Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25635/15.3T8LSB.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
REGISTO
EXTINÇÃO DE DIREITOS
MORTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–  A despeito da ampliação de 5 para 10 anos do prazo extintivo do direito dos herdeiros do aforrista ao reembolso dos certificados de aforro (introduzida pelo Decreto-Lei n.º 122/2002 de 4 de Maio) e mesmo após a criação (pelo DL nº 47/2008, de 13 de Março) do registo central de certificados de aforro (cuja finalidade é a de possibilitar a obtenção de informação sobre a existência de certificados de aforro e identificação dos seus titulares), mantém-se plenamente válida e actual a orientação jurisprudencial anterior a 2008 adoptada no Acórdão do STJ de 8/11/2005 (Proc. nº 05A3169; relator – LOPES PINTO), em que se concluiu que o termo inicial do prazo para a extinção de direitos consagrada no n.º 2 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho dependia do conhecimento do óbito e da existência dos certificados de aforro.

2.–  De qualquer modo, mesmo a entender-se que, desde que passou a existir um registo central de certificados de aforro (em 2008), tal prazo prescricional se deveria contar do óbito do aforrista - visto os herdeiros os herdeiros de pessoa falecida poderem hoje saber se ela era subscritora destes títulos e dos respectivos saldos e estarem, assim, em condições de poderem exercer o seu direito ao reembolso (art. 306º, nº 1, do Código Civil) -, tal tese só é válida para os casos em que o aforrista faleceu já depois de 2008, correndo a partir desta data (e não a contar da data do óbito do aforrista) o aludido prazo prescricional de 10 anos nos casos em que o aforrista faleceu antes de 2008.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa.


Relatório:



TERESA... (solteira, maior, titular do cartão de cidadão nº 06867076 1 ZY9, residente em …) instaurou contra a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE (pessoa colectiva nº 503 756 237, com sede na Avenida da República, nº 57º - 1º andar, em Lisboa) uma acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando os seguintes pedidos de condenação do réu a: (1) reconhecer o seu direito de propriedade sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição; (2) pagar-lhe o seu valor que a título de capital era de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), em 01.09.2015; e (3) pagar-lhe os juros de mora vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Para fundamentar tais pedidos, a Autora alegou, em síntese, que:
- É a única herdeira dos pais, falecidos respetivamente em 16.07.1997 e em 19.11.2003;
- Somente em 01.05.2015 é que a Autora tomou conhecimento de que a sua mãe era dona e titular dos certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de € 135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos);
- No dia 11.06.2015, a Autora reclamou o reembolso do valor dos certificados junto dos serviços da Ré, que o recusaram com fundamento na prescrição, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.

A Ré contestou, por excepção e por impugnação.
Defendendo-se por excepção, invocou a excepção peremptória da prescrição do direito ao reembolso dos certificados de aforro, que é de dez anos a contar da morte do aforrista, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30/06, na alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 122/2002, de 04/05.
Defendendo-se por impugnação, impugnou os factos concretos invocados pela A. (na pi.) tendentes a justificar por que motivo desconhecia, à data do falecimento dos seus pais, a existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular e legítima proprietária, só tendo deles tomado conhecimento em 1.01-2015.
Ademais, alegou que o IGCP, desde (pelo menos) Janeiro de 1997 e até Setembro de 2001, enviou para a morada registada no sistema (rua Fontes Pereira de Melo, nº 12-5º-Dtº, na Damaia-Amadora) – que era a única de que dispunha - extractos da conta aforro com uma periodicidade semestral e, a partir de Setembro de 2001, extractos mensais, o que fez até Maio de 2012, data em que tomou conhecimento do óbito da aforrista, não tendo, ao longo dos anos, nenhuma dessas cartas vindo devolvida pelos CTT.

A Autora respondeu (na Audiência prévia realizada em 23.02.2016) à matéria da excepção deduzida pela Ré.

Findos os articulados, o processo foi saneado - tendo-se relegado para a sentença a apreciação do mérito da excepção peremptória de prescrição arguida pela Ré (por se ter entendido que o estado dos autos não permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, designadamente, quanto à apreciação daquela excepção), definiu-se o objecto do litígio e seleccionaram-se os factos já considerados assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos nos Temas de prova e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida Sentença (datada de 14/03/2017) com o seguinte teor decisório:
«Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.
Custas a cargo do réu (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).»

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso da referida sentença – que foi admitido como de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo -, tendo extraído das respectivas alegações as seguintes conclusões:
“Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual foi se julgou a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condenou a Apelante a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3.º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de €196.810,99 (cento e noventa e seis mil, oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

A Apelante não se pode conformar com tal decisão, pelo que dela recorre invocando os seguintes motivos:

a) Matéria de facto.

1. Entende a Apelante que a sentença ora recorrida não teve em consideração nos factos dados como provados, os factos que resultaram da audiência de julgamento, designadamente os confessados pela Autora e os presenciados pela testemunha Doroteia, a saber:
i)- A Autora desconhecia se o pai era ou não titular de certificados de aforro.
ii)- A residência da Autora, até à venda do imóvel em 2 de outubro de 2008, era na Rua …, Amadora.
iii)- A Autora juntamente com a sua mãe foram ao balcão da Apelante, à data na Praça do Comércio, e ambas constituíram certificados de aforro em, pelo menos, duas ocasiões distintas, concretamente, no ano de 1988 e no ano de 1990.
iv)- As cartas extrato enviadas pela Apelante para a falecida aforrista eram recebidas na morada Rua… Amadora, residência da Autora.

2. Estes factos são absolutamente cruciais para se atingir o objetivo definido no despacho de audiência prévia, isto é, “…produzir prova sobre o momento concreto em que a Autora teve ou poderia ter tido conhecimento do direito que lhe compete…”, na medida em que provam de forma incontornável que a Autora não teve conhecimento dos certificados de aforro titulados pela sua mãe apenas em maio de 2015, como alegou na sua petição inicial, mas teve conhecimento da existência destes bens em data bem anterior (1988).
3. Em face do que antecede, e nos termos do previsto no n.º 1 no artigo 640.º do CPC, a sentença ora recorrida nunca poderia ter julgado totalmente procedente e provada na íntegra a ação, condenando, em consequência, o Réu a reconhecer o direito de propriedade da Autora, antes pelo contrário, a ação deveria ter sido julgada improcedente e não provada, decretando-se a prescrição dos certificados de aforro e, em consequência, determinar-se a absolvição do Réu, o que desde já se requer.

b) Matéria de Direito.
1. No que respeita à matéria de direito, entende a Apelante que a fundamentação que sustenta a decisão do Tribunal a quo, concretamente:
i)- a criação do Registo Central de Certificados de Aforro, conforme consta do artigo 9.º- A do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março;
ii)- o entendimento de que “A Autora fez a demonstração da titularidade dos certificados de aforro, não conseguindo o réu provar o facto extintivo invocado, a prescrição do direito reclamado.”
incorre em erro na determinação da norma aplicável ao caso concreto, assim como, o sentido das normas jurídicas que sustentam a decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma diversa, designadamente considerando que a Apelante fez prova da prescrição e assim declarar a improcedência da ação.

