inicial).
Nessa comunicação a Autora comunicou à Ré que estava disponível a conceder-lhe um horário de trabalho com as horas de entrada e saída situadas entre as 08H00 e as 19H30, mas apenas por um período de 12 meses, e salientando que tal esforço acarretava dificuldades para a empresa e para a equipa. (art.º 17.º petição inicial).
Por outro lado, a Autora recusou o pedido da Ré referente ao regime de folgas fixas aos Sábados e Domingos. (art.º 18.º petição inicial).
No dia 17.09.2014, a Ré respondeu à Autora, referindo que não aceitava limitar o horário solicitado à duração de 12 meses, e insistindo que pretendia um regime de folgas fixas ao fim de semana. (art.º 20.º petição inicial).
Revelou-se assim impossível qualquer acordo, tendo cada uma das partes recusado as condições que a outra estava disposta a aceitar. (art.º 21.º petição inicial).
Apesar de a Autora entender que o horário que a Ré requeria não correspondia ao direito consagrado no art. 56º do Código do Trabalho, optou por remeter todo o processo para a CITE, para que esta entidade emitisse um parecer. (art.º 22.º petição inicial).
No dia 01.10.2014 (e não 17.10.2013, atento à data do parecer a fls 46 a 53 e 158 a 182) a CITE emitiu um parecer, opondo-se à recusa da Autora ao horário de trabalho solicitado pela Ré. (art.º 23.º petição inicial).
A CITE entendeu que deveria ser concedido à Ré o horário de trabalho que esta requereu até o seu filho perfazer 12 anos de idade. (art.º 25.º petição inicial).
Este parecer da CITE foi notificado à Autora no dia 03.10.2013. (art.º 26.º petição inicial).
No dia 08.10.2014, a Autora comunicou à Ré o sentido do parecer da CITE, advertindo-a que ponderava recorrer aos meios judiciais. (art.º 27.º petição inicial).
A afluência de clientes à loja é muito mais intensa nos fins de semana, pelo que o volume de trabalho é muito maior nesses dias. (art.º 30.º petição inicial).
Assim, a Autora tem de ter maior disponibilidade de recursos humanos para trabalhar aos sábados e domingos. (art.º 31.º petição inicial).
A secção de resolve (serviço pós-venda / apoio a clientes) tem uma equipa de 12 (doze) trabalhadores, sendo 10 (dez) a tempo completo e 2 (dois) a tempo parcial. (art.º 37.º petição inicial).
Nesta equipa, há seis trabalhadores com filhos menores, a R. e os colegas DD, EE, FF, GG e HH. (art.º 38.º petição inicial).
No entanto, como a loja se encontra aberta ao fim de semana, nem todos os trabalhadores podem ter, ao mesmo tempo, folga nesses dias. (art.º 40.º petição inicial).
A Autora elabora os horários de trabalho com dias de descanso semanal rotativos, de forma a que todos os trabalhadores da secção a que a Ré pertence tenham, de forma periódica e rotativa, folga ao sábado e domingo. (art.º 41º petição inicial).
Pelo que, tendencialmente, existe um “equilíbrio” na distribuição dos horários de trabalho pelos trabalhadores. (art.º 42.º petição inicial).
Se a Ré passar a ter folgas fixas ao sábado e domingo, ficará excluída do regime de rotação acima especificado. (art.º 43.º petição inicial).
Tal como sucede com os dias de descanso semanal, a Autora procura elaborar horários de trabalho por forma a que todos os trabalhadores da secção de resolve pratiquem “horários de fecho” de forma rotativa. (art.º 49.º petição inicial).
Nos dias úteis, o período do dia em que normalmente se regista maior afluência de clientes é ao fim de tarde e à noite. (art.º 55.º petição inicial).
A elaboração dos horários de trabalho tem em conta, entre outros aspetos, as necessidades de serviço e organizacionais do empregador. (art.º 57.º petição inicial).
Dada a dificuldade em prever a evolução das necessidades de serviço e organizacionais a longo prazo, que podem ser influenciadas por diversas variáveis, a Autora não consegue prever se, após 12 meses, continuará em condições de atribuir à Ré um horário de trabalho compreendido entre as 08H00 e as 19H30. (art.º 60.º petição inicial).
A situação implica para os pais da criança (ambos empregados da A.), em fins da tarde e dos fins de semana, com vista a manter a adequada guarda e apoio à criança, deslocações para a levar e trazer a Vila Franca de Xira e ao centro de Lisboa. (art.º 11.º contestação)”.
A R. questiona a regularidade da sentença nos termos do artº 615º, nº 1, alªs b) e d), do CPC.
