Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2490/15.8T8CSC.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: AUDIÇÃO DE TESTEMEMUNHAS
ACTIVIDADE PERIGOSA
SEGURO DE DESPORTO
DANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES OS RECURSOS
Sumário: I - As requeridas diligências de identificação e busca de «potencial» testemunha não identificada em concreto extravasam claramente o âmbito do artigo 526.º do CPC e radicam apenas na vontade da parte e não em dados objetivos que permitam ao Tribunal um juízo de prognose sobre a imprescindibilidade de uma testemunha.
II - A atividade de um ginásio não consiste de per si numa atividade perigosa, não encontrando qualquer similitude com as hipóteses que têm vindo a ser densificadas pela doutrina e pela jurisprudência a propósito da presunção legal de culpa ínsita no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, por não envolver uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas atividades desportivas em geral.
III – Na interpretação do artigo 570.º, n.º 2, do Código Civil, há que descartar um sentido que justifique um tratamento melhor dado pelo legislador à culpa presumida do que à culpa efetiva.
IV - A localização sistemática deste preceito não prescinde de uma concausalidade efetiva.
V - O direito de recorrer não assiste a quem simplesmente se imagine prejudicada, sem que tal resulte da decisão no seu contexto jurídico imediatamente prejudicial.
VI - A decisão de absolver a Ré Seguradora do pedido não deixa de implicar o vencimento da Ré proprietária do ginásio, no sentido em que se verifica quanto a esta a imediata afetação de direitos ou interesses juridicamente tutelados, atendendo ao contrato de seguro no qual figura como tomadora, concluindo-se que lhe assiste legitimidade para recorrer.
VII - O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12.1, que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório, não abarca, de forma implícita, danos não patrimoniais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. M… intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a F…, posteriormente corrigida para a demanda de J…, e a Companhia de Seguros …, S.A..
Formulou o pedido de condenação das Rés a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 40 000,00 € por danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de que foi vítima, ocorrido no dia 23.7.2014, pelas 11h10m, na sequência de ter entrado numa passadeira da sala de musculação do ginásio F…, propriedade da 1.ª Ré, quando a máquina estava a ser testada em velocidade alta, sem qualquer sinalética que avisasse o perigo, sendo que a atividade do ginásio estava coberta pelo contrato de seguro obrigatório celebrado com a Ré.
3. A Ré Seguradora apresentou contestação, na qual alegou que indemnizou todos os danos incluídos no contrato de seguro, ou seja, pagou despesas de tratamento da Autora no montante global de 3 160,33 €, tendo ficado disponível, a título de despesas de tratamento, a quantia de 1 339,67 € (sem prejuízo da franquia).
Mais arguiu que as únicas coberturas contratadas foram «Invalidez Permanente, Despesas de Tratamento, Despesas de Funeral e Morte», não tendo sido contratada, entre o mais, qualquer cobertura de incapacidade temporária ou outras que não as expressamente indicadas nas respectivas Condições Particulares, sendo certo que, em qualquer caso, o capital atualmente disponível para a cobertura «Despesas de Tratamento» é de apenas 1.339,67 €.
Para além de considerar exagerado o valor dos danos não patrimoniais invocados, sublinhou que a apólice de seguro de acidentes pessoais desporto, cultura e recreio se reporta a um seguro obrigatório, com capitais expressamente previstos e limitados e que não abrange qualquer tipo de indemnização civil e/ou de natureza não patrimonial, única conclusão e interpretação autorizada pelas cláusulas da apólice.
4. A Ré J… apresentou contestação, na qual argumentou que o acidente em apreço se deveu a culpa exclusiva da Autora e impugnou os danos invocados.
No que concerne à dinâmica do acidente, argumenta, em suma, que:
- O período da manhã do ginásio é frequentemente mais calmo, pelo que, nesse dia, o professor e diretor técnico se encontrava a ministrar uma aula e o rececionista no seu lugar;
- Não existe qualquer obrigatoriedade na legislação que imponha aos ginásios a presença de um professor nas salas de musculação;
- É obrigatória, sim, a existência de um regulamento interno de que a Autora teve conhecimento aquando da sua inscrição, e está sempre disponível no balcão da receção;
- Aí expressamente se refere que os sócios não podem utilizar qualquer aparelho/máquina sem a ajuda e permissão do professor;
- O rececionista está disponível para ajudar qualquer utente, tendo formação igual à de qualquer outro professor;
- Sempre que as duas passeiras existentes na sala de musculação se encontram em manutenção, é colocado um escrito pela direção do ginásio alertando para esse facto, pedindo desculpa pelo incómodo, papel esse colocado exatamente nos botões de funcionamento do aparelho de modo a ser o mais visível possível;
- Igualmente nesse dia, encontrava-se o Sr. A…, funcionário da empresa de manutenção que trabalha para a rede de franquia, a reparar exatamente essa passadeira;
- Após a reparação, é necessário colocar a mesma em funcionamento para verificar se o problema se encontra resolvido, e logicamente, o escrito tem de ser retirado para se aceder aos botões que colocam a mesma em funcionamento;
- O referido técnico encontrava-se devidamente uniformizado e ao lado da passadeira, após ter procedido à sua reparação, encontrando-se a máquina em testes, na velocidade máxima, como é habitual nestes casos;
- A Autora saía frequentemente das aulas em correria em direção aos equipamentos de cardio pois queria ser a primeira a utilizá-los, o que sucedeu no dia do acidente, em que se dirigiu a correr para a passadeira, não respeitando as normas de funcionamento do ginásio nem respeitando o dever de cuidado que sobre todos os utentes de qualquer ginásio impende;
- A Autora não reparou que o técnico — pessoa uniformizada — se encontrava ao lado da máquina e com uma caixa de ferramentas, não verificou previamente se a máquina estava ou não em funcionamento, nem colocou primeiro os pés nos apoios laterais como o próprio equipamento indica, saltando para cima do tapete rolante;
- A passadeira encontrava-se a funcionar na velocidade máxima e o seu barulho é perfeitamente audível, o que reforça a irresponsabilidade e incúria da Autora;
- A Autora, num simples e irrefletido ato, violou os mais básicos regras de quem é utente de ginásio.
5. Foi elaborado saneador tabelar e dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
6. Após a realização da audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
« Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno a R. J… a pagar à A. M… a quantia de 5.000,00 € a título de pagamento de danos não patrimoniais, absolvendo‑a no demais pedido.
Absolvo a R. Companhia de Seguros…, SA da totalidade do pedido.
Custas pela A. e pela R. J…, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Registe e notifique.»
7. Não se conformando com o assim decidido, a Ré J… interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES [corrigiram-se pequenos lapsos de escrita]:
«(…) 1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls.(...) dos presentes autos, tendo o presente recurso por objeto a apreciação da matéria de facto e de direito, tendo como questões a enunciar:
2) A) Questão prévia: A falta de audição de testemunha presencial e fundamental;
B) Impugnação da matéria de facto:
Entende a recorrente que resultou provado da prova produzida nos presentes autos, devendo ser alterada a matéria de facto para:
Ponto 3:
- Os equipamentos existentes no ginásio, foram colocados em manutenção, sendo perfeitamente visível o técnico a intervencionar a passadeira.
Ponto 10:
- A referida máquina encontrava-se a ser intervencionada por técnico uniformizado e com uma caixa de ferramentas junto à mesma, quando a Autora, sem chamar um professor como refere o regulamento que declarou conhecer e sem tomar as devidas precauções, entrou na passadeira provocando a sua queda.
- Ponto 11:
Foi de imediato projetada e arrastada pela alta velocidade que o aparelho se encontrava.
- Ponto 60:
O rececionista, J…, está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado, tendo formação de professor de ginásio.
- Ponto 2 da matéria de facto não provada resultou provado que:
O regulamento do ginásio está regularmente sobre o balcão da receção do mesmo.
Entende a recorrente que não foi feita prova do ponto 15 da matéria de facto.
C) A responsabilidade da ré seguradora;
D) Da culpa da autora e comparticipação na indemnização da ré;
E) Do quantum indemnizatório.
3) A recorrente indicou como testemunha, A…, por indicação da entidade patronal deste, a sociedade F…, Lda. como sendo o técnico que se encontrava presente no ginásio da recorrente a intervencionar a passadeira rolante do ginásio e fê-lo na convicção de que a testemunha arrolada era a testemunha que havia presenciado os factos.
4) Porém, após o depoimento da mesma, verificou-se que, por lapso da sociedade F…, Lda, não imputável à recorrente, não era a referida testemunha o técnico que havia presenciado o acidente.
5) Pois, alguém que tivesse assistido ao acidente da A. certamente se iria recordar do mesmo.
6) O depoimento do técnico que se encontrava presente no local e momento do acidente e que poderá clarificar o que realmente sucedeu nesse dia, reputa-se como fundamental para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa, devendo ser ordenada a baixa dos autos para se proceder à notificação da sociedade F…, Lda., com sede na Av. Fontes Pereira de Melo, n.º …— … piso, …, 1050-116 Lisboa, para que venha identificar o técnico que se encontrava presente no dia 23/07/2014 no ginásio da recorrente em Carcavelos, e que a recorrente já conseguiu apurar chamar-se "F…", e para que este venha prestar depoimento aos autos com vista ao cabal esclarecimento da verdade, corrigindo-se em conformidade a decisão.
7) Entende a recorrente que a audição da testemunha atrás referida seria de todo importante para se apurar se corresponde à verdade ou não o número 3 dos factos provados, para se apurar da sua localização e se colocou pinos ou a mala de ferramentas.
8) As testemunhas A… (esta ainda referiu que nunca entraria na passadeira em funcionamento), N…, M… foram perentórias a indicar logo a presença do técnico como restrição à utilização da passadeira e que esta se encontrava a funcionar a alta velocidade.
9) Acrescendo ainda o desrespeito pelo regulamento do ginásio, que a autora declarou conhecer, dado como provado nos pontos 58 e 59 da douta sentença em crise.
10) Assim, teria ficar provado no ponto 3:
11) - Os equipamentos existentes no ginásio, foram colocados em manutenção, sendo perfeitamente visível o técnico.
12) A passadeira não tinha qualquer avaria.
13) A testemunha N… refere que a autora subiu de lado na passadeira e tinha uma toalha no rosto, e ainda ter visto uma caixa de ferramentas.
14) O ponto 13 dos factos provados, é a perfeita contradição à responsabilidade da recorrente, pois, se a autora se apercebeu de que o aparelho se encontrava em manutenção, mesmo depois do acidente, é porque era visível e notório que este se encontrava em manutenção.
15) As testemunhas M…, M… e N… confirmam que para se subir para a passadeira, tinham de chamar um técnico, bem como confirmam terem-lhe dado conhecimento do regulamento.
16) Por isso, teria de ficar provado no ponto 10:
- A referida máquina, encontrava-se a ser intervencionada por técnico uniformizado e com uma caixa de ferramentas junto à mesma, quando a Autora, sem chamar um professor como refere o regulamento que declarou conhecer e sem tomar as devidas precauções, entrou na passadeira provocando a sua queda.
17) O ponto 11 dos factos assentes igualmente não corresponde na totalidade à prova produzida em audiência, pois, como acima se referiu, terá de se apurar, com a audição da referida testemunha, bem como das declarações das testemunhas acima transcritos, que o técnico seria (como foi para os restantes utentes do ginásio naquele dia) sinal suficiente para que a autora não utilizasse a máquina.
18) Bem como a velocidade do aparelho não decorre de se encontrar em manutenção, mas sim de se encontrar na fase de teste após a manutenção, podendo esta se encontrar em alta velocidade por qualquer utente a ter utilizado anteriormente e não a ter desligado.
19) Devendo ficar provado no ponto 11:
11 - Foi de imediato projectada e arrastada pela alta velocidade que o aparelho se encontrava.
20) Igualmente, da audição da testemunha N…, deveria ter ficado provado o ponto 2 dos factos não provados, confirmando que efetivamente que o regulamento se encontra na receção do ginásio.
21) Já o ponto 15 não pode ser dado como provado, pois o contrário resultou do depoimento da testemunha M…, que confirma a presença do mesmo na porta da sala a despedir-se.
22) Bem como o próprio, a testemunha N… assim o relata.
23) O ponto 60 da matéria de facto igualmente não corresponde à verdade, uma vez que a testemunha J…, afirmou ter curso de professor, encontrando-se disponível para ajudar qualquer utente, sendo ainda confirmado pela testemunha N…, diretor técnico da recorrente.
24) Pelo que deveria ter ficado como provado no ponto 60 dos factos provados, por não ter sido contraditado:
60 - O rececionista, J… está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado, tendo formação de professor de ginásio.
25) Entende a recorrente que a cobertura por invalidez permanente integra não só os danos patrimoniais decorrentes da mesma, como os danos não patrimoniais.
26) Ac. do STJ de 9 de Julho de 2018 (Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt - “Quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os "danos materiais" por contraposição aos danos não patrimoniais (artigos. 14º e 49º do DL n.º 291 /2007, de 21 de Agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objectiva, resultante do seguro desportivo".
27) E o Ac. da Relação de Guimarães de 28/11/2019, Relator Venerando Espinheira Baltar:
2. O artigo 5.º n.º 2 al a) do DL. 10/2009 de 12/01, abarca, de forma implícita, danos morais.
28) Entende pois, a recorrente, que a responsabilidade pelos danos a que foi condenada na sentença ora em crise, encontram-se a coberto pelo seguro que subscreveu e que ficou provado, pois, além do legislador não diferenciar na lei do Seguro Desportivo Obrigatório, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro, os danos reclamados pela autora, a sua angústia e dificuldade em comer, encontram-se enquadrados e são consequência de uma invalidez permanente em resultado de um acidente na prática desportiva, nos termos da alínea a), do n.º 2 do artigo 5.º da referida Lei.