2. No tocante ao erro na determinação da norma aplicável, e considerando que a decisão do presente litígio tinha como objetivo determinar “… o momento concreto em que a Autora teve ou poderia ter tido conhecimento do direito que lhe compete…” (e não obstante a confissão da Autora em sede de matéria de facto ser suficiente para afastar o alegado conhecimento em maio de 2015) a norma que deveria servir de fundamento à decisão do presente litígio não é a prevista no artigo 9.º- A do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março, a propósito da suposta criação do RCCA mas antes as normas do CIS, designadamente, e entre outras, as do artigo 26.º relativas à obrigação declarativa dos herdeiros às finanças, na qual se inclui a obrigação de relação de bens e o respetivo pedido de certidão ao IGCP. É essa a norma que legalmente determina quando é que os herdeiros devem e podem ter conhecimento dos bens que constituem a herança do de cujus, na qual se inclui a eventual existência de certificados de aforro.
3. No que respeita ao sentido da decisão final em face das normas jurídicas aplicáveis, concretamente o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que a Apelante não conseguiu provar o facto extintivo invocado, isto é, a prescrição; tal decisão também não pode prevalecer pelos motivos que acima se explicitaram, a saber:

i) a letra da lei é muito clara quanto ao prazo de prescrição aplicável, bem como quanto à ocorrência (óbito do aforrista) que determina o início da contagem do prazo, concretamente o artigo 7.º do Decreto- Lei n.º 172-B/86, de 30 de junho e o o artigo 306.º do Código Civil;
ii) A doutrina mais relevante e habitualmente invocada nesta matéria, concretamente a de Manuel de Andrade, Vaz Serra e de Menezes Cordeiro, toda converge no sentido de se considerar que:
- o início do prazo de prescrição não se suspende pela ignorância do credor;
- há negligência ou inércia do interessado se não atuar dentro do prazo de prescrição;
- a lei pode definir prazos específicos de prescrição menores que o prazo de prescrição ordinária de 20 anos
e esta doutrina suporta na íntegra a posição de princípio da Apelante em matéria prescricional que é a da irrelevância jurídica do conhecimento dos herdeiros para a verificação e o decretamento da prescrição.
iii) A jurisprudência existente, seja a mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, como a mais antiga do Tribunal da Relação de Lisboa, também sustenta a posição assumida pela Apelante, e embora exista jurisprudência divergente a mesma nunca ponderou as normas e procedimentos acima expostos.

4. Por todos estes motivos, e outros que certamente esse Doutro Tribunal suprirá, a decisão ora recorrida deve ser revertida no sentido de se considerar que o Réu fez prova do facto extintivo prescrição, pelo simples decurso do prazo de 10 anos após o óbito da aforrista e sem qualquer necessidade de prova de circunstâncias eminentemente pessoais e subjetivas, como seja a promessa de entrega da tia dos certificados de aforro por altura do aniversário dos 50 anos da Autora. Note-se, que circunstâncias essencialmente pessoais nunca poderão efetivamente ser rebatidas pela Apelante, tornando-se até absurdo um exercício de tal natureza.
5. Assim, e nos termos do artigo 639.º do CPC, deve declarar-se a improcedência da ação por não provada, decretando-se a prescrição dos certificados de aforro e, em consequência, absolver-se o Réu.

Termos em que, com o douto suprimento de V.Ex.as, se requer seja dado provimento ao presente recurso, proferindo a revogação da sentença, substituindo-a por outra que indefira a pretensão da Autora, como é de inteira e sã Justiça.

A Autora/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação da Ré e formulando – a rematar a sua resposta às alegações da recorrente – as seguintes conclusões:

«A) Da Matéria de Facto:
1.º- Não assiste qualquer razão à Recorrente, não padecendo a douta Sentença de erro na apreciação da prova nem de erro na aplicação do direito.
2.º- Pretende a Recorrente que sejam dados como provados outros factos que alegadamente provam que a Autora teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em 1988 e não em maio de 2015 como assente na douta sentença, e que tal matéria deriva das declarações de parte prestadas pela Autora e de depoimento prestado pela testemunha Doroteia.
3.º- Nenhuma razão assiste à Ré na interpretação que faz, porque, em 1.º lugar, a Autora não tinha conhecimento de que o pai era ou não titular dos certificados de aforro e tal deriva não só do teor das suas declarações de parte como do facto de a sua mãe, à data do óbito deste (16/07/1997), não ter declarado, em 04/08/1997, a existência de tais certificados na relação de bens apresentada às finanças (cfr. douta sentença - factos assentes A) e D)).
4.º- Consequentemente, a Autora não mencionou os mesmos certificados de aforro na relação de bens que apresentou, em 17/12/2003, às finanças por óbito da sua mãe ocorrido em 19/11/2003 (cfr. douta sentença - factos assentes A), 1. e 2.).
5.º- Mostra-se provado que os pais da Autora haviam contraído casamento segundo o regime de comunhão geral de bens (cfr. Doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial), pelo que, nos termos do disposto nos art.ºs 1732.º e 1733.º, ambos do CC, os certificados de aforro existentes à data da morte do pai da Autora eram bens comuns dos pais da Autora, porque no regime jurídico dos certificados de aforro não há qualquer norma a excluir os certificados de aforro do regime de comunicabilidade relativo ao regime da comunhão geral de bens ou da própria comunhão de adquiridos, ou seja no sentido de os incluir no elenco dos bens próprios do cônjuge que neles figura como titular.
6.º- Assim, o tribunal “a quo” decidiu muito bem no sentido de considerar como provados os factos constantes dos pontos D), 1. e 2. da douta sentença.
7.º- A morada de residência e fiscal da Autora foi até 02/10/2008 a morada sita na Damaia onde a sua mãe residia.
8.º- No entanto, como deriva do teor das declarações da Autora e do depoimento da testemunha Jorge…, aquela nem sempre residiu de facto naquela morada, e nunca tomou conhecimento que a sua mãe recebia, após 2003 (até esta data ia levantá-los pessoalmente aos balcões do IGCP), extratos dos certificados de aforro, porque ela própria nunca os recebeu respeitantes aos certificados de aforro de que era titular.
9.º- Pelo exposto, nunca se poderá dar com provado que a Autora residiu sempre e recebeu na morada indicada a correspondência alegadamente enviada, trimestralmente pelo IGCP e após 2003, em nome da sua mãe.
10.º- A Ré não fez prova de que a Autora recebeu, após 2003, efectivamente extractos dos certificados de aforro em nome da aforrista.
11.º- Pelo exposto, decidiu e bem o tribunal a quo ao não considerar o facto em causa como relevante para a decisão da causa.
12.º- Conforme se pode retirar das declarações da Autora, esta nunca confessou que desde 1988 sabia que a mãe era titular de certificados de aforro porque juntamente com ela foi constituí-los ao balcão do IGCP.
13.º- A Autora disse que tinha certificados de aforro constituídos há muitos anos atrás, e que os primeiros certificados de aforro foram constituídos pelos pais.
14.º- Nenhuma prova documental existe nos autos que demonstre que a Autora constituiu, em 1988 e 1990, certificados de aforro juntamente e no mesmo dia, hora e local com a sua mãe.
15.º- Assim, decidiu e bem o tribunal a quo ao não considerar o facto em causa como provado, porque não foi feita prova credível do mesmo.
16.º- Contrariamente ao pretendido pela Ré, dúvidas não restam de que a Autora somente tomou conhecimento de que a sua mãe era titular de certificados de aforro no dia 01 de maio de 2015, conclusão que deriva dos factos provados sob os pontos 3 a 7, inclusive, da douta sentença, e isto porque a prova é clara, objetiva e credível.
17.º- Quanto a este facto importa ter em conta os excertos das declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas Doroteia…, H... …  e Ana…, prestados na Audiência de julgamento e atrás transcritos.
18.º- Dúvidas não restam de que a Autora demonstrou a titularidade dos certificados de aforro e a data do conhecimento da sua existência, conforme reconheceu, e bem, o tribunal a quo.
19.º- A Apelante não aceita a veracidade do facto de que a Autora apenas tomou conhecimento da existência dos certificados de aforro em maio de 2015 mas não apresenta uma única prova que ponha efetivamente em causa os factos provados sob os pontos 3 a 7 da douta sentença.
20.º- Sob o ponto de vista formal, a Apelante cumpriu o que lhe era exigido pela lei processual para poder “atacar” a decisão de facto da 1.ª instância, mas não deixa de ser menos exacto que este tribunal da Relação, não encontrará razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo, porque a prova de um facto não resulta de um só depoimento ou de parte dele, como aqui pretende a Ré, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.
21.º- Em caso de dúvida, deverá de prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova (cfr. arts. 396º do Cód. Civil e 607.º, n.º 5, do C.P.C.), com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
22.º- Portanto, na reapreciação da prova feita pela Relação, não se pode procurar obter uma nova convicção a todo o custo, que é o que pretende a Ré/Recorrente, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido.
23.º- O “controlo” de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não deve destruir a livre apreciação da prova do tribunal a quo construída na base da imediação e da oralidade, uma vez que para a formação da convicção do julgador contribuem elementos que dificilmente podem ser retirados da gravação ou transcrição. Depoimentos não são só palavras.
24.º- Para que a Relação altere e, consequentemente, substitua a decisão da matéria de facto do tribunal a quo não é suficiente um qualquer erro, porque este erro tem de ser manifesto, visivelmente contrário às regras da ciência, lógica e experiência, apontando, decisiva e inequivocamente, para o julgamento do facto no sentido diverso daquele que foi decidido, e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido.
25.º- Não se vislumbra na decisão ora recorrida qualquer fundamentação plausível para justificar que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância é errada. É necessário demonstrar o erro, o que não foi feito pela Recorrente.
26.º- Não se encontram razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo porque a Senhora Juiz fez a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção (cfr. págs. 6 e 7 da douta Sentença).
27.º- Os excertos dos depoimentos da Autora e da testemunha Doroteia R..., que a ora Apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, é elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.
28.º- Importará averiguar se o tribunal a quo incorreu num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
29.º- Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será, com o devido respeito, inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
30.º- Em conclusão, de acordo com as regras da experiência, afigura-se altamente inverosímil que a Autora não tenha procedido, durante mais de 10 anos, à transmissão para si das quantias existentes em certificados de aforro, tendo conhecimento da existência deles, até porque o valor em si, à data da morte da aforrista, importava mais de € 135.000,00.