No entanto traduz-se em nulidades formais da decisão e, segundo o disposto no artº 77º, nº 1, do CPT, “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
No entanto no presente caso essa arguição é efectuada conjuntamente com as motivações do recurso assim como das respectivas conclusões.
Não será o caso da mesma se distinguir mais ou menos formalmente da matéria do recurso em si que o desiderato legal se encontrará atingido.
É entendimento, pacificamente seguido pela doutrina e pela jurisprudência, de que as nulidades da sentença devem ser enunciadas e motivadas expressa e separadamente pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso (Abílio Neto, CPT Anotado, 5ª ed, Ediforum, 211), vale dizer, “com explanação dos factos que consubstanciam essas nulidades, não se podendo relegar para as alegações”( Acórdão do STJ de 20.02.2002, www.dgsi.pt). O que se funda, por um lado na circunstância do requerimento ser “dirigido ao tribunal que proferiu a decisão [enquanto que] as alegações dirigem-se ao tribunal que há-de apreciar o recurso” (Acórdão do STJ de 20.03.2002, no processo n.º 3720/01-4ª, www.pgddlisboa.pt) e, por outro, “em motivos de economia, celeridade e racionalidade processuais, e não elimina nem dificulta de modo particularmente oneroso o direito ao recurso, nem tolhe o direito de acesso aos tribunais, nem viola a ideia de Estado de Direito” (Acórdão do STJ de 20.02.2002, no processo n.º 1963/01-4.ª, www.pgddlisboa.pt), “não bastando, portanto, a mera referência ao nomem juris da nulidade arguida ou à alínea do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, que a define” (Acórdão do STJ, de 20.02.2002, no procº nº 1963/01-4.ª, www.pgddlisboa.pt).
Em consequência, sempre que isso ocorra, não deve conhecer-se da nulidade invocada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.03.2002, no processo n.º 3720/01-4.ª, www.pgddlisboa.pt).
Não podemos, pois, deixar de considerar que a A. não dá cumprimento a tal imposição formal (ainda acórdãos do STJ de 25.10.1995, CJ, III, 281, do TRL de 25.01.2006 e de 15.12.2005 in www.dgsi.pt).
Nestes termos está obstada a possibilidade de se conhecer das mesmas e nomeadamente das matérias que lhe são subjacentes e que não voltem a ser replicadas no recurso em si.
Quanto ao recurso e mérito da causa.
Inexiste dissídio entre as partes que a loja onde a R. trabalha está aberta ao público durante os sete dias da semana, incluindo feriados, das 09:00 horas às 24:00 horas, que o seu período normal de trabalho é de 40 horas por semana repartidos por esses dias, seja sábados, domingos ou feriados, e, contratualmente, ainda compete à A. a fixação e alteração do horário de trabalho da R.
Na proposta da A. para a que o seu horário fosse flexibilizado nos termos conjugados dos artºs 56º e 57º do CT (devido a filha menor de três anos), foi logo requerido que esse horário fosse fixado “entre as 08H00h às 19H30h” bem como “(…) o regime de flexibilidade de horário com folga fixa ao fim de semana, coincidente com o sábado e domingo”, sem, por outro lado, se indicar o prazo pelo qual se pretendia usufruir desse horário e contraproposta.
A decisão da A. foi conceder-lhe um horário de trabalho com as horas de entrada e saída situadas entre as 08H00 e as 19H30, mas apenas por um período de 12 meses, o que não foi aceite pela R., levando aquela remeter processo para a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), nos termos do artº 57º, nº 5, do CT e cuja orgânica está consagrada no DL 76/2012 de 26.03 (com atribuições previstas nomeadamente no artº 3º).
Esta entidade é colegial e assim funciona no exercício das suas competências (artºs 6º e 10º), pelo que reúne em plenário por iniciativa do presidente ou de um terço dos seus membros, só pode deliberar validamente com a presença da maioria dos seus membros, reunidos em plenário e delibera por maioria dos votos dos membros presentes, tendo o presidente voto de qualidade.
Recusa a recorrente que o tribunal pudesse conhecer de qualquer vício referente ao processo de formação do parecer e, ao fim ao cabo, relativo ao próprio.
Na sentença foi uma das questões que foi examinada e em larga medida a solução encontrada contribuiu para a decisão constante do dispositivo.