29) E sendo um seguro obrigatório, os valores e coberturas mínimas são os que se encontram na lei, não podendo ser afastadas pela vontade das partes, tal como refere o artigo 6.º do referido diploma.
30) Devendo a ré Seguradora ser condenada no pagamento da totalidade da indemnização que se vier a fixar, conforme alegações em infra, sem prejuízo da franquia a pagar pela recorrente.
31) Considerando a alteração à matéria de facto aqui impugnada, bem como o facto provado no ponto 64 dos factos provados, onde se admite a falta de cuidado da autora, entende a recorrente que deve ser excluída a sua culpa no acidente, nos termos do n.º 2 do artigo 570º do CC:
32) Pois a Autora, como acima se referiu, foi a única responsável pela produção do acidente.
33) E mesmo que assim não se entenda, considerando e ponderando o grau de culpa da autora com o eventual grau de culpa da recorrente, o valor da indemnização não pode ser repartido em partes iguais, não devendo ser superior a 10% do valor indemnizatório que vier a ser fixado.
34) Considerando tudo o acima dito sobre a culpa da autora na produção do acidente, bem como os danos que se deram como provados e que não se impugnaram, que se contraditam em parte na matéria de facto assente, entende a recorrente que a indemnização, no seu cômputo geral, não deve ser superior a € 5.000,00 (cinco mil euros).
35) Dispõe o artigo 526.º do CPC que, "quando no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor." Sublinhado nosso.
36) Violou assim, a douta sentença, os artigos 483.º, 493.º, 496.º, 570.º todos do Código Civil, o artigo 526.º do CPC, e os artigos 5.º, n.º 2, alínea a) 6.º e 16.º, todos do Dec.-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro.»
Conclui que a sentença deve ser revogada.
8. A Autora apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES [corrigiram-se pequenos lapsos de escrita]:
«1 - A prova é apresentada com o articulado da parte.
2 - Da conjugação entre o disposto no art. 411.º e no n.º 1 do art. 526.º, ambos do CPC, emerge que o poder/dever de inquirição oficiosa de uma testemunha só deve ser exercido quando o tribunal não se considere suficientemente esclarecido acerca de factos relevantes e existam elementos que levem crer que a audição da pessoa em causa contribuirá para esclarecer as dúvidas que se suscitam em face da prova já produzida.
3 - Não existe qualquer violação do artigo 411º e 526º nº 1 do CPC.
4 - Houve prova suficiente para considerar que o acidente se deveu única e exclusivamente a culpa da Ré J…, atenta a negligência de toda a actuação do ginásio.
5 - Da conjugação do disposto nos citados artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 607.º, n.º 4 colhe‑se que o tribunal deve tomar em consideração os factos instrumentais e extrair deles as ilações em sede de presunções judiciais.
6 - Nos termos definidos nos artigos 607.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo, a análise jurídica faz-se mediante a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas relevantes, podendo ainda envolver o exame crítico global dos factos tomados em consideração, interpretação e aplicação das normas aos factos provados.
7 - Acresce que, a parte final do n.º 4 do artigo 607.º do CPC pode contemplar, pois, presunções judiciais baseadas na conjugação ou compatibilização de toda aquela factualidade provada ou até de factos notórios ou de outros que sejam de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão. Tal análise crítica revela-se pertinente, por exemplo, nos casos em que a factualidade é complexa ou apoiada num acervo de factos indiciários.
8 - A juíza a quo fundamentou a sentença através da exposição dos factos relevantes e das razões de direito em que se estriba a decisão, como impõem os artigos 205.º, n.º 1, da Constituição e 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC.
 9- Aplicando correctamente o artigo 607º n.º 4, do C.P.C., descrevendo e fundamentando os factos que julgou provados e quais os que não julgou.
10 - Analisou criticamente as provas, indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificou os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
11- A juíza a quo tomou ainda em consideração os factos provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
12 - Nos termos do artigo 6.º do C.P.C.: Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere.
13 - Existe matéria de facto mais que suficiente que permite motivar e formular a decisão no sentido em que a mesma foi proferida.
14 - A testemunha A… referiu que não se lembrava do acidente em causa nestes autos. A testemunha não disse não ter estado no ginásio em causa, apenas referiu não se lembrar do acidente, até pelo tempo já decorrido.
15 - Os equipamentos existentes no ginásio foram colocados em manutenção sem que existisse qualquer sinalização /aviso de segurança nos equipamentos.
16 - Não estava nenhum professor na sala; A máquina não tinha nenhum papel.
17 - A própria Ré na sua contestação confessa que: "o Ginásio colocava um papel nos botões da máquina, mas naquele dia nem isso fez."
18 - Dúvidas não restam perante a descrição da Ré na sua contestação e da sua testemunha que confirmaram que a máquina não estava assinalada, pelo que decidiu correctamente o tribunal a quo, ao dar como provado o ponto 3.
19 - A referida máquina não apresentava qualquer sinal de restrição e a A. subiu para a passadeira julgando estar a mesma desligada-ponto 10.
20 - Se dúvidas existissem é a recorrente que o diz na sua contestação: "Sempre que estas se encontram em manutenção, é colocado um escrito pela direção do ginásio alertando para esse facto, pedindo desculpa pelo incómodo, papel esse colocado exatamente nos botões de funcionamento do aparelho de modo a ser o mais visível possível”.
21 - Foi de imediato projetada e arrastada pela alta velocidade a que o aparelho se encontrava, por estar em manutenção, mas sem qualquer aviso que o indicasse. Ficou claramente provada a responsabilidade da recorrente.
22 - Não só a recorrente pretende alterar a prova produzida em audiência como age de má- fé ao pretender a alteração de factos que então provados pelo depoimento das testemunhas da Autora e da própria Recorrente na sua contestação.
23 - A passadeira deveria ter o acesso vedado e deveria estar inequivocamente assinalado (não por pretensas pessoas ou caixas de ferramentas, mas antes por sinalética própria) o perigo.
24 - A lei não menciona caixa de ferramentas e coletes/uniforme, como sinais de perigo.
25 - O rececionista, J…, está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado.
26 - O rececionista está na entrada do r/c., na função de rececionista. A sala de musculação funciona no piso -1/cave.
27 - O ginásio funciona no aproveitamento de uma garagem.
28 - Nunca o rececionista foi apresentado como professor.
29 - Diz a recorrente na sua contestação artigo 20º "Não existe qualquer obrigatoriedade na legislação que imponha aos ginásios a presença de um professor nas salas de musculação."
30 - É a perfeita contradição, se não é obrigatório um técnico na sala de musculação, será por Isso que ele lá não estava?
31 - Provado que não existia nenhum monitor na sala de musculação.
A própria recorrente o confessa na sua contestação:
artigo 19º
" O período da manhã do ginásio é frequentemente mais calmo, pelo que, nesse dia, o professor, e inclusivamente diretor técnico, que se estava em funções era N… que se encontrava a ministrar uma aula, e o rececionista no seu lugar.
32- Existia um rececionista e um professor a dar aula numa outra sala.
33 - Não existe um único facto dado como provado que mereça qualquer reparo.
34 - A convicção do tribunal não foi maculada pelos depoimentos das testemunhas da recorrente, que até diferem em pontos essenciais daquilo que foi alegado no articulado ida contestação.
35 – O artigo 342.º n.º 1 do Cód. Civil dispõe que "àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado", competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (art. 342.º, n.º 2 Cód. Civil).
36 - A recorrida apresentou prova do direito alegado, não tendo a recorrente logrado apresentar prova de factos impeditivos do direito invocado.
37 - Por conseguinte, mostram-se inequivocamente preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar (art. 562.º Cód. Civil).
38 - Consequentemente, a única conclusão a extrair é a de a sentença proferida não padece de qualquer vício devendo ser mantida valorando o valor da indemnização atribuída a autora atenta os danos morais provados
9. No dia 11.11.2020, foi proferido despacho de admissão do recurso de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
10. As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o objeto do recurso e a Recorrida pronunciou-se no sentido da sua restrição.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
Recurso de decisão interlocutória:
. Da falta de audição de testemunha presencial e fundamental.
Recurso da sentença:
. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- Devendo alterar-se os pontos 3, 10, 11 e 60 da matéria de facto provada;
- E considerar-se provados os pontos 2 e 15 da matéria de facto não provada.
. Do erro de julgamento quanto aos seguintes pontos:
- A culpa da Recorrente, que deve ser excluída atenta a falta de cuidado da Autora provada sob o ponto 64, nos termos do artigo 570.º, n.º 2, do Código Civil;
- O valor da indemnização, que não pode ser repartido em partes iguais, não devendo ser superior a 10% do valor indemnizatório, que deve também ser fixado em montante não superior a 5 000,00 €.
. Do erro de julgamento na absolvição da 2.ª Ré:
- Questão prévia: da legitimidade da 1.ª Ré para recorrer da absolvição do pedido da 2.ª Ré;
- Da cobertura dos danos não patrimoniais pelo «seguro de acidentes pessoais de atletas e agentes desportivos».           
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
A) Factos considerados provados na sentença recorrida:
1 - A Autora, M…, frequentava o Ginásio F…, em Carcavelos, desde o ano de 2010.
2 - No dia 23.7.2014, às 11h10m, nas instalações do referido ginásio, sofreu uma queda.
3 - Os equipamentos existentes no ginásio foram colocados em manutenção sem que existisse qualquer sinalização/aviso de segurança nos equipamentos.
4 - O ginásio estava em pleno funcionamento, em horário público.
5 - A Autora frequentou o ginásio durante quatro anos.
6 - O seu treino consistia na frequência de aulas de manutenção e treino de musculação nos aparelhos disponíveis para o efeito.
7 - O ginásio tem duas salas distintas, divididas por portas de vidro.
8 - Uma sala é destinada a aulas de ginástica e outras modalidades coordenadas por um professor, na outra sala estão os aparelhos de musculação, nomeadamente: duas passadeiras, bicicletas e outros.
9 - No dia 23.7.2014, a Autora, após uma aula de ginástica de manutenção, dirigiu‑se ao espaço reservado aos aparelhos de musculação para treino numa máquina passadeira rolante.
10 - A referida máquina não apresentava qualquer sinal de restrição e a Autora subiu para a passadeira julgando estar a mesma desligada.
11 - Foi de imediato projetada e arrastada pela alta velocidade a que o aparelho se encontrava, por estar em manutenção, mas sem qualquer aviso que o indicasse.
12 - Como resultado dessa projeção, a Autora sofreu várias escoriações, nomeadamente ao nível da face e cabeça, o que lhe provocou hematomas, traumatismo da face, maxilar superior e dentes afundados, hemorragias, dores de cabeça, costas, braços e dificuldade em respirar.
13 - Só após a queda é que a Autora se apercebeu de que os aparelhos estavam em
manutenção.
14 - Existiam outros utentes na sala que presenciaram o acidente.
15 - Não existia nenhum monitor na sala de musculação.
16 - No dia 23.7.2014, encontravam-se dois funcionários, um na receção (entrada da loja, rés-do-chão) e o professor de ginástica, na sala (cave), onde tinha acabado de decorrer uma aula.
17 - Foram prestados os primeiros socorros pelo professor N… e chamados os bombeiros que encaminharam a Autora para o Hospital de Cascais.
18 - Não houve acompanhamento por parte dos responsáveis do ginásio na ambulância, tendo a Autora sido acompanhada pelo motorista da ambulância e uma bombeira.
19 - No próprio dia do acidente, pelas 18h30m, o rececionista do ginásio contactou telefonicamente a Autora para lhe dizer «estou a ligar-lhe para lhe dizer que não pode ir a um dentista qualquer, tem de ir à CUF de Cascais que é o que tem acordo com a Seguradora. Paga 10 euros de seguro não dá direito a ir a um dentista qualquer».
20 - Transmitiu ainda que era necessário a Autora deslocar-se ao ginásio para assinar um impresso e que levasse todos os documentos que tinha trazido do hospital referindo também que cancelasse junto da entidade bancária o pagamento mensal do ginásio.
21 - Logo que foi possível, a Autora deslocou-se ao ginásio para assinar a participação do sinistro, que já estava preenchida na quase totalidade, nomeadamente na «Descrição (pormenorizada, circunstâncias, causas e consequências)» do acidente.
22 - Na descrição não estava mencionado que a passadeira estava em manutenção mas não estava assinalada; foi posteriormente acrescentado a pedido da Autora.
23 - A Autora sofreu múltiplas lesões, algumas das quais com gravidade, designadamente em toda a face, dentes, cervical e ombro.
24 - Foi de imediato transportada para o Hospital de Cascais, onde foi observada, suturada na face, tendo recebido o tratamento e urgência hospitalar.
25 - No próprio dia, o seu médico dentista estava a dar consultas, foi recebida pelo mesmo, que confirmou a gravidade da situação e das lesões a nível da boca.
26 - Durante vários meses utilizou uma férula.
27 - A Autora passou por diversos tratamentos e exames médicos, realizou uma TAC e ressonância magnética à coluna cervical, onde foram diagnósticos na c-4 e c-5 abaulamento dos discos.
28 - Foi vista por um neurocirurgião que aconselhou em 11.9.2014 fisioterapia e piscina, devido as dores cervicais e ombro.
29 - A Autora ficou com a abertura bocal reduzida, com limites de mastigação, dores constantes e dificuldade em falar.
30 - Seis meses depois, ainda se mantinha com a férula, devido à mobilidade excessiva dos dentes.
31 - A luxação dentária sofrida foi de tal forma grave que a 31.3.2015, aquando da realização de novo relatório clínico aos dentes, a Autora mantém alterações globais com agravamento no que concerne à mastigação e à fonética.
32 - E, passado um ano, sobre o acidente, não consegue ainda mastigar determinados alimentos, nem pronunciar algumas palavras.
33 - A Autora sofre diariamente de dores na boca e desconforto.
34 - O desconforto atormenta a Autora até aos dias de hoje sendo acompanhado de dores faciais, muitos meses depois o desalinhamento dos dentes superiores com os inferiores persiste, sendo que estes últimos estão completamente «metidos dentro».
35 - Continua a usar «elásticos» na boca.
36 - A Ré Companhia de Seguros tem pago parte dos tratamentos, embora não sejam liquidados a 100%, não se mostrando disponível para ressarcir a Autora pelos danos morais sofridos ate à presente data.
37 - O que acontece também com a primeira Ré.
38 - A Autora, até ao acidente ,tinha uma vida normal, frequentava o ginásio, saía com amigos e, neste momento, vive triste, angustiada, nervosa e com medo de nunca se restabelecer.
39 - A dor da Autora é um sentimento permanente e diário, resultante do acidente e que a impede que a sua vida quotidiana a nível social e familiar, seja tal qual era antes.
40 - A Autora perdeu a confiança em si própria.
41 - A Autora sente-se incompreendida e revoltada.
42 - Viu a sua qualidade de vida diminuir drasticamente durante e após o acidente e a auto-imagem continua afetada.
43 - O lábio e o nariz não voltaram a ficar iguais ao que eram antes, existem cicatrizes.
44 - A Autora perdeu muito peso, o que também contribuiu para aumentar a sua angústia e revolta, culminando em acompanhamento psicológico, para minimizar a situação.
45 - A Ré Seguradora celebrou um contrato de seguro do ramo Acidentes Pessoais, denominado Apólice de seguro de acidentes pessoais desporto, cultura e recreio, titulado pela apólice n.º …, o qual se encontrava em vigor à data dos factos em causa na presente ação.
46 - Tal contrato foi celebrado entre a ora Ré e a Confederação de Desporto de Portugal, garantindo a Ré, nos termos definidos nas citadas Condições Particulares, Manual de Procedimentos e Serviços Médicos Convencionados e Condições Gerais, até aos limites então fixados, o pagamento dos capitais, subsídios e/ou Indemnizações previstos nas coberturas subscritas pelo Tomador Seguro.
46 - Por meio de tal contrato, a Ré garante, nos limites e termos fixados, as pessoas identificadas pelo Tomador do Seguro, utentes de ginásios, health clubs e academias associadas àquele Tomador, que por seu intermédio subscreveram o seguro desportivo, relativamente a acidentes emergentes da prática desportiva em competição, treino e estágio, em representação ou sob patrocínio das Federações, Associações, Clubes ou Entidades Oficiais, incluindo desportistas amadores, quanto aos riscos e coberturas por ele contratadas, até ao capital seguro.
47 - Nos termos contratados a responsabilidade da Ré fica sempre limitada às importâncias máximas focadas nas Condições Particulares e Manual de Procedimentos e Serviços Médicos Convencionados, para cada uma das coberturas contratadas.
48 - No que diz respeito a sinistros que envolvam desportistas amadores, o Tomador
do Seguro apenas contratou as seguintes coberturas e capitais:
Invalidez Permanente com o capital máximo garantido de 27 500,00 €, perante uma
franquia contratual de 10%, Despesas de Tratamento, com o capital máximo garantido de 4 500,00 €, perante uma franquia contratual de 50,00 €, Despesas de Funeral, com o capital máximo garantido de 2 700,00 €, Morte, com o capital máximo garantido de 2.700,00 €.
49 - Em 8.8.2014, foi participada à ora Ré a ocorrência de um sinistro na F… envolvendo a aqui Autora.
50 - Na sequência da participação desse sinistro, que se encontrava coberto pela apólice supra referenciada, a ora Ré, procedeu à sua regularização, tendo liquidado diversas despesas relacionadas com a assistência médica que foi prestada à Autora, nos termos do contrato de seguro já referido.
51 - Tal assistência médica foi realizada por prestadores de serviços não convencionados com a aqui Ré, não tendo a mesma, como tal, feito o seguimento médico da Autora e acompanhado a evolução da sua situação clínica.
52 - No âmbito da regularização/gestão do presente sinistro a Ré seguradora liquidou já diversas quantias, referentes à assistência médica prestada à Autora em consequência do sinistro dos autos.
53 - Assim, em 6.10.2014, foram liquidadas à Autora as quantias de 1,20 €, 48,92 €, 10,85 €, 210,00 €, 44,44 €; em 27.11.2014, foram-lhe entregues as quantias de 159,16 € e 24,50 €; em 16.12.2014, as quantias de 20,85 €, 48,82 €, 1,20 €, 44,44 € e 210,00 €; em 20.1.2015, as quantias de 38,44 €, 688,00 €; em 9.4.2015, os valores de 250,00 € e 37,50 €; em 16.4.2015, o valor de 35,00 €; em 30.5.2015, a quantia de 208,00 €, e, finalmente, em 31.8.2015, os valores de 495,50 €, 29,60 €, 271,50 € e 22,20 €, valores estes todos diretamente entregues à Autora, relativos a diversos atendimentos e consultas médicas que a Autora efetuou, conforme recibos comprovativos apresentados pela mesma à Ré e que se referem a serviços de assistência médica e clínica que lhe foram prestados pela Clínica de Neurocirurgia Oliveira Antunes, Lda. (consulta de neurocirurgia), Médicos Associados Amoreiras (consulta de neurocirurgia), Hospital CUF Cascais (atendimento em urgência, raio-x convencional, TAC, RM, consultas de neurocirurgia, medicina geral e familiar e otorrinolaringologia), HPP Hospital de Cascais (atendimento urgência, MC maxilo-facial, exames imagiológicos ossos da face, ossos nariz, punho esquerdo), Clínica Integrada de Medicina Oral (consultas e tratamentos médicos), Associação Nacional de Espondilite Anquilosante (consultas de fisioterapia e 60 sessões de MFR), Centro de Saúde USF São Julião, Clínica de S. Cristovão (consultas de psicologia), despesas farmacêuticas e despesas de deslocação a algumas dessas consultas e tratamentos médicos (CP Comboios de Portugal e Coopertáxi, CRL).
54 - Em face do atendimento hospitalar prestado à Autora, em 3.3.2015 a Ré entregou a quantia de 167,21 € ao HPP Hospital de Cascais e, em 18.6.2015 e 26.7.2015, liquidou ainda as quantias de 37,50 €, 18,00 € e 37,50 € ao Hospital da Luz, tudo no montante total de 3 160,33 €, sendo que o capital atualmente disponível para esta cobertura é de apenas 1 339,67 € (sem prejuízo da franquia contratual de 50,00 €).
55 - A Autora submeteu-se a uma consulta de avaliação, de forma a apurar qual a situação clínica da mesma e eventual liquidação de danos acrescidos, tendo aí sido concluído que inexiste qualquer disfunção de articulação temporo-mandibular.
 56 - Submetida a Autora a ortopantomografia técnica, concluiu a Ré Seguradora pela inexistência de lesões do maciço facial, tendo de base a sua doença periodontal -generalizada e antiga - a condicionar o bloco dentário. Constatou-se, de resto, uma boa abertura de boca, sem limitações e sem mobilidade do segmento fraturado.
57 - No dia e hora do acidente, o professor, e inclusivamente diretor técnico, que [se] estava em funções era N… que se encontrava a ministrar uma aula, e o rececionista [estava] no seu lugar.
58 - Existe um regulamento interno do ginásio da Ré J… [de] que a Autora declarou ter conhecimento na sua ficha de inscrição.
59 - Onde expressamente se refere que os sócios só podem utilizar qualquer aparelho/máquina com a ajuda e permissão do professor.
60 - O rececionista J… está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado.
61 - O ginásio dispõe de duas passadeiras rolantes, sendo que, nesse dia, uma delas se encontrava em manutenção.
62 - No dia do acidente, um técnico que a Ré J… identificou como sendo A…, fazia a manutenção dos aparelhos do ginásio.
63 - A passadeira do acidente encontrava-se em testes, na velocidade máxima.
64 - A Autora, sem verificar previamente se a máquina estava ou não em funcionamento, entrou para cima do tapete rolante da passadeira.
65 - A Autora encontrava-se a ser seguida, desde março de 2003, por doença periodontal.
66 - Como resulta da perícia médico-legal, da queda em causa nestes autos resultou para a Autora traumatismo da face, coluna cervical e lombar e alterações de humor com défice funcional temporário parcial de 366 dias, comum quantum doloris fixável em 4/7, dano estético permanente fixável no grau 3/7, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável num grau 3/7 e necessidade de ajudas técnicas permanentes (medicamentos e tratamentos médico dentários regulares).
B) Factos considerados não provados na sentença recorrida
Não se apurou que:
1 - Não houve qualquer cooperação quer por parte do rececionista quer por parte do professor, que se encontravam nas instalações do ginásio no momento do acidente.
2 - O regulamento do ginásio esteja regularmente sobre o balcão da receção do mesmo.
3 - Sempre que as passadeiras se encontram em manutenção, seja colocado um escrito pela direção do ginásio alertando para esse facto, pedindo desculpa pelo incómodo, nem que esse papel seja colocado exatamente nos botões de funcionamento do aparelho de modo a ser o mais visível possível.
4 - O técnico de manutenção estivesse a reparar exatamente a passadeira em que a Autora entrou.
5 - Após a reparação seja necessário colocar a passadeira em funcionamento para verificar se o problema se encontra resolvido e o escrito tenha de ser retirado para se aceder aos botões que colocam a mesma em funcionamento.
6 - Que o referido técnico se encontrasse devidamente uniformizado e ao lado da passadeira, nem que já tivesse reparado a passadeira.
7 - A Autora, frequentemente, saísse das aulas com os professores e corresse em direção aos equipamentos de cardio por querer ser a primeira a utilizar o aparelho, nem que no dia do acidente tivesse saído desaustinada da aula e se tivesse dirigido a correr para a passadeira.
8 - A Autora não tenha reparado que o técnico - pessoa uniformizada - se encontrava ao lado da máquina e com uma caixa de ferramentas, nem sequer se mostra provado que esse técnico aí estivesse.
Apreciação do mérito do recurso
Recurso de decisão interlocutória:
Da falta de audição de testemunha
a) A Recorrente alega que arrolou como testemunha A… por indicação da entidade patronal deste – F…, Lda. -, como sendo o técnico que se encontrava presente no ginásio a intervencionar a passadeira rolante do ginásio.
Argui que, após o depoimento daquela testemunha, verificou que não se tratava do técnico que havia presenciado o acidente, pois se o fosse certamente ir-se-ia recordar do ocorrido.
Considera que o depoimento do técnico que se encontrava presente no local e momento do acidente poderia clarificar o que realmente sucedeu nesse dia, reputando-se como fundamental para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Invoca o disposto no artigo 526.º do CPC e requer que seja revogada a decisão proferida na sessão de julgamento do dia 15.10.2019, devendo ser ordenada a baixa dos autos para se proceder à notificação da sociedade F…, Lda. para que venha identificar o técnico que se encontrava presente no dia 23.7.2014 no ginásio da recorrente em Carcavelos de forma a prestar depoimento com vista ao cabal esclarecimento da verdade.
A Autora apresentou alegação de resposta, na qual argumenta que da conjugação dos artigos 411.º e 526.º, n.º 1, do CPC emerge que o poder/dever de inquirição oficiosa de uma testemunha só deve ser exercido quando o tribunal não se considere suficientemente esclarecido acerca de factos relevantes e existam elementos que levem a crer que a audição da pessoa em causa contribuirá para esclarecer as dúvidas que se suscitam em face da prova já produzida, o que claramente não sucede no caso.
b) O sistema atual de recursos reveste carácter monista, concentrando-se as formas de impugnação numa apelação unitária que sobe ao tribunal superior fundamentalmente em dois momentos processuais: imediatamente, enquanto apelação autónoma; diferidamente, juntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão final.
A identificação das situações em que cabe a interposição de apelação autónoma é essencial, com vista a evitar o efeito de caso julgado formal provocado pela omissão da sua interposição atempada.
Relativamente às apelações que não sobem autonomamente, acontece o oposto: as decisões que a parte possa impugnar a final não se encontram cobertas pelo efeito de caso julgado formal (precisamente pela circunstância de a parte não estar em tempo para as impugnar por via da interposição de recurso de apelação autónoma e imediata).
Ora, no caso em apreço, a Recorrente insurgiu-se contra o despacho proferido a 15.10.2019, no prazo de 15 dias, mediante apelação autónoma, ao abrigo dos artigos 638.º, n.º 1, in fine, e 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC.
Tendo o recurso subido a este Tribunal da Relação de Lisboa (7.ª secção), foi proferida decisão de não admissão do recurso no dia 1.3.2020, por se considerar que o seu objeto não é suscetível de apelação autónoma, devendo subir diferidamente, juntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão final. [tal recurso não consta do citius, encontrando-se apenso ao processo físico]
No pressuposto da admissão da subida diferida do recurso, é este o momento para apreciar o recurso interposto pela 1.ª Ré da mencionada decisão interlocutória.
c) O juiz tem iniciativa probatória genérica nos termos previstos no artigo 411.º do CPC, segundo o qual «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
O vocábulo «Incumbe» aponta no sentido de verdadeiro um poder-dever (no CPC de 1961, a expressão que constava do artigo 264.º, n.º 2, era «o juiz tem o poder de»).
Neste âmbito, há que atentar na necessária harmonização dos poderes do juiz e das partes.
A parte propõe a prova no exercício de um direito subjetivo que se traduz no direito à prova. O juiz determina a produção da prova no exercício de um poder-dever que a lei lhe atribui para satisfazer o interesse público da descoberta da verdade e da realização da justiça.
Na verdade, os princípios estruturantes do processo civil expressam-se e concretizam-se em permanente tensão dialética.
Não é razoável pretender-se que o poder-dever do inquisitório se traduza numa procura da verdade material incessante e sem limite, olvidando os valores da segurança jurídica e da paz social.
Corolário do princípio do inquisitório, o artigo 526.º, n.º 1, do CPC preceitua que «Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor».
Qualquer meio probatório, como um documento, uma alegação confirmada pela parte contrária ou por ela não impugnada ou uma confissão espontânea, pode servir de veículo de transmissão desse conhecimento, seja qual for o momento processual em que ele seja apresentado ou produzido (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra: Almedina, 2018, p. 415).
O preceito em análise outorga um poder-dever para garantir que o juiz reúne toda a prova necessária à formação completa e esclarecida da sua convicção (cf. Luís Filipe Sousa, Prova testemunhal, Coimbra: Almedina, 2013, p. 273).
Por outro lado, tal como evidencia Lopes do Rego, «a inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência [para o efeito]» (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 1999, p. 425).
Deste modo, caso a parte tenha omitido o cumprimento dos seus deveres processuais, concretamente na apresentação dos requerimentos probatórios no tempo adjetivamente oportuno, «o juiz só deverá exercitar o poder-dever conferido pelo artigo 526.º quando resulte da produção de outras provas a necessidade de inquirição de outra testemunha, manifestando-se tal necessidade em termos tais que permitam concluir que a inevitabilidade da inquirição ocorreria mesmo que a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório» (cf. Luís Filipe Sousa, ob. cit., p. 275).
Daí o requisito da relevância do depoimento da testemunha para o esclarecimento da verdade e a apreciação do tema da prova controvertido, não bastando a mera vontade da parte na sua audição.
No acórdão do TRP de 2.5.2013 (p. 16295/11.7YIPRT-A.P1, in www.dgsi.pt), depois de enunciadas as várias correntes jurisprudenciais sobre a temática, cruzando-as com a evolução legislativa ocorrida, concluiu-se que:
«Não duvidamos do acerto da afirmação de que a actividade oficiosa do tribunal não pode suprir a falta de diligência das partes. Mas também não nos parece de sustentar que a negligência destas possa ser erigida em circunstância com base na qual se possa coarctar a possibilidade de o tribunal ordenar oficiosamente a inquirição de determinada pessoa, mesmo que tal se afigure importante para a boa decisão.
O que nos parece, isso sim, decisivo é que haja razões para presumir que essa pessoa tem conhecimento de factos relevantes para a decisão. Só não sendo de atender a pretensão da parte que, na ausência dessas razões, pretendesse a sua inquirição. (…) Pelo que, não poderá nunca essa eventual negligência estreitar a margem de manobra do juiz que queira mais bem investigar os factos, inquirindo pessoa relativamente à qual há indicações objectivas de que pode esclarecê‑los. Até porque essa iniciativa não é um acto discricionário, antes consubstanciando o exercício de um poder-dever (…)».
Subscrevemos esta reflexão, no segmento em que observa que a negligência das partes, só por si, não é suficiente para afastar a inquirição por iniciativa do tribunal.
Mas temos para nós que a resposta sobre a admissibilidade do uso do poder-dever previsto no artigo 526.º, n.º 1, do CPC reside na imprescindibilidade, que sempre assentará num juízo de prognose a efetuar pelo tribunal, da inquirição em face do tema de prova correspondente e cujos meios de prova existentes ainda não permitiram dar resposta satisfatória.
A promoção das diligências probatórias pelo juiz deverá estar justificada pelos elementos constantes dos autos e não na vontade das partes, o que afasta a sua aplicação automática.
Na situação sub judice, o depoimento testemunhal requerido tem por base o desconhecimento dos factos manifestado por uma testemunha que, afinal, contrariamente ao que era expectado, não presenciou o acidente.
Tal testemunha não revelou factos que apontem para o conhecimento da pessoa que terá estado presente no dia do acidente.
O que a Recorrente requereu (e requer), no fundo, é que o Tribunal a quo diligenciasse no sentido de saber qual o técnico que terá estado presente no dia do acidente, pois a pessoa que indicou como testemunha nada sabia.
Ora, as diligências de identificação e busca da «potencial» testemunha pelo Tribunal extravasam claramente o âmbito do artigo 526.º do CPC e radicam apenas na vontade da 1.ª Ré e não em dados objetivos que permitam um juízo de prognose sobre a imprescindibilidade de uma testemunha.
Carece de fundamento o contorno de tal limitação através do «caldeirão» da iniciativa probatória geral do juiz prevista no artigo 411.º do CPC.
Em face do exposto, entendemos que a decisão proferida no dia 15.10.2019 não desrespeitou os princípios estruturantes do direito processual civil e as regras de direito aplicáveis, pelo que não deve ser alterada.
A apelação da decisão interlocutória deve, assim, improceder.
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Os poderes do Tribunal da Relação relativos à modificabilidade da decisão de facto estão consagrados no artigo 662.º do CPC.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a referida decisão, sob pena de rejeição do recurso, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [n.º 1, alínea a)], os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, alínea c)].
Acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A Apelante observou os mencionados requisitos.
Tendo sido auditado o suporte áudio, passamos a analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, indagando se a convicção criada no espírito do Tribunal a quo é ou não merecedora de reparos.
Factos objeto da impugnação
Factos provados
3. Os equipamentos existentes no ginásio foram colocados em manutenção sem que existisse qualquer sinalização/aviso de segurança nos equipamentos.
Alteração proposta:
3. Os equipamentos existentes no ginásio foram colocados em manutenção, sendo perfeitamente visível o técnico a intervencionar a passadeira.
10. A referida máquina não apresentava qualquer sinal de restrição e a Autora subiu para a passadeira julgando estar a mesma desligada.
Alteração proposta para:
10. A referida máquina encontrava-se a ser intervencionada por técnico uniformizado e com uma caixa de ferramentas junto à mesma, quando a Autora, sem chamar um professor como refere o regulamento que declarou conhecer e sem tomar as devidas precauções, entrou na passadeira provocando a sua queda.
11. Foi de imediato projetada e arrastada pela alta velocidade a que o aparelho se encontrava, por estar em manutenção, mas sem qualquer aviso que o indicasse.
Alteração proposta para:
11. Foi de imediato projetada e arrastada pela alta velocidade a que o aparelho se encontrava.
60. O rececionista, J…, está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado.
Alteração proposta para:
60. O rececionista, J…, está disponível para ajudar qualquer utente, caso seja solicitado, tendo formação de professor de ginásio.
Factos não provados
2. O regulamento do ginásio está regularmente sobre o balcão da receção do mesmo.
Alteração proposta:
Considerar-se provado.
15. Não existia nenhum monitor na sala de musculação.
Alteração proposta:
Considerar-se provado.
No que concerne ao ponto 3, a Apelante alega que a testemunha A… começou por dizer no seu depoimento que tinha visto o técnico a efetuar a manutenção, depreendendo‑se que o mesmo era perfeita e facilmente visível.
Relativamente ao ponto 10, a Apelante defende que foi proferida prova suficiente que contraria o seu teor.
Argumenta que a passadeira em movimento era bem visível, pois foi visualizada pela testemunha A… quando saiu da bicicleta em que se encontrava.
Argui que decorre do depoimento desta testemunha que o facto da passadeira se encontrar a funcionar na velocidade alta era perfeitamente percetível e audível a quem dela se aproximasse, pelo que só por total distração e falta de cumprimento das regras por parte da Autora ocorreu o acidente.
Acrescenta que, conforme ficou provado sob os pontos 58 e 59, a Autora teria sempre de chamar um professor para utilizar o aparelho.
Sustenta ainda que decorre do depoimento de A… que a Autora contrariou as regras do ginásio, ao subir na passadeira sem chamar um professor, sem sequer se certificar de que a mesma não estava em funcionamento e sem colocar os pés nas barras laterais.
Mais alega que a testemunha N…, no dia do acidente, viu uma caixa de ferramentas ao meio das passadeiras e o técnico das passadeiras à frente das passadeiras, o qual estava identificado com um colete.
Observa que esta testemunha ouviu a passadeira a fazer muito barulho, pois estava no máximo. Conjuga tal facto com a análise da foto da sala, concluindo que, encontrando‑se esta testemunha junto aos alteres, encontrava-se mais distante do que a testemunha A… e apercebeu-se que a passadeira estava em funcionamento.
Conclui que a testemunha N… confirmou a total falta de cuidado da Autora.
No que concerne à testemunha M…, refere que também confirmou que para se subir para a passadeira, tem de se chamar um técnico e que lhe deram conhecimento do regulamento.
Relativamente ao ponto 11, a Apelante alega que não corresponde na totalidade à prova produzida em audiência.
Considera que, como decorre dos depoimentos das testemunhas que transcreveu, a presença de um técnico seria (como foi para os restantes utentes do ginásio naquele dia) sinal suficiente para que a Autora não utilizasse a máquina.
Argui que a velocidade do aparelho não decorre de a passadeira se encontrar em manutenção, mas sim de se encontrar na fase de teste após a manutenção, podendo esta se encontrar em alta velocidade por qualquer utente a ter utilizado anteriormente e não a ter desligado.
Quanto ao ponto 13, conclui que contém a perfeita contradição à responsabilidade da Recorrente, pois se a Autora se apercebeu de que o aparelho se encontrava em manutenção, mesmo depois do acidente, é porque era visível e notório que este se encontrava em manutenção.
Remata que, se todas as testemunhas declararam não entrar na passadeira pois se tinham apercebido de que esta se encontrava em alta velocidade, bem como nenhum outro utente utilizou a passadeira, o acidente só pode ter ocorrido pela falta de cuidado da Autora.
Observa que também a testemunha M…, que estava no ginásio, não tem igualmente dúvidas de que a passadeira se encontrava em manutenção, referindo ainda que os técnicos costumam andar no meio das máquinas, ainda que não saiba se tal aconteceu nesse dia.
Conclui que um técnico no meio das máquinas com colete ou macacão, uma caixa de ferramentas em frente da passadeira e o barulho desta constituíram alerta suficiente para as pessoas que se encontravam no ginásio, pelo que só mesmo por pura distração da Autora é que o acidente ocorreu.
Quanto ao depoimento da testemunha M…, a Apelante alega que aquela estava na mesma aula que a Autora no dia do acidente e relatou que, como tal aula é frequentada por muita gente e só há duas passadeiras na sala de musculação, é normal as pessoas saírem a correr para ver quem é que apanha a passadeira. Realça que a testemunha, depois de se despedir do professor e sair, viu que a Autora tinha saído antes da aula.
Sublinha que esta testemunha visualizou um técnico nessa altura ao pé da passadeira e que confirmou que lhe deram a conhecer o regulamento do ginásio quando se inscreveu.
Quanto ao ponto 60 da matéria de facto, a Apelante entende igualmente que não corresponde à verdade, uma vez que a testemunha J… afirmou ter curso de professor, encontrando-se disponível para ajudar qualquer utente, o que foi confirmado pela testemunha N…, diretor técnico da Recorrente.        
No que respeita ao facto considerado não provado sob o ponto 2, a Apelante afirma que resulta igualmente da audição da testemunha N… que o regulamento se encontra na receção do ginásio, pelo que deveria ter ficado provada tal factualidade.
Por fim, impugna a decisão relativa ao ponto 15 da factualidade não provada, considerando que o depoimento da testemunha M… confirma a presença do Nuno… mesmo na porta da sala a despedir-se.
Argumenta a Apelante que resulta do depoimento do próprio N… que a porta da sala de aula dista cerca de três metros da passadeira, não se podendo dar como provado que não se encontrava presente um monitor na sala, quando este estava mesmo na porta que divide a sala de musculação da sala de aulas.
A Apelada/Autora apresentou alegação de resposta, na qual argui, em suma, que a convicção do tribunal não foi maculada pelos depoimentos das testemunhas da Recorrente, que até diferem em pontos essenciais daquilo que foi por ela alegado na própria contestação.
Consta da motivação da sentença recorrida, quanto à dinâmica do acidente, que:
«O tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos a fls. 21 (participação do sinistro à seguradora); 22 a 26 (fotografias da A. após o acidente); 27 a 34 (relatórios médicos); 75 a 88 (apólice de seguro); 89 a 96 (comprovativos dos reembolsos e pagamento de tratamentos por parte da R. seguradora); 132 (fotografia da porta do ginásio e do horário); 134 ( fotografias da entrada do ginásio e de um documento/declaração); fls. 135 (ficha de inscrição da A.); fls. 136 e 137 (cópia de regulamento do ginásio); 137 a 139 (fotografias do interior do ginásio).
(…) Consideraram-se ainda as declarações de parte do A. que descreveu o acidente, tendo dito que fez uma aula de ginástica, finda a aula foi para a passadeira e mal pôs o pé caiu, bateu com a cara em cima do tapete rolante e foi arrastada para o chão, sendo que só aí ouviu dizer que a passadeira estava em manutenção. Após descreveu os danos que alega ter sofrido.
Considerou-se também os depoimentos das testemunhas sendo que das testemunhas apresentadas pela A. apenas a testemunha A… estava no ginásio no momento do acidente, viu a A. caída e magoada, com os dentes para dentro e viu um senhor a fazer a manutenção de um aparelho (a outra passadeira), não havia qualquer sinalização a alertar para que as passadeiras (qualquer delas) estavam em manutenção, nem fitas a interditar o acesso às mesmas. Referiu esta testemunha que não estava nenhum professor na sala das máquinas, sendo que o professor Nuno estava na sala onde tinha acabado de dar uma aula e veio ajudar. Não havia gelo para porem na cara da A. e uma outra senhora foi buscar gelo a um café perto (Café …). Foram chamados os bombeiros que vieram e levaram a A. para o hospital.
A testemunha N… embora tenha tido um depoimento pouco consistente disse claramente que “Não havia escritos a dizer que as máquinas, incluindo a passadeira do acidente, estavam em manutenção" e disse também que, por norma, quando as passadeiras estão em manutenção colocam um papel sobre os botões, mas naquele dia não o fizeram. Disse que viu o acidente, que a A. entrou na máquina e bateu com a boca no ferro e caiu, prestou auxílio à A. e o professor N… mandou chamar o 112. A A. esteve uns bons minutos no chão e quando os bombeiros a levantaram viram que havia muito sangue. Não viu colocarem gelo na cara da A..
A testemunha M… também estava no ginásio no momento do acidente e referiu que a A. tinha feito aula de ginástica e quando acabou dirigiu-se para as máquinas, não foi acompanhada pelo professor, porque o professor não acompanha os utentes às máquinas, sendo que o professor que tinha acabado de dar a aula não estava na sala das máquinas, estava na sala onde tinha decorrido a aula, a arrumar o material e não havia outro professor na sala das máquinas. Disse que havia um técnico nesta sala, mas não havia qualquer sinalização de manutenção, sendo certo que nunca sinalizavam a manutenção. No momento concreto da queda não se recorda em que posição da sala estava o técnico, também não viu a A. cair, já a viu caída, a sangrar do lábio e com os dentes todos para dentro. Como não havia gelo no ginásio foi buscar ao Café …. Quando voltou a A. estava a chorar e os bombeiros levaram-na apoiada, para a ambulância e nessa altura já estava perto da A. o professor N… (que no momento do acidente ainda estava na sala da aula a arrumar o material) e estava também o J… da recepção. Referiu que nunca viu ninguém a chamar o professor para ligar e desligar a passadeira, são as pessoas que a utilizam que ligam e desligam a passadeira.
(…) A testemunha A…, apresentada pela R. J. como sendo o técnico de máquinas que estaria no ginásio no momento do acidente, não tendo negado ter estado no ginásio a fazer manutenção no dia do acidente também não garantiu ter lá estado, referiu não ter qualquer recordação de ter ocorrido este acidente dos autos. Tendo-lhe sido perguntado se sinalizam as passadeiras em manutenção com um papel disse que normalmente o fazem, mas nalguns ginásios não pode garantir que sinalizam.
A testemunha J…, recepcionista da R. J., referiu que não viu o acidente dos autos, estava no ginásio, mas não estava na sala em que ocorreu o acidente. Referiu não se lembrar se o técnico que lá estava fazia a manutenção ou foi chamado para reparar uma avaria, porém, quando a máquina está avariada é desligada e colocado um papel com a informação de avaria, sobre o aparelho.
Quando chegou ao local onde ocorreu o acidente dos autos viu que a A. tinha sangue na cara, chamaram a ambulância e a A foi na ambulância com os bombeiros. Depois falou com a senhora pelo telefone para a informar dos trâmites que devia seguir por causa do seguro.
Tendo-lhe sido perguntado como é dado a conhecer o Regulamento do ginásio aos utentes, disse que estes assinam a ficha a dizer que têm conhecimento do regulamento e um professor acompanha o/a utente a visitar o ginásio e explica as regras.
A testemunha M… referiu que é utente do ginásio, mas que no dia do acidente não estava no ginásio, falaram-lhe no acidente, sendo que o seu depoimento se refere a regras supostamente a cumprir no ginásio, mas não ao que efectivamente aconteceu no dia do acidente, até porque a testemunha nada presenciou.
A testemunha M… disse que estava no ginásio, mas não presenciou o acidente, tinha feito aula com a A., ficou a fazer alongamentos. Quando estava na aula viu um técnico a fazer a manutenção das máquinas, na sala das máquinas. Quando saiu da sala de aula ouviu estrondo, viu agitação e a A. caída no chão. O professor N… saiu da sala de aula e foi socorrer a A.
A testemunha N…, professor de ginástica e director técnico do ginásio, referiu que se lembra vagamente do acidente, sabe que tinha dado uma aula, onde a A. tinha estado. A dado momento, quando ainda estava a falar com pessoas que ainda estavam no estúdio/sala onde dera a aula, ouviu confusão, viu a F… (A.) no chão e muitas pessoas à volta dela.
Havia um técnico a fazer a manutenção das máquinas, mas não sabe concretamente onde estava no momento do acidente, referiu que por norma os técnicos põem ferramentas à volta das máquinas quando estão a fazer a manutenção e estas vêem-se bem, no caso dos autos não soube concretizar se tal aconteceu. Disse também que não sabe se a passadeira estava a trabalhar quando a F… subiu para ela, por que não estava perto.
A testemunha N…, professor que trabalha para a R. J… referiu que não estava no ginásio quando ocorreu o acidente, pelo que o seu depoimento nada releva para a decisão da causa.»
Apreciando:
A Apelante circunscreve a impugnação da matéria de facto à dinâmica do acidente.
Vejamos se os vários factos probatórios que constam do processo, segundo as regras da experiência comum, ancoram o sentido da decisão.
Segundo as palavras de Alberto Vicente Ruço, as regras da experiência comum são as leis, por vezes de formulação trivial, que se extraem da experiência, por força da verificação da regularidade com que certos factos se seguem a outros factos. A natureza nomológica da realidade de onde emergem as regras de experiência é uma premissa fundamental que deve estar sempre presente na análise da prova - cf. Metodologia para a decisão da matéria de facto na prova testemunhal e na prova por declarações de parte (texto da intervenção na conferência do CEJ Direito probatório substantivo e processual civil, de 27.1.2017, https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=442, p. 18.
Neste contexto, o facto probatório destinado a provar o facto controvertido também necessita de ser abrangido pela convicção do juiz.
Em tese, como sucede no caso em apreço, é possível apresentar dois conjuntos de dados probatórios acerca das hipóteses factuais em confronto.
A hipótese factual que corresponde à realidade há de apresentar características que se traduzem nos denominados sintomas de verdade (cf. Mario Bunge, Teoría y Realidad (1972), 2.ª Edição, Barcelona: Editorial Ariel, S.A., 1975, (apud Alberto Vicente Ruço, obra citada, p. 22).
No que concerne ao ponto 3, o facto de se ter apurado que não existia qualquer sinalização/aviso de segurança nos equipamentos, como bem refere a Apelada/Autora, decorre da própria análise dos artigos 26.º a 29.º da Contestação da 1.ª Ré.
A Ré/Apelante alega nestes artigos que, quando as passeiras existentes na sala de musculação se encontram em manutenção, é colocado um escrito pela direção do ginásio alertando para esse facto, pedindo desculpa pelo incómodo, papel esse colocado exatamente nos botões de funcionamento do aparelho de modo a ser o mais visível possível.
É alegado que depois da manutenção, se coloca a máquina em funcionamento para verificar se o problema se encontra resolvido, e logicamente, o escrito tem de ser retirado para se aceder aos botões que colocam a mesma em funcionamento.
Ora, decorre da audição dos depoimentos prestados, transcritos parcialmente pela Recorrente, que ficou claramente provada a presença de um técnico no local.
Assim, ficou provado que:
61 - O ginásio dispõe de duas passadeiras rolantes, sendo que, nesse dia, uma delas se encontrava em manutenção.
62 - No dia do acidente, um técnico que a Ré J… identificou como sendo Albano Almeida, fazia a manutenção dos aparelhos do ginásio.
O que não se apurou e a Recorrente não impugnou é que o consta do ponto 6 da factualidade não provada - Que o referido técnico se encontrasse devidamente uniformizado e ao lado da passadeira e que  já a tivesse reparado.
Não obstante as testemunhas indicadas pela Apelante tenham visualisado um técnico no local, na verdade nenhuma delas asseverou com segurança (com exceção de N…, mas hesitante) que aquele estivesse em posição de evitar acidentes, ou seja, ao lado da máquina enquanto esta era testada com uma velocidade alta.
Assim, deve manter-se a factualidade apurada, rejeitando-se a sua alteração com a inserção da factualidade de que era «perfeitamente visível o técnico a intervencionar a passadeira».
Uma coisa é a presença de um técnico no local a reparar as máquinas, outra é a sua presença mesmo ao lado da passadeira em movimento, de forma a assinalar o teste que estava a ser efetuado na máquina e evitar o seu uso pelos utentes do ginásio.
Além do mais, como se escreveu na sentença recorrida, das testemunhas apresentadas pela Autora, apenas A… estava na sala de musculação no momento do acidente e afirmou que se encontrava no local «um senhor a fazer a manutenção de um aparelho (a outra passadeira), não havia qualquer sinalização a alertar para que as passadeiras (qualquer delas) estavam em manutenção, nem fitas a interditar o acesso às mesmas».
Termos em que improcede a alegação da Recorrente no que tange ao ponto 3.
Quanto ao ponto 10, a Apelante alega que foi proferida prova suficiente que contraria o seu teor, mas não é o que resulta da análise dos depoimentos prestados.
Apurou-se que a máquina não apresentava qualquer sinal de restrição e que a Autora subiu para a passadeira julgando estar a mesma desligada e é, efetivamente, quanto basta.
Na verdade, como decorre do ponto 8 da factualidade não provada, não ficou provado que  a Autora não tenha reparado que o técnico - pessoa uniformizada - se encontrava ao lado da máquina e com uma caixa de ferramentas, por nem sequer se mostrar provado que esse técnico aí estivesse.
Ora, para além de a 1.ª Ré não ter impugnado diretamente este facto, não resulta dos depoimentos das testemunhas, como vimos, que o técnico se encontrava, com ou sem caixa de ferramentas, ao lado da máquina de molde a supervisionar a testagem da máquina e evitar situações de perigo.
Respiga-se da sentença recorrida, neste ponto, o que se escreveu a propósito do depoimento da testemunha N…, professor de ginástica e diretor técnico do ginásio:
«        Havia um técnico a fazer a manutenção das máquinas, mas não sabe concretamente onde estava no momento do acidente, referiu que por norma os técnicos pões ferramentas à volta das máquinas quando estão a fazer a manutenção e estas voem-se bem, no caso dos autos não soube concretizar se tal aconteceu. Disse também que não sabe se a passadeira estava a trabalhar quando a F… subiu para ela, por que não estava perto.»
Acresce que é, no mínimo, duvidoso que uma caixa de ferramentas no chão e um técnico dentro de uma sala de musculação funcionem, de per si, como sinalética adequada à sinalização do perigo.
Quanto à circunstância de a Autora pensar que a máquina se encontrava desligada, resulta das regras da experiência comum que alguém que sai de uma aula para utilizar uma passadeira e entra numa sala onde não se encontra nenhum utente do ginásio nas imediações da passadeira não estará com certeza à espera que a máquina se encontre em movimento na sua velocidade máxima.
Aliás, ficou provado, e não foi pela Recorrente impugnado, que:
63 - A passadeira do acidente encontrava-se em testes, na velocidade máxima.
64 - A Autora, sem verificar previamente se a máquina estava ou não em funcionamento, entrou para cima do tapete rolante da passadeira.
Um ponto é a Autora pensar que a máquina estava desligada, outro diferente é não se ter certificado previamente de que estava desligada. A Autora terá representado que a máquina estava desligada e não teve o cuidado de verificar tal situação, o que não é necessariamente contraditório.
Assim, improcede a alteração do ponto 10.
Relativamente ao ponto 11, a Apelante pretende, se bem entendemos, que se arrede da factualidade apurada a relação causa-efeito entre a falta de sinalética existente na passadeira e a projeção da Autora para a máquina e seu arrastamento a alta velocidade.
Ora, ainda que as testemunhas que se encontravam na mesma aula com a Autora relatem episódios de correria às máquinas da sala da musculação, em particular às duas passadeiras existentes, para assegurar a sua utilização no fim da aula, tais relatos não têm o condão de excluir o referido nexo causa-efeito.
Tais episódios poderiam, quando muito, reforçar a convicção de que a Autora agiu irrefletidamente, não se certificando de que a máquina se encontrava desligada.
Mas não afastam a convicção formada pelo Tribunal a quo de que a falta de sinalética foi uma causa concorrente do acidente sofrido pela Autora.
Ademais, decorre dos pontos 57 a 59 da factualidade provada que consta do regulamento interno do ginásio que a Autora declarou conhecer na sua ficha de inscrição, a previsão de que os sócios só podem utilizar qualquer aparelho/máquina com a ajuda e permissão do professor, sendo desnecessário reproduzir tais factos no ponto 11.
Em face do que precede, cai por terra também a alegação relativa a este ponto.
Relativamente ao ponto 60, o facto de o rececionista ter a formação de professor de ginásio é irrelevante neste caso, pois da factualidade provada não resulta sequer que a Autora tenha pedido ajuda a quem quer que seja.
Ora, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções), bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos notórios e de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no artigo 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito.
Trata-se de manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no que concerne à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 17.5.2017, p. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt).
Atentemos agora na impugnação da factualidade não provada.
No que respeita ao ponto 2, replicamos a nossa fundamentação anterior.
Na verdade, tendo-se apurado sob o ponto 58 que existe um regulamento interno do ginásio que a Autora declarou conhecer na sua ficha de inscrição, é irrelevante que tal regulamento esteja ou não regularmente sobre o balcão da receção.
Quanto ao ponto 15 da factualidade não provada, não se alcança a sua alteração, por ser claro que não estava nenhum professor na sala de musculação. Se existe uma parede de vidro que separa a sala onde tinha acabado a aula com o professor Nuno Teixeira e a sala de musculação isso não é o bastante para alterar o que é natural e resulta de todos os depoimentos, inclusive do depoimento do próprio professor.
Termos em que improcede também a alegação relativa à factualidade não provada.
Da exclusão da culpa da Recorrente
A Apelante sustenta que, com a alteração da matéria de facto impugnada e o facto provado sob o ponto 64, onde se admite a falta de cuidado da Autora, está excluída a sua culpa no acidente.
Argumenta que, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, no âmbito da presunção de culpa do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil, ficou demonstrada a culpa da lesada, ora Apelante/Autora, pelo que deve ser excluída por completo a indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 570.º do mesmo diploma.
Sem conceder, a Apelante considera que, ponderado o grau de culpa da Autora, em concorrência com o seu eventual grau de culpa, o valor da indemnização não pode ser repartido em partes iguais.
Alega que, não sendo a sua atuação culposa - até porque do depoimento da testemunha A…, o seu colega não terá colocado os pinos de sinalização, quando normalmente colocavam, podendo existir inclusive algum direito de regresso contra a sua entidade patronal -, a sua comparticipação na produção dos danos sofridos pela Autora não deverá ser superior a 10% do valor indemnizatório que vier a ser fixado.
Conclui que, se a Autora tivesse observado o dever de cuidado, cumprido as regras e não se encontrasse distraída e com pressa, o acidente nunca teria ocorrido.
Na sua alegação de resposta, a Autora/Apelada pouco adianta quanto a esta questão, concluindo apenas pelo acerto da fundamentação de Direito da sentença.
Mantendo-se intocada a decisão sobre a matéria de facto, atentemos na fundamentação jurídica da sentença.
Lê-se na fundamentação de Direito que:
«É princípio geral o de que fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem — cfr. artº 483º nº 1 do Cód. Civil.
São elementos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, dominado ou dominável pela vontade humana; a ilicitude, que pode consistir na violação, entre outras, das regras de trânsito; a culpa, a título de dolo ou negligência; o dano; a imputação do facto ao lesante e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Dos factos dados como provados resulta claro, no entender do Tribunal, que a responsabilidade do acidente se deve, em partes iguais à negligência da A. e da R…, aquela porque entrou na passadeira sem se certificar de que a mesma estava parada (e não estava) e a segunda porque tinha máquinas em manutenção no seu ginásio (nomeadamente a passadeira a que a A. acedeu) sem que estivesse sinalizada a manutenção e com a agravante de que a passadeira foi deixada ligada sem que houvesse aviso que impedisse o acesso à mesma pelos utentes do ginásio.
O A. provou que, em consequência do acidente em análise, sofreu danos materiais, danos estes que a R., por força do contrato de seguro, foram reparados pela R. seguradora, daí que não sejam pedidos nestes autos.
No que se refere aos danos não patrimoniais a A. sofreu dores, tristeza, trauma e continua a ter problemas e ficou com dano físico-psíquico e estético permanentes, como resulta da perícia médico legal, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (artº 496º nº1 do Cód. Civil), sendo que o valor dos danos não patrimoniais devem, no entender do Tribunal, fixar-se em 10.000,00€, valor este que não tem de ser suportado pela R. seguradora, por o contrato de seguro não os abranger, sendo que tal valor deve ser suportado em partes iguais pela A. e pela R. J…, por a negligência de ambas ter dado origem aos danos não patrimoniais pedidos e em igual proporção, como supra se refere.
Assim sendo, a R. J… deve ser condenada a pagar à A. a quantia de 5.000,00€
Vejamos se a fundamentação jurídica merece algum reparo.
A problemática reside na interpretação dos factos que conduziram à conclusão pela concorrência de culpas na proporção de metade para a Autora e metade para a 1.ª Ré.
No enquadramento jurídico do caso, o Tribunal a quo fez apelo ao disposto no artigo 483.º do Código Civil quanto à responsabilidade civil.
A Apelante considera que a factualidade provada aponta antes para uma presunção legal de culpa da Recorrente.
Preceitua o artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil que «Quem causa danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».    
Estamos perante um conceito indeterminado que carece de apreciação casuística, servindo de orientação a definição de Vaz Serra, segundo o qual devem ser consideradas atividades perigosas aquelas «que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades» («Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades», BMJ n.º 85, 1959, pp. 377-387, nota 33).
Antunes Varela escreveu, a propósito, que «O caráter perigoso da atividade (causadora dos danos) pode resultar (...) ou da própria natureza da atividade (fabrico de explosivos, confeção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel em guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.)». (Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, Coimbra: Almedina, 1994, pp. 605/606).
Mário Júlio de Almeida Costa, referindo-se à consagração legal de uma «presunção de culpa em relação à responsabilidade», esclareceu que:
«A estatuição alarga-se aos danos decorrentes do exercício de uma atividade perigosa, “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” (ex.: fabrico de explosivos, navegação aérea, transporte de materiais inflamáveis, aplicação médica de raios X, ondas curtas). Deve tratar-se, pois, de atividade que mercê de qualquer dessas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral» (Direito das Obrigações, 12.ª ed.  revista e atualizada, 7.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, 2019, pp. 587/589).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar atividades perigosas, nomeadamente, a prática de patinagem (acórdão de 11.9.2012, p. 8937/09.5T2SNT.L1.S1), as corridas de cavalo (acórdão de 18.9.2012, p. 498/08.9TBSTS.P1.S), o karting (acórdão de 6.6.2002, p. 02B1620), a condução de aeronave (acórdão de 3.11.2020, p. 1516/15.0T8BJA.E1.S1), o comércio e armazenamento de inflamáveis  (acórdão de 28.2.2002, p. 01B3472) e a prática da natação (acórdão de 13.10.2009, p. 318/06.9TBPZ.S1) todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Também Menezes de Leitão nos dá conta de vários exemplos da nossa jurisprudência a propósito do conceito de atividade perigosa, exemplificando com as atividades de monda química por meios aéreos, construção de barragens, fabrico de produtos pirotécnicos, abate de árvores, utilização de explosivos, realização de escavações no sopé de encosta com máquinas escavadoras, utilização de gruas na construção civil, demolição de placas com retroescavadora, corridas de todo o terreno, lançamento de fogo de artifício e captação, condução e transporte de água potável (Direito das Obrigações, Vol. I, 13.ª edição, Coimbra: Almedina, 2016, p. 293, nota 721).
No citado acórdão do STJ de 13.10.2009 escreveu-se que a simples atividade de exploração de uma piscina não envolve uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral.
No referido aresto, que estabeleceu um paralelismo com o ginásio, escreveu-se o seguinte:
«Tal como num ginásio se podem praticar diversas disciplinas, umas mais simples e outras mais complicadas, envolvendo estas mais riscos do que aquelas – a prática de um qualquer desporto envolve sempre um perigo de dano – não aceitamos que se considere a prática da natação, melhor a exploração de um estabelecimento comercial cujo objecto é a natação, como uma actividade perigosa.
Pode haver na natação certas e determinadas disciplinas cuja prática não está ao alcance de qualquer um dos utilizadores das piscinas, serem mesmo perigosas, por envolver certos e determinados cuidados, mas isso não permite qualificar a actividade de quem explora as piscinas como sendo perigosa.
Em qualquer desporto, seja ele o futebol, o hóquei, atletismo, ginástica, há sempre certas jogadas, determinados lances ou disciplinas que podem pôr, e, às vezes, põem mesmo, em perigo os seus praticantes. Nem por isso estamos legitimados a dizer que a sua prática é perigosa, nos termos contemplados no citado artigo 493º, nº 2, do Código Civil.»
Volvendo ao caso em apreço, não vislumbramos que a atividade de um ginásio consista de per si numa atividade perigosa, não encontrando qualquer similitude com as hipóteses que têm vindo a ser densificadas pela doutrina e pela jurisprudência, por não envolver uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas atividades desportivas em geral.
Ainda que se considerasse que estamos perante uma presunção de culpa da 1.ª Ré, a culpa da Autora não significaria, como defende a Recorrente, a exclusão da obrigação de indemnizar que lhe incumbe, ao abrigo do artigo 570.º, n.º 2, do Código Civil.
Preceitua o artigo 570.º do Código Civil que:
«1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar
A «culpa do lesado» ou o «facto culposo do lesado» é uma culpa em sentido impróprio por não assentar numa conduta ilícita.
Naturalmente, na ausência de um dever geral de autoproteção, o lesado age apenas, dolosa ou negligentemente, contra os seus interesses pessoais e patrimoniais, suportando os efeitos da sua liberdade pessoal ao pretender responsabilizar o lesante culpado.
Como refere José Brandão Proença, em anotação ao preceito, «[n]Não lesando direitos ou interesses alheios, nem atentando contra normas de proteção mista, a falta de cuidado ou de zelo com os seus bens não envolve ilicitude, mas, somente, e segundo o entendimento dominante, a inobservância de um ónus jurídico (Baptista Machado, 1991: 582, Brandão Proença, 1997: 524; Pinto Oliveira, 2011: 728, e Menezes Leitão, 2018: 328) ou, para outros juristas, de um encargo ou incumbência (Menezes Cordeiro, 1984: 766-767, e Santos Júnior, 2007: 366).» (Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Coord. José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 578).
A Apelante faz uma interpretação puramente literal da hipótese do n.º 2 do citado artigo 570.º, o qual se reporta às diversas presunções legais de culpa, pertencendo ao lesante, por força da inversão do ónus da prova, demonstrar que o dano foi devido à conduta culposa do lesado (cf. artigo 350.º do Código Civil).
O que justificaria um tratamento melhor dado pelo legislador à culpa presumida do que à culpa efetiva?
Há que apelar a uma interpretação sistemática da lei, descartando um sentido iníquo na lei.
Aderimos ao entendimento de José Brandão Proença, quando afirma que a localização sistemática do n.º 2 não parece prescindir de uma concausalidade efetiva, ponderando-se a culpa presumida e a culpa do lesado, grave ou leve.
Escreveu o Autor, a propósito, que «[E] essa concausalidade não terá lugar na hipótese de o lesante provar que o dano ocorreu por culpa do lesado, não ficando, assim, qualquer margem de incerteza sobre a origem da imputação danosa (v.g., provando o condutor comissário que o atropelamento foi devido apenas à desatenção do atropelado, demonstrando o vigilante que o animal vigiado foi acirrado pelo lesado, provando o dono do edifício que o lesado entrou no prédio em ruínas apesar das barreiras e avisos existentes ou demonstrando o devedor que o credor recusou receber sem motivo a prestação). Mais do que provar diretamente que não teve culpa, beneficiar da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 624.º do CPC ou provar que o lesado teve culpa, o presumido culpado deve, na verdade, provar que o dano foi exclusiva e adequadamente devido à culpa do lesado (Brandão Proença, 1997: 462 e ss.) (obra citada, p. 579).
«No fundo, - conclui o Autor - o que parece presente no n.º 2 é uma técnica similar à prevista no artigo 505.º com o objetivo, neste caso, de evitar um concurso entre o risco e a culpa do lesado.» (ibidem)
Deste modo, ainda que se verificasse in casu uma presunção legal de culpa da 1.ª Ré, ao abrigo do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, a culpa da Autora não afastaria a culpa daquela, uma vez que ficou efetivamente demonstrada uma situação de concausalidade nos autos.
Num exame ponderativo do caso, à luz do previsto no n.º 1, a norma exige não só a presença de duas condutas culposas, mas que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos.
Assente a eficiência das condutas culposas de ambas as partes, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, o Tribunal a quo ponderou a gravidade das culpas e os efeitos que delas decorreram, tendo concluído por uma repartição de culpas de 50% para cada uma.
A Apelante considera mais justa e adequada uma proporção de 10%, com um argumento ao qual não aderimos.
Naturalmente, a atuação da Apelante/Ré não pode ser desconsiderada pelo facto de ter sido alguém por si contratado a não ter cumprido o dever de colocar a sinalética adequada.
A Apelante não logrou carrear para os autos argumentos fácticos e de Direito que permitam considerar desproporcionada e desadequada a repartição de culpas efetuada ao abrigo do disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil.
Do valor da indemnização
A Apelante alega que, considerando tudo o que foi dito acerca da culpa da Autora na produção do acidente, a indemnização, no seu cômputo geral, não deve ser superior a 5 000,00 €.
A Autora/Apelada nada disse neste particular.
Lê-se na sentença recorrida, a propósito dos danos, o seguinte:
«O A. provou que, em consequência do acidente em análise, sofreu danos materiais, danos estes que a R., por força do contrato de seguro, foram reparados pela R. seguradora, daí que não sejam pedidos nestes autos.
No que se refere aos danos não patrimoniais a A. sofreu dores, tristeza, trauma e continua a ter problemas e ficou com dano físico-psíquico e estético permanentes, como resulta da perícia médico legal, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (artº 496º nº 1 do Cód. Civil), sendo que o valor dos danos não patrimoniais devem, no entender do Tribunal, fixar-se em 10.000,00€, valor este que não tem de ser suportado pela R. seguradora, por o contrato de seguro não os abranger, sendo que tal valor deve ser suportado em partes iguais pela A. e pela R. J…, por a negligência de ambas ter dado origem aos danos não patrimoniais pedidos e em igual proporção, como supra se refere
Quanto aos danos não patrimoniais, como tem sido reiteradamente observado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil (os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26.5, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele).