B) Da Matéria de Direito:
31.º- Em 1.º lugar alega a Apelante que, a Autora não tomou conhecimento da existência de certificados de aforro na titularidade da sua mãe, porque foi negligente e não cumpriu corretamente as obrigações legais de participação e de relacionar os bens por óbito desta, diligências que lhe competiam enquanto herdeira.
32.º- Para tal afirma que além de os herdeiros terem ao seu dispor o registo central, criado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, alega que o herdeiro estava obrigado a cumprir o disposto no art.º 26.º do Código do Imposto de Selo (CIS).
33.º- Sucede que, a Apelada não podia, em dezembro de 2003, recorrer ao registo central de certificados de aforro porque este apenas foi criado mais de 4 anos depois da morte da aforrista.
34.º- Mais, aquando do óbito da aforrista (19/11/2003) e consequente participação (17/12/2003), pela Autora, às finanças, o Código do Imposto de Selo (CIS) não se encontrava em vigor. Este código foi criado pelo DL n.º 287/2003, de 12 de novembro e entrou em vigor em 01 de janeiro de 2004, tendo revogado o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, criado pelo DL 41969, de 24 de novembro de 1958.
35.º- Assim, o art.º 26.º do CIS não estava em vigor, assim como não estava em vigor o modelo oficial de participação referido no n.º 2 do mesmo artigo e que consta da Portaria n.º 895/2004, de 22 de julho, portaria esta, à data, ainda inexistente.
36.º- A Autora participou atempadamente, às finanças, o óbito da sua mãe e relacionou todos os bens existentes que lhe foram deixados em herança, não tendo relacionado os certificados de aforro por desconhecer, por completo e sem culpa, a sua existência; assim, como é obvio não houve qualquer sonegação de bens!
37.º- Em 2.º lugar, defende a Apelante que o prazo de prescrição dos certificados de aforro, no caso de óbito do titular, atualmente fixado em 10 anos, começa a correr a partir do decesso, independentemente do seu conhecimento pelos herdeiros, contrariando, assim, a fundamentação expandida na douta sentença.
38.º- Porém, a mesma não tem suporte legal, litigando a Ré contra jurisprudência recente.
39.º- O que está em causa nestes autos não é a interpretação de uma norma, mas sim a sua estricta aplicação.
40.º- Com efeito, é letra de lei expressa, que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” (cfr. n.º 1 do artº 306.º do Código Civil).
41.º- Ou seja, enquanto o titular do direito não tem conhecimento da sua existência, não começa a correr o prazo de prescrição.
42.º- Não existe nenhuma obrigatoriedade legal de os cidadãos diligenciarem junto do IGCP a existência ou não de certificados de aforro em nome dos falecidos de quem são herdeiros, sendo certo que, no caso da Autora, nem sequer se equacionava essa existência; o alegado “ónus” de consulta na base de dados dos certificados de aforro não é uma obrigatoriedade mas sim um comportamento zeloso, a que os serviços e entidades que celebrem atos de partilha ou de adjudicação de bens adquiridos por herança, devem diligenciar.
43.º- Além disso, a Autora não outorgou nenhuma partilha dos bens por parte da herança deixada por óbito de sua mãe.
44.º- Não houve, assim, qualquer estado de passividade ou apatia por parte da Autora na procura de bens deixados por morte da sua mãe.
45.º- Como se provou documentalmente nos autos, a Autora não mencionou na Relação de Bens que a sua mãe fosse dona de quaisquer certificados de aforro.
46.º- E isso aconteceu porque não tinha conhecimento da sua existência; não se pode questionar o que não se conhece e se ignore.
47.º- Como se encontra provado, a Autora teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em 01 de maio de 2015 (cfr. pontos 3. e 5. dos Factos Provados da douta Sentença).
48.º- Assim sendo, como é, jamais pode ter decorrido o prazo de prescrição.

49.º- Dispõe o art.º 7.º do Regime Juridico dos Certificados de Aforro, Série B (DL n.º 172-B/86, de 30 de Junho), na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 47/2008, de 13 de Julho, que:
“1 Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer dentro do prazo de 10 anos:…
2– Findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição.”

50.º- E as demais disposições em vigor relativas à prescrição constam dos art.ºs 300.º a 327.º do Código Civil.
51.º- Importa, para o efeito, reter que o art.º 306.º, n.º 1, 1.ª parte do C.C. dispõe que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
52.º- Reafirma-se, como se encontra provado, a Autora só tomou conhecimento do seu direito aos certificados em 01 de maio de 2015.
53.º- Em todo o tempo anterior, estava impossibilitada de exercer esse direito, porque não sabia que lhe pertencia e o detinha.
54.º- A prescrição só se inicia quando o direito estiver em condições objectivas do titular poder exercita-lo.
55.º- Constituindo a prescrição um facto extintivo do direito, esta está diretamente ligada à inércia do respetivo titular em fazer valer o seu direito, como se de uma sanção se tratasse, pelo não exercício atempado do mesmo.
56.º- Assim, não se pode afirmar que há negligência por parte do titular de um direito em exercê-lo quando ele o não pode fazer valer por causas objetivas.
57.º- Ora os direitos, que o n.º 1 do art.º 7.º do Regime Juridico dos Certificados de Aforro reconhece, eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro, a qual ocorreu em 19/11/2003,
58.º- mas o exercício desse direito pressupõe que os respetivos herdeiros, a ora aqui Apelada, tivesse tido conhecimento da existência da subscrição de certificados de aforro por parte da sua falecida mãe – F… - na medida em que só assim tomaria conhecimento de que, pela morte daquela, ficara titular dos direitos conferidos pelo referido art.º 7.º , n.º 1.
59.º- O facto “morte do subscritor” é, em si, neutro, nada diz à Apelada relativamente à existência da subscrição de certificados de aforro pelo de cujus.
60.º- Não se pode iniciar contagem do prazo prescricional, nos termos do art.º 306.º do Código Civil até à descoberta dos certificados de aforro em questão, descoberta esta que só ocorreu em maio de 2015.
61.º- Para o direito poder ser exercido é fundamental que seja conhecido, porque, se assim não fosse, sempre o prazo se suspenderia por força da impossibilidade de fazer valer o direito, nos termos do art.º 321.º do Código Civil.
62.º- No caso em apreço, o comportamento da Autora é insusceptivel de merecer qualquer reparo ou censura, desde logo atento o facto da mesma desconhecer em absoluto a existência de tais certificados.
63º- Assim, constata-se que a lei dá decisivo relevo ao conhecimento do facto susceptível de sustentar o exercício de um direito como momento determinante “a quo” para a contagem do prazo prescricional, que, no caso sob apreciação, se traduz na conjugação do conhecimento da morte do de cujus, com o conhecimento da qualidade de herdeiro e com o conhecimento da existência dos certificados de aforro.
64.º- Por último, importa mencionar que, é pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que o titular do direito o conhece (Cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2006, no âmbito do processo com o n.º 8477/2006-8; Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de Março de 2015, no âmbito do processo com o n.º 11913/15, e Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01 de Outubro de 2015, no âmbito do processo com o n.º 0619/15).

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O  OBJECTO  DO RECURSO.

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio,é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C. de 2013), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do C.P.C. de 2013) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) Se o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto ao não tomar em consideração os seguintes factos, que resultaram provados da audiência de julgamento (com base na confissão da Autora e no depoimento da testemunha DOROTEIA…):
i)A Autora desconhecia se o pai era ou não titular de certificados de aforro.
ii)- A residência da Autora, até à venda do imóvel em 2 de outubro de 2008, era na Rua…, Amadora.
iii)- A Autora juntamente com a sua mãe foram ao balcão da Apelante, à data na Praça do Comércio, e ambas constituíram certificados de aforro em, pelo menos, duas ocasiões distintas, concretamente, no ano de 1988 e no ano de 1990.
iv)- As cartas extrato enviadas pela Apelante para a falecida aforrista eram recebidas na morada Rua... Amadora, residência da Autora.
b) Se, uma vez alterada a decisão sobre matéria de facto, nos termos propugnados pela Ré/Apelante, deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente e provada a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré/Apelante e, consequentemente, improcedente a acção, absolvendo-se a Ré/Apelante do pedido contra ela formulado pela Autora/Apelada.

MATÉRIA DE FACTO.

Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:
Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:

A) No dia 19.11.2003, faleceu F., no estado de viúva de Joaquim…, cujo óbito ocorreu em 16.07.1997.

B) A autora foi habilitada como única herdeira de F. e de Joaquim…, seus pais.
C) À data do óbito, F. era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de € 135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos).
D) A mãe da autora, viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Joaquim… não mencionou os certificados de aforro objeto dos autos na relação de bens junta como documento nº 14 apresentada em 04.08.1997.
E) Após o óbito da mãe, a autora instaurou no Serviço de Finanças da Amadora, em 17.12.2003, o processo de imposto sucessório junto como documento nº 13 com o nº 12026, que se encontra liquidado e arquivado.
F) Na respetiva relação de bens, a autora não mencionou os certificados de aforro identificados na alínea C), que não constavam igualmente da relação de bens que foi apresentada pela viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Joaquim ...
G) O réu enviou para a morada registada no sistema – Rua …, Amadora, entre Janeiro de 1997 e Setembro de 2001, extratos da conta aforro com uma periodicidade semestral e a partir dessa data extratos trimestrais, até maio de 2012, data em que o réu tomou conhecimento do óbito da aforrista.
H) O óbito da mãe da autora, em 19.11.2003, chegou ao conhecimento do réu após informação transmitida pelo Instituto de Registo e Notariado em meados de 2012.
I) Com base nesta informação, no dia 09.05.2012, a conta aforro da mãe da autora foi imobilizada.
J) O réu enviou para a morada registada no sistema – Rua F... P... M..., nº ... – 5º ..., D..., A..., a carta registada com aviso de receção, junta como documento nº 7, dirigida aos herdeiros da falecida aforrista alertando para o prazo de prescrição que iria ocorrer no dia 19.11.2013.
L) A aludida carta foi devolvida em 26.09.2013 ao réu, com a indicação de não ter sido reclamada.
M) Nesta ocasião, o réu recebeu a devolução da referida carta e o registo junto como documento oito, datado de 26.09.2013, com a indicação de não reclamada.
N) A residência da mãe da autora e identificada na alínea G) da Matéria de Facto Assente foi vendida  no segundo semestre do ano de 2008, nomeadamente em 2 de Outubro de 2008, conforme escritura de compra e venda de fls. 84 a 89 lavrada pelo Cartório da Notária RC em Lisboa.
O) A mãe da autora entregou à sua irmã, Doroteia…, os nove certificados de aforro identificados na alínea C), informando-a que a filha (ora autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los.
P) Na altura, pediu-lhe que os entregasse à filha no ano em que completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário.
Q) A tia da autora, Doroteia…, cumpriu a promessa e, no dia 01.05.2015, entregou à sobrinha (a ora autora) os referidos certificados de aforro,
R) Quando esta a visitou, num fim de semana prolongado, em Perafita, Matosinhos.
S) Muito feliz com a revelação, a autora trouxe consigo os certificados de aforro e no dia 11.06.2015 dirigiu-se às instalações do réu onde solicitou o reembolso do correspondente valor.
T) Tal pedido foi verbalmente recusado, e por carta de 26.08.2015, com o fundamento de que tinham prescrito, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.
U) A autora é mencionada na qualidade de movimentadora em todos os nove certificados de aforro.
V) A informação sobre a existência dos certificados de aforro é acessível, mediante a consulta pelo interessado da informação disponível no registo central de certificados de aforro.

O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO.

1) Se o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto ao não tomar em consideração os seguintes factos, que resultaram provados da audiência de julgamento (com base na confissão da Autora e no depoimento da testemunha DOROTEIA…):
i)- A Autora desconhecia se o pai era ou não titular de certificados de aforro.
ii)- A residência da Autora, até à venda do imóvel em 2 de Outubro de 2008, era na Rua … Amadora.
iii)- A Autora juntamente com a sua mãe foram ao balcão da Apelante, à data na Praça do Comércio, e ambas constituíram certificados de aforro em, pelo menos, duas ocasiões distintas, concretamente, no ano de 1988 e no ano de 1990.
iv)- As cartas extrato enviadas pela Apelante para a falecida aforrista eram recebidas na morada Rua … Amadora, residência da Autora.

A Ré ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que a mesma ignorou (não os tomando em consideração) os factos supra elencados, que – alegadamente – teriam resultado provados da audiência de julgamento.

Quid juris ?

Segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar-se na jurisprudência das Relações e que também perfilhamos, “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual” – Acórdão da Relação de Coimbra de 24/04/2012 (proferido no Proc. nº 219/10.6T2VGS.C1; relator – ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt.

É que “A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis” – Acórdão da Relação do Porto de 19/05/2014 (proferido no Proc. nº 2344/12.TBVNG-A.P1; relator – CARLOS GIL), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt [5] [6].
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça aderiu a esta orientação das Relações, ao entender – no Acórdão de 17/05/2017 (Proc. nº   4111/13.4TBBRG.G1.S1; relator – FERNANDA ISABEL PEREIRA), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt - que “Nada impede que o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral – que proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo (pelo juiz, pela secretaria e pelas partes) – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo - seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto, se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”.

Na vigência do CPC de 1961 (após a revisão operada em 1995/1996), também já se entendia que “Não sendo os factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não se justifica a sua alteração, havendo motivo, nos termos do art. 712º, nº 1 do C.P.C.” – Acórdão do STJ de 27/01/2005 (Proc. nº 04B3832; relator – LUÍS FONSECA), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.

Ora, a factualidade que a ora Apelante pretende ver aditada ao elenco dos factos considerados provados em 1ª instância é totalmente destituída de relevância para a decisão da causa, porquanto:

- Fosse ou não o pai da Autora titular de quaisquer certificados de aforro, mercê do regime de bens do seu casamento com a mãe da Autora (regime da comunhão de adquiridos), os certificados de aforro que esta última adquiriu entre 1988 e 19.02.1997 teriam, necessariamente, ingressado na massa dos bens comuns do casal, pelo que deviam ter sido relacionados na relação de bens que a mãe da Autora apresentou, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai da Autora (ocorrido em 16.07.1997);
- Ainda que a Autora residisse, até à sua venda, em 2008, na morada para onde eram expedidos os extractos periodicamente enviados à aforrista F. pelo ora Réu, isso não é suficiente para se poder inferir que a Autora teve conhecimento da existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular, dado não ser ela a destinatária dessa correspondência, a isto acrescendo que, entre 1988 e a data do óbito da mãe da Autora (19.11.2003), esta sempre poderia ter resgatado todos os certificados de aforro que subscrevera entre 1988 e 2000;
- Ainda que a Autora, juntamente com a sua mãe, tivessem ido ao balcão da Ré/Apelante, à data sito na Praça do Comércio, e ambas tivessem subscrito certificados de aforro em, pelo menos, duas ocasiões distintas, concretamente, no ano de 1988 e no ano de 1990, isso não é suficiente para a Autora dever suspeitar que tais certificados ainda permaneciam na titularidade de sua mãe à data do óbito desta, ocorrido mais de uma década depois (em 19.11.2003);
- O facto de as cartas extracto enviadas pela Ré/Apelante para a falecida aforrista F. serem, alegadamente, recebidas na morada Rua Amadora, onde a Autora residia, não permite, por si só, inferir que a Autora teve conhecimento da existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular, dado não ser ela a destinatária dessa correspondência.
Assim sendo, não se justifica proceder à reapreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal “a quo”, visto que, ainda mesmo que fossem aditados aos factos considerados provados em 1ª instância aqueloutros factos – supra indicados - que a ora Recorrente pretende ver-lhe aditados por esta Relação, nem por isso o seu aditamento teria qualquer influência na decisão da causa, já que, como o ónus de consulta da base de dados dos certificados de aforro apenas surgiu com a criação do Registo Central de Certificados de Aforro (RCCA) criado pelo DL. nº 47/2008, de 13 de Março - que permite, em qualquer circunstância, aos interessados obter o conhecimento do saldo das suas contas e aos herdeiros de pessoa falecida saber se esta era subscritora dos títulos e dos respectivos saldos -, o direito da Autora ao reembolso dos certificados de aforro de que sua mãe era titular à data do respectivo óbito só se teria extinguido, por prescrição, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30/06 (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 122/2002, de 04/05), se entre 30/06/2008 e a data em que a Autora se dirigiu aos balcões da Ré para exigir o reembolso do valor dos certificados de que sua mãe fora titular (11.06.2015) tivessem transcorrido mais de dez anos (o que não é o caso).

Eis por que se torna desnecessário conhecer do mérito da Apelação, quanto a esta questão do putativo erro na apreciação das provas alegadamente cometido pelo tribunal “a quo” (art. 608º, nº 2, do actual CPC de 2013, aplicável às decisões dos tribunais superiores em matéria de recursos, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Consequentemente, a Apelação improcede, quanto a esta 1ª questão.

2) Se, uma vez alterada a decisão sobre matéria de facto, nos termos propugnados pela Ré/Apelante, deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente e provada a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré/Apelante e, consequentemente, improcedente a acção, absolvendo-se a Ré/Apelante do pedido contra ela formulado pela Autora/Apelada.

A sentença ora sob censura julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição deduzida pela Ré ora Apelante com base no seguinte discurso argumentativo:

«O objeto do litígio é determinar o direito da autora ao reembolso dos certificados de aforro identificados nos autos.
A autora foi habilitada como única herdeira de F. e de Joaquim..., seus pais, tendo instaurado no Serviço de Finanças da Amadora, em 17.12.2003, o competente processo de Imposto Sucessório com o Nº 12026, que foi liquidado e arquivado.
À data do óbito, F. era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de € 135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos). A mãe da autora, viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Joaquim... não mencionou os certificados de aforro objeto dos autos na relação de bens junta como documento nº 14 apresentada em 04.08.1997.
Assim, a autora só tomou conhecimento da existência dos certificados, nas circunstâncias descritas nos factos apurados (três a seis), isto é, em Maio de 2015, tendo solicitado o correspondente reembolso ao réu em 11.06.2015.
Os certificados de aforro são uma das formas de representação da dívida pública direta do Estado, nos termos do artigo 11º nº 1 alínea d) da Lei nº 7/98, de 3/02.
O réu veio invocar a prescrição do direito da autora à transmissão dos certificados de aforro, por ter decorrido o prazo fixado no artigo 7º do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30/06, atualizado pelo Decreto-Lei nº 122/2002, de 04/05, cujo regime é aplicável à situação em apreço.
Dispõe o referido preceito que, por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de dez anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (artigo 7º nº 1). Findo este prazo, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição (artigo 7º nº 2).
É ponto assente que a autora habilitou-se à transmissão dos certificados de aforro a que tinha direito enquanto única herdeira da aforrista depois de decorrido o prazo de dez anos contado a partir da data do falecimento do respetivo subscritor.
A questão primordial é determinar qual o momento em que se deve contar o início deste prazo de dez anos, unicamente a partir do óbito do titular dos certificados, ou cumulativamente a partir do conhecimento da existência dos certificados de aforro por parte dos seus herdeiros.
Na verdade, a autora não alega a existência de nenhuma causa de suspensão da prescrição, por motivo de força maior ou dolo do obrigado (artigo 321º do Código Civil), nem está em causa a eventual interrupção (artigo 323º do C.C.), pois quando a ação foi instaurada o prazo de dez anos já tinha decorrido.
Alega-se que, por desconhecimento da existência dos certificados de aforro, não foi possível ao autor habilitar-se atempadamente ao reembolso da parte que lhe correspondia, e que o prazo de dez anos só começa a contar a partir do momento em que o interessado teve conhecimento de que aqueles instrumentos existiam, por aplicação da regra contida no artigo 306º nº 1 do Código Civil, de que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Na interpretação da lei, deve apelar-se não só à letra da lei, como ao pensamento legislativo, às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às próprias condições específicas do tempo em que é aplicada- é este o princípio geral consagrado no artigo 9º nº 1 do Código Civil.
A nova redação do nº 1 do artigo 7º do diploma que contém o regime jurídico dos certificados de aforro veio alargar o prazo de prescrição em caso de morte do titular, que era de cinco anos, para dez anos. Os herdeiros devem por consequência requerer a habilitação no referido prazo, sob pena de não o fazendo se considerarem prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo no entanto aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição.
Esta remissão feita para as demais disposições em vigor relativas à prescrição afigura-se como relativa às causas de suspensão e de interrupção da prescrição, bem como quanto ao início do curso do prazo previsto no artigo 306º do C.C.
É de salientar que, conforme é referido no Parecer nº 20/2010 da Procuradoria-Geral da República, foi criado no ano de 2008 o registo central de certificados de aforro (gerido pelo IGCP), que permite em qualquer circunstância aos interessados obter o conhecimento do saldo das suas contas e aos herdeiros de pessoa falecida saber se esta era subscritora dos títulos e dos respetivos saldos (Decreto-Lei nº 47/2008 e artigo 9º-A do Decreto-Lei nº 122/2002).
Por outro lado, o alargamento do prazo de cinco para dez anos anulou a discrepância que se verificava com o regime estipulado no direito sucessório para a aceitação da herança, fixado em dez anos no artigo 2059º do Código Civil, e que foi acolhida no Acórdão nº 541/2004 do Tribunal Constitucional, de 15.07.2004, com o fundamento de que os certificados de aforro conferem direitos patrimoniais aos respetivos titulares, não se vislumbrando nenhuma razão decorrente da própria natureza destes instrumentos que legitimasse um tratamento diferenciado na sua transmissão por referência aos demais bens que constituem a herança.
O prazo de dez anos facultado aos herdeiros é genericamente um prazo suficientemente longo para uma prescrição extintiva, que é um instituto complexo, em que confluem razões várias e se debatem interesses contraditórios, cuja conciliação não é sempre fácil (Adriano Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Separata do BMJ, Lisboa, 1961, pág. 33), afigurando-se porém que neste caso prevalece a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos.
Assim, a entender-se que a remissão do nº 2 do artigo 7º abrange as regras reguladoras do início do curso do prazo mencionadas no nº 1 do artigo 306º do C. Civil, deverá considerar-se como prevalecentes interesses de certeza e segurança jurídica, que apontam para a necessidade de fixar uma data objetivamente controlável para o início da contagem do prazo de prescrição.
Seguindo esta linha de raciocínio, é importante ter em conta que só foi criado no ano de 2008 o registo central de certificados de aforro (gerido pelo IGCP), que permite em qualquer circunstância aos interessados obter o conhecimento do saldo das suas contas e aos herdeiros de pessoa falecida saber se esta era subscritora dos títulos e dos respetivos saldos (Decreto-Lei nº 47/2008 e artigo 9º-A do Decreto-Lei nº 122/2002).
Consequentemente, pelo menos a partir da criação do aludido registo central seria exigível à autora que diligenciasse obter a informação sobre a existência dos certificados de aforro objeto dos autos, devendo o início do prazo da prescrição contar-se a partir dessa data, de acordo com o disposto no artigo 306º nº 1 do C.C., de que «começa a correr quando o direito puder ser exercido».
Assim sendo, quando a autora solicitou o reembolso do valor dos certificados no dia 11.06.2015, ainda não tinha decorrido o prazo de dez anos, bem como quando o réu o recusou, por carta de 26.08.2015.
Segundo dispõe o art.º 342.º/1 do C.C., àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do mesmo art.º).
Cada uma das partes tem o encargo de provar os factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis.
A autora fez a demonstração da titularidade dos certificados de aforro, não conseguindo o réu provar o facto extintivo invocado, a prescrição do direito reclamado

Em dissonância com o tribunal de 1ª instância, a Ré/Apelante sustenta, ex adverso, que:

- a letra da lei (concretamente o artigo 7.º do Decreto- Lei n.º 172-B/86, de 30 de junho e o artigo 306.º do Código Civil) é muito clara quanto ao prazo de prescrição aplicável (dez anos), bem como quanto à ocorrência (óbito do aforrista) que determina o início da contagem do prazo;
- A doutrina mais relevante e habitualmente invocada nesta matéria, (nomeadamente, a de Manuel de Andrade, Vaz Serra e de Menezes Cordeiro) toda converge no sentido de se considerar que:
- o início do prazo de prescrição não se suspende pela ignorância do credor;
- há negligência ou inércia do interessado se não atuar dentro do prazo de prescrição;
- a lei pode definir prazos específicos de prescrição menores que o prazo de prescrição ordinária de 20 anos;
- Esta doutrina suporta na íntegra a posição de princípio da Apelante em matéria prescricional, que é a da irrelevância jurídica do conhecimento dos herdeiros para a verificação e o decretamento da prescrição;
- A norma que deveria servir de fundamento à decisão do presente litígio não é a prevista no artigo 9.º- A do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de Março, a propósito da suposta criação do RCCA (registo central de certificados de aforro) mas antes as normas do CIS (Código do Imposto de Selo), designadamente, e entre outras, as do artigo 26.º relativas à obrigação declarativa dos herdeiros às finanças, na qual se inclui a obrigação de relação de bens e o respectivo pedido de certidão ao IGCP;
- É essa a norma que legalmente determina quando é que os herdeiros devem e podem ter conhecimento dos bens que constituem a herança do de cujus, na qual se inclui a eventual existência de certificados de aforro;
- A prova do facto extintivo consubstanciado na prescrição faz-se pelo simples decurso do prazo de 10 anos após o óbito do aforrista, sendo totalmente irrelevante para impedir a prescrição a prova de circunstâncias eminentemente pessoais e subjectivas, como seja, in casu, a promessa de entrega da tia dos certificados de aforro por altura do aniversário dos 50 anos da Autora (já que circunstâncias essencialmente pessoais nunca poderão ser efectivamente rebatidas pela Apelante, tornando-se até absurdo um exercício de tal natureza).

Quid juris ?

Tudo se resume a saber se o prazo de dez anos, estabelecido no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho, para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respectivo reembolso, sob pena de prescrição a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, prevista no n.º 2 da mesma disposição, deve ser contado a partir:

i)-da morte do titular dos certificados de aforro;
ii)-do conhecimento da morte do referido titular, por a partir dessa data poder conhecer a existência de certificados de aforro; ou
iii)-do momento em que os respectivos herdeiros têm conhecimento da existência dos certificados de aforro.
Os certificados de aforro são um instrumento financeiro criado pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 43453, de 30 de Dezembro de 1960, constituindo, nos termos deste preceito, “títulos da dívida pública nominativos e amortizáveis (…) destinados a conceder uma aplicação remuneradora aos pequenos capitais”.

Este produto de aforro foi regulado inicialmente pelo Decreto n.º 43454, de 30 de Dezembro de 1960[7], e posteriormente revisto pelo Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho.

O actual regime jurídico dos certificados de aforro consta do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de Maio, cujo artigo 2º[8] mantém a noção e as características essenciais que já constavam dos diplomas que o precederam – Decreto n.º 43454 e Decreto-Lei n.º 172-B/86.

Estamos perante títulos nominativos, amortizáveis, só transmissíveis por morte e “assentados” (na terminologia usada no artigo 10.º do Decreto n.º 43454 e no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86) apenas a favor de pessoas singulares, inscritos, conforme dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do cit. DL nº 122/2002, em contas abertas junto do Instituto de Gestão do Crédito Público[9] (IGCP) ou junto de instituições financeiras devidamente autorizadas por esta entidade, em nome dos respectivos titulares. A subscrição, datas de subscrição, saldos e demais elementos reveladores da situação jurídica dos certificados de aforro são comprovados por extractos de conta e de registo, emitidos pelo IGCP (artigo 3.º, n.º 2).

Os artigos 18.º e 19.º do Decreto n.º 43454, dispunham, na sua redacção originária, que:
Art. 18.º No caso de falecimento do titular de um certificado de aforro, poderá requerer-se, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão deste a favor de um dos herdeiros ou a respectiva amortização pelo valor que o certificado tiver à data em que a mesma se efectuar.
§ único. Em qualquer caso será pago pelo herdeiro ou herdeiros o imposto sobre as sucessões e doações da importância de 5 por cento sobre o valor do certificado à data do falecimento.
Art. 19.º Findo o prazo de cinco anos a que se refere o artigo anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de regularização da dívida pública os valores representados nos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis ao caso as demais disposições em vigor relativas à prescrição.”

O Decreto-Lei n.º 122/2002 alterou estes preceitos, conferindo-lhes a seguinte redacção:

Artigo 18.º
No caso de falecimento do titular de um certificado de aforro, poderá requerer-se, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão deste a favor dos herdeiros ou a respectiva amortização pelo valor que o certificado tiver à data em que a mesma se efectuar.
Artigo 19.º
Findo o prazo de 10 anos a que se refere o artigo anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores representados nos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis ao caso as demais disposições em vigor relativas à prescrição.
Finalmente, o transcrito artigo 18.º foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de Março, apresentando, actualmente, a seguinte redacção:
Artigo 18.º
Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos:
a)- A transmissão da totalidade das unidades que o constituem; ou
b)- O respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data em que o reembolso seja autorizado.”

No regime jurídico condensado no Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho, as normas relativas à transmissão (hereditária) e prescrição dos certificados de aforro constam do artigo 7.º que, na sua versão originária, dispunha:
Art. 7.º – Por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado.
2– Findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição.”

O cit. Decreto-Lei n.º 122/2002 alterou o n.º 1 desta disposição, procedendo à alteração do prazo, de cinco para dez anos, para os herdeiros do titular de um certificado de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, ou o seu reembolso.

O artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86 passou, assim, a ter a seguinte redacção:
Artigo 7.º
1– Por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado.
2– …………………………………………………………………….....”.
Por fim, o cit. Decreto-Lei n.º 47/2008 veio conferir nova redacção ao n.º 1 deste preceito, nos mesmos termos da que foi dada ao artigo 18.º do Decreto n.º 43454, acima transcrito.
A redacção actual do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 172-B/86 é, pois, a seguinte:
Artigo 7.º
1– Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos:
a)- A transmissão da totalidade das unidades que o constituem; ou
b)- O respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data em que o reembolso seja autorizado.
2– ………………………………………………………………………..”.
Como resulta das disposições legais supra transcritas, a principal evolução legislativa verificada consubstanciou-se na alteração dos prazos para, sob pena de prescrição, os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das suas unidades ou o respectivo reembolso.

Efectivamente, no regime jurídico aprovado pelo Decreto n.º 43454 e pelo Decreto-Lei n.º 172-B/86, nas suas versões originárias, a prescrição dos títulos verificava-se no prazo de cinco anos, tendo passado para dez anos na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 122/2002.

Este alargamento de 5 para 10 anos do prazo para a habilitação de herdeiros do titular de certificados de aforro teve na sua origem o reconhecimento da exiguidade do prazo inicial de 5 anos – o qual foi considerado “demasiado curto, incompatível, tantas vezes, com o conhecimento e regularização de situações sucessórias”, numa Recomendação dirigida ao IGCO pelo Provedor de Justiça[10].

Por outro lado - como se pôs em evidência no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 20/2010, de 14/4/2011[11] -, “aquele primitivo prazo também não se harmonizava com o prazo estabelecido no direito sucessório para a aceitação da herança, fixado em dez anos no artigo 2059.º do Código Civil, sendo certo que os certificados de aforro configuram indiscutivelmente direitos patrimoniais transmissíveis por morte do seu titular.”

Esta discrepância ditou o juízo de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 541/2004, de 15 de Julho de 2004[12], sobre a norma do artigo 7º do Decreto-Lei nº 172‑B/86, de 30 de Junho, por violação dos artigos 13º e 62º, articuladamente, da Constituição. Essa inconstitucionalidade fundou-se, precisamente, na circunstância de o regime geral sucessório prever um prazo em que se extingue o direito do sucessor para a aceitação da herança mais amplo do que o regime especial quanto ao prazo fixado no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86 (versão inicial)[13].

Até à entrada em vigor do cit. DL nº 47/2008, de 13 de Março – que veio criar o registo central de certificados de aforro, cuja finalidade é a de possibilitar a obtenção de informação sobre a existência de certificados de aforro e identificação dos seus titulares[14] -, predominava na jurisprudência o entendimento segundo o qual a  contagem do prazo prescricional estabelecido no art. 7º do cit. DL. nº 182-B/86 (para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das suas unidades ou o respectivo reembolso) só se inicia com o conhecimento da morte do titular (facto neutro) e de que ele era titular de certificados de aforro: cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2005 (Proc. nº 05A3169; relator – LOPES PINTO).

Isto porque:
- Fundamento específico da prescrição é a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período legalmente estabelecido, a qual faz presumir ou a renúncia ao direito ou, pelo menos, torna aquele indigno de protecção jurídica, a inércia negligente.
- Ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.
- Não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito e na hipótese de o direito já ser exercitável, só pode ser impedido por motivos excepcionais, que são as causas suspensivas da prescrição.
- As expressões “conhecimento do direito que lhe compete” (CC 482º e 498º-1) e ‘poder o direito ser exercido’ (CC 306º,1) traduzem o mesmo princípio que informa o instituto da prescrição, que aí se afasta do da caducidade.

No entanto, após a criação do mencionado registo central de certificados de aforro - que permite que, em qualquer circunstância, os interessados a ele acedam e obtenham o conhecimento do saldo das suas contas e que os herdeiros de pessoa falecida possam saber se ela era subscritora destes títulos e dos respectivos saldos -, o cit. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 20/2010, de 14/4/2011 defendeu a tese segundo a qual, tendo desaparecido as dificuldades que anteriormente se deparavam aos herdeiros do autor da herança quanto à eventual existência de certificados de aforro por este subscritos, passou a ser inviável a alegação do desconhecimento, pelos herdeiros, da existência de certificados de que era titular o de cujus. A lei faculta-lhes, presentemente, um meio muito simples e eficaz para a obtenção de tal informação, a qual, para mais, pode ser obtida num prazo mais que razoável, de dez anos. Só por manifesto desinteresse ou negligência permanecerão os herdeiros do aforrista na ignorância desta parte do acervo da sua herança. Daí ter-se concluído que, doravante, o prazo de dez anos, previsto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86, para os herdeiros de titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respectivo reembolso, sob pena de prescrição e consequente abandono a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, deve contar-se a partir do falecimento do titular [15].

Quid juris ?

Não subscrevemos a tese preconizada no referido Parecer do Conselho Consultivo da PGR.

Na verdade, como se enfatizou na Declaração de voto exarada em tal parecer pelo Conselheiro PAULO DÁ MESQUITA, as duas alterações normativas (directa e indirecta) do regime do art. 7.º, n.ºs 1 e 2 Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho [introduzidas pelo cit. DL nº 47/2008, de 13 de Março] não compreendem nenhuma razão que sustente, na nossa perspectiva, uma interpretação actualista no sentido de que, ao invés do que sucederia antes, com esses diplomas o dies ad quo do prazo de 10 anos extintivo do direito dos herdeiros ao reembolso dos certificados do de cujus deveria passar a ser a data do óbito, e não o conhecimento pelos herdeiros da existência dos certificados de aforro.
É que a presumida negligência dos herdeiros (por via do sobrelevado novo elemento fáctico: a possibilidade de informação proporcionada aos herdeiros pelo registo central de certificados de aforro) carecia de explicitação da pressuposta base normativa do dever de cuidado dos herdeiros que seria indevidamente omitido no caso de desconhecimento da subscrição, isto é uma pauta de conduta no sentido de que ocorrendo um óbito os herdeiros devem diligenciar por consultar o registo central de certificados de aforro. Acresce que tal ideia de ordem geral exigia uma fundamentação epistemológica (eventualmente por referência ao homem médio) que, na falta de estabelecimento de um dever legal de acção, não podia prescindir de considerandos de ordem empírica.
Acresce que, na medida em que se estabelece como dies ad quo do prazo de prescrição extintiva de direitos a um bem da herança o evento morte, está a estabelecer-se também um dever dos herdeiros conhecerem o óbito do titular dos certificados de aforro, independentemente do título de vocação sucessória (lei, testamento ou contrato). Ora, no direito sucessório português o evento morte não se confunde com conhecimento da morte, nem com a informação por parte de herdeiros do respectivo chamamento à herança.
No que concerne à ampliação do prazo (de 5 para 10 anos) decorrente do art. 12.º do Decreto-Lei n.º 122/2002 de 4 de Maio, o facto de um prazo se ter alargado não implica, por si, que se altere o respectivo termo inicial.

Em conclusão: A tese de uma prescrição extintiva especial do direito ao reembolso dos certificados de aforro cujo prazo se iniciaria com o evento morte, afigura-se-nos incompatível com uma interpretação em conformidade constitucional da prescrição extintiva desse direito, além de desligada de uma interpretação teleológico-sistemática de uma prescrição extintiva especial de direitos à transmissão sucessória (dimensões devidamente recortadas, respectivamente, no acórdão n.º 541/2004 do Tribunal Constitucional e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2005).

Por isso, mantém-se plenamente válida a orientação jurisprudencial anterior a 2008 adoptada no cit. Acórdão do STJ de 8/11/2005, em que se concluiu que o termo inicial do prazo para a extinção de direitos consagrada no n.º 2 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho dependia do conhecimento do óbito e da existência dos certificados de aforro.
À luz desta orientação, estando provado nos autos que a mãe da autora entregou à sua irmã, Maria Doroteia Reis, os nove certificados de aforro descritos no artigo 3º da petição inicial de que era titular à data do seu óbito, informando-a que a filha (ora Autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los, tendo-lhe, nessa altura, pedido que os entregasse à filha no ano em que esta completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário, promessa esta que a tia da autora, Maria Doroteia Reis, cumpriu, entregando à sobrinha (a ora Autora), no dia 01.05.2015, os referidos certificados de aforro, é manifesto que a

Autora/Apelada, tendo tomado conhecimento da existência dos certificados de aforro em questão no referido dia 1.05.2015 e havendo reclamado da Ré o respectivo reembolso no dia 11.06.2015 (41 dias depois), exerceu o seu direito ao reembolso muito antes de decorrido o prazo de dez anos estabelecido no cit. artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86.

De qualquer modo, no caso dos autos, nunca poderia invocar-se a existência da base de dados de registo de certificados de aforro criada pelo cit. DL. nº 47/2008 para fundamentar a alegada prescrição do direito da Autora a requerer o reembolso dos certificados de aforro de que a sua falecida mãe era titular.

É que, aquando do óbito da aforrista mãe da ora Autora/Apelada (F.) - 19 de Novembro de 2003 - tal base não fora sequer ainda criada, já que - como vimos -, o registo central electrónico só surgiu com o Decreto-Lei n.º 47/2008, e com elementos a aprovar por Portaria (cfr. o nº 3 do artigo 9º-A do Decreto-Lei n.º 122/2002, aditado pelo referido DL nº 47/2008). Daí que a Autora/Recorrida não tivesse sequer, até 2008, acesso à existência, localização e titularidade dos investimentos financeiros da titular falecida, não podendo, consequentemente, iniciar-se o prazo de prescrição antes dessa data, nos termos do citado artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil[16] [17].

Ora, entre Março de 2008 (data da criação da aludida base de dados de registo de certificados de aforro) e a data em que a Autora exigiu à Ré o reembolso do valor dos certificados (o dia 11.06.2015) mediaram apenas 7 anos e 3 meses.

Por isso, tendo a Autora/Apelada exercido o seu direito ao reembolso antes de decorrido o prazo de dez anos estabelecido no cit. artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86, para os herdeiros de titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respectivo reembolso, sob pena de prescrição e consequente abandono a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, tal direito não se extinguiu, por prescrição.

Consequentemente, nenhuma censura pode ser dirigida à sentença ora recorrida, por haver julgado improcedente a excepção de prescrição invocada pela Ré/Apelante e, consequentemente, totalmente procedente a presente acção, por provada.

Eis por que a presente apelação improcede, in totum.

DECISÃO.
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da Apelação a cargo da Ré/Apelante.




Lisboa, 24-04-2018



RUI TORRES VOUGA (Relator)
MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES (1º Adjunto)
JOSÉ AUGUSTO RAMOS (2º Adjunto)




[1]Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2]Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica,nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452,p. 385)e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3]O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4]A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (inDireito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (inNotas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5]Cfr., também no sentido de que «De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa», o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/3/2014 (Processo nº 1157/10.8TJCBR.C1; relator – HENRIQUE ANTUNES), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt.
[6]Cfr., igualmente no sentido de que, «Se da base instrutória constarem factos que não deviam, à luz duma selecção bem feita, ter sido nela incluídos, não deverão os mesmos, embora “respondidos” na decisão de facto da 1.ª Instância, ser alvo da reapreciação da Relação; num processo, tudo é comandado pelo direito, e por conseguinte e em termos factuais só deve ser apreciável e/ou reapreciável o que possa ter algum relevo jurídico», o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/1/2014 (Processo nº 1117/09.1T2AVR.C1; relator – BARATEIRO MARTINS), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt.
[7]Alterado pela Portaria n.º 18912, de 27 de Dezembro de 1961, pelo Decreto-Lei n.º 45642, de 7 de Abril de 1964, e pelos Decretos-Leis n.os 122/20002, de 4 de Maio, e 47/2008, de 13 de Março.
[8]Disposição do seguinte teor:
«Artigo 2.º
Noção
1– Os certificados de aforro são valores escriturais nominativos, reembolsáveis, representativos de dívida da República Portuguesa, denominados em moeda com curso legal em Portugal e destinados à captação da poupança familiar.
2– Os certificados de aforro só podem ser subscritos a favor de pessoas singulares.
3– Os certificados de aforro só são transmissíveis por morte do titular
[9]Os estatutos do IGCP foram inicialmente aprovados pelo Decreto-Lei n.º 160/96, de 4 de Setembro. Esta entidade passou, com o Decreto-Lei n.º 273/2007, de 30 de Julho, a designar-se por Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P., mantendo, no entanto, a anterior sigla – IGCP. Posteriormente, o artigo 1º do DL nº 200/2012, de 27 de Agosto, alterou a natureza jurídica do IGCP, transformando-o em entidade pública empresarial, com a designação de Agência da Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP - E.P.E., abreviadamente designada por IGCP-E.P.E.. Este diploma também aprovou os novos Estatutos do IGCP, que constam do seu Anexo I.
[10]Cf. a Recomendação n.º 8/A/2002, de 16 de Setembro de 2002, consultável na página do Provedor de Justiça na Internet, em http://www.provedor-jus.pt.
[11]Cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt/pgrp.nsf/.../d2e7b572321729c2802577590039ec43?OpenDocument .
[12]Cujo texto integral está acessível on-line in: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos .
[13]É que «os certificados de aforro conferem direitos patrimoniais aos respectivos titulares, consubstanciando a aplicação de “poupança(s) das famílias” integrados no quadro de emissão e gestão da dívida pública, mas não evidenciam, por esse facto, qualquer especificidade relativamente aos demais bens que constituem o património dos sujeitos no que se refere (…) à transmissão de tais bens por morte do respectivo titular. Assim, não se divisa nenhuma razão, decorrente da natureza dos certificados de aforro, que legitime o diferente tratamento relativamente ao prazo geral de caducidade do direito de aceitar a herança». Consequentemente, porque «não se apreende qualquer fundamento claro e relevante no plano da constitucionalidade para o tratamento diferenciado da transmissão de certificados de aforro relativamente à dos demais bens que constituem a herança», julgou-se inconstitucional a norma daquele artigo 7.º, «por violação dos artigos 13.º e 62.º, articuladamente, da Constituição»
[14]A criação deste registo central de certificados de aforro foi feita através do aditamento ao cit. DL. nº 122/2002 dum artigo 9º-A, com a seguinte redacção:
«Artigo 9.º-A
Registo central de certificados de aforro
1– É criado o registo central de certificados de aforro, com a natureza de registo electrónico, que tem por finalidade possibilitar a obtenção de informação sobre a existência de certificados de aforro e sobre a identificação do respectivo titular.
2– O IGCP é a entidade responsável pela criação, manutenção e actualização do registo central.
3– A definição dos elementos que devem constar do registo central bem como o tratamento a dar aos dados pessoais recolhidos são aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, com observância do disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.
4– Sem prejuízo do direito de acesso pelo titular do certificado de aforro, o acesso por terceiro ao registo central só pode efectuar-se através de pedido devidamente fundamentado e documentado, em caso de morte ou de declaração de morte presumida do referido titular, comprovada mediante apresentação da correspondente certidão de óbito.
5– A informação sobre o titular só pode ser dada ao próprio, aos respectivos herdeiros, de acordo com o disposto no número anterior, ou aos seus representantes legais tratando-se de menores ou de outras pessoas incapazes nos termos da lei.
6– Os serviços e entidades que celebrem actos de partilha ou de adjudicação de bens adquiridos por sucessão devem aceder, por meios informáticos e nos termos que venham a ser regulamentados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, ao registo central de certificados de aforro, devendo fazer menção do resultado da referida consulta no acto público celebrado
[15]Para fundamentar tal tese, escreveu-se no cit. Parecer o seguinte: «Sendo os certificados de aforro transmissíveis unicamente por morte do seu subscritor, é esse o evento que vai permitir o desencadeamento dos mecanismos agora legalmente previstos, tendentes à obtenção das informações quanto à existência daqueles títulos e respectivos saldos e à sua transmissão sucessória. A partir dessa data, os interessados – herdeiros – podem, querendo, exercer o direito que lhes é conferido à informação e, eventualmente, à transmissão dos certificados ou ao reembolso do seu valor.
Trata-se, a nosso ver, de um entendimento que se apoia no artigo 306.º, n.º 1 – 1.ª parte, do Código Civil, e no sistema objectivo aí adoptado que, como já se disse, dispensa qualquer conhecimento por parte do titular do direito
[16]Cfr., precisamente neste sentido, o Acórdão desta Relação de 14/09/2017 (Proc. nº 16519-15.6T8LSB.L1-6; relator – MANUELA GOMES), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt.
[17] Cfr., também no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1/10/2015 (Processo nº 0619/15; relator – ANA PAULA PORTELA), cujo texto integral está
acessível on-line in: www.dgsi.pt.