Refere a sentença, tendo em mente o requerimento da A. acima transcrito, certamente a oposição da R igualmente citada e a jurisprudência que transcreve precisamente sobre questão idêntica:

“Entretanto, foi junta aos autos certidão do processo administrativo da CITE, sendo que a A., notificada do processo administrativo da CITE, veio invocar, como questão prejudicial da apreciação da causa, a nulidade e ineficácia do parecer emitido: o processo não contém qualquer documento administrativo preparatório do parecer, nem a acta da reunião da CITE, não identifica o nome nem sequer o número dos membros presentes na reunião e não está assinado.
A R. respondeu dizendo que o parecer da CITE, como acto administrativo que é, apenas poderia ser impugnado nas instâncias administrativas; ainda que assim não fosse, o pedido é extemporâneo porque a A. já o conhecia; ainda que o que agora é requerido se traduz numa inadmissível alteração do pedido e da causa de pedir.
A existência de um parecer da CITE favorável à pretensão de um trabalhador é pressuposto da existência da presente acção; ora, assim, sendo, não pode coarctar-se a este Tribunal a possibilidade de aferir da existência do referido pressuposto da acção – efectivamente, não poderá declarar a sua nulidade ou ineficácia erga omnes; porém, terá que, obrigatoriamente, a poder analisar para efeitos de verificação dos pressupostos da acção.
Igualmente não se pode falar em pedido extemporâneo na medida em que a nulidade (ou inexistência) é, neste caso, invocável a todo o tempo; para mais, a A. conheceria apenas o parecer e, portanto, que não está assinado – nada indica que conhecesse dos demais vícios invocados. Consequentemente, como estamos perante um vício invocável a todo o tempo relativo a um pressuposto da acção, também não se pode falar de alteração do pedido ou da causa de pedir; estamos ainda a montante do pedido e da causa de pedir, que se mantêm inalterados.

Neste sentido, ver acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 609/13.2TTPRT, onde se diz:

“4.2. Começando pela questão de saber se é admissível o incidente suscitado relativamente à validade do parecer da CITE, ou se o não é por constituir uma alteração inadmissível do objecto da acção – questão que, como bem diz a recorrente, precede logicamente a necessidade de aferir da competência do tribunal para a sua apreciação –, devemos adiantar que se nos afigura perfeitamente admissível o incidente suscitado.
Com efeito, a presente acção declarativa de simples apreciação tem como causa de pedir um pedido de alteração do horário de trabalho da recorrida nos termos dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho e a intenção de recusa da recorrente, bem como a alegação de que foi emitido pela CITE um parecer desfavorável à intenção da recorrente de recusar o horário de trabalho solicitado pela recorrida, o que levou à necessidade de aquela instaurar a presente acção. Quanto ao pedido, consiste o mesmo em que o tribunal declare que o horário solicitado não é flexível nos termos da lei e, subsidiariamente, reconheça a existência de exigências imperiosas que obstam à atribuição do horário de trabalho solicitado pela recorrida.
Nos termos do preceituado no artigo 265.º, n.º 1 do CPC “[n]a falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou aceitação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”.
Ora o incidente suscitado e a que o despacho sob censura deu resposta não colide com o pedido e causa de pedir enunciados na petição inicial mas, sim, com um pressuposto necessário para se conhecer do objecto da acção.
Com efeito, segundo estabelece o artigo 57.º, n.º 6 do Código do Trabalho a CITE “no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo”, dispondo o n.º 7 do mesmo preceito que “[s]e o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo”.
Assim, a CITE tem o prazo de 30 dias para comunicar o seu parecer ao empregador e, se o não fizer, tal parecer considera-se favorável ao empregador.
Pelo que, se proceder a alegação incidentalmente suscitada pela recorrente de que o parecer da CITE padece de nulidade, o mesmo não produz os seus efeitos nos termos do artigo 134.º do CPA e, por força da cominação constante do artigo 57.º, n.º 7 do Código do Trabalho, o parecer da CITE considera-se favorável ao mesmo.
Ora, da conjugação dos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º do CT resulta que o empregador só terá de propor uma acção judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificado, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE.
Torna-se, assim, imprescindível para aferir da utilidade da prossecução da acção saber se o parecer n.º 85/CITE/2013 padece de nulidade. (…)