Dispõe o artigo 496.º n.º 1, do Código Civil que «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do referido diploma (ex vi do n.º 4 do citado artigo 496.º), designadamente o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
O montante da indemnização por dano não patrimonial é fixado pelo juiz, segundo um critério de equidade, o que significa, conforme afirma a jurisprudência, secundando as palavras de Pires de Lima e de Antunes Varela, «atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência» - acórdão do STJ de 20.2.2013 (p. 269/09.5GBPNF.P1.S1, in www.dgsi.pt).
A Apelante sustenta que o montante fixado a título de danos não patrimoniais está muito acima (o dobro) do valor justo e adequado segundo juízos de equidade, fundando a sua alegação na culpa da lesada.
Porém, como vimos, a culpa da lesada já serviu para estabelecer a redução da responsabilidade da lesante à proporção de 50%, não devendo ser equacionada de novo para reduzir a indemnização, em face de todos os danos sofridos pela Autora.
Assim, neste particular ficou provado que:
A Autora sofreu múltiplas lesões, algumas das quais com gravidade, designadamente em toda a face, dentes, cervical e ombro (ponto 23).
Foi de imediato transportada para o Hospital de Cascais, onde foi observada, suturada na face, tendo recebido o tratamento e urgência hospitalar (ponto 24).
No próprio dia, foi recebida pelo seu médico dentista, que confirmou a gravidade da situação e das lesões a nível da boca (ponto 25).
Durante vários meses utilizou uma férula (ponto 26).
A Autora passou por diversos tratamentos e exames médicos e realizou uma TAC e ressonância magnética à coluna cervical, onde foram diagnósticos na c-4 e c-5 abaulamento dos discos (ponto 27).
Foi vista por um neurocirurgião que aconselhou em 11.9.2014 fisioterapia e piscina, devido as dores cervicais e ombro (ponto 28).
A Autora ficou com a abertura bocal reduzida, com limites de mastigação, dores constantes e dificuldade em falar (ponto 29).
Seis meses depois ainda se mantinha com a férula, devido à mobilidade excessiva dos dentes (ponto 30).
A luxação dentária sofrida foi de tal forma grave que a 31.3.2015, aquando da realização de novo relatório clinico aos dentes, a Autora mantém alterações globais com agravamento no que concerne à mastigação e à fonética (ponto 31).
E, passado um ano, sobre o acidente, não consegue ainda mastigar determinados alimentos, nem pronunciar algumas palavras (ponto 32).
A Autora sofre diariamente de dores na boca e desconforto (ponto 33).
O desconforto atormenta a Autora até aos dias de hoje sendo acompanhado de dores faciais, sendo que muitos meses depois o desalinhamento dos dentes superiores com os inferiores persiste e estes últimos estão completamente «metidos dentro» (ponto 34).
Continua a usar «elásticos» na boca (ponto 35).
A Autora, até ao acidente, tinha uma vida normal, frequentava o ginásio, saía com amigos e, neste momento, vive triste, angustiada, nervosa e com medo de nunca se restabelecer (ponto 38).
A dor da Autora é um sentimento permanente e diário, resultante do acidente e que a impede que a sua vida quotidiana a nível social e familiar, seja tal qual era antes (ponto 39).
A Autora perdeu a confiança em si própria (ponto 40).
A Autora sente-se incompreendida e revoltada (ponto 41).
Viu a sua qualidade de vida diminuir drasticamente durante e após o acidente e a auto-imagem continua afetada (ponto 42).
O lábio e o nariz não voltaram a ficar iguais ao que eram antes, existem cicatrizes (ponto 43).
A Autora perdeu muito peso, o que também contribuiu para aumentar a sua angústia e revolta, culminando em acompanhamento psicológico, para minimizar a situação (ponto 44).
Como resulta da perícia médico-legal, da queda em causa nestes autos resultou para a Autora traumatismo da face, coluna cervical e lombar e alterações de humor com défice funcional temporário parcial de 366 dias, comum quantum doloris fixável em 4/7, dano estético permanente fixável no grau 3/7, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável num grau 3/7 e necessidade de ajudas técnicas permanentes (medicamentos e tratamentos médico dentários regulares) (ponto 66).
Tendo em consideração a abundante matéria de facto apurada quanto aos danos não patrimoniais, designadamente o dano estético e o quantum doloris, considera-se adequada e proporcionada a fixação dos danos não patrimoniais no montante de 10 000,00 euros.
Em face do exposto, é de concluir pelo acerto da sentença quanto à condenação da 1.ª Ré no pagamento à Autora do valor de 5 000,00 euros, correspondente a 50% daquele montante.
Do erro de julgamento na absolvição do pedido da 2.ª Ré
Questão prévia: da legitimidade da 1.ª Ré para recorrer da decisão de absolvição do pedido da 2.ª Ré
A Ré/Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida no segmento em que absolveu a Ré Seguradora do pedido com o argumento de os danos não patrimoniais não estão cobertos pelo seguro do ramo Acidentes Pessoais, denominado «Apólice de Seguro de Acidentes Pessoais, Cultura e Recreio».
Ficou provado que Ré Seguradora celebrou um contrato de seguro com a Confederação de Desporto de Portugal, do ramo Acidente Pessoais, denominado Apólice de Seguro de Acidentes Pessoais Desporto, Cultura e Recreio, em que é Tomadora do Seguro a ora 1.ª Ré, titulado pela apólice n.º 0001523871 (em vigor à data dos factos em causa na presente ação).
Por meio de tal contrato, a Ré Seguradora garante, nos limites e termos fixados, as pessoas identificadas pelo Tomador do Seguro, utentes de ginásios, health clubs e academias associadas àquele Tomador, que por seu intermédio subscreveram o seguro desportivo, relativamente a acidentes emergentes da prática desportiva em competição, treino e estágio, em representação ou sob patrocínio das Federações, Associações, Clubes ou Entidades Oficiais, incluindo desportistas amadores, quanto aos riscos e coberturas por ele contratadas, até ao capital seguro.
Nos termos do disposto no artigo 137.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.4 (Lei do Contrato de Seguro), no seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.
O seguro de responsabilidade civil garante a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado (artigo 138.º, n.º 1, do D.L. citado).
Tratando-se de um seguro obrigatório, como resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12.1, o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador, em conformidade com o disposto no artigo 146.º do Decreto‑Lei n.º 72/2008.
Na situação sub judice, a Autora demandou a lesante e a sua seguradora (diretamente), em litisconsórcio voluntário, pedindo a condenação solidária de ambas.
A Ré Seguradora foi absolvida do pedido e a Ré Tomadora do Seguro recorreu também da sentença nessa parte.
Com a absolvição do pedido da Ré Seguradora, a 1.ª Ré não poderá exigir-lhe o valor em que vier a ser condenada por força do contrato de seguro obrigatório celebrado entre ambas.
O artigo 631.º do CPC, sob a epígrafe «Quem pode recorrer», define quem tem legitimidade para recorrer, resultando da sua leitura que essa legitimidade é atribuída segundo os seguintes critérios:
– À parte principal vencida (artigo 631.º, n.º 1);
– À parte acessória direta e efetivamente prejudicada pela decisão (artigo 631.º, n.º 2);
– A terceiro direta e efetivamente prejudicado pela decisão (artigo 631.º, n.º 2);
– A terceiro prejudicado pela decisão proferida num processo simulado (art. 631.º, n.º 3).
Nos termos do artigo 631.º, n.º 1, do CPC, tem legitimidade para recorrer a parte (parte principal) vencida, isto é, a parte afetada objetivamente pela decisão.
Parte afetada é a que não obteve a decisão mais favorável possível aos seus interesses, considerando o que pediu e não conseguiu obter na decisão impugnada.
Seguindo um critério formal, atende-se ao que a parte pediu e compara-se com aquilo que ela obteve em juízo; se o que tiver sido conseguido representar, em termos quantitativos ou qualitativos, um minus em relação ao que pediu, a parte possui legitimidade para recorrer. Isto pode suceder pura e simplesmente mediante uma sentença desfavorável, mas também perante uma sentença favorável, se não for a mais favorável possível em face das circunstâncias.
Em certos casos, a legitimidade para recorrer é independente da atitude assumida pela parte, pelo que, nessas hipóteses, a qualidade de parte vencida não tem nada que ver com a circunstância de ela se ter batido pela solução contrária.
Considerando que o processo civil português se orienta pelo modelo de reponderação, o que então pode relevar para aferir a legitimidade para recorrer é apenas o facto de a decisão ser desfavorável à parte.
Este critério material é aplicável quando é impossível comparar a decisão proferida com um pedido de condenação ou de absolvição formulado pela parte.
Na impossibilidade de utilizar uma comparação entre o pedido e a decisão, utiliza-se então uma comparação entre a situação da parte antes e a situação dessa parte depois da decisão, isto é, considera-se apenas a absolvição ou a condenação da parte.
O critério material é aplicável, a título de exemplo, nas hipóteses de o réu revel recorrer ou quando o tribunal condenar a parte em multa ou em custas.
Se conjugarmos o disposto no n.º 1 com os n.ºs 2 e 3 do artigo 631º do CPC, podemos concluir que o legislador procurou afastar um conceito de prejuízo eventual incerto ou longínquo na definição do direito de recorrer.
O direito de recorrer não assiste pois a quem simplesmente se imagine prejudicada, sem que tal resulte da decisão no seu contexto jurídico imediatamente prejudicial.
A propósito da legitimidade de terceiros para recorrer, nos termos do n.º 2 do artigo 631.º do CPC, escreveu Abrantes Geraldes que:
«[A] exigência de um prejuízo directo tem subjacente a ideia de que a decisão visa directamente o recorrente, afastando os casos em que o prejuízo, ainda que efectivo, é indirecto, reflexo ou mediato, ou atinge unicamente a pessoa representada.
Sem embargo de outras situações, em tal categoria podem englobar-se os depositários, adquirentes e preferentes na acção executiva, assim como o agente de execução. Seguramente englobam-se ainda as testemunhas e os peritos e todos quantos, apesar de não figurarem no processo como partes, nem nele terem tido qualquer intervenção, sejam directamente e efectivamente atingidos na sua esfera pessoal ou patrimonial pelos efeitos de qualquer decisão judicial.» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 4.ª edição, p. 82).
Revertendo ao caso em apreço, constata-se que a decisão de absolver a Ré Seguradora do pedido não deixa de implicar o vencimento da 1.ª Ré, no sentido em que se verifica quanto a esta a imediata afetação de direitos ou interesses juridicamente tutelados, atendendo ao contrato de seguro em que figura como tomadora.
Já assim não seria de concluir se o contrato de seguro tivesse sido celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, sem qualquer intervenção da 1.ª Ré.
Nesse caso, estaríamos perante um caso de solidariedade imprópria. Dir-se-ia que o interesse da 1.ª Ré em que a 2.ª Ré fosse condenada seria meramente subjetivo, indireto ou reflexo, o que abalaria a sua legitimidade para recorrer.
No presente caso, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o objeto do recurso neste particular e a Ré Seguradora nada disse quanto à possibilidade de se conhecer do recurso contra si interposto.
Por via de um critério material e objetivo, é de concluir que a 1.ª Ré pode considerar-se parte vencida por não ter obtido a decisão mais favorável aos seus interesses objetivados, independentemente da procedência ou improcedência das razões esgrimidas sobre a matéria litigiosa.
Conclui-se, assim, que a 1.ª Ré tem legitimidade para interpor recurso nesta parte, nada obstando à sua apreciação.
Da cobertura dos danos não patrimoniais pelo «seguro de acidentes pessoais de atletas e agentes desportivos»
Entende a Recorrente que a cobertura por invalidez permanente integra não só os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais.
Na senda de jurisprudência que invoca para o efeito, argumenta que, quando o contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial, também o intérprete não pode efetuar essa destrinça, sob pena de subversão do espírito do legislador.
Alega que este, quando entendeu diferenciar, fê‑lo claramente, como no âmbito das exclusões no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os «danos materiais» por contraposição aos danos não patrimoniais - artigos 14.º e 49.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8.
Argui que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2009 abarca, de forma implícita, danos morais.
Sustenta que a responsabilidade pelos danos não patrimoniais em que foi condenada encontra-se coberta pelo seguro que subscreveu e que ficou provado, pois, além de o legislador não diferenciar na lei do Seguro Desportivo Obrigatório, previsto no Decreto‑Lei n.º 10/2009, de 12.2, os danos reclamados pela Autora, a sua angústia e dificuldade em comer, encontram-se enquadrados e são consequência de uma invalidez permanente em resultado de um acidente na prática desportiva, nos termos da alínea a), do n.º 2 do artigo 5.º da referida Lei.
E conclui que, sendo um seguro obrigatório, os valores e coberturas mínimas são os que se encontram na lei, não podendo ser afastadas pela vontade das partes, tal como refere o artigo 6.º do referido diploma.
Termina com a asserção de que a Ré Seguradora deve ser condenada no pagamento da totalidade da indemnização que se vier a fixar, sem prejuízo da franquia a pagar pela Recorrente.
Coloca-se a questão de saber se assiste à Autora o de direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais emergentes do acidente em atividade desportiva que sofreu em 23.7.2014, a coberto do contrato de seguro desportivo celebrado entre as Rés.
Tomando por quadro referencial o contrato de seguro desportivo obrigatório, para uma melhor compreensão da sua teleologia, convém traçar uma breve panorâmica da evolução legislativa da respetiva institucionalização no nosso ordenamento jurídico.
Assim, alguns anos depois de o Decreto-Lei n.º 205/83, de 21.5 ter autorizado o então Ministro da Qualidade de Vida a celebrar com o Instituto de Seguros de Portugal, ou com uma companhia de seguros por este indicada, um contrato instituindo o seguro do desportista amador sem carácter de obrigatoriedade, sobreveio o Decreto-Lei n.º 162/87, de 8.4, que revogou aquele diploma e tornou obrigatório, nos termos do seu artigo 1.º, o seguro desportivo para todas as pessoas que, como amadores, se inscrevessem nas federações ou associações desportivas para efeitos de participação desportiva, salvo nos casos de modalidades que o não justificassem.  
Seguidamente, a Lei n.º 1/90, de 13.1, designada por Lei de Bases do Sistema Desportivo, veio estabelecer o quadro geral do sistema desportivo, cujo artigo 16.º, sob a epígrafe «Seguro desportivo e segurança social», assegurava «a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos praticantes desportivos enquadrados na prática desportiva formal» com o objetivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protegendo em termos especiais o praticante desportivo de alta competição (n.º 1), mas abrangendo também, outras categorias de agentes desportivos cuja atividade comportasse situações especiais de risco (n.º 2).
No desenvolvimento desse regime jurídico, foi promulgado o Decreto-Lei n.º 146/93, de 26.4, que, revogando o Decreto-Lei n.º 162/87, de 8/4, veio regular o seguro desportivo obrigatório.
No âmbito deste diploma, foi definido como objeto daquele contrato a cobertura dos «riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva, incluindo os decorrentes de transporte e viagens em qualquer parte do mundo» (artigo 1.º, n.º 2), consagrando-se a obrigatoriedade do seguro desportivo «para todos os agentes desportivos inscritos em federações dotadas de utilidade pública desportiva, nomeadamente os praticantes desportivos profissionais e não profissionais» (artigo 2.º, alínea a)).
Posteriormente, tanto a Lei n.º 30/2004, de 21.6 (Lei de Bases do Desporto) como a Lei n.º 5/2007, de 16.1 (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), que, revogando aquela, se encontra atualmente em vigor, mantiveram, respetivamente nos seus artigos 70.º e 42.º, sem alterações de relevo, a obrigatoriedade do seguro pelos riscos inerentes à prática desportiva.
Por fim, foi promulgado o citado Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12.1, em vigor desde 1.2.2009, o qual, revogando o Decreto-Lei n.º 146/93, de 26.4, e as Portarias n.ºs 57/93, de 26-08 e 392/98, de 11.7, estabelece o atual regime jurídico do seguro desportivo obrigatório, sob as considerações assumidas no respetivo preâmbulo, entre outras, de que:
- «Com os seguros obrigatórios atende-se a uma necessidade social fundamental, a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura
- «Um sistema de seguro não evita o risco, mas previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento
No âmbito deste diploma, destacam-se os seguintes normativos:
«Artigo 2.º
Obrigatoriedade
1 – Os agentes desportivos, os praticantes de actividades desportivas em infra-estruturas desportivas abertas ao público e os participantes em provas ou manifestações desportivas devem, obrigatoriamente, beneficiar de um contrato de seguro desportivo.
2 – A responsabilidade pela celebração do contrato de seguro desportivo referido no número anterior cabe às federações desportivas, às entidades que explorem infra-estruturas desportivas abertas ao público e às entidades que organizem provas ou manifestações desportivas.
Artigo 5.º
Coberturas mínimas
1 – O seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português.
2 – As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo são as seguintes:
a) - Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva;
b) – Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento; (…)
Artigo 16.º
Coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo
O contrato de seguro a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º garante os seguintes montantes mínimos de capital:
a) – Morte – (euro) 25 000;
b) – Despesa de funeral – (euro) 2000;
c) – Invalidez permanente absoluta – (euro) 25 000;
d) – Invalidez permanente parcial – (euro) 25 000, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;
e) – Despesas de tratamento e repatriamento – (euro) 4000
A questão fundamental é a de saber se a indemnização devida à Autora estabelecida para a invalidez permanente parcial, nos termos contratualmente estipulados, em consonância com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 16.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 10/2009, deve ser fixada tomando em conta mormente o valor dos danos não patrimoniais sofridos por aquela.
Não há dúvida de que uma determinada incapacidade não é, seguramente, exclusivamente física, pois tem repercussões psíquicas e, até mesmo, sociais.
Daí a própria definição de saúde da Organização Mundial de Saúde é o «bem estar físico, psíquico e social», tudo em conjunto.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do mencionado diploma, trata-se de um contrato de seguro desportivo que cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva atividade desportiva, abrangendo as coberturas mínimas de:
a) – Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva; 
b) – Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar e de repatriamento.
Assim, pelo menos quanto à primeira vertente, estamos perante um «contrato de seguro de pessoas» que, nos termos conjugados dos artigos 175.º, n.º 1, e 210.º do Decreto-Lei n.º 72/2008 (LCS), cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
E, conforme se dispõe o n.º 2 do indicado artigo 175.º, tal contrato pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória.
A este propósito, Ana Brilha escreveu o seguinte:
«Preocupação universal das sucessivas Leis de Bases do Desporto, a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório visa cobrir os riscos a que estão sujeitos os praticantes desportivos e os demais agentes desportivos procurando garantir a existência de meios financeiros para que aqueles possam fazer face às despesas em que tenham de incorrer com tratamentos ou facultando o pagamento de um valor relativo a morte ou invalidez permanente, total ou parcial.
Sobretudo, a institucionalização do seguro desportivo procurou regulamentar de forma adequada a protecção contra acidentes pessoais no âmbito da actividade desportiva, numa lógica de adequação aos riscos próprios da actividade em causa e aos encargos gerados.
Inserindo-se no ramo não vida, o seguro desportivo aproxima-se simultaneamente da figura do seguro de acidentes pessoais e do seguro de bens, configurando-se como um misto de seguro de pessoas e de bens, porquanto visa não só cobrir danos provocados por eventos que afectem a vida, a saúde ou a integridade física do agentes desportivos, mas também visam cobrir os riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado.» (artigo doutrinário intitulado O Novo Regime do Seguro Desportivo – Verdade Inovação?, publicado na Revista Jurídica do Desporto «Desporto & Direito», Ano VI, Janeiro/Abril 2009, pp 293 e ss.).
E - continua a Autora -, «a contratação do seguro visa primacialmente a distribuição do risco inerente a qualquer actividade susceptível de causar dano, aproximando-a do regime da responsabilidade civil objectiva.” E quanto aos riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado, dá como exemplo “o caso de cobertura de despesas de tratamento e internamento do agente desportivo”». 
Sucede que o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, em termos diferentes do anteriormente fixado no n.º 1 da Portaria n.º 757/93, estabelece para as coberturas previstas no respetivo artigo 5.º, n.º 2, os seguintes montantes mínimos de capital:
«a) – Morte – (euro) 25 000;
b) – Despesa de funeral – (euro) 2000;
c) – Invalidez permanente absoluta – (euro) 25 000;
d) – Invalidez permanente parcial – (euro) 25 000, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;
e) – Despesas de tratamento e repatriamento – (euro) 4000
Nesta conformidade, enquanto que as coberturas previstas para as despesas de funeral [alínea b)] e para as despesas de tratamento e repatriamento [alínea e)] apontam para o montante dessas despesas dentro dos limites ali fixados, já as coberturas por morte [alínea a)] ou por invalidez permanente [alíneas c e d)] encontram-se configuradas como prestações de capital predeterminadas em função exclusiva da natureza dessas lesões, devendo ainda a invalidez permanente parcial ser ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado [alínea d)].
Como se decidiu no acórdão do STJ de 7.11.2019 (p. 654/16.6T8ABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «Significa isto que estas últimas coberturas (por morte ou por invalidez permanente) se traduzem em obrigação de prestação convencionada independente do valor do dano efetivo e não como prestação indemnizatória propriamente dita, como no caso das referidas coberturas pelas despesas de funeral e de tratamento».
Esta linha de entendimento foi seguida no acórdão do STJ de 8.9.2016 (p. 1311/11.5TJVNF.G1.S1, www.dgsi.pt), ainda no domínio de vigência do Decreto-Lei n.º 146/93, de 26.4, ao considerar que, na hipótese de invalidez permanente parcial, «a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura em função do sinistro se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência desse evento” sendo este “o único factor a atender”».
E o mesmo raciocínio foi adotado também no acórdão do STJ de 6.4.2017 (p. 335/10.4TTOAZ-P1.S1, em www.dgsi.pt), ao concluir que não se vê «como pode ter-se por compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda de capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais
A esse propósito, no referido aresto, é feita a seguinte observação crítica:
«(…) a entender assim, teríamos de aceitar a incongruente solução de que a apólice apenas contemplaria a reparação de danos não patrimoniais em casos de menor gravidade, em que a invalidez permanente fosse de um valor percentual mais baixo, pois o valor do capital disponível para tal indemnização iria diminuindo à medida que fosse subindo o grau de desvalorização funcional permanente. E chegar-se-ia ao absurdo de, no caso de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, correspondente a uma IPP de 100%, ou mesmo no caso de um IPP de 66% - potencialmente determinativas de maiores danos em bens de ordem espiritual, atenta a maior gravidade do dano corporal e as maiores limitações físicas que coenvolvem -, a apólice não contemplar a indemnização por danos não patrimoniais por não haver já capital disponível para o efeito.»    
No sentido oposto de se admitir a reparação dos danos não patrimoniais em caso de invalidez permanente, no âmbito do contrato de seguro desportivo obrigatório, podem ser consultados os acórdãos do STJ, de 4.10.2018 (p. 4575/15.1 T8BRG.G1) e de 9.5.2019 (p. 1751/14.8TBVCD.P1.S1) e o acórdão do TRE de 30.1.2020 (p. 8818/17.9T8STB.E1), in www.dgsi.pt.
Neste último aresto, considerou-se que a alínea d) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12.1, deve ser interpretada no sentido de determinar tão-só o montante máximo de capital devido pela seguradora, devendo, dentro deste limite, ser atendidos tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais, considerando nulas as cláusulas que excluam tal atendimento por aplicação conjugada do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 10/209 e do artigo 294.º do CC.
Tal solução não se afigura compatível com a natureza do contrato de seguro desportivo obrigatório por acidentes pessoais tal como se encontra parametrizado em sede de coberturas mínimas no artigo 16.º do referido Decreto-Lei n.º 10/2009, ao prever uma prestação de capital pré-determinada, máxime para a invalidez permanente, total ou parcial, sem qualquer consideração pelo valor do dano efetivo.
De salientar que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2009 estabelece a cobertura mínima abrangida pelo seguro desportivo para o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva, o que se afigura não equivaler, juridicamente, a pagamento de indemnização propriamente dita em função do dano efetivo ainda que limitada àquele capital.
Tal como se escreveu no citado acórdão do STJ de 7.11.2019 (que seguimos de perto), «Poderá discutir-se, de jure condendo, se não seria mais adequado ou justo atender ao dano efetivo como fator complementar na fixação da prestação devida, mas o certo é que este fator não foi erigido como critério legal, nem era imperioso que o fosse, tanto mais que o contrato de seguro de pessoas pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano, como se preconiza no artigo 175.º, n.º 2, da LCS».
Continuando a seguir o raciocínio deste aresto, uma solução que se pautasse, sem mais, pelo atendimento do dano efetivo poderia levar até a que a «indemnização» por invalidez permanente ficasse aquém do valor do capital garantido, caso o montante daquele dano fosse porventura inferior a este capital.
Acresce que atender ao valor do dano efetivo, incluindo dos danos não patrimoniais, poderá eclipsar a diferenciação da atribuição patrimonial devida por invalidez permanente absoluta e a devida por invalidez permanente parcial e, no âmbito desta, a que for devida em função dos graus de incapacidade fixados, diferenciação essa, de cariz objetivo, que se encontra patente no artigo 16.º, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 10/2009.
Em suma, a garantia do capital mínimo pela cobertura do contrato de seguro desportivo obrigatório para os casos de invalidez permanente do sinistrado, absoluta ou parcial, estabelecida nas alíneas c) e d) do artigo 16.º do Dec.-Lei n.º 10/2009, de forma taxativa, com a ponderação ainda do grau de incapacidade fixado, no caso de invalidez parcial, insere-se perfeitamente no quadro do contrato de seguro de acidentes pessoais na modalidade de prestações de valor predeterminado não dependente do montante efetivo do dano, de modo a proporcionar um ressarcimento do sinistrado a forfait, seja este dano superior ou inferior àquele valor.
Por outro lado, visando-se cobrir o risco de lesões corporais determinativas de invalidez permanente inerentes a acidente em atividades desportivas, nem sequer necessariamente associado à prática de ilícito civil no domínio da responsabilidade extracontratual, não se mostra imperioso que a prestação devida pelo segurador seja aferível pelo dano efetivo ou esteja limitada a este, segundo o princípio indemnizatório consagrado no artigo 128.º da Lei do Contrato de Seguro para o contrato de seguro de danos.
Perante o exposto, conclui-se que, contrariamente ao que alega a Requerente, o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2009, não abrange, de forma implícita, danos morais.
Do sentido da decisão e das custas
Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, os recursos de apelação interpostos pela 1.ª Ré devem improceder.
Tendo ficado vencida, a 1.ª Ré/Recorrente é a responsável pelo pagamento das custas dos recursos - artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pela Ré J… e, em consequência,
a) Confirma-se a decisão e a sentença recorridas;
b) Condena-se a Recorrente no pagamento das custas dos recursos.
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Lisboa, 25 de março de 2021
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira