Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7169/07.1YYLSB-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: FORMAÇÃO DO CONTRATO
CULPA
ASSISTÊNCIA FINANCEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos (art. 227º do Cód. Civil), está usualmente em causa a obrigação do faltoso indemnizar o lesado; se não é esse direito (de indemnização) que o executado/embargante pretende ver reconhecido pelo tribunal, mas tão-somente obstar e impedir a cobrança de uma dívida que entende que não existe – porque os contratos que estão mas base da emissão das livranças apresentadas como título executivo estão feridos de nulidade –, é nula a sentença em que o juiz se pronuncia, exclusivamente, sobre a atuação do exequente aquando da formação dos contratos para, de uma assentada, concluindo que este agiu com culpa, julgar extinta a execução com esse fundamento.

2. A lei estabelece a proibição (absoluta) de assistência financeira, cominando com nulidade o negócio respetivo, ou seja, o negócio de financiamento (art. 312º, nº1 e 3 do Cód. das Sociedades Comerciais).

3. Estamos perante uma modalidade típica de assistência financeira, quanto à estrutura negocial, quando a sociedade anónima concede diretamente fundos a um terceiro, com vista à aquisição de ações da própria sociedade.

4. Sendo a sociedade uma entidade bancária, não podem considerar-se as operações de financiamento a um terceiro, para compra de ações próprias, como “operações correntes dos bancos”, para os efeitos assinalados no nº 2 do referido preceito –, a saber, exclusão da aplicação desse regime –, se da factualidade assente resulta, nomeadamente, que o crédito para aquisição de ações próprias foi concedido em condições mais favoráveis para o cliente do que as normas da instituição; e ainda que esses financiamentos só se compreendem e explicam no âmbito de uma estratégia muito mais vasta, gizada pela sociedade exequente, a nível da sua administração, ponderando a ratio do regime de proibição aludido, em que uma das finalidades da proibição, como a doutrina aponta, é o de evitar que o capital social “seja «alimentado» com base no património da própria sociedade em vez de o ser com apports externos dos accionistas, tutelando o capital enquanto garantia de terceiros”.
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.–RELATÓRIO:

Ação
Embargos à execução.
*******

Embargante-executado/apelado
Eduardo....
/////////////
Embargado-exequente/apelante
Banco.., S.A..
*******
Pedido
Que seja declarada extinta a execução.
/////////////

Causa de pedir
O exequente efetuou campanhas de marketing, de incentivo e promoção para aquisição de ações representativas do seu próprio capital social ou de ações representativas do capital social das instituições de crédito controladas por aquela, quer junto de clientes, quer junto dos balcões, quer junto do "private Banking" e, para essa estratégia, apresentava-se como sendo uma instituição sólida, cujas ações permitiriam aos seus clientes reembolsarem os créditos e obterem mais-valias.

Para o efeito,  o exequente concedia créditos com spreads mais baixos, sendo assegurado que os juros dos créditos seriam amortizados com os dividendos que das ações que adquirissem viessem a receber.

Quando as ações começaram a desvalorizar e os clientes queriam vender aquelas, era-lhes referido que elas iriam valorizar, isto em 2001, sendo o objetivo manter as ações em carteira, desincentivando os acionistas de prosseguirem com as suas intenções; a estratégia do banco exequente era aliciar os clientes com a promessa de que os dividendos eram suficientes para os encargos dos empréstimos concedidos, sendo estes garantidos pelo penhor das ações adquiridas, havendo clientes com spreads mais baixos.

O exequente e o executado celebraram vários contratos de abertura de crédito em conta corrente, com vista à aquisição de ações representativas do capital social do próprio exequente ou de outros bancos por si controlados (nomeadamente o B.. e o BM…), com fundos que lhe seriam disponibilizados pelo exequente, emitindo o executado livranças em branco, para serem preenchidas pelo exequente e dando de penhor os títulos adquiridos.

Esses contratos de conta corrente são nulos por violação dos arts. 322º, nº1, 325ºA, nº1 e 325º-B, nº1 do Código das Sociedades Comerciais.

Oposição
O exequente contestou impugnando alguns dos factos invocados pelo embargante e invocando, nomeadamente, que os contratos são válidos porquanto constituem operações correntes dos bancos (art. 322º, nº1 do referido Código).

Saneamento
Procedeu-se ao saneamento do processo, com prolação de despacho a fixar a factualidade assente e a base instrutória.

Julgamento
Realizou-se o julgamento e respondeu-se aos números da base instrutória, conforme fls. 566 -571, após o que foi proferida sentença, em 13-08-2014, que concluiu como segue:
“Pelo exposto, julga-se a presente oposição à execução totalmente procedente, devendo a execução extinguir-se quanto ao executado.
Custas pelo exequente.
Registe e notifique”.

Recurso
Não se conformando o exequente apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1)- O ora Apelante impugna toda a decisão sobre a matéria de facto, porquanto:
(…)
71)- Sendo que e, já no âmbito da impugnação quanto à matéria de Direito, a sentença que foi junta aos autos pelo apelado, dos autos de impugnação pauliana nº1301/07.2TVLSB, não fez porque não podia ter feito caso julgado entre os factos relatados na mesma, uma vez que, não se encontram verificados os requisitos do disposto no artº581º do CPC;
72)- Efetivamente, no processo n-º 1301/07.2TVLSB, que correu os seus termos na 4ª Vara, 3ª Secção da Comarca de Lisboa, o ora Apelado assumia a qualidade de Réu, juntamente com Isabel... e Cláudia..., e o ora Apelante assumia o papel de Autor;
73)- Pelo que, ainda que se possa considerar a existência parcial de identidade de sujeitos entre os dois processos em apreço, certo é que, que na sua globalidade os sujeitos não são os mesmos;
74)- No que tange à questão da identidade de pedido, recorde-se, a este propósito que “O pedido é a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e de providência que essa tutela requer” - AC do STJ, proferido no âmbito do processo com o n.º 2258/07.5TBSTS.S1, de 29/09/2009 e publicado em www.dgsi.pt;
75)- E não existe identidade de pedidos, uma vez que, na ação precedente o Autor, ora Apelante, peticiona que os negócios (venda de património), objeto da mesma, sejam considerados ineficazes, em relação a este, enquanto nestes autos o ora Apelado peticiona a extinção da execução, que originou a presente oposição;
76)- No respeitante à identidade de causas de pedir, importa ter em conta “ A causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer ou não a força jurídica bastante adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, traduzindo-se nos acontecimentos da vida em que o autor apoia a sua pretensão” - Cfr. AC do STJ supra referenciado;
77)- Com efeito, a causa de pedir na ação precedente, respeitava às vendas de património que o Apelante, aí, pretendeu impugnar, bem como, aos requisitos necessários para a procedência da ação de impugnação pauliana, conforme o disposto no artº 610º, do Código Civil;
78)- Por sua vez, nos presentes autos, a causa de pedir trata os fundamentos de oposição à execução, nomeadamente, conforme alegado pelo Apelado, o preenchimento abusivo das livranças, a não apresentação, destas, a pagamento, a ilegitimidade do Exequente enquanto portador dos títulos executivos e a nulidade das livranças e dos contratos dados à execução, nos termos do disposto no artº731º, do CPC (na versão acima identificada, aplicável a estes autos);
79)- Como tal, resulta claro, que as causa de pedir em apreço em nada se identificam;
80)- Cumpre salientar, ainda, que para que se possa formar caso julgado, tornasse necessário que o tribunal precedente tenha apreciado e decido expressamente sobre o thema decidendum, não bastando ter conhecido a questão a título acidental;
81)-Necessário seria, que no âmbito do processo n.º 1301/07.2TVLSB, que correu os seus termos na 4ª Vara, da 3ª Secção da Comarca de Lisboa, tivessem sido apreciadas as questões de fundo, relativamente aos requisitos de oposição à execução, levantadas pelo ora Apelado, nos presentes autos, o que não aconteceu;
82)- Nesse sentido “Nos limites objetivos do caso julgado e da autoridade que deste dimana estão abrangidas as questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, pelo que só constituem caso julgado a resposta dada à pretensão concretizada no pedido, veiculada através da causa de pedir adjacente” – AC do TRC, de 03/03/2009 proferido no âmbito do processo n.º 21/06.0TBAVZ-G.C1. e publicado em www.dgsi.pt;
83)- Concluindo-se que, pelo menos face à distinção entre o pedido e a causa de pedir dos processos em apreço, não poderia, salvo melhor opinião, ser atribuída força de caso julgado aos factos dados como assentes na ação precedente;
84)- Acresce ainda que, é um facto que a prova gravada sofre de vários cortes, existindo partes completamente inaudíveis, nomeadamente, no que respeita ao depoimento das testemunhas;
85)- Porém, as questões feitas pelos mandatários às testemunhas, são quase todas audíveis na perfeição;
86)- Com efeito, interpretando o alcance da norma contida no nº6 do artº 161º do CPC (redação do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro aplicável a estes autos por via do disposto no artº6º nº4 da Lei nº41/2013, de 26 de Junho) pode ler-se no AC do STJ de 02/06/2004 publicado em www.dgsi.pt, que tal norma ao determinar que os erros e omissões da secretaria judicial não podem ser prejudiciais às partes, não preclude o ónus que incumbe ao interessado de reclamar tempestivamente da nulidade eventualmente cometida, nos termos do disposto nos artºs 201º e 205º do CPC, na versão supra referenciada do DL 329-A/95 de 12/12;
87)- Porém, também estabelecia o artº 9º do DL nº39/95 de 15 de Fevereiro, para a apreciação da prova testemunhal, que “ se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra impercetível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”;
88)- Ora, o Banco apelante não considera que seja necessário proceder-se à repetição da prova gravada;
89)- Pois, não sendo por vezes percetível um determinado segmento do depoimento testemunhal, com o decorrer da inquirição e a repetição das perguntas ou pedidos de esclarecimento solicitados pelos mandatários da parte contrária, acaba-se por perceber o sentido do depoimento prestado, extraindo-se assim o que releva para a produção da prova;
90)- Porém e, caso não seja esse o entendimento, argui-se desde já e, para os devidos efeitos tal nulidade;
91)- Acresce que, não obstante ter sido impugnada supra, toda a decisão sobre a matéria de facto, o Banco apelante não pretende, nem podia, um julgamento ex novo, mas a reapreciação da decisão recorrida, daí não poder inferir-se que tal reapreciação não imponha da parte da Relação a formação de uma convicção própria que deverá ser cotejada com aquela que está em causa, neste sentido o AC do STJ de 01/07/2010 publicado em www.dgsi.pt;
92)-É que, resulta da prova gravada uma “história” completamente diferente daquela que é retratada na decisão sobre a matéria de facto, quase parecendo (com todo o respeito), que o douto Tribunal a quo esteve num outro julgamento que não o dos autos;
93)- Com efeito, os quesitos levados à base instrutória revelam uma grande especificidade e não seriam certamente e, logo à primeira vista, um amigo do tempo dos câmbios, um ex-funcionário do Totta e um ex-funcionário (de agência e não do Private) do Banco apelante, o qual começou logo por dizer que não conhecia a situação do ora apelado, que levariam à produção de prova afirmativa, ou seja, dando todos os quesitos como provados;
94)- Nenhuma das três testemunhas, acompanhou o apelado ao Banco apelante ou conhecia algum dos financiamentos feitos ou, sequer presenciou qualquer contato havido entre as partes destes autos;
95)- Daí que também se perceba que a decisão sobre a matéria de facto tenha sido vaga, difusa e generalizada, não tendo havido qualquer fundamentação ou motivação crítica da mesma;
96)- A decisão sobre a matéria de facto deve traduzir o resultado da apreciação crítica e rigorosa dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento com os demais meios probatórios;
97)- Sucede que da leitura da decisão sobre a matéria de facto constante dos autos, não se entende sequer, como e por que motivo, chegou ao douto Tribunal a quo à conclusão de que todos os quesitos estariam provados;
98)- Violando-se assim, o disposto no artº 653º nº2 do CPC, na versão supra referenciada;
99)- Para que se cumprisse o disposto naquele preceito quanto à fundamentação do julgamento da matéria de facto, tornava-se necessário não só a indicação dos meios concretos da prova, como a indicação, relativamente a cada facto, daqueles que contribuíram para a formação da convicção do julgador e, ainda, quais os motivos que relevavam para a formação de tal convicção;
100)- Sobre o tema escreveu o Dr. Geraldes Abrantes (Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, Coimbra, pág. 243) e o Prof. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª Edição, Lisboa 1997, pág. 348);
101)- O Douto Tribunal a quo não procedeu desta forma, desrespeitando a norma do artº 653º do CPC, na versão supra referida;
102)- Resultando claro da prova produzida que os factos constantes da base instrutória não ficaram de modo algum provados, sendo manifesto o erro na apreciação da prova gravada;
103)- Ademais, a douta sentença recorrida padece vícios vários, sendo nula de acordo com o disposto no artº 615º nº1 alíneas b), d) e e) do CPC (corresponde ao anterior artº 668º);
104)- Com efeito, a douta sentença recorrida viola desde logo o disposto no artº607º do CPC nºs 3º e 4º do atual CPC (ex-artº 659º);
105)- Por um lado, devido à falta de fundamentação e motivação crítica da prova produzida e por outro lado, não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão, pois menciona que o Banco apelante viola um dever de informação, mas não discrimina que dever é esse, nem tão pouco identifica o “vício” que diz padecer os contratos (também não indica quais especificamente, sendo que foram celebrados vários contratos entre 1999 e 2003 e nem todos se destinaram ao financiamentos para compra de ações, houve alguns que o fim era apenas o pagamento dos juros vencidos referentes aos anteriores financiamentos);
106)- Sendo tudo muito vago e difuso, como se não impendesse sobre o doutro Tribunal a quo a obrigação de fundamentar;
107)- Existe uma clara violação do disposto no artº615º nº1 alínea b) do CPC;
108)- Não tendo sido alegado e consequentemente, não resultou provado que o Banco apelante tenha desrespeitado as regras da boa-fé, a propósito das negociações estabelecidas para conclusão de algum (ou de todos) dos contratos juntos aos autos;
109)- Logo, trata-se de uma questão que o Tribunal não podia tomar conhecimento, verificando-se um excesso de pronúncia;
110)- Aliás, toda a causa de pedir invocada na oposição à execução foi ignorada (omissão de pronúncia) na apreciação feita pelo douto Tribunal a quo, violando por conseguinte o disposto no artº615º nº1 alínea d) do CPC;
111)- Neste sentido o AC do TRC proferido em 06/11/2012, no procº nº983/11.5TBPL.CI e publicado em www.dgsi.pt;
112)- A este respeito veja-se a posição do TRL no AC 0623633 de 24-10-2006, publicado no BDJUR a este respeito quando defende que: “ O excesso de pronúncia existe quando o juiz se pronuncia sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos. O excesso de pronúncia gerador da nulidade em apreço, refere-se aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, quer seja no que respeita ao pedido como às exceções. Ou, como se decidiu nos Acs do STJ de 8.01.2004 e 5.02.2004, in www.dgsi.pt, “essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções”;
113)- Pelos motivos supra expostos e, pese em embora o fim último de qualquer oposição à execução seja extinção da mesma, relativamente ao executado que a deduz, a douta decisão recorrida condenou em objeto diverso do pedido;
114)- Não se tendo sequer pronunciado sobre o pedido deduzido na oposição à execução, em clara violação do disposto no artº615º nº1 alínea e) do CPC;
115)- Por fim e sem prescindir de tudo quanto foi defendido/explanado supra, refira-se ainda que, a fundamentação de direito da douta sentença recorrida assenta numa suposta “culpa” do Banco apelante na formação dos contratos que celebrou com o ora apelado, sendo ainda que a decisão sobre a matéria de facto estivesse correta, a decisão de Direito não o estaria de qualquer modo;
116)- Com efeito, tal decisão padece graves erros de análise, que se desdobram em dois níveis de abordagem: por um lado, na incorreta subsunção dos factos dados como assentes à previsão do artº227º nº1 do CC;
117)- Por outro lado, e ainda caso a situação em apreço devesse ser regulada por aquele normativo, na incorreta aplicação do mecanismo indemnizatório;
118)- Recorde-se que o primeiro dos contratos de financiamento para investimento em ações foi celebrado em Julho de 1997 (Cfr. matéria assente), quando o investimento em UP de Fundos de Investimento começava a tornar-se uma prática comum para determinado tipo de investidores;
119)- Ora, o que parece estar em causa é o procedimento adotado pelo Banco na época dos vencimentos dos produtos financeiros adquiridos com o referido financiamento, a propósito do que se invoca ter o Banco agido de má-fé, no sentido de manter inalteradas as aplicações em produtos (nomeadamente em ações do próprio Banco apelante) que vieram, posteriormente, a demonstrar uma capacidade de valorização/rendimento nula;
120)- Decerto, o entendimento genérico acolhe a ideia de que o artigo 227º, n.º 1 CC é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no caso de o contrato se realizar (Adriano Vaz SERRA, Culpa do devedor ou do agente, BMJ 68, 1957 pp. 125 s.;
121)- O problema é que, na época de celebração dos contratos de financiamento, os produtos financeiros em causa tinham uma referência positiva e a respetiva evolução decorreu de acordo com as normais regras dos mercados desta natureza;
122)- E, ainda que para a manutenção subsequente das aplicações tivesse sido invocado o argumento da solidez da instituição base, o facto é que ela aí está, continuando a exercer a sua atividade sob rigorosa fiscalização das autoridades de supervisão e a manter-se no mercado financeiro como um player de referência;
123)- Assim sendo, a evolução mais ou menos positiva que as ações do Banco apelante conheceram resulta, em rigor, do próprio funcionamento dos mecanismos de mercado, em áreas de volatilidade acentuada;
124)- Acresce que, pelo menos um dos financiamentos nem sequer foi para a compra de ações do Banco apelante, o qual teria sempre que ficar de fora da apreciação da douta sentença recorrida;
125)- Ademais, no âmbito de aplicação desta norma, constitui doutrina assente que a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, de modo a colocá-la na situação em que a mesma se encontraria, se o negócio não se tivesse efetuado (Pires de LIMA / Antunes VARELA, Código Civil Anotado, I, 4. Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 216);
126)- Ora, o que se verifica na douta sentença recorrida nada tem a ver com a solução legalmente preconizada, uma vez que comina, pura e simplesmente, a extinção da execução, olvidando o facto de existir um financiamento cujo pagamento não se encontra realizado, como que fazendo equivaler-se, sem qualquer outra consideração ou demonstração, os valores do financiamento e do referido interesse negativo;
127)- A solução parece pois inadmissível, no limite por poder configurar um enriquecimento sem causa do cliente financiado, o ora apelado;
128)- Pelo que, aplicação do disposto no artº 227º do CC redunda numa clara violação dessa mesma norma;
129)- E ainda que todos os quesitos resultassem, efetivamente, provados nunca se chegaria ao resultado consubstanciado na douta sentença recorrida.         
PELO QUE,
Deve ser revogada a douta SENTENÇA recorrida, julgando-se a oposição à execução improcedente, por não provada”.

Proferido o despacho de fls. 778 -779, o apelante apresentou novas conclusões, mais sucintas, conforme havia sido determinado, constantes de fls. 812 - 825 [ [1] ].

O autor apresentou contra alegações e peticionou a ampliação do recurso, subsidiariamente, alegando como segue:
“(…) C) Arguição da nulidade da Sentença Recorrida
No acautelamento de que assim não se ofereça, vem o recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 2, do NCPC,  arguir a nulidade da sentença recorrida, na parte em que não apreciou as questões de facto e de direito infra concretizadas, todas elas suscitadas na petição inicial da oposição (P.I.) em fundamento do pedido de extinção da execução.
1.- A nulidade dos contratos de conta-corrente e das livranças dadas à execução.
Tal como expressamente alegado nos artigos 132º a 143º da P.I., que, para evitar repetições inúteis,  aqui se dão por reproduzidos.
2.- Não ser o exequente portador legítimo das livranças dadas execução
Tal como expressamente alegado nos artigos 144º a 150º da P.I., que, pelas mesmas razões, aqui se dão por reproduzidos.
3.- Serem inválidas as livranças dadas à execução
Tal como expressamente alegado nos artigos 151º a 172º da P.I., que, pelas mesmas razões, aqui se dão por reproduzidos.
5.- O preenchimento abusivo pelo exequente das livranças dadas à execução
Tal como expressamente alegado nos artigos 116º a 131º e artigos 173º a 200º da P.I., que, pelas mesmas razões, aqui se dão por reproduzidos.
6.- A não apresentação a pagamento das livranças dadas à execução
Tal como expressamente alegado nos artigos 201º a 203º da P.I., que, pelas mesmas razões, aqui se dão por reproduzidos.
Todas as questões antes enumeradas, fundamentos que são da oposição à execução nos termos do artigo 813º do CPC, foram, em absoluto ignoradas pelo Senhor Juiz  a quo, que sobre elas nada disse, decidiu ou resolveu na sentença recorrida, assim violando o disposto no artigo 660º nº 2 do mesmo diploma legal.
O que é causa da nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 668º, nº1, alínea d) (primeira parte – omissão de pronúncia) do CPC.
Nulidade que o recorrido, a título subsidiário e prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente na apelação, aqui expressamente argui e requer seja declarada por esse Venerando Tribunal de Recurso.
Nestes termos e nos de direito que doutamente forem supridos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida que julgou totalmente procedente a oposição e ordenou a extinção da execução por aquele movida contra o recorrido; ou, na hipótese de assim se não entender, deve ser julgada procedente a nulidade da sentença recorrida arguida a título subsidiário pelo ora recorrido, com as legais consequências
Assim se fazendo a habitual
JUSTIÇA”.

Proferiu-se o despacho de fls. 879, na sequência do qual foram as partes notificadas conforme determinado.

Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO.
O tribunal de primeira instância deu por provada a factualidade que a seguir se enuncia, sendo que a matéria descrita em A) a Z), AA) a ZZ) e AAA) a MMM) foi dada por assente aquando do saneamento do processo e a matéria enunciada sob os números 1 a 22 respeita à Base Instrutória, tendo esta Relação aditado a proveniência da mesma, tendo por referência os artigos da petição inicial de embargos [ [2] ]:   
 
A)–
O exequente é portador de duas livranças subscritas pelo executado, ora opoente, ambas emitidas em 18.11.1999 e vencidas em 26.02.2007, uma de 11.501.506,70 € e outra de 5.792.853,25 €, conforme documentos juntos a fls. 10 e 11 do processo de execução e que dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (artigo 1º da petição inicial).

1)–
Entre 1998 e finais de 2000, o exequente, através dos diretores - coordenadores do seu designado "private banking" (secção ou departamento este que, sendo usual existir nas instituições de crédito, se destina a acompanhar os clientes das mesmas com mais elevado património e a gerir-lhes o mesmo) (artigo 14º da petição inicial).
2)–
E também por via de alguns elementos do seu conselho de administração, convenceu e aliciou alguns dos seus clientes, nomeadamente aqueles que detinham um património significativo, como era o caso do ora opoente (artigo 15º da petição inicial).
3)–
A adquirirem ações representativas do seu próprio capital social, ou representativas do capital social de outros bancos, por si controlados (nomeadamente o B2 e o B3), com fundos que lhes seriam disponibilizados pelo próprio exequente no exercício, da sua atividade bancária (artigo 16º da petição inicial).
4)–
As ações assim adquiridas seriam dadas em penhor ao exequente, no montante considerado suficiente para assegurarem o reembolso dos créditos concedidos (artigo 17º da petição inicial).
5)–
E o exequente veria, tal como era sua intenção, grande parte do seu capital acionista distribuído pelos seus principais clientes, por via dessas aquisições (artigo 18º da petição inicial).
6)–
Assim, conseguia o exequente ampliar a sua base acionista e invocar perante os analistas e terceiros uma considerável dispersão de capital em bolsa e, ao mesmo tempo, facilitar que os aumentos de capital que realizasse nesse período, ou que fossem realizados pelas instituições de crédito por si controladas, seriam totalmente subscritos (artigo 19º da petição inicial).
7)–
Bem como que os seus clientes lhe adquirissem as ações próprias que o exequente detinha em carteira e que pretendia alienar (artigo 20º da petição inicial).
8)–
O exequente acabava por receber, indiretamente, uma remuneração inerente a essas ações adquiridas pelos seus clientes, através dos dividendos que eram distribuídos, já que estes acabavam por ser adstritos ao pagamento do serviço da dívida contraída por esses seus clientes, agora também acionistas, (artigo 21º da petição inicial)
9)–
E controlava também, por via de procurações que esses clientes/acionistas outorgavam aos administradores do exequente, o sentido dos votos inerentes a essas ações em assembleia geral do exequente, como sucedeu com o ora opoente (artigo 22º da petição inicial).
10)–
Por sua vez, aos clientes/acionistas eram-lhes prometidas vantagens, eram-lhes concedidos créditos com spreads mais baixos do que os habituais, sendo-lhes assegurado que os juros dos créditos concedidos para adquirir ações do exequente seriam amortizados com os dividendos que das ações adquiridas viessem a receber (artigo 23º da petição inicial). 
11)–
Para tanto, os diretores do respetivo prívate bank apresentavam o exequente como sendo uma instituição sólida, cujas ações teriam sempre uma cotação bolsista que permitiria, em qualquer altura, aos seus clientes/acionistas reembolsarem os créditos com o produto da venda dessas mesmas ações e, ainda, obterem mais-valias apreciáveis (artigo 24º da petição inicial).
12)–
Essa estratégia, de incentivo e promoção, junto dos seus clientes, da aquisição de ações representativas do seu próprio capital social ou de ações representativas do capital social das instituições de crédito controladas pelo exequente, caracterizou-se pela realização de relevantes ações de marketing junto dos seus clientes, quer junto dos balcões, quer junto do "private banking" (artigo 26º da petição inicial).
13)–
Estratégia essa apelidada de "vantagem accionista", e que passou, inclusivamente, pela atribuição de incentivos, atribuídos pela administração do exequente, aos funcionários dos seus balcões em geral e aos do "private banking", em particular, por cada cliente/acionista que conseguissem angariar ou por cada acção do exequente que conseguissem colocar junto destes (artigo 27º da petição inicial).
14)–
Que determinou, inclusive, que o exequente tivesse de contabilizar como ações próprias as acões representativas do seu capital social adquiridas pelos clientes com crédito concedido por este (artigo 30º da petição inicial).
15)–
O opoente foi envolvido por essa estratégia do exequente (artigo 31º da petição inicial).
16)–
Tais contratos e suas sucessivas alterações destinaram-se, exclusivamente, num primeiro momento, a conferir disponibilidades monetárias ao ora opoente para que este procedesse à compra de ações representativas do capital social do próprio exequente, ou de instituições de crédito por este dominadas (concretamente os antigos Banco …" - e Banco a…") (artigo 33º da petição inicial),
17)–
De forma a que o opoente se tornasse um acionista relevante do exequente, no interesse deste, e para assim condicionar a evolução das cotações dessas ações e a sua dispersão no mercado (artigo 34º da petição inicial).

B)–
O contrato nº 207642275, constituído por carta-proposta de abertura de crédito do exequente, aceite pelo opoente, foi celebrado em julho de 1997, pelo valor máximo de Esc. 161.000.000$00 (cfr. doc. 8 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 36º da petição inicial).
C)–
Encontrando-se ali descrita, como finalidade, o "financiamento para investimento no Fundo B… " - cfr. doc. 8 (artigo 37º da petição inicial).
D)–
O ora opoente adquiriu com o valor disponibilizado ao abrigo daquele contrato, unidades de participação do Fundo B, as quais acumulou com outras unidades de participação daquele Fundo que já detinha em carteira (artigo 38º da petição inicial).
E)–
Unidades essas que, para garantia das obrigações emergentes do mesmo contrato, deu em penhor ao exequente (cfr. doc. 8) (artigo 39º da petição inicial).
F)–
O opoente procedeu ao resgate de unidades de participação daquele Fundo no decurso do próprio ano de 1997, tendo concluído o resgate da totalidade das mesmas em 31 de outubro de 1997, pelo que a partir dessa data deixou de ter em carteira quaisquer unidades de participação do Fundo B (artigo 40º da petição inicial).
18)–
E, através dos seus diretores do "private banking", convenceu o exequente, em 1998, o opoente que este tinha toda a vantagem em adquirir acções representativas do capital social do B, porque estas se iriam valorizar (artigo 43º da petição inicial).
19)–
E se o fizesse, o exequente procederia a aberturas de crédito em conta corrente a favor do opoente no montante que correspondesse a parte do valor das ações representativas do capital social do B... que este viesse a adquirir (artigo 44º da petição inicial).

G)–
O opoente adquiriu, por diversas vezes e em lotes de diferentes quantidades, durante os anos de 1998 a 2000, um total de 1.510.000 ações nominativas representativas do capital social do então Banco … (artigo 45º da petição inicial).
H)–
Alguns desses lotes foram adquiridos pelo opoente com fundos próprios seus, dando ordens de compra por via da corretora A…, conforme resulta de extrato da conta à ordem do opoente junto do exequente, com o nº 870479, reportado ao mês de março de 1999, que adiante se junta como doc. nº 11 e aqui se dá por reproduzido (artigo 46º da petição inicial).
I)–
Extrato esse no qual se pode ver que, nessa data, não havia sido concedido nenhum crédito ao opoente pelo exequente mas aquele já detinha em carteira 200.000 ações nominativas representativas do capital social do B…, no valor correspondente, atualmente, a €3.200.000,00 (artigo 47º da petição inicial).
J)–
Outros lotes (pelo menos os correspondentes a 1.310.000 ações do B…) foram adquiridos pelo opoente, durante o período atrás referido, com os montantes dos créditos que lhe iam sendo disponibilizados pelo exequente, ao abrigo de sucessivas aberturas de crédito através dos contratos com os nºs 196155729, 196808636, 197014470, 205275281, 206548794, 206725140, 206913708, 206996352, 206965409, 207070663, 207120609 e 207132734 (artigo 48º da petição inicial).
L)–
E também através do contrato nº 207642275, conforme carta dirigida pelo exequente ao ora opoente em 28 de dezembro de 1999 e por este aceite (cfr. doc. 12 adiante junto e que aqui se dá por reproduzido), pela qual o valor máximo do crédito a conceder pelo exequente ao abrigo deste contrato foi elevado para o montante de Esc. 370.000.000$00 (artigo 49º da petição inicial).
M)–
E nela o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas pela Empresa perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte da Empresa de qualquer das obrigações que lhe competem e aqui são referidas" (cfr. doc. 12) (artigo 50º da petição inicial).
N)–
Para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes deste contrato nº 207642275, foi constituído em documento complementar, um contrato de penhor de títulos em nome do ora opoente (cfr. doc. 12) (artigo 51º da petição inicial).
O)–
Os contratos referidos em J) [ [3] ], vieram a ser unificados e integrados no contrato o nº. 207642275, conforme carta do exequente dirigida ao opoente em 7.2.2000, e por este aceite (cfr. doc. 13 adiante junto e que aqui se dá por reproduzido) (artigo 52º da petição inicial).
P)–
Por via dessa unificação, o montante máximo do crédito a conceder pelo exequente ao abrigo do contrato foi elevado para o montante de 1.131.777.000$00, resultante da soma dos montantes disponibilizados no conjunto das referidas contas correntes (761.777,000$00) com o montante disponibilizado ao abrigo do contrato (370.000.000$00) (artigo 53º da petição inicial).
Q)–
As referidas 1.510.000 ações nominativas representativas do capital social do B… foram entregues pelo opoente ao exequente, para efeitos de constituição de penhor, de acordo com o documento designado por "contrato de penhor", datado de 7.2.2000, sendo a confirmação, pelo exequente, da assinatura do opoente datada de 16 de agosto de 2000 (cfr. doc. 14 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 54º da petição inicial).
R)–
Essas ações representativas do capital social do B... vieram a corresponder a 1.208.000 ações representativas do capital social do exequente, por força da relação de troca decorrente da fusão por incorporação daquele Banco no exequente (artigo 55ºda petição inicial).
S)–
Tendo essas 1.208.000 ações sido entregues em penhor ao exequente, substituindo o penhor anterior, conforme documento designado por "relação anexa" subscrito pelo opoente, datado de 17 de fevereiro de 2000. (cfr. doc. 15 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 56º da petição inicial).
T)–
Posteriormente, conforme carta-proposta do exequente dirigida ao ora opoente em 7 de maio de 2002, e por este aceite, o referido montante máximo do crédito concedido ao abrigo do contrato foi convertido em euros (5.645.279,88 €) (cfr. doc. 16 adiante junto e que aqui se dá por reproduzido) (artigo 57º da petição inicial).
U)–
E, por essa carta-contrato de 7 de maio de 2002, para além outras alterações ao contrato, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 16) (artigo 58º da petição inicial).
V)–
Igual procedimento sucedeu com o contrato nº 245550457, o qual foi celebrado através da carta-proposta do exequente datada de 18.11.1999, aceite pelo opoente, pelo valor máximo de 332.000.000$00 (cfr. doc. 17 adiante junto e que aqui se dá por reproduzido) (artigo 58º da petição inicial).
X)–
A finalidade, ali descrita de "financiamento para necessidades pontuais de tesouraria" (Cfr. doc. 17) (artigo 60º da petição inicial).
Z)–
Para garantia das obrigações emergentes daquele contrato, o opoente constituiu um penhor de títulos (cfr. doc. 17) (artigo 63º da petição inicial).

AA)–
Posteriormente, conforme carta do exequente dirigida ao ora opoente em 26 de novembro de 1999 e por esta aceite, o montante máximo do crédito a conceder pelo exequente ao abrigo do contrato foi elevado para o montante de 664.000.000$00 (cfr. doc. 18 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 64º da petição inicial).
BB)–
E por essa carta/alteração de contrato de 26 de novembro de 1999, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 18) (artigo 65º da petição inicial).
CC)–
Sendo que para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes deste contrato n° 245550457, foi constituído um documento complementar, um contrato de penhor de títulos em nome do ora opoente (cfr. doc. 18) (artigo 66º da petição inicial).
DD)–
E posteriormente, conforme carta do exequente dirigida ao ora opoente em 10 de dezembro de 1999 e por este aceite, o montante máximo do crédito a conceder pelo exequente ao abrigo do contrato foi elevado para o montante de 930.000.000$00 (cfr. doc. 19 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido) (artigo 67º da petição inicial).
EE)–
E, nos mesmos termos, conforme consta das cartas de alteração do contrato de 4 de janeiro de 2000, 2 de fevereiro de 2000 e 17 de fevereiro de 2000 dirigidas pelo exequente ao ora opoente e por este aceites, o referido montante máximo de crédito a conceder pelo exequente ao abrigo do contrato e para aquisição daquelas ações foi elevado, respetivamente, para o montante de 1.146.000.000$00 em 4.1.2000, para o montante de 1.583.807.000$00 em 2.2.2000, para o montante de 1.940.800.000$00 em 17.2.2000 (cfr. docs. 20, 21 e 22 que adiante se juntam e aqui se dão por reproduzidos) (artigo 68º da petição inicial).

20)–
Assim, entre 1999 e março de 2000, o opoente foi adquirindo, persuadido pelos diretores do "private banking" e por elementos da administração do exequente, até ao montante de 480.006 ações do B’…, e 200.000 ações representativas do capital social do exequente (artigo 69º da petição inicial)

FF)–
Tendo "entregue" ao exequente aquelas ações do B’… de acordo com o documento designado por "contrato de penhor", datado de 2.2.2000 (cfr. doc. 23 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido) (artigo 70º da petição inicial).
GG)–
Tais ações vieram a corresponder a ações representativas do capital social do exequente, decorrente da relação de troca inerente à fusão por incorporação do B’… no exequente (artigo 71º da petição inicial).
HH)–
E foram "entregues" ao exequente, para penhor, 1.098.131 ações representativas do capital social deste, conforme resulta de cópia do documento designado por "relação anexa", datado de 23.8.2000 mas com a confirmação da assinatura do opoente, efetuada pelo exequente, datada de 6.9.2000 (cfr. doc. 24 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 72º da petição inicial).
II)–
Posteriormente, conforme carta do exequente dirigida ao ora opoente em 7 de maio de 2002 e por este aceite, o referido montante máximo do crédito concedido ao abrigo do contrato foi convertido em euros (9.680.669159 €) (cfr. doc. 25 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 73º da petição inicial).
JJ)–
E, por essa carta-contrato de 7 de maio de 2002, para além de outras alterações ao contrato, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que a são referidas" (cfr. doc. 25) (artigo 74º da petição inicial).
LL)–
O opoente aceitou celebrar o contrato nº 261338080, o qual foi formalizado através da carta-proposta do exequente datada de 17.8.2000 (cfr. doc. 26 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 75º da petição inicial).
MM)–
Como ali se indica, a finalidade do crédito concedido era a de "financiamento para aquisição de ações B…” (cfr. doc. 26) (artigo 76º da petição inicial).
NN)–
O opoente adquiriu, assim, com o produto do crédito disponibilizado pelo exequente, no montante de 1.588.910$00, correspondente a €7.925449,67, mais 1.547.611 ações nominativas representativas do capital social do exequente (artigo 77º da petição inicial).
OO)–
Dessas ações, assim adquiridas, entregou o opoente 1.506.725 ao exequente, para efeitos de garantia, conforme o documento designado por "contrato de penhor", datado de 17.8.2000 (cfr. doc. 27 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido) (artigo 78º da petição inicial).
PP)–
Posteriormente, conforme carta-proposta do exequente dirigida ao ora opoente em 7 de maio de 2002 e por este aceite, para além de outras alterações ao contrato, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parle de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 28 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido) (artigo 79º da petição inicial).
QQ)–
Foi formalizado o contrato nº 265800274, através da carta-proposta do exequente datada de 16.10.2000, no valor de € 997.595,79, com a finalidade ali referida de "financiamento para aquisição de ações E…” (cfr. doc. 29 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido) (artigo 85º da petição inicial)    [ [4] ]. 
RR)–
Para garantia desse financiamento, o opoente deu em penhor ao exequente ações representativas do capital social deste, cujo número se desconhece por o exequente não ter disponibilizado ao opoente a relação anexa ao correspondente contrato de penhor, datado de outubro de 2000, e cuja cópia se junta (cfr. doc. 30 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 87º da petição inicial).
SS)–
Posteriormente, conforme carta-proposta do exequente dirigida ao ora opoente em 7 de maio de 2002 e por este aceite, para além de outras alterações ao contrato, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parle de V, Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 31 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 88º da petição inicial).

21)–
Sucede que, permanecendo os juros dos empréstimos concedidos pelo exequente para a aquisição de acções do próprio exequente (e do B... e B’, como se disse) a ser um encargo pesado, o opoente dirigiu-se novamente, no início de 2001, ao "private banking" do exequente, referindo aos diretores e administradores que o receberam que pretendia alienar as ações que detinha em carteira e terminar com os contratos celebrados (artigo 89º da petição inicial).
22)–
Ao que foi dissuadido novamente pelo exequente, sempre garantindo que as ações haviam de se valorizar e assegurando que aquele detinha um programa de distribuição de dividendos que permitiria ao opoente liquidar aqueles juros (artigo 90º da petição inicial).

TT)–
Posteriormente, conforme carta-proposta do exequente dirigida ao ora opoente em 7 de maio de 2002 e por este aceite, para além de outras alterações ao contrato, o opoente obrigou-se a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem} caso se verifique o incumprimento por parle de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 34 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 95º da petição inicial).
UU)–
O exequente disponibilizou nova linha de crédito ao opoente, exclusivamente para liquidação de juros e imposto de selo dos créditos que havia anteriormente concedido, no montante máximo de 700.000,00 €, do qual só foram utilizados 504.000,00 €, tendo o repectivo contrato sido formalizado através de carta-proposta do exequente datada de 30.04.2002, sempre ali se descrevendo, por iniciativa do exequente, a finalidade de “apoio à tesouraria” (cfr. doc. 35 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 98º da petição inicial).
WW)–
Para cuja garantia o opoente, igualmente, e a solicitação do exequente, entregou 205.500 ações representativas do capital social do exequente de que era titular e de que ainda dispunha, livres de ónus e encargos (cfr. doc. 36 que aqui dá por reproduzido) (artigo 99º da petição inicial).
XX)–
No contrato, o opoente mais se obrigou a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa. de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas" (cfr. doc. 35) (artigo 100º da petição inicial).
ZZ)–
Por último, e permanecendo o opoente manifestamente impossibilitado de liquidar os juros das quantias entretanto mutuadas, pelas razões já acima explanadas (artigo 101º da petição inicial). 

AAA)–
O exequente concedeu ao opoente mais uma linha de crédito, no montante de € 84.160,00 (artigo 102º da petição inicial).
BBB)–
O contrato foi formalizado através de carta-proposta do exequente datada de 26.6.2003, nele descrevendo-se, por iniciativa do exequente, como finalidade o "apoio à tesouraria" (cfr. doc. 37 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 103º da petição inicial).
CCC)–
Para garantia do financiamento agora concedido, o opoente entregou em penhor ao exequente 26.300 obrigações convertíveis em ações representativas do capital social do exequente (obrigações Capital B… 2005) (cfr. doc. 38 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 104º da petição inicial).
DDD)–
Neste contrato, o opoente mais se obrigou a entregar ao exequente uma livrança por aquele subscrita, ficando o exequente "expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa. perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exª de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas” conforme o mesmo documento nº 37 [ [5]  ] (artigo 105º da petição inicial).
EEE)–
Os referidos contratos de conta corrente números 207642275, 245550457, 261338080, 265800274, 276977681, 45214661411 e 45243260697 foram resolvidos pelo ora exequente, alegadamente por incumprimento pelo ora opoente da obrigação de pagamento das prestações dos juros vencidos decorrentes desses contratos (cfr. doc. 39 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 106º da petição inicial).
FFF)–
A resolução teve lugar por notificação judicial avulsa, por aquele requerida, efetuada em 28 de setembro de 2006 (cfr. doc. 39) (artigo 107º da petição inicial).
GGG)–
Nela, o ora exequente mais notificou o opoente de que se propunha promover imediatamente a venda extrajudicial das 5.170.541 ações de que o opoente era titular no capital social do exequente e a este dadas de penhor, "uma vez que tal faculdade se mostra expressamente convencionada nos respectivos contratos” (cfr. doc. 39) (artigo 108º da petição inicial).
HHH)–
O certo é que, com a notificação feita ao opoente, o exequente, por sua exclusiva iniciativa, procedeu em 28 de setembro de 2006 à resolução de todos os sete referidos contratos (artigo 110º da petição inicial).
III)–
E, na mesma data, o exequente procedeu à venda extra judicial das ações que o opoente, nos respetivos contratos, lhe havia dado em penhor (artigo 111º da petição inicial).
JJJ)–
Conforme se alcança do extrato que o exequente emitiu e enviou ao opoente, vendeu ele, exequente, em bolsa e no próprio dia 28/09/2006, as 5.170.541 ações de que o opoente era titular no capital social do exequente (cfr. doc. 40 que aqui se dá por reproduzido) (artigo 112º da petição inicial).
LLL)–
Sendo que, dessas ações, pelo menos 1.208.000 haviam sido dadas em penhor pelo opoente ao exequente em garantia do cumprimento das obrigações que para aquele emergiam do contrato de conta corrente nº 207642275 (artigo 113º da petição inicial),
MMM)–
Pelo menos 1.098.131 ações haviam sido dadas em penhor pelo opoente ao exequente em garantia do cumprimento das obrigações que para aquele emergiam do contrato de conta corrente nº 245550457 (artigo 114º da petição inicial).

III.–FUNDAMENTOS DE DIREITO
1.- Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [6] ]– salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso do exequente, impõe-se apreciar:
- Da nulidade da sentença;
- Da impugnação do julgamento de facto;
E ainda, ponderando a ampliação do recurso feita pelo executado/embargante, ao abrigo do disposto no art. 636º, nº2 do C.P.C., subsidiariamente, da nulidade da sentença por omissão de pronúncia por falta de apreciação das “questões de facto e de direito” suscitadas pelo opoente na petição inicial de oposição, a saber:
- Da nulidade dos contratos de conta-corrente e das livranças dadas à execução;
- Se o exequente é portador legítimo das livranças dadas em execução;
- Da invalidade das livranças;
- Do preenchimento abusivo das livranças;
- Da falta de apresentação a pagamento das livranças.
Refira-se que será feita uma apreciação conjunta sempre que tal se justificar.
   
2.– O exequente/apelante alega que a sentença padece de vícios “sendo nula de acordo com o disposto no art. 615º nº1 alíneas b), d) e e) do CPC”.
Invoca que a decisão é nula “devido à falta de fundamentação e motivação crítica da prova produzida”.
Não tem razão.
Na fundamentação da sentença o juiz deve indicar “quais os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”, só depois concluindo pela decisão final – art. 607º, nº2 do C.P.C.; e, no que concerne à fixação da factualidade assente, o juiz “declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas”, devendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador – art. 607º, nº4 do C.P.C  –, sob pena de nulidade da sentença – art. 615, nº 1, a) b do mesmo diploma.
Está em causa, fundamentalmente, salvaguardar o dever de fundamentar as decisões, não bastando a simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes – art. 154º do C.P.C. –, em consonância com o que dispõe o art. 205.º, n.º 1, da CRP e em ordem a que a decisão seja percetível aos interessados a quem a mesma é dirigida e aos cidadãos em geral, permitindo também, de forma mais eficiente, o controlo da sua legalidade.
No caso em apreço, é absolutamente evidente que o Meritíssimo Juiz motivou o julgamento de facto efetuado, ainda que o tivesse feito aquando da audiência de julgamento, como resulta da ata de fls. 566 a 571 – diligência em que o mandatário do exequente não este presente [ [7]  ] –, e não em sede de sentença; assim, desse despacho resulta claro que testemunhas influenciaram o tribunal e a razão para tal, aludindo ainda o Meritíssimo Juiz à prova documental.
O mesmo se diga quanto à fundamentação jurídica da decisão, expressa a fls. 596 - 599, sendo que o apelante entendeu perfeitamente o alcance da mesma, como resulta das alegações de recurso.
Em suma, o tribunal expressou suficientemente a razão de ser da sua convicção quanto ao julgamento de facto que efetuou, e expressou os fundamentos de direito da decisão sendo que, como é pacificamente entendido, apenas a falta absoluta de fundamentação integra o referido vício, e não já a fundamentação deficiente, medíocre ou não convincente.
Improcede a nulidade invocada.
*

O exequente sustenta que a sentença é nula por excesso de pronúncia que ocorre, nos termos do art. 615º, nº1, alínea d) do C.P.C., quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, tendo por contraponto a omissão de pronúncia, sendo que o apelante também aponta este vício, agora com referência “à causa de pedir invocada na oposição à execução”, cuja apreciação o tribunal ignorou.

Atente-se que, em sede de ampliação do recurso e subsidiariamente, o executado também invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, referindo, igualmente, que, com referência à causa de pedir invocada na petição inicial de embargos e várias questões aí suscitadas, o tribunal omitiu qualquer apreciação.

Acrescenta ainda o exequente que o tribunal de primeira instância condenou em objeto diverso do pedido, o que também gera nulidade da decisão (art. 615º, nº1, alínea e) do C.P.C.).

“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, constitui nulidade de sentença quer a falta de apreciação, isto é o “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão”, quer a apreciação “de causas de pedir não invocadas” quer de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes” [ [8]  ].

Como acontece relativamente a outros vícios suscetíveis de afetar a sentença e que também são cominados com nulidade, importa no entanto não confundir a omissão/excesso de conhecimento com as hipóteses em que o juiz se limita a expor o seu raciocínio, efetuando um juízo valorativo e considerando determinadas “linhas de fundamentação jurídica” [ [9] ]; está, então, em causa, eventual erro de julgamento e não qualquer vício de natureza formal que inquina a sentença.

No caso em apreço, compulsando a fundamentação jurídica expressa na decisão, constatamos que, depois de proceder à qualificação jurídica dos contratos celebrados [ [10] ], matéria que não suscita controvérsia entre as partes, o Meritíssimo Juiz passa a apreciar de questão alusiva à responsabilidade pré-negocial, mormente em face do disposto no art. 227º do Cód. Civil, tecendo considerações que, em abstrato, merecem acolhimento [ [11] ].

Depois, volvendo ao caso, refere:
“Ora, os referidos contratos, só foram celebrados pelo executado, ora oponente, por legitimamente confiar na exequente, em virtude da natureza do contrato, da sua qualidade e de informações fornecidas por esta, que violou os deveres de informação que adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato, com indicações inexactas, que o executado tinha interesse objectivo em conhecer.
Assim, houve violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do contrato, pelo que, embora o executado não tivesse danos, aquele contribuiu para a viciação dos contratos, pelo que não pode, agora, exigir os montantes entregues.

Assim, sem mais considerações, julga-se a presente oposição à execução totalmente procedente, devendo a execução extinguir-se quanto ao executado”.

Seguindo-se de imediato a parte dispositiva da sentença.

Ou seja, o tribunal de primeira instância julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual da entidade bancária e, sem que se perceba inteiramente o respetivo raciocínio valorativo – até porque afirma que o executado não teve danos –, entende que o exequente, porque “contribuiu para a viciação dos contratos”, “não pode, agora, exigir os montantes entregues”.

Ora, não foi nesses termos que o executado estruturou o articulado de oposição, nem foi esse o fundamento da defesa que apresentou para fazer face à cobrança coerciva da dívida por via da execução instaurada pela entidade bancária.
 
Como se sabe, o juiz é livre no domínio da indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5º, nº3 do C.P.C.), não estando o tribunal condicionado pelas alegações das partes, mas não é essa a questão que se coloca.

O que está em causa é apreciar se o juiz se ateve ao objeto do processo, como é devido, porquanto é “monopólio das partes a conformação da instância, nos seus elementos objectivos e subjectivos” [ 12]]e se apreciou das questões suscitadas pelas partes – e só dessas, ressalvados, obviamente, os casos em que se impõe o conhecimento oficioso das exceções.

A resposta, como o exequente/apelante propugna, não pode deixar de ser positiva, tendo o juiz perspetivado um meio de defesa que o executado nem sequer equacionou.

Nos casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos (art. 227º do Cód. Civil), está usualmente em causa a obrigação do faltoso indemnizar o lesado [13]] [14]] e, no caso, não é esse direito (de indemnização) que o executado pretende ver reconhecido pelo tribunal; o que o executado pretende é obstar e impedir a cobrança de uma dívida que entende que não existe, porque os contratos que estão mas base da emissão das livranças apresentadas como título executivo estão feridos de nulidade. Assim, é nula a sentença se o juiz se pronuncia, exclusivamente, sobre a atuação do exequente aquando da formação dos contratos para, de uma assentada, concluir que este agiu com culpa, julgando extinta a execução, com esse fundamento.

Conclui-se, pois, que a sentença padece do vício invocado, tendo o juiz apreciado de questão que não lhe foi suscitada e que não é de conhecimento oficioso, pronunciando-se sobre objeto diverso do pedido e, por outro lado, omitindo um juízo de pronúncia quanto às questões suscitadas pelo executado do requerimento inicial de oposição.

Pelo que, declarando a nulidade, mais não resta a esta Relação senão substituir-se ao tribunal de primeira instância, apreciando dos fundamentos da oposição enunciados pelo executado, como este requer em sede de ampliação do recurso (art. 665º, nº1 do C.P.C.); sobre esses fundamentos já o exequente se pronunciou na fase dos articulados.
(…)
*

Em suma, não foi produzida qualquer prova que permita resposta positiva ao número 14º da Base instrutória e, quanto aos números 21º e 22º, a prova produzida é insuficiente, não permitindo, com a mínima margem de segurança, dar essa matéria como assente.

Quanto aos demais quesitos, deve manter-se o julgamento de facto feito pelo tribunal de primeira instância porquanto a prova produzida, analisada à luz das regras de experiência comum e segundo padrões e critérios de normalidade, suporta essa valoração.

Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a impugnação, decide-se alterar a resposta aos quesitos e, consequentemente, dá-se como não provada a matéria enunciada sob os números 14º, 21º e 22º da base instrutória, determinando-se a sua eliminação dos factos dados como assentes. Acrescente-se que, como se verá, esta alteração é juridicamente irrelevante.

4.– Analisando a factualidade assente conclui-se que a entidade bancária celebrou com o executado vários contratos de mútuo ou financiamentos em conta corrente [ [15] ], com vista à aquisição, pelo executado, de ações representativas do seu próprio capital social, ou de outras entidades bancárias por si controladas.

Afigura-se-nos que estamos perante um “mútuo de escopo”: “[o] mútuo bancário pode ter a particularidade importante de ser um mútuo de escopo, isto é: um mútuo no qual, contratualmente, o mutuário fica adstrito a dar um determinado destino à importância recebida” [ [16] ]. No caso, o financiamento era concedido para que o executado adquirisse ações representativas do capital social do exequente e/ou de outras entidades bancárias associadas à exequente e que esta veio a incorporar [ [17] ]. 

Abra-se um parêntesis para esclarecer que a factualidade dada como provada em QQ) – “[f]oi formalizado o contrato nº 265800274, através da carta-proposta do exequente datada de 16.10.2000, no valor de € 997.595,79, com a finalidade ali referida de "financiamento para aquisição de ações EDP” –, não altera o juízo valorativo que se expôs, ponderando o contexto em que essa factualidade foi invocada e a posição do exequente a esse propósito.

A matéria enunciada em QQ) vem na sequência dos arts. 80º a 84º da petição inicial de embargos, que não foi sequer considerada pelo tribunal e a expressão “mas que” tinha sentido no contexto da alegação vertida nos arts. 85º e 86º, a saber:
“85º
Foi, assim, formalizado o contrato nº 265800274, através da carta-proposta do exequente datada de 16.10.2000, no valor de € 997.595,79, com a finalidade ali referida de "financiamento para aquisição de ações EDP” (cfr. doc. 29 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido),
mas que,
86º
Na realidade, parte do crédito concedido foi utilizado para a liquidação de parte dos juros que se iam vencendo correspondentes às aberturas de crédito anteriores”.
O art. 86º não foi impugnado pelo que tinha que considerar-se essa matéria como assente, em face do disposto no art. 490º nº2 do C.P.C., na redação vigente à data em que a contestação foi apresentada, em julho de 2007. 
Saliente-se que nos arts. 80º a 84º da petição inicial o executado alegou, basicamente, que em meados de outubro de 2000, porque não tinha capacidade para continuar a suportar os encargos com os juros, deslocou-se “ao gabinete de private banking do exequente” referindo que pretendia liquidar os créditos e que foi recebido por “um dos elementos da administração” e foi “persuadido a adquirir acções representativas do capital social da EDP (com quem, aliás, o exequente se encontrava a realizar um negócio de cruzamento de participações” (art. 83º) “[t]endo-lhe sido disponibilizada nova abertura de crédito em conta corrente, destinada a, por um lado, permitir-lhe o pagamento de parte dos juros das aberturas de crédito anteriores e, por outro lado, a comprar algumas acções da EDP” (art. 84º).   
   
O exequente impugnou a factualidade alegada nos arts. 81º a 83º (cfr. art. 16º da contestação aos embargos), nada explicitando relativamente à relação entre a entidade bancária e a EDP, à data aludida, isto é, em 2000; refira-se que se conhece, porque é do domínio público, que foi noticiada a parceria entre a EDP e o BCP, nesse ano, com troca de posições acionistas nos respetivos capitais sociais.

Em suma, no contexto referido, consideramos juridicamente irrelevante a referência à finalidade indicada, alusiva à EDP [ [18] ].
Esses contratos implicavam, para o executado, paralelamente, a obrigação de emitir livranças a favor da sociedade exequente e que esta podia preencher no condicionalismo contratualmente previsto, bem como a obrigação de entregar como garantia de pagamento os próprios títulos, nos termos de cada “contrato de penhor de títulos” efetuado.

São essas livranças que serviram de base à presente execução, invocando o executado a “nulidade dos contratos de conta corrente e das livranças”, convocando o regime instituído pelos arts. 322º, nº1, 325º-A, nº1 e 325º-B, nº1 do Cód. das Sociedades Comerciais (CSC), diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.

Vejamos.
Dispõe o art. 322.º (“[e]mpréstimos e garantias para aquisição de acções próprias”):
“1- Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira acções representativas do seu capital.
2- O disposto no n.º 1 não se aplica às transacções que se enquadrem nas operações correntes dos bancos ou de outras instituições financeiras, nem às operações efectuadas com vista à aquisição de acções pelo ou para o pessoal da sociedade ou de uma sociedade com ela coligada; todavia, de tais transacções e operações não pode resultar que o activo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir.
3- Os contratos ou actos unilaterais da sociedade que violem o disposto no n.º 1 ou na parte final do n.º 2 são nulos”.

E, nos termos do art. 325.º-A (“[s]ubscrição, aquisição e detenção de acções”), “[a]s acções de uma sociedade anónima subscritas, adquiridas ou detidas por uma sociedade daquela dependente, directa ou indirectamente nos termos do artigo 486.º ou que com aquela esteja em relação de grupo nos termos do artigo 488.º e seguintes, consideram-se, para todos os efeitos, acções próprias da sociedade dominante” – nº1. À subscrição, aquisição e detenção destas ações – referidas no nº1 do art. 325ºA –, “aplica-se o regime estabelecido nos artigos 316.º a 319.º e 321.º a 325.º, com as devidas adaptações” – art. 325.º-B, nº1.

A lei estabelece, pois, a proibição (absoluta) de assistência financeira, cominando com nulidade o negócio respetivo, ou seja, o negócio de financiamento [ [19] ], a par da proibição (relativa) de aquisição de ações próprias (art. 316º) [ [20] ].

Estamos perante uma modalidade típica de assistência financeira, quanto à estrutura negocial, em que a sociedade anónima concede diretamente fundos a um terceiro – que até pode já ser um acionista da sociedade – com vista à aquisição de ações da sociedade, salientando-se que quanto aos seus efeitos a assistência financeira abrange operações que até podem não implicar a concessão de qualquer vantagem patrimonial efetiva para o terceiro [ [21] ].
 
Contrapõe o exequente que as operações de financiamento, ainda que para compra de ações próprias, são operações correntes dos bancos pelo que não tem aplicação o referido regime – cfr. o nº2 do art. 322º.

Ora, ponderando o específico condicionalismo evidenciado nos autos, não pode considerar-se os vários financiamentos concedidos ao executado – contratos de conta corrente enunciados, nomeadamente, em J) –, nos termos em que o foram, como operações bancárias correntes.

Discorrendo sobre a norma proibitiva em causa (art. 322º, nº1) e a exceção aberta no nº2 do preceito, refere Raúl Ventura:
“É uma excepção aberta em função do objeto da sociedade emitente das acções, sociedades que exerçam o comércio bancário ou outras instituições financeiras. Compreende-se que seria estranho que um banco ao qual um cliente pedisse um empréstimo para concorrer à subscrição de acções a emitir por esse banco tivesse que remeter o cliente para a porta ao lado. Necessário é, porém, que a transacção se enquadre nas operações correntes do banco ou instituição financeira – tal não será, por exemplo, o caso de uma instituição que correntemente não conceda crédito para aquisição de acções ou em que essas transacções nem sequer estejam abrangidas no seu objecto social. Também parece que não há operação corrente se o crédito para aquisição de acções próprias for concedido em condições mais favoráveis para o cliente do que as normas da instituição.

Com razão adverte SABINO FORTUNATO (…), que não poderão considerar-se operações correntes, por exemplo, um programa de financiamento destinado a consentir a terceiros a subscrição de acções próprias ou financiamentos concedidos a especuladores diferenciais para sustentar a cotação dos títulos próprios no mercado em momentos difíceis. Que o primeiro destes exemplos não é teórico, mostra-o o facto de em recentes processos de privatização de sociedades bancárias portuguesas terem surgido ideias de abertura, pelas sociedades a reprivatizar, de linhas de crédito destinadas a certas categorias de investidores, como os pequenos subscritores e emigrantes. Dir-se-á, talvez, que um empréstimo feito, nessas circunstâncias, a um cliente é uma operação corrente da sociedade bancária. Verdade, é todavia, que, se em vez de se olhar cada empréstimo separadamente, se considerar o conjunto de todos, os empréstimos individuais são meras peças de uma operação global - o financiamento de aquisições de acções próprias, que não é uma operação corrente do banco” [ [22] ] [  [23] ] [ [24] ].

Foi exatamente o que se passou no caso em apreço, como à evidência resulta dos factos provados – cfr. a factualidade dada como provada sob os números 1 a 7, 10 a 13 e 15º a 20º da base instrutória –, pelo que não pode considerar-se que os contratos de mútuo em causa nos autos se inserem no âmbito das operações correntes dos bancos; ao invés, só se compreendem e explicam no âmbito de uma estratégia muito mais vasta, gizada pela sociedade exequente, necessariamente a nível da administração da entidade bancária. Acentua-se que comportamentos e atuações como aqueles que se mostram espelhadas nos autos estão perfeitamente enquadrados na ratio do regime de proibição aludido, em que uma das finalidades da proibição, como a doutrina aponta, é o de evitar que o capital social “seja «alimentado» com base no património da própria sociedade em vez de o ser com apports externos dos accionistas, tutelando o capital enquanto garantia de terceiros[[25] ].

Saliente-se que impendia sobre a entidade bancária o ónus de alegar e provar o circunstancialismo fático pertinente subsumível à aludida exceção, o que o exequente/apelante não logrou fazer (art. 342º, nº2 do Cód. Civil).
   
A nulidade dos contratos de financiamento acarreta, necessariamente e por arrastamento, a invalidade das livranças que lhe estão associadas, não podendo o exequente fazer valer esses títulos cambiários contra o executado, em face da relação subjacente assim configurada, sendo que estamos no domínio das relações imediatas.

Com esse fundamento – diferente daquele enunciado pelo tribunal de primeira instância – impõe-se julgar extinta a execução.

5.– Ponderando o que se referiu entende-se que se mostra prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo executado na petição inicial de oposição (por desnecessidade).
*
*
*
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida, ainda que por fundamentos diferentes daqueles vertidos na decisão.
Custas pela apelante.
Notifique.



Lisboa, 17-04-2018


                                       
(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)                                      
(Eurico José Marques dos Reis)



[1]Não foi enviado ficheiro eletrónico alusivo às conclusões apresentadas pelo que se remete para o respetivo suporte papel.

[2]Procede-se à reordenação do elenco dos factos provados, pela ordem (cronológica) enunciada na petição inicial, sob pena de nem sequer ser compreensível a exposição dos factos, mormente quando são utilizados elementos de ligação (“assim”); o exequente/apelante assinala, aliás, a dificuldade de interpretação que motiva a alteração da cronologia feita pelo Meritíssimo Juiz. 
[3]Substituiu-se o segmento de texto que a primeira instância tinha consignado e que não era compreensível, a saber, “[o]s contratos referidos no precedente artigo 48°”.
[4]O tribunal de primeira instância enunciou esta matéria, sob as letras QQ), nos seguintes termos:
Foi, assim, formalizado o contrato nº 265800274, através da carta-proposta do exequente datada de 16.10.2000, no valor de € 997.595,79, com a finalidade ali referida de "financiamento para aquisição de ações EDP” (cfr. doc. 29 que adiante se junta e aqui se dá por reproduzido)
mas que,” (sublinhado nosso); prosseguindo, depois, enunciando a demais matéria provada.
Ora, as expressões “[f]oi, assim” e “[m]as que” não são percetíveis e a sua utilização só se compreende pela utilização de meios informáticos no processamento do texto, pelo que foram eliminadas por esta Relação.  
[5]Por manifesto lapso a primeira instância assinalou essa comunicação de forma incompleta, tendo esta Relação corrigido esse lapso aditando o seguinte segmento de texto: “de V. Exª de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas”, atento o teor desse documento, constante de fls. 156-158, mais precisamente, a cláusula 9ª, alínea e); acrescente-se que essa matéria não foi impugnada.    
[6]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[7]Pese embora regulamente notificado para esse efeito; efetivamente, aquando do julgamento, findas as alegações dos mandatários e na presença destes o Meritíssimo Juiz proferiu o despacho de fls. 564, designando “para leitura da decisão sobre a matéria de facto” o “próximo dia 10 de janeiro às 10:00 horas”.
[8]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º,  3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p.737.
[9]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obr. e loc. citados.
[10]Assim:
“Resultou provado, por acordo das partes, que, entre o executado, ora oponente, e o exequente, ora embargado, foram celebrados contratos de financiamento em conta corrente,
Ora, os contratos de financiamento em conta corrente, consubstanciam um contrato de mútuo (oneroso), conforme vem definido e regulado pelos artigos 11420 e seguintes do Código Civil, e pelo qual "uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade".
Por sua vez, o contrato de abertura de crédito não é promessa de empréstimo nem é empréstimo, antes um contrato sui generis. Esse contrato sui generis impõe ao creditado a obrigação de reembolsar ao creditador a soma das prestações efectuadas, SE o reembolso é de uma só vez e a final, o contrato diz¬se simples; se o reembolso é feito parcelarmente e enquanto continua a durar o contrato diz-se em conta corrente - Paulo Lacerda "Do Contrato de Abertura de Crédito", página 83.
Ora, resultou provado, que houve campanhas de marketing efectuadas pelo exequente, de incentivo e promoção, junto dos seus clientes, da aquisição de acções representativas do seu próprio capital social ou de acções representativas do capital social das instituições de crédito controladas por aquela, quer junto de clientes, quer junto dos balcões, quer junto do "private Banking" e, para essa estratégia, apresentava-se como sendo uma instituição sólida, cujas acções permitiriam aos seus clientes rembolsarem os créditos e obterem mais valias, concedendo créditos com spreads mais baixos, sendo-lhes assegurado que os juros dos créditos seriam amortizados com os dividendos que das acções que adquirissem viessem a receber”.
[11]Assim:
“Citando Sinde Monteiro, «quando uma das partes pode legitimamente confiar na outra, em virtude da natureza do contrato, da qualidade das partes ou de informações fornecidas pela outra, não há necessidade de estabelecer se não lhe era possível informar-se a si próprio, podendo esperar do co - contratante as informações necessárias», in "Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações", Almedina, Coimbra, 1989, pág. 363.
Seguindo a lição de Almeida Costa ("Responsabilidade Civil Pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato" Coimbra Editora, 1994, pág. 36), distinguem-se três grupos básicos de factos constitutivos de responsabilidade pré - negocial, consoante se verifique:
a)- Ausência ou não conclusão de um contrato cujas negociações se iniciaram;
b)- Celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia;
c)- Conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos.
No ordenamento jurídico português, a responsabilidade por danos provocados culposamente por uma das partes à outra, na fase das puras negociações preliminares, foi acolhida no artigo 2270 do Código Civil, sob a epígrafe de "culpa na formação dos contratos".
Prescreve o citado artigo que:
« 1. Quem negoceia com outrém para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa - fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
«o princípio da boa -fé, na sua aplicação à fase pré - negocial, pode na realidade impor - entende-se hoje comumente - deveres de esclarecimento, notificação, revelação, comunicação ou até conselho», Sinde Monteiro, "Responsabilidade por Conselhos ... ", cit., pág. 358.
Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Tanto podem ser violados por omissão, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer (Menezes Cordeiro, "Da Boa - Fé no Direito Civil", VoI. I, pág. 583).
A fundamentação da culpa in contrahendo evoluiu, pois, de justificações negociais, traduzidas, designadamente, na ficção de promessas ou pactos fictos de garantia para pontos de vista objectivos- Paulo Mota Pinto, "Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico", Coimbra, 1995, pág. 105, nota 88”.
[12]Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, conceito e princípios gerais à luz do código revisto, 1996, Coimbra Editora, Coimbra, p.129.
[13]“A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á,em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado. Mas pode, excepcionalmente, se a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse (ou de cumprimento) (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 215).  
[14]Foi o que se passou no caso em análise no ac. do TRL de 17-10-2017, processo: 24401/15.0T8LSB.L1-7 (Relator: Maria da Conceição Saavedra), acessível in www.dgsi.pt, com os seguintes contornos, aí evidenciados no relatório:
“... & ..., Lda, Maria Teresa de ... ... ... de ... e José Eugénio ... ... de ... e ..., vieram, em 9.9.2015, propor contra Banco ... Português, S.A., ação declarativa comum pedindo, em súmula, a condenação do R. a indemnizar os AA. dos valores que estes vierem a suportar no âmbito da ação executiva em curso na Secção de Execuções da Comarca de Lisboa, atualmente no valor de € 27.505,63 e com liquidação a efetuar no decurso da ação por não ser conhecido o valor, bem como a condenação do mesmo R. a pagar à 1ª A. a quantia de € 10.000,00 e a cada um dos 2º e 3º AA. a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pela ofensa ao crédito e bom nome, valor que se considera ajustado à natureza e gravidade da ofensa que a participação do Banco R. (ao Banco de Portugal) causou e que afetou o crédito dos AA. bem como o seu bom nome.
Alegam, para tanto e em síntese, que sendo a 1ª A. titular de conta no Banco R. (então Banco Atlântico), entre os anos de 2000 a 2002, os AA. foram persuadidos pelo gerente da agência da Estefânia, Carlos Santos, com quem tinham um bom relacionamento pessoal, a adquirir um produto aliciante ...izado pelo Banco, de grande interesse e vantagens económicas imediatas e sem risco, que respeitava à aquisição de ações do próprio Banco, com a promessa de que estas iriam subir de valor, não sendo necessário investir porque o Banco financiava a compra. Convencidos de que tal produto tinha as vantagens proclamadas, os AA. adquiriram ações em nome da sociedade, em nome pessoal e dos filhos, tendo assinado uma livrança, em branco, com o aval dos 2º e 3º AA., para além de assinarem a demais documentação necessária. Afirmam que nenhum dos AA. tinha qualquer noção de como funcionava o mercado de ações, acreditando exclusivamente na palavra do representante do Banco no qual depositavam plena confiança. Dizem que o Banco interpôs contra si ação executiva em curso baseada na livrança referida, subscrita pela sociedade A. e avalizada pelos 2º e 3º AA., reclamando o pagamento de € 27.395,06. Defendem que o Banco R. não cumpriu com os seus deveres, designadamente o de informação, de proteção dos interesses legítimos do cliente, de evitar o conflito de interesses, de classificar o cliente em face dos seus conhecimentos e fazer prevalecer o seu interesse em detrimento dos interesses do Banco, de prestar ao cliente informação necessária, adequada e verdadeira, bem como o dever de avaliar o carácter adequado das operações que propôs em face do perfil do cliente, sem perder de vista o objeto social da A. sociedade (estudos, projetos e compra e venda de propriedades) a quem estava vedado realizar operações financeiras especulativas. O comportamento do Banco R. veio a causar danos aos AA., danos esses correspondentes à aquisição das ações, no total de 4.800, o que perfazia em 9.10.2009, o valor de € 27.505,63 acrescido de juros. Invocam a violação do art. 7 do CdVM e dos arts. 73 e 74 do RGIF, mais aludindo ao art. 483 do C.C., referindo, no final, “trata-se de responsabilidade contratual, claramente violada pelo banco R., que responde …pelos danos causados pelos seus auxiliares em face do disposto no art. 800º do C.C..”
Refira-se que o tribunal concluiu que “[q]uestionando os AA. na causa, não o incumprimento do contrato relativo à compra e venda de ações e de mútuo a ele associado ou os seus efeitos, mas a conduta do Banco R. preliminar aos mesmos, está em causa a responsabilidade civil pré-contratual que prescreve nos termos previstos no art. 498 do C.C. (art. 227, nº 2);
(…)Pedindo os AA. também a condenação do Banco R. a pagar determinadas quantias a título de indemnização pela ofensa ao crédito e bom nome, em face da participação feita ao Banco de Portugal do incumprimento dos AA., está em causa a responsabilidade civil extracontratual do demandado, sujeita à prescrição prevista no art. 498 do C.C.”.
[15]“O contrato de mútuo bancário na modalidade de abertura de crédito em conta corrente é aquele por via do qual a instituição de crédito se vincula a colocar à disposição do seu cliente determinada quantia em dinheiro e este se obriga a restituir-lha, em montante idêntico, com juros remuneratórios, podendo o último operar, por aquela forma, uma pluralidade de levantamentos de depósitos de parcelas do crédito” (Ac do STJ de 04-12-2007, processo: 07B4135 (Relator: Salvador da Costa), acessível in www.dgsi.pt;
[16]Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p.538.    
[17]É exatamente o elemento subjetivo que carateriza a proibição de assistência financeira.
[18]A não se entender assim, tinha de ponderar-se a anulação parcial do julgamento com vista ao aditamento da factualidade pertinente e nova produção de prova, nomeadamente com vista à audição de administradores da entidade bancária, à data, com vista ao esclarecimento dessa matéria.
[19]Sobre a proibição a que alude o art. 322º refere Maria Vitória Rodrigues Vaz Ferreira da Rocha, in Aquisição de Acções Próprias no Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 311-313: “[a] norma em análise tem uma ratio complexa. Constitui um reforço da proibição de aquisição de acções próprias, fortalecendo a referida proibição contra estratégias equivalentes no plano económico e administrativo, mas justifica-se também por razões independentes, resultantes da necessidade de salvaguardar o tráfico societário dos perigos que, por si mesmas, independentemente dos objectivos concretos que se possam prosseguir, acarretam as operações de assistência financeira. (…).
Encontramos também aqui uma finalidade de tutela da função produtiva do capital social, na medida em que os negócios de financiamento podem acabar por privar o património social de bens concretos, efectivos, ao implicarem a substituição de bens reais por créditos cuja cobrança não será certa. Mas, mais uma vez, não se justificaria uma proibição absoluta. Como acentua SABINO FORTUNATO, ter-se-iam que legitimar, pelo menos, as operações que entrassem no objecto social.
No plano administrativo, a analogia com o que se passa em matéria de acções próprias é manifesta. Trata-se de evitar abusos por parte dos administradores, que poderiam de outro modo facilitar a terceiros da sua confiança fundos da sociedade para a aquisição das acções de que careçam, a fim de assegurar a sua posição nas deliberações da assembleia, ou para alimentar outro tipo de especulações.(…)
De um modo geral, podemos dizer, com SABINO FORTUNATO que a norma procura tutelar a organização social, evitando que a sociedade utilize os próprios meios para condicionar ela própria o seu mercado e a sua estrutura organizativa do capital”.        
[20]Sobre a diferença de regimes entre a proibição absoluta de concessão de assistência financeira versus a proibição relativa de aquisição de ações próprias, vide Inês Pinto Leite, “Da proibição de assistência financeira, O caso particular dos Leveraged Buy – Outs”, Direito das Sociedades em Revista, março de 2011, Ano 2, vol.5, pp.133-142.      
[21]Inês Pinto Leite, obr. cit. p. 155.
[22]In Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1992, pp.379 - 380.  
[23]No mesmo sentido, cfr. Maria Vitória Rodrigues Vaz Ferreira da Rocha, obr. cit. p. 316: “[d]e qualquer modo, não será fácil enquadrar dentro das operações correntes das instituições de crédito a concessão de crédito precisamente para a aquisição de acções da entidade financiadora”.     
[24]Sublinhado nosso.
[25]Inês Pinto Leite, obr. cit. p.137.

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