Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14013/17.0T8LSB.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEENTE
Sumário: I O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.

II O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.

III Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

IV As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).

Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



IRelatório:


1.N….., residente  M, residente …. intentaram a presente acção de processo comum de declaração contra o Banco B……,  com sede em Lisboa e Banco C…, com sede em Lisboa, pedindo que “julgando a presente acção procedente por provada, deve:
“A)- ser o negócio celebrado entre os AA. e R. anulado por erro na base  do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento;
Se assim não se entender, o que apenas e só por mero dever de patrocínio se pede, deve a R ser condenada a:
B)- pagar aos AA. uma indemnização no valor de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304.º, 304.º-A, 311.º, 312.º, 312.º-B, 312-C a 312.º-G, 314.º, ss, todos do CVM;

Ou caso assim não se entenda.

C)-O ser o negócio celebrado entre os AA. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento.”

2.Alegam, para tanto, em síntese, que a 26-03-2014, o 1.º Autor, por si e em representação da 2.ª Autora, por intermediação do Réu Barclays e na sequência do aconselhamento do gestor de conta da agência do B….sita …, assinou uma ordem de subscrição de obrigações com a designação “OB PORTUGAL TELECOM INT FIN – 4,5% - 15/06/2025”. no montante de € 79.000,00 (setenta e nove mil euros), que o 1.ª Réu, na qualidade de intermediário financeiro, não procedeu, como devia, à classificação do perfil do subscritor enquanto investidor e omitiu informação relevante que esteve na base do negócio e conduziu o Autor a contratar com o 1.º Réu a subscrição daquelas obrigações, designadamente as relativas à natureza e aos riscos do produto financeiro em causa, como o impacto do efeito da alavancagem e do risco da perda total do investimento, a volatilidade do preço dos instrumentos financeiros, etc. (artigos 21.º a 116.º da petição inicial).

Mais alegam, subsidiariamente, que o 1.º Réu violou o dever de informação de alteração significativa na informação prestada [artigos 312.º-C a 312.º-G, CVM], designadamente a parir do memorandum de entendimento celebrado em 1/10/2013 com Oi, SA, a AG TELECOM PARTICIPAÇÕES, S.A. (AG), a LF TEL, S.A. (LF Tel), a PASA PARTICIPAÇÕES, SA, (PASA), a EDSP75, PARTICIPAÇÕES, SA (EDSP75), a BRATEL BRASIL, SA (BRATEL BRASIL), a AVISTAR, SGPS, SA (BES) e a NIVALIS HOLDING BV (ONGOING) e da posterior assinatura, em 20/02/2014, dos acordos definitivos de “Aliança Industrial” com aquelas empresas, o que levou a que, a partir de 18/03/2014, a entidade emitente passasse a ser uma outra sociedade, completamente diferente à que existia em 2012, designada PT PORTUGAL, SGPS, SA, que seria mera subsidiária do Grupo Oi, informação relevante que nunca foi prestada ao Autor, sendo que a Oi, SA cedo viu o seu rating diminuir de nível para ser ainda mais “especulativo e sujeito a um substancial risco de crédito” do que o rating da PT, quando o A. subscreveu as obrigações.

Os Autores aduzem, ainda, que o 1.ª Réu, enquanto intermediário financeiro das Notes, sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente bem como sabia que tinha sido antecipada a maturidade do produto para quem pretendesse exercer esse direito, de 27 de Julho de 2016 para 30 de Junho de 2015, bem como estava a par da degradação económico-financeira da Oi e suas subsidiárias, inclusive, da PTIF.127, e que, apesar disso, incumpriu o dever de informação do direito ao reembolso antecipado (artigos 117.º a 191.º da petição inicial).

Subsidiariamente, alegam, ainda, que houve alteração das circunstâncias em que o Autor fundou a sua decisão de contratar, que obstou ao cumprimento pontual do contrato que, isto é, à execução do “programa negocial” e que foi afrontado o princípio da boa-fé, que visa assegurar o equilíbrio das prestações de modo a que a uma das partes não seja imposta uma desvantagem desproporcionada que favoreça a contraparte.

Termos em que concluíram que em consequência dos actos do 1.º Réu todos os títulos que os Autores detêm, por força da Oi (actual garante) se encontrar em situação de recuperação judicial no Rio de Janeiro, deixaram de ser transaccionáveis em mercador regular e o seu valor pecuniário é quase nulo, já que não é sequer credível que o Autor os consiga transaccionar no mercador particular (118.º a 221.º da petição inicial).

3.Citados vieram os Réus arguir, além do mais, a excepção de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial.

3.1.- O  2ºRéu  alegou, em resumo:
O pedido formulado pelos Autores não é dirigido a ambos os Réus, porquanto se pede sempre a condenação “do Réu”;
Considerando que o pedido é apenas formulado contra um dos Réus, não se descortina contra qual será, o que torna o mesmo ininteligível;
Com a referência feita pelos Autores ao facto de “ignorar os termos da referida transacção” parecia pretenderem os Autores valer-se do preceituado no art.º 39º do CPCivil, o qual estabelece a pluralidade subjectiva subsidiária, porém, se a pretensão era deduzir pedido diverso ou o mesmo pedido contra o Réu subsidiário, sempre se teria de indicar qual o Réu a título principal e qual o Réu a título subsidiário, o que os Autores não fazem na petição inicial;
Não deduzindo um pedido principal e outro subsidiário, não é admissível a pluralidade subjectiva subsidiária sendo que nos presentes autos sequer se indica qual o Réu contra quem é formulado o pedido.
Conclui, defendendo que a petição inicial é inepta, nos termos do disposto no art.º 186º, n.º 2, alínea a), do CPC;
Mais alega, a inexistência de causa de pedir relativamente ao 2º Réu .
Defende que, ao abrigo do disposto no art.º 39º do CPC, apenas se admite a dedução de pedido subsidiário ou contra o Réu subsidiário, em caso de fundada dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida não alegando os Autores, em sede de petição inicial, quais as razões que os levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida.
A petição inicial é clara quando refere que o cliente contratou com o  1ºRéu e que todos os factos que constituem a causa de pedir são anteriores a 2015.
Não se entende como o contrato celebrado entre os Réus poderia afectar o sujeito da relação material controvertida sendo certo que os Autores não alegam qualquer facto de onde pudesse resultar a responsabilidade do 2ºR inexistindo, assim, causa de pedir relativamente a este Réu.
Mesmo que se dessem como provados todos os factos alegados em sede de petição inicial, nunca poderia o 2ºRéu ter com fundamento nos mesmos ser condenado.
Conclui, pedindo a sua absolvição da instância.

3.2. Por sua vez, o 1º Réu  alegou, em substância:
Pese embora a acção seja intentada contra ( ambos.. )os RR, a alegação feita em sede de petição inicial e os pedidos formulados, são feitos sem cuidar de identificar contra quem os mesmos são dirigidos.
Embora sabendo que o negócio do  1ºRéu foi parcialmente alienado ao 2ºRéu  (art.º 3º da P.I.) não identificam junto de quem pretendem obter o ressarcimento do seu alegado crédito e a que título, conquanto constroem o pedido como existindo um único Réu quando, na verdade, demandaram duas entidades bancárias distintas.
Aos Autores cumpriria alegar a que título e com que fundamento os Autores pretendem a responsabilização conjunta de duas entidades bancárias distintas, o que não fazem.
Concluem, pedindo, seja declarada inepta a petição inicial por falta de pedido e de causa de pedir, na parte em que não identificam que Réu, na tese dos Autores é visado no pedido principal e nos pedidos subsidiários.
Caso assim se não entenda, deverão os Autores ser convidados a aperfeiçoar a petição inicial a fim de esclarecerem a que título e com que fundamento pretendem a anulação e a imputação de responsabilidade, simultaneamente a dois RR. distintos, duas entidades bancárias distintas.

4.Os Autores responderam às invocadas excepções, dizendo, em substância:
a)- quanto ao invocado pelo Réu Barclays: que o mesmo contestou a acção fazendo um resumo do objectivo pretendido pelos Autores com a presente acção. Referindo-se à alegação de facto e de Direito dos Autores, o Réu logrou distinguir a causa de pedir e o pedido, contestou de forma exaustiva, termos em que concluir não ser necessário qualquer aperfeiçoamento uma vez que logo no art.º 5º os Autores esclarecem que os factos ocorridos até 02.09.2015 respeitam ao 1º Réu
b)- quanto ao invocado pelo 2ºRéu : que a petição inicial é clara, quer quanto ao motivo pelo qual intentaram a presente acção contra ambos os Réus, referindo-se ao alegado no art.º 4º da petição inicial, quer quanto á causa de pedir e pedidos formulados contra o aqui 2º Réu, que são os ocorridos após o contrato de trespasse celebrado entre os Réus, a 01.04.2016., existe causa de pedir e pedido devidamente identificado.

5.Dispensada a realização de audiência prévia, com data de 14-06-2019, veio a ser proferido saneador-sentença, com a ref.ª Citius 387770662 [cfr. fls. 2155 a 2170)], que julgou inepta a petição inicial e absolveu os Réus da instância.

6.Inconformados, apelaram os Autores para esta Relação, rematando a alegação de recurso com as seguintes Conclusões:
«I.O douto saneador-sentença julgou procedente a exceção ineptidão da petição inicial, e em consequência, declarou a nulidade de todo o processo, absolvendo a ré da instância.
II.A ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é, efetivamente, causa de nulidade (art. 193º, 2, CPC).
III.Trata-se, no entanto, de uma nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 193º, 3, CPC.

IV. A respetiva sanação ocorre com a prática de atos processuais da R. ou das RR., a saber:
a.-Apresentação de contestação;
b.-Arguição da ineptidão;
c.-Verificação que a R., ou as RR., interpretaram convenientemente a PI;
d.-Audição dos AA.

V.Condições estas que, cumulativamente, se verificam nos presentes autos.

VI.As RR. interpretaram convenientemente a PI, conforme se pode depreender das seguintes circunstâncias:
a.-Extensão da contestação: arguição não apenas a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, mas também cerca de duas dezenas de exceções, articulando ao longo de um total de 542 e 598 (!!!) artigos respetivamente;
b.- O  2ºR. …..
defendeu-se da putativa pluralidade subjectiva subsidiária a propósito da exceção ineptidão da PI;
c.-O  1ºR.  deduziu a intervenção principal provocada da P…. Oi, S.A. e das Contrapartes dos SWAP’s;

VII.Motivos pelos quais deve ser considerado que a pretensa nulidade - a existir - terá sido sanada pela intervenção das RR., nos moldes em que ocorreu.
VIII.Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do art.º 193 do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição, conforme o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça.
IX. Ao não agir da forma descrita, nem tão pouco referindo, na douta sentença, os motivos pelos quais não entende que as RR. tenham interpretado corretamente a PI, o Juiz a quo agiu em desconformidade com a lei processual civil, o que se deixa invocado, com as legais consequências.
X.Ainda que assim não seja doutamente entendido, encontrar-nos-emos perante uma situação em que recaía sobre o Juiz um dever de convite ao aperfeiçoamento (art. 590º, 4, CPC), e conforme é concebido, também, pela R. Barclays na sua douta contestação;
XI.Isto porque só a completa ausência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que é geradora de ineptidão, nas palavras do Tribunal da Relação de Évora, o que não sucede nos presentes autos.
XII.A douta sentença proferida viola, por isso, o disposto nos arts. 39º, 186º e 590º CPC.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SERÃO SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER PROFERIDO ACÓRDÃO NO QUAL SEJA DECLARADA SANADA, PELA CORRETA INTERPRETAÇÃO DAS RR., A PETIÇÃO INICIAL OU, CASO ASSIM NÃO SEJA DOUTAMENTE ENTENDIDO, SER A A. CONVIDADA A APERFEIÇOAR A PI, FAZENDO V. EXAS. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»

7.Os Réus  apresentaram contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso.

8.Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

IIObjecto e delimitação do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil [CPC], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso (art.º 130º do CPC). Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[[1]].

No caso, atendendo às conclusões do recurso, as questões a decidir são:
1.ª - Da ineptidão da petição inicial;
2.ª - Da sanação do vício;
3.ª - Do convite ao aperfeiçoamento.

III–Fundamentação

A) Motivação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede que resultam da tramitação processual.

B) Motivação de Direito – mérito do recurso
1.- Os Autores mostram-se irresignados com o facto de o Tribunal a quo ter absolvido o 1º Réu e o 2ºRéu  da instância, por ter julgado procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial invocada por ambos nas suas Contestações.

Argumentam, em substância, que propuseram a presente acção contra os intermediários financeiros que se sucederam no âmbito de um contrato de intermediação financeira que celebraram.

Assim, o contrato de intermediação financeira foi inicialmente celebrado com o 1ºRéu , sendo que, no âmbito de tal contrato, foram prestados vários serviços financeiros, nomeadamente:          a)- Subscrição de produtos financeiros; e b) Custódia de produtos financeiros.
Aduzem, ainda, que, entretanto, em 02/09/2015, ocorreu uma cessão da posição contratual no contrato de intermediação financeira, fruto da qual a posição de intermediário financeiro passou a ser exercido pelo Réu Bankinter.

Ou seja, passou a ser o 2ºRéu  a entidade custodiante dos títulos que compunham a carteira dos Autores, sendo que no artigo 5º da PI os Autores frisaram que, no âmbito do contrato de intermediação financeira: a) primeiramente as funções de intermediário financeiro foram desempenhadas pelo 1º R. ; e b) a partir de data que desconhece, mas que se pretendeu situar em 02/09/2015, tal posição contratual passou a ser desempenhado pelo 2º Réu .

Alegam, por fim, que a petição inicial revela a existência de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, caracterizadora de uma situação de pluralidade subjectiva subsidiária, que justificou a demanda de ambos os Réus, nos termos do artigo 39.º do CPC, e que, conforme os esclarecimentos prestados na resposta às excepções, os pedidos formulados sob as alíneas A) e B) foram dirigidos, a título principal, contra o 1ºRéu  (embora entre os pedidos exista uma relação de subsidiariedade) e todos os pedidos, por sua vez, foram deduzidos também, embora, subsidiariamente contra o 2ºRéu, nos termos do art.º 39.º do CPC.

2.No saneador-sentença em crise concluiu-se pela ineptidão da petição inicial com os fundamentos seguintes:
“Dispõe o art.º 186º n.º 1 do CPC que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial e nos termos do n.º 2 do mesmo normativo diz-se inepta a petição inicial quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

A noção legal de pedido extrai-se do n.º 3 do art.º 581º do CPC: é o efeito jurídico que o Autor pretende obter.

No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, in Introdução ao Processo Civil, pág. 23, o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva.

Mais importante que a qualificação jurídica que, porventura seja dada pelo autor, deve atender-se ao efeito prático que se pretende alcançar – Anselmo de Castro, in Processo Civil (Declaratório), pág. 160.

O pedido deve obedecer a determinadas características: exige-se que o pedido seja deduzido de forma clara e inteligível e seja preciso e determinado.

Só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, não se admitindo a formulação de pedidos ininteligíveis, ambíguos, vagos ou obscuros.

Não pode pretender-se colocar o réu ou o juiz na posição de ter de adivinhar a real vontade do autor.

O réu só pode exercer efectivamente o contraditório quando confrontado com uma pretensão cujos contornos e alcance resultem claros da petição inicial, sem necessidade de conjecturar acerca da verdadeira intenção do autor quando resolveu solicitar a intervenção judicial; no que ao juiz concerne, a clareza e inteligibilidade da tutela solicitada visam evitar, incertezas quanto ao objecto da acção no que respeita á forma de tutela pretendida.
*

Os AA. vêm intentar a presente acção contra duas RR. que têm personalidade jurídica própria ( art.º 5º do CSC), distinta uma da outra.

Porém, nos pedidos principal e subsidiários, referem, única e exclusivamente, “o/a R”. sem identificar, pela sua denominação social, a qual delas se pretendem referir – se à primeira ou à segunda:
a)- seja o negócio celebrado entre os AA. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento;
se assim não se entender,
b)- seja a condenada a pagar aos AA. uma indemnização no valor de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento;
e caso ainda assim não se entenda,
c)- seja o negócio celebrado entre os AA. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 79 000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 10 163,95 e juros vincendos até integral pagamento.

Face à forma como deduziram os pedidos, no singular, os AA. só pretendem a condenação, relativamente a cada um deles, de uma das RR.

Note-se que na resposta às excepções os AA. não vieram alegar que pretendem, relativamente a todos e cada um dos pedidos, a condenação de ambas as RR., o que, aliás não seria de aceitar, já que isso não tem um mínimo de correspondência verbal no texto do pedido e, além disso, constituiria, nesta fase, uma alteração do pedido, não admissível, por não ser nem consequência nem desenvolvimento do pedido inicial (cfr. art.º 265º n.º 2º do CPC).

Pretendendo os AA. a condenação, relativamente a cada um dos pedidos, de uma das RR., impunha-se, à luz dos mais elementares regras processuais, que os AA. identificassem pela sua denominação social qual das RR. pretendem ver condenada relativamente a cada um dos pedidos e não se limitassem a indicar “ o/a R.”.

A forma como os AA. deduziram o pedido, quando a acção é intentada contra duas RR., viola as mais elementares regras de clareza e inteligibilidade e cooperação, gerando a incerteza absoluta quanto à entidade que pretendem ver condenada.

Note-se que não estamos perante uma pura e simples discrepância, quebra ou desencontro do pedido relativamente ao que consta dos fundamentos da acção.
No caso, a não identificação d’o/a R. pela sua denominação social, revela-se não apenas na forma como os AA. apresentam os pedidos, mas também ao longo de toda a petição inicial, tornando-se global, o que revela que estamos perante uma opção dos AA., como adensa a incerteza quanto á entidade que, relativamente a cada um dos pedidos, pretendem ver condenada.
Como resulta do relatório da petição constante do ponto III, também ao longo da sua petição os AA. referem-se sempre e apenas ao/à “R.”, sem nunca o/a identificar pela sua denominação social, como se a presente acção fosse intentada apenas contra um R., quando não é isso que sucede, sem que se perceba a qual das RR. se estão a referir em cada um dos momentos.

É certo que no art.º 3º se alega que a 02.09.2015. a R. acordou com o 2ºRéu a venda e compra dos activos e passivos, levando a que se considere, por exclusão de partes, que “a R.” referida no inicio do citado artigo é o 1º Réu.

É também certo que no art.º 4º os AA. alegam que a “ora A.” ignora os termos precisos da referida transacção, nomeadamente se foram transmitidas ou não as responsabilidades que melhor se irão descrever infra pelo que, considerando que os factos que irão ser relatados ocorreram antes de 2 de setembro de 2015 e com o R., então é contra ele que a presente acção é interposta”.

Tendo presente o alegado no artigo anterior, extrai-se a razão porque a acção é intentada contra o 1ºR.

Mas não se extrai a razão pela qual o 2ºR é demandado e, nomeadamente, não se extrai que o mesmo é demandado com fundamento nos factos ocorridos após o contrato de trespasse celebrado entre os RR. a 01.04.2016., quer porque isso não tem um mínimo de correspondência verbal no alegado, quer porque, como já referido, ao longo da petição os AA. referem-se sempre ao/à “R.”, sem nunca o/a identificar pela sua denominação social, gerando, assim, incerteza, quanto á causa de pedir relativamente a cada um dos RR.

Aliás, na resposta à excepção invocada pelo 1º R.  dizem que não é necessário qualquer aperfeiçoamento uma vez que logo no art.º a A. esclarece que os factos ocorridos até 02.09.2015. respeitam ao 1º R., para depois, na resposta à excepção invocada pelo 2ºRéu , virem dizer, referindo-se ao alegado no art.º 4º da petição inicial, que a causa de pedir e pedidos formulados contra o aqui 2º R., são os ocorridos após o contrato de trespasse celebrado entre os RR. a 01.04.2016..

Refira-se que mesmo que fosse possível fazer corresponder temporalmente os factos a cada um dos RR., isso não permitiria, por si só, identificar o Réu contra a qual os AA. pretendem deduzir cada um dos pedidos nem, com certeza, qual a causa de pedir relativamente a cada uma delas, já que ao longo da sua petição inicial referem-se sempre ”o/a R.” sem nunca o designar pela sua denominação social.

Na resposta á excepção invocada pelo 2ºR alegam que “ a petição inicial é clara quer quanto ao motivo pelo qual intentou a presente acção contra ambos os RR. ( vide art.º 4º da petição inicial) quer quanto á causa de pedir e pedidos formulados contra o aqui 2º R., que são os ocorridos após o contrato de trespasse celebrado entre o 1º e º 2º RR, em 01.,04.2016.. // Assim existe causa de pedir e pedido devidamente identificado quanto ao 2º R.”.

A alegação de que a petição é clara quanto aos pedidos formulados contra o 2ºR.  e de que existe pedido devidamente identificado quanto ao mesmo R. não têm qualquer sustentáculo na petição inicial, pelo que se viu – os AA. não identificam, minimamente, a Ré contra quem pretendem deduzir cada um dos pedidos, limitando-se a pedir a condenação d’“o/a R”..

Note-se que pese embora a invocação, clara e compreensível, da ininteligibilidade do pedido, pese embora os AA. tenham tido sido notificados para responder á referida excepção e tenham tido, assim, oportunidade para clarificar o pedido, identificando de forma precisa a Ré contra quem pretendiam deduzir os pedidos, cumprindo os deveres de cooperação e boa fé processual, não o fizeram.

É irrelevante a alegação de que os RR. compreenderam a causa de pedir, porque não é isso que está em causa.

O que está em causa é algo bem mais elementar e básico: estando demandadas duas RR. e sendo os pedidos deduzidos no singular, contra qual das duas é que os AA. pretendem deduzir cada um dos pedidos.
*

Estamos assim perante uma situação de ininteligibilidade do pedido, no sentido em que sendo a acção intentada contra duas sociedades comerciais, com personalidade jurídica própria, mas tendo sido formulados pedidos no singular, coloca-se o tribunal na posição de, no momento de tomar uma decisão de mérito, não saber qual das RR. os AA. pretendem seja condenada relativamente a cada um dos pedidos (aliás e neste sentido o Ac. da RL de 22.01.2019., consultável in www.dgsi.pt/jtrl pelo processo 14021/17.0T8LSB.L1-7, numa situação em a petição tinha os mesmos contornos que a dos autos)
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De referir que não é caso de prolação de despacho de aperfeiçoamento, já que a situação em apreço – ininteligibilidade do pedido - não cabe em nenhuma das situações previstas nos n.ºs 2 b), 3, 4, 5 e 6 do art.º 590º do CPC.

A ineptidão da petição inicial, seja ela por que razão for, é insanável – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 2ª Volume, 3ª edição, Almedina, pág. 628-629.

Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, 4ª edição, pág. 71, admite a prolação de despacho de aperfeiçoamento quando a formulação do pedido se apresente deficiente, mas não comprometa a aptidão da petição inicial, ou seja, que não se reconduza à falta ou ininteligibilidade do pedido nem á incompatibilidade substancial de pedidos cumulados ou á contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Não é o caso uma vez que estamos perante uma situação de ininteligibilidade do pedido (e que a forma como os AA. alegaram os factos) e não perante uma pura e simples formulação deficiente do pedido.

Lebre de Freitas in A Acção Declarativa Comum, 3ª edição, 2013, pág. 160, nota 10, refere que a deficiência na formulação do pedido que não se reconduza a nenhuma das situações de ineptidão da petição inicial, pode, igualmente, suscitar o convite ao aperfeiçoamento, a fim de melhor ficar expressado aquilo que, apesar de tudo, é inteligível – se não o for, a petição é inepta – e que, portanto o réu e o juiz podem compreender.

Não é o caso, já que a situação em apreço se reconduz à ininteligibilidade.

E por estas razões já não acompanhamos o já acima referido Ac. da RL que ordena seja proferido despacho de aperfeiçoamento, apesar de reconhecer, de forma clara e inequívoca, a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido.
*

A ininteligibilidade do pedido determina a ineptidão da petição inicial, a qual constitui nulidade e tem como consequência a absolvição da instância das RR. ( art.ºs 186º n.º 1 e 2 alínea a), arts. 577º alínea b) 196º, 578º e 576º n.º 2, todos do C.P.Civil, ficando prejudicada a apreciação de todas as restantes questões suscitadas. » [Fim de citação].

3. Antecipando a nossa decisão e na sequência do já decidido em situação similar por Acórdão desta Relação e 6.ª Secção, em que interveio o mesmo colectivo de juízes, proferido em 25-10-2018, no proc. n.º 2.672/17.8T8LRA.L1, diremos que só podemos acompanhar a sentença em crise no que diz respeito ao  ora 2.º Réu, mas já não quanto ao 1.º Réu, por não sufragarmos, nesta parte, quer a fundamentação expendida naquela decisão, quer o sentido decisório alcançado.

Como é sabido, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber se a petição inicial é inepta, por falta e ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir.
Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil (CPC), a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (…). Daí se infere que o direito à jurisdição, genérica e abstractamente proclamado e garantido no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República, se realiza mediante o exercício do direito de acção concretamente adequado a reconhecer em juízo o singular direito subjectivo (ou interesse legalmente protegido) que se pretende fazer valer, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente, como deflui da noção constante do n.º 2 do citado artigo 2.º do CPC.

Por isso mesmo, o exercício do direito de acção requer a verificação de requisitos formais quanto aos respectivos sujeitos e objecto - designados por pressupostos processuais relativos à acção -, cuja falta obsta ao conhecimento de mérito, determinando a absolvição do réu da instância. Um desses requisitos incide sobre a delimitação do próprio objecto da acção, o qual tem se mostrar idóneo em termos de permitir delinear o âmbito de cognição do tribunal e da formulação do respectivo juízo de mérito, dentro dos parâmetros traçados nos artigos 608º, nº 2 e 609º, n.º 1, e 5º do CPC, bem como definir os limites objectivos do caso julgado material, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º e 621.º, com referência ao artigo 581º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma.  

Com efeito, nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido, respectivamente, pedido esse que tem de ser dirigido contra um concreto réu ou contra uma pluralidade de réus, no caso de litisconsórcio ou coligação passivos.
Do disposto no nº 3 do artigo 581.º do citado Código extrai-se que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no artigo 6º do CPC, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório [[2]].  
     
Por seu lado, o n.º 4 do indicado artigo 581º define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido. E, em particular no que concerne às pretensões reais, o mesmo normativo, inspirado na teoria da substanciação, precisa que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real invocado.

Como é sabido, o objecto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
No que aqui releva, sobre os Autores impende o ónus de indicarem o concreto efeito prático-jurídico pretendido e de alegarem uma factualidade específica ou concreta que viabilize a formulação de um juízo de mérito sobre a pretensão deduzida contra cada um dos Réus, no caso, ……., já que se tratar de entidades bancárias distintas.

Ainda no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, há que distinguir os factos indispensáveis à sua caracterização, e portanto dela estruturantes, e os factos que, muito embora essenciais à procedência da acção, não se mostram todavia imprescindíveis à caracterização da causa de pedir para efeitos de um pronunciamento de mérito, seja ele positivo ou negativo. É certo que nem sempre é fácil fazer a distinção prática entre as duas categorias de factos, mas o critério de aferição passará por um juízo de prognose a ponderar, no confronto de cada situação, na perspectiva do caso julgado material que venha a recair sobre o objecto da causa em ter-mos de evitar a repetição futura de causa idêntica.

Nesta base, podemos pois concluir que a idoneidade do objecto da acção implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, de forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo.

Em contraponto, não se verificará tal idoneidade quando:
a)- não seja indicado qualquer efeito prático-jurídico pretendido;
b)- seja indicado um efeito pretendido em termos ininteligíveis ou tão vagos que, mesmo com o recurso aos fundamentos da acção, não permitam formular qualquer juízo de mérito positivo ou negativo;
c)- não sejam alegados os factos estruturantes da causa de pedir;
d)- sejam alegados meros conceitos de direito ou factualidades abstractas que não permitam sequer reconduzir o julgado a uma situação de facto real, em termos de evitar mais tarde a repetição de causas idênticas;
e)- seja alegada uma mole de factos sem qualquer leitura possível, positiva ou negativa, na óptica do pedido (ininteligibilidade de facto), ou que não permitam descortinar um quadro normativo aplicável (ininteligibilidade de direito), nomeadamente quando, tratando-se de causa de pedir complexa, esta se mostre de tal modo truncada que não se divise como dali possa decorrer o efeito pretendido;
f)- ocorra uma relação de exclusão formal recíproca entre a causa de pedir invocada e o pedido, entre duas causas de pedir ou entre vários pedidos cumulados, que se traduza num dizer ou desdizer simultâneos.

Em qualquer das situações enunciadas, o objecto da acção será manifestamente inidóneo para uma apreciação de mérito, razão pela qual o artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e c), do CPC considera, nessas circunstâncias, inepta a petição inicial, cominando a nulidade de todo o processo, o que constitui excepção dilatória determinativa, mesmo oficiosamente, da absolvição do réu da instância, nos termos dos artigos 196º, 278º, n.º 1, alínea b), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea b) e 578º, do mesmo diploma.

Porém, nos termos do n.º 3 do artigo 186.º do CPC, se o vício consistir na falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir e o réu contestar a acção, apesar de arguir a ineptidão com base naqueles fundamentos, a nulidade considerar-se-á suprida quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.

Exige-se, assim, para afastar a procedência da excepção de ineptidão da petição inicial, que, além da dedução da contestação, o réu tenha interpretado convenientemente a petição inicial, aqui entendida como pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.

Da análise da petição inicial apresentada constata-se uma causa de pedir plurifacetada, que tem o seu eixo principal nos factos que são imputados ao Réu Barclays [factos ocorridos até 02/09/2015].

É ao 1ªRéu , enquanto entidade bancária/intermediário financeiro, que os Autores imputam, a título principal, factos ilícitos violadores dos seus direitos enquanto clientes e consumidores [subscritores] de um produto financeiro [“PT PORTUGAL SGPS, SA 2016 - 6,25%”], dos quais fazem decorrer o pedido formulado em A) [“Ser o negócio celebrado entre os AA. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 70.000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 13.762,19 e juros vincendos até integral pagamento”].

A acção instaurada fundamenta-se, assim, primacialmente [cfr. artigos 21.º a 116.º da PI.], numa mole de factos consubstanciadores de uma situação de erro sobre o objecto
do negócio, isto é, sobre a natureza e características do instrumento financeiro em causa [riscos associados ao produto financeiro em causa, como o impacto do efeito da alavancagem e o risco da perda total do investimento, a volatilidade do preço dos instrumentos financeiros, etc.], qualidades que foram tidas em conta pelo declarante [Autor] como determinantes da declaração negocial (artigos 251.º e 247.º do Cód. Civil).

A este eixo principal, segue-se, na arquitectura da petição inicial [artigos 117.º a 192.º da PI.], um primeiro plano derivado [subsidiário] visando a responsabilidade civil [bancária] do Réu Barclays, ora 1.º Réu, pela alegada prática de factos dados como ilícitos pelos Autores, por violadores de deveres pré-contratuais e da boa-fé inerentes à intermediação financeira e dos deveres contratuais de lealdade e boa-fé na execução do programa contratual até 02/09/2015 [omissão da informação sobre a alteração do emitente e sobre a antecipação da maturidade do produto e da possibilidade de exercer o direito ao reembolso antecipado, etc.] - cfr. artigos 304.º, 312.º, n.º 1, alínea b), 312.º-B, 312º-C, 312.º-D, 312.º-E, 317.º, 317.º-A, n.º 2 e 323.,º e segs., todos do CVM e art.º 19.º da Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), transposta pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro].

E, por fim, antolha-se um segundo plano derivado [subsidiário], cujo mérito não cabe aqui apreciar, estribado em factos consubstanciadores de uma situação de alteração anormal das circunstâncias em que os Autores fundaram a decisão de contratar e susceptíveis, na óptica dos Autores, de conduzir à resolução do negócio [art.º 437.º do CC] e à responsabilização do 1.º Réu– cf. artigos 193.º a 221.º da Petição Inicial.

E, neste conspecto, isto é, quanto ao pedido formulado sob A) contra …, ora 1.º Réu, a título principal, e aos fundamentos em que se alicerça, não se nos oferecem dúvidas que a petição inicial não sofre do apontado vício de ineptidão, por falta ou ininteligibilidade de indicação do pedido e da causa de pedir.

A igual conclusão se chega no que concerne aos pedidos formulados contra o 1º Réu  sob B), a título subsidiário.

Os pedidos formulados em A), B) e C), bem como as causas de pedir [plurifacetadas/complexas] em que assentam apresentam-se minimamente inteligíveis e são, quer o pedido principal [A)], quer os pedidos subsidiários [B) e C), dirigidos contra o R.., ora 1.º Réu, bastando atentar, para o efeito, aos termos em que se encontram formulados e ao teor do artigo 4.º da Petição Inicial [ “4. A ora A. ignora os termos precisos da referida transacção, nomeadamente se foram transmitidas ou não as responsabilidades que melhor se irão descrever infra pelo que, considerando que os factos que irão ser relatados ocorreram antes de 3 de Setembro de 2015 e com o R. então é contra ele que a presente acção é interposta”.].

E o certo é que o 1ºRéu , como resulta da sua extensa e prolixa contestação [contém um total de 487 artigos], compreendeu correctamente a petição inicial, tomando posição definida contra cada um dos factos alegados pelos Autores e, à cautela, deduziu incidente de intervenção principal provocada [a fim de obter o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que possa vir a assistir ao 1ºRéu ,em caso de condenação], requerendo o chamamento da Portugal Telecom Internacional Finance B.V., Oi, S.A e das Contrapartes dos SWAP’s […].

Em suma, considera-se que a arguição da excepção de ineptidão da petição inicial, por parte do R…., ora 1.º Réu, não é atendível, impondo-se a sua improcedência, até por resultar da respectiva contestação que interpretou correctamente a petição inicial, que apreendeu e compreendeu a pretensão dos Autores e por se considerar que, embora se possam apontar à petição inicial algumas imperfeições ou incorrecções na exposição factual, nela foram alegados factos suficientes para consubstanciarem os pedidos principais e subsidiários, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Por conseguinte, neste segmento a sentença recorrida não poderá ser mantida, devendo ser revogada e, outrossim, ordenado o prosseguimento dos autos contra o 1ºRéu,  para instrução e posterior julgamento do pedido principal contra si formulado em A) e, sendo caso disso, dos pedidos subsidiários formulados em B) e C).

4. No entanto, acompanhamos, no essencial, a sentença recorrida na parte em que absolveu da instância - e bem -, o R…., ora 2.º Réu, julgando procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta de indicação do pedido.

4.1.- A demanda do 2ºRéu não encontra justificação sequer no artigo 39.º do CPC [pluralidade subjectiva subsidiária], por falta de indicação de pedido [principal ou subsidiário] contra si dirigido, pois, como os próprios Recorrentes reconhecem na motivação do recurso, os pedidos formulados em A), B) e C) são dirigidos, a título principal, contra o 1ºRéu  [embora entre os mesmos haja uma relação de subsidiariedade].

Para que a demanda do 2ºRéu  encontrasse justificação ao abrigo do artigo 39.º do CPC seria necessária que os Autores, para além da invocação de uma dúvida fundamentada sobre o titular passivo da relação litigiosa, tivessem dirigido o pedido, não só contra quem consideram estar obrigado perante si, no caso o 1ºRéu, mas também, a título subsidiário, contra o 2ºRéu  que, alegadamente, passou a ocupar a posição do sujeito passivo da pretensão.

Para haver uma relação de pluralidade subjectiva subsidiária quanto aos réus demandados numa acção, o autor tem de configurar um pedido que inclua os dois (ou mais) Réus, ainda que a medida da sua condenação possa não ser a mesma.

Sucede que os Autores apenas atendem a um Réu no seu pedido: formulam o pedido apenas contra o 1ºRéu .

No caso, apenas se verifica relação de subsidiariedade entre pedidos, ou seja, apenas subsidiariedade objectiva, pelo que não se pode considerar estar perante uma situação de pluralidade subjectiva [de Réus] subsidiária, subsumível à previsão do artigo 39.º do CPC.

Por fim, sempre se dirá que da Petição Inicial não resulta uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, pois os Autores demarcaram bem quem é quem nessa relação e a “extensão” da respectiva responsabilidade ao deixarem claro que relativamente aos factos até 2 de Setembro de 2015 estavam a considerar o Réu Barclays.

4.2. Como quer que seja, por lapso dos Autores, nenhum pedido foi formulado contra o 2ºRéu .

Ora, face a esta omissão [falta de indicação do pedido], nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, porquanto, apesar da contestação, seria absurdo concluir que o 2ºRéu interpretou correctamente uma Petição Inicial na qual nem sequer foi materializado qualquer pedido contra si.

Os Réus, ao contestarem a acção, fizeram-no “em respeito do princípio da concentração da defesa (art.º 573.º do CPC), deduzindo todos os meios de defesa que lhes era possível, sob pena de preclusão”.

Neste caso, existe um “vazio” que não foi preenchido pelos Autores como era seu ónus.

À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação do pedido opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.

4.3. O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação do pedido, também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.

Neste caso, o vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Ac. do TRR, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.].

O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.

O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.

Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).

De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva.

5.Concluindo, a apelação procede parcialmente, devendo ser revogada a Decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, relativamente ao 1ºRéu e o absolveu da instância, e substituída por este acórdão que determina o prosseguimento dos trâmites normais da acção, quanto ao 1ºRéu, ora Recorrido.

IVDecisão
Pelo exposto, Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
(i)- Revogam o saneador-sentença recorrido na parte em que julgou procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, relativamente ao 1ºRéu , e o absolveu da instância;
(ii)- Determinam o prosseguimento dos trâmites normais da acção, quanto ao Réu ….(1.º Réu), ora Recorrido;
(iii)- Confirmam, no mais, o saneador-sentença recorrido.
*
Custas da apelação pelos Autores e pelo Réu Barclays, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente - artigo 527º do CPC.
*
Registe e notifique.
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Lisboa 7 de Novembro de 2019



Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho           
Gabriela de Fátima Marques



[1]Cf. Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, p. 109
[2]Sobre a noção do pedido como efeito prático-jurídico, vide, Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, Vol. 1º, Almedina, Coimbra, 1981, pag. 203; quanto ao suprimento pelo tribunal dos meros erros de qualificação jurídica, vide Antunes Varela, Anotação ao acórdão do STJ, de 13-1984, RLJ Ano 122º, pags. 233-256 (255); e entre outros, os acórdãos do STJ, de 17/6/92, BMJ nº 418, pags. 710 e segs, e de 8-2-94, CJ dos Acs. do STJ, Ano II, Tomo 1º, oags. 95 e segs.