4.3.6.-No caso vertente, como resulta do já exposto quanto à primeira questão, é manifesto que o referenciado pedido de declaração de nulidade do parecer da CITE se deve qualificar uma questão incidental e prejudicial da acção, enquadrável no âmbito do artigo 20.º do Código de Processo do Trabalho e 92.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, se o empregador só tem de propor uma acção judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificado, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE, se tal parecer não for proferido dentro daquele prazo ou o for mas não puder produzir os seus efeitos por ser nulo, deve considera-se que tal parecer é favorável à intenção de recusa.
Assim, à face do regime plasmado no artigo 57.º, n.ºs 6 e 7 do Código do Trabalho e como bem afirma a recorrente, o Tribunal a quo só terá de apreciar o pedido de horário flexível solicitado pela Recorrida e os fundamentos de recusa apresentados pela Recorrente se houver um parecer válido da CITE e, caso não haja, a presente acção tornar-se-á inútil e deixará de ser necessário apreciar o seu objecto, pois deverá considerar-se que o parecer daquela comissão foi favorável à intenção de recusa da Recorrente, nos termos da parte final do n.º 6 daquele preceito.
Pelo que a validade do parecer da CITE constitui uma questão prejudicial relativamente à necessidade da apreciação judicial dos pedidos formulados na petição inicial.”

Verifiquemos então da validade do parecer da CITE:
Compulsada a certidão junta aos autos, verifica-se que, efectivamente, o processo não contém qualquer documento administrativo preparatório do parecer, nem a acta da reunião da CITE, não identifica o nome nem sequer o número dos membros presentes na reunião e não está assinado.
Os vícios do parecer da CITE são de tal modo graves que não resta senão concluir pela sua nulidade, no mínimo por violação de quórum (absolutamente desconhecido), como estabelecido pelo C.P.A.; mas são tantas as irregularidades que se pode falar numa nulidade perto da inexistência do acto.
Deste modo, não resta senão concluir inexistência do pressuposto de parecer válido da CITE favorável à trabalhadora, considerando-se, consequentemente, que o parecer é favorável à recusa”.
Dir-se-á ainda que será de recordar que na dita jurisprudência se reflecte com interesse aqui para a discussão da causa o seguinte:
“Assim, configurando-se a questão da nulidade do parecer n.º 85/CITE/2013 da CITE suscitada pela recorrente após os articulados da acção como uma questão prejudicial, é de reconhecer ao tribunal a quo competência para conhecer desta questão de natureza administrativa nos termos enunciados nos artigos 134º, nº 2 do CPA, 40.º do CPT e 96.º e 97.º do CPC, pelo que deveria o mesmo ter verificado os pressupostos de prejudicialidade e reconhecer a sua competência para dela conhecer e, depois, optado por sobrestar na decisão final ou por decidir a questão prejudicial, ao invés de declarar a sua incompetência em razão da matéria.
Deve salientar-se que a decisão do juiz, embora seja sindicável quanto à negação ou afirmação da sua competência (por verificação dos pressupostos de prejudicialidade), já não é susceptível de recurso no que diz respeito à opção entre suspender ou não o processo, uma vez constatada a relação de dependência entre o objecto da acção e a questão originariamente da competência do tribunal administrativo, por tal traduzir o uso legal de um poder discricionário (artigo 630.º, n.º 1 do CPC) [ Vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, 2.ª edição, Coimbra 1960, p. 288 e Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª edição, reimpressão, Coimbra, 1982, p. 237 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in ob. citada, p. 184.7].”
Diga-se que os citados artºs 96º e 97º CPC são os correspondentes aos artºs 91º e 92º do CPC actual e o artºs 134º, nº 2 do CPA, atento ao tempo em que foi elaborado o parecer e formado o respectivo procedimento respeita ao código aprovado pelo DL 442/91, de 15.11, já que o CPA aprovado pelo DL 4/2015, 07.01, só entrou em vigor 90 dias depois da publicação deste diploma (artºs 7º e 9º).
Confrontando o procedimento nº 922/FH/2014, que foi remetido ao processo através de certidão, não poderemos deixar de concordar com esta conclusão do tribunal a quo, sem se olvidar o disposto nos artºs 19º a 28º do CPA então em vigor.

A própria R. admite a irregularidade do parecer:

“Cabe à recorrente declarar, sem rodeios, que dada a importância dos interesses em presença e da delicadeza do caso, quer no que diz respeito à vida pessoal, familiar e profissional da recorrente, quer quanto aos legítimos interesses empresariais da recorrida, é inaceitável a ligeireza, a falta de rigor e profissionalismo e o desrespeito das atinentes normas aplicáveis à preparação e deliberação, designadamente o CPA, que o comportamento da CITE revela (é de notar que vêm a correspondência e a certidão assinadas pela respetiva Presidente), situação esta que não pode ficar limitada a este recurso, mas ser objeto de intervenção, quer do Ministério Público, quer das entidades de inspeção e tutela da CITE, pelos indícios que patenteiam de infração de normas administrativas e penais. Se mais ninguém o fizer, nos termos das respetivas competências, terá a recorrente de o fazer.”
E anodinamente invoca o disposto no artº 64º do CPC para contrariar o bem fundado sobre a competência do tribunal a quo para conhecer das questões incidentais e a caracterização nestes termos da questão, sabendo-se que este inciso determina a competência dos tribunais apenas por exclusão de partes das competências estritamente atribuídas a outras organizações de tribunais e jurisdições, como, a título de mero exemplo, a administrativa ou tributária.
Tal como acontece ao recusar à ineficácia do parecer no sentido de valer como favorável à intenção da A. por inexistência de emissão do mesmo.
Questiona com que fundamento legal?.
Ora não bastando o que acima se transcreveu diremos também que sustentação está obviamente baseada numa analogia (artº 10º do CC) concernente à previsão do citado artº 57º, nº 6, do CT de falta de emissão de parecer que deve ser válido e eficaz, quando se está perante a inexistência ou ineficácia ou ainda a nulidade de um acto jurídico, eventualmente administrativo, este com efeito retroactivo (artº 289º do CC), invocável a todo o tempo por qualquer interessado, órgão administrativo ou tribunal, sem produzir quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (artº 134º do CPA, artº 162º do actual CPA).
Por isto deve ser relativizado o argumento da R. de que “a arguição da questão da validade/nulidade e eficácia do Parecer em que se baseara a interposição da presente ação pela recorrida, mostra-se extemporânea, pois a recorrida não podia deixar de conhecer o procedimento, a menos que o não tenha analisado quando propôs a presente ação e dirigida, para mais, a um Tribunal incompetente em razão da matéria”.
E também que a R. o poderia ter feito porque terá tomado igualmente conhecimento do parecer anteriormente à acção (fls 178/9).
E inexiste necessidade de se sobrestar os autos como a R. pede a final no recurso, em termos subsidiários.
É que com a solução do tribunal a quo evitou-se essa necessidade por força dos citados artºs 91 e 92º do CPC e artº 20º do CPT que, como o título do respetivo capítulo sugere, consoante o caso (da extensão e modificações da competência) admitem o imediato do conhecimento de matérias de outro foro em matérias constitutivas dos direitos e deveres que diretamente respeitam à competência dos tribunais judiciais, sem delongas e sem prejuízo de uma certa unidade jurídica perante terceiros, já que a decisão respectiva vincula apenas as partes do processo.   
E se é verdade que a recorrida propôs a acção porque o parecer foi sido emitido, não menos é verdade que nos termos do nº 7 do artº 57º do CT se permite a recusa da aplicação do parecer por motivo justificativo e, sem dúvida, por maioria de razão, a questão que ora se trata também poderia ser suscitada a par de outras questões desde o inicio da acção sem que daí se possa concluir que estávamos perante outra causa de pedir, sendo apenas um mero pressuposto da ação judicial.
Isto praticamente é quanto bastará para se julgar improcedente o recurso já que temos para nós que para o vencimento do primeiro pedido formulado pela A. “a declaração de que o horário pretendido pela R. não é um horário flexível” e ao modo como no dispositivo se afirmou a sua procedência “julgo que a A. … não está obrigada a conceder à R. BB o horário de trabalho por esta reclamado” a sentença é de novo bem fundada a referir:
“(…)
Ainda que assim não fosse ….

Dispõe o art.º 56.º, do Código do Trabalho, que:
Artigo 56.º
Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares
1-O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2-Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.

3-O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a)Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b)Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c)Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.

4-O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.

5-Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Vemos que, também aqui, a A. tem razão nas suas pretensões, uma vez que, mesmo no que toca ao horário flexível, cabe ao empregador, em primeiro lugar, estabelecer os limites dentro do qual o mesmo pode ser exercido – depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do seu filho menor.

A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 3.ª edição, que:

Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)….

Não é o caso dos autos, uma vez que a R. pretende ser ela própria a estabelecer os limites dentro do qual pretende exercer o seu direito; muito menos lhe caberia determinar os dias em que pretende trabalhar – o horário flexível diz respeito aos limites diários.

Assim, também por esta via, seria procedente a pretensão da A.”.
E, com efeito, o “horário flexível” que caberia ser fixado à A. como entidade patronal mas de qualquer forma sugerido pela R, questiona quer os próprios termos do contrato que predissemos, principalmente no que respeita aos dias de descanso como também, a sua rigidez, entendida como admissível nos termos do artº 57º, retiraria eficácia nomeadamente ao poder de direção da A que nesta matéria tem logo como pressuposto o período normal de trabalho contratado (artº 198º e 212º do CT), e ao seu poder de organização e gestão da atividade económica exigida pela empresa (artº 212º do CT).

Bem como certo será que a margem de manobra da A. para organizar o horário da R. não pode ficar apenas subordinada aos interesses particulares desta por muito relevantes e respeitosos que sejam, já que sempre se devem ponderar os interesses da própria organização económica onde a R. está inserida e que é também a razão de ser do seu bem estar através da obtenção de meios de subsistência.

Estes interesses da A. podem ser ponderados através da fatualidade apurada tal como que “a afluência de clientes à loja é muito mais intensa nos fins de semana, pelo que o volume de trabalho é muito maior nesses dias; assim, a A. tem de ter maior disponibilidade de recursos humanos para trabalhar aos sábados e domingos; a secção de resolve (serviço pós-venda / apoio a clientes) tem uma equipa de 12 (doze) trabalhadores, sendo 10 (dez) a tempo completo e 2 (dois) a tempo parcial; nesta equipa, há seis trabalhadores com filhos menores, a R. e os colegas DD, EE, FF, GG e HH; no entanto, como a loja se encontra aberta ao fim de semana, nem todos os trabalhadores podem ter, ao mesmo tempo, folga nesses dias; a A. elabora os horários de trabalho com dias de descanso semanal rotativos, e forma a que todos os trabalhadores da secção a que a Ré pertence tenham, de forma periódica e rotativa, folga ao sábado e domingo; pelo que, tendencialmente, existe um “equilíbrio” na distribuição dos horários de trabalho pelos trabalhadores; e se a Ré passar a ter folgas fixas ao sábado e domingo, ficará excluída do regime de rotação acima especificado; tal como sucede com os dias de descanso semanal, a A. procura elaborar horários de trabalho por forma a que todos os trabalhadores da secção de resolve pratiquem “horários de fecho” de forma rotativa; nos dias úteis, o período do dia em que normalmente se regista maior afluência de clientes é ao fim de tarde e à noite; a elaboração dos horários de trabalho tem em conta, entre outros aspetos, as necessidades de serviço e organizacionais do empregador; e, dada a dificuldade em prever a evolução das necessidades de serviço e organizacionais a longo prazo, que podem ser influenciadas por diversas variáveis, a A não consegue prever se, após 12 meses, continuará em condições de atribuir à Ré um horário de trabalho compreendido entre as 08H00 e as 19H30”.

Ora, perante todas estas circunstâncias relevantes para a concertação e conciliação dos interesses do colectivo dos trabalhadores colegas da R. e a maior obtenção nos proveitos económicos, sem dúvida que a importância do último fato ficado assente de que “a situação implica para os pais da criança (ambos empregados da A.), em fins da tarde e dos fins de semana, com vista a manter a adequada guarda e apoio à criança, deslocações para a levar e trazer a Vila Franca de Xira e ao centro de Lisboa” fica necessariamente muito mais diminuída do que daqueles, por muito que se queira chamar à colação a proteção da parentalidade e os direitos da criança.

Pelo exposto deverá improceder o recurso da R. e, prejudicado a ampliação do recurso da A deduzido a título subsidiário (artº 636º do CPC), será mantida na íntegra a sentença.

Decisão.

Por todo o exposto, julga-se improcedente o recurso da R., e prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso da A., confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 33 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa,18.05.2016


Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos

Decisão Texto Integral: