Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4367/19.9T8OER-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO AUTENTICADO
OBRIGAÇÃO CONDICIONAL
ADENDA AO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Têm força executiva os documentos exarados ou autenticados, sempre que revelem a constituição ou o reconhecimento de alguma obrigação, sendo que tal exequibilidade deverá ser estendida a obrigações que resultem implícitas do teor dos documentos, quer em atenção às obrigações de natureza negocial, quer às de natureza legal, ou eventuais despesas.

II.Para a exequibilidade do título não é suficiente o reconhecimento de assinatura ou de letra e assinatura, pois a confissão de dívida terá que constar de documento “autêntico” ou “autenticado”.

III.Ainda que relativamente às obrigações condicionais para prova da verificação da condição haverá que por parte da exequente ser realizada, por norma, uma actividade complementar do título, sempre a obrigação onde se insere a condição tem de estar prevista num título executivo válido, pois a verificação da condição insere-se na exigibilidade da obrigação.

IV.Figurando a obrigação condicional numa adenda ao contrato, que incorpora a condição e, logo, que define a obrigação assumida pela executada e que o exequente pretende fazer valer na acção executiva, esta tem de preencher os requisitos que presidem à qualificação como título executivo, ou seja tratar-se de documento autêntico ou autenticado.

V.Apresentado o contrato com termo de autenticação nos termos previstos nos artº 150º e 151º do Código Notariado, mas inexistindo tal formalidade na adenda ao contrato inexiste título executivo válido, questão de conhecimento oficioso.

(Sumário elaborado pela Relatora)


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO:


J… intentou execução para pagamento de quantia certa contra M…, apresentando como título executivo “Outro documento autenticado”, apresentando os seguintes fundamentos no âmbito do requerimento executivo:
1.-O Exequente a 27 de Dezembro de 2018, celebrou com a Executada um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, do prédio urbano construído sob o regime do Direito de Superfície, composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o número …, da freguesia de São ... ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da referida freguesia, conforme documento 1, folhas 5 a 12 que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
2.-Nesse mesmo dia foi ainda redigido o Aditamento ao referido contrato, conforme documento 1, folhas 13 a 14 que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
3.-No âmbito do aditamento o Exequente comprometeu-se a diligenciar no sentido de obter a venda do imóvel, sobre o qual foi constituído o Direito de Superfície, junto da Câmara Municipal de C..., proprietária da raiz.
4.-O Exequente comprometeu-se ainda a comunicar à Executada, caso ocorresse o deferimento da Câmara Municipal de C..., quanto à venda do referido terreno e do não exercício do Direito de Preferência por parte da mesma entidade.
5.-Ora, a Câmara Municipal de C..., comunicou, em 06 de Fevereiro de 2019, ao Exequente, que aceitava vender o imóvel, pelo valor de €36.937,50 (trinta e seis mil novecentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) – documento dois que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
6.-Assim, o Exequente procedeu às comunicações a que se obrigou em 07 de Fevereiro de 2019, na pessoa do mandatário constituído pela Executada - documento número três que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
7.-Após a realização destas comunicações, a Executada, dispunha do prazo de noventa dias para solicitar o financiamento a entidade bancária e, proceder ao pagamento antecipado do mútuo com hipoteca, celebrado com o Exequente.
8.-Como a Executada nada veio dizer, nem procedeu ao agendamento para a realização do pagamento e levantamento da hipoteca, conforme se havia obrigado, o Exequente procedeu solicitou a sua notificação judicial avulsa, a qual foi realizada em 28 de Setembro de 2019 – documento quatro que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
9.-Naquela notificação, solicita que a Executada cumpra com as obrigações assumidas e proceda à liquidação antecipada do mútuo, em conformidade com o acordado.
10.-O Exequente cumpriu com as obrigações assumidas nas cláusulas Primeira e Segunda do Aditamento.
11.-O Exequente deu conhecimento deste facto ao à Executada e ao seu Ilustre mandatário, tendo solicitado a marcação para a realização do pagamento antecipado e respectivo levantamento da hipoteca, conforme documento quatro que se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
12.-Considerando que a Executada nada veio dizer, o aqui Exequente procedeu à marcação da data para a realização do pagamento antecipado e levantamento da respectiva hipoteca, sendo que a aqui requerida não compareceu – documento número 1, folhas 1 a 4 que se junta e dá por inteiramente reproduzido.
13.-Ora, considerando que o prazo de noventa dias foi ultrapassado e que o Exequente cumpriu com todas as suas obrigações, é necessário que a Executada proceda ao pagamento antecipado do valor do mútuo, conforme acordado.
14.-Nestes termos, é a Executada devedora, ao Exequente, da quantia de €75.100,00 (setenta e cinco mil e cem euros), a título de capital, ao qual acrescem todas as despesas inerentes à cobrança, nos termos do título executivo e os juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde 08 de Abril de 2019, até ao seu integral e efectivo pagamento.
15.-Sendo que, os juros vencidos até ao dia de hoje, 12 de Novembro, ascendem a €1.794,17 (mil setecentos e noventa e quatro euros e dezassete cêntimos).
16.-Por seu turno, as despesas com a cobrança ascendem à data de hoje à quantia de €7.600,00 (sete mil e seiscentos euros).
17.-Deve a Executada ao Exequente o valor global de €84.494,17.»

Com data de 10/11/2019, foi proferido o seguinte despacho Não se verificando fundamentos para o indeferimento liminar da presente execução, ordena-se a citação da Executada para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução (cfr. artigo 726.º, n.º 1, 2 e 6, do Código de Processo Civil). Para o efeito, dê-se cumprimento ao disposto no artigo 726.º, n.º 8, do Código de Processo Civil.».

Citada veio a executada deduzir por embargos dizendo, em suma, que a execução não poderá ser qualificada como sendo para pagamento de quantia certa, pois face ao aditamento ao contrato a Executada obrigou-se, mediante condição, a efectuar uma Escritura de compra e venda de um imóvel, pelo que a execução “deveria ser para a realização da Escritura (e também salvo melhor opinião, por acção declarativa)”. Mais esclarece que tem vindo a cumprir o contrato de mútuo, tendo ficado acordado foi que a liberação da nua propriedade pela Câmara Municipal de C... seria feita sem contrapartida financeira, o que não ocorreu pois foi exigido um pagamento de € 36.937,50. O Exequente tentou assim imputar o ónus do pagamento de tal valor à executada, o que esta veio a negar por entender que era ao Exequente que cabia suportar tal encargo, como sempre fora definido e aceite e que lhe permitiria ter vendido o imóvel sem ónus ou encargos, como fez. Entende que o ónus de obter a documentação camarária necessária sempre foi incumbência do Exequente, como resulta quer do contrato promessa de compra e venda, do aditamento a este e também do contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca. Mais alega que inexistindo a documentação camarária necessária, “a Executada procedeu à Notificação Judicial Avulsa -NJA- do aqui Exequente para que este lhe entregasse a documentação da CMC com que se comprometera”. No mais, impugna que tenha sido notificada pessoalmente para uma escritura que tivesse sido marcada pelo exequente, ou sequer prova que a Executada não tenha comparecido, uma vez que o “documento” que junta para tal efeito, corresponde não a uma Declaração de não comparência emitida por um qualquer Cartório, mas outrossim, uma declaração feita pelo próprio e que nenhum valor probatório tem. Impugna ainda o valor da quantia exequenda, por desconhecer a que se reportam os juros e encargos.

O embargante contestou dizendo que a fórmula de cálculo da quantia exequenda corresponde a cada uma das parcelas identificadas do requerimento inicial e advém de documento subscrito pela Embargante, no qual se descrevem as consequências do não cumprimento das obrigações por si assumidas, nomeadamente as cláusulas quinta e sexta do contrato junto aos autos como título executivo. Mais refere que apenas este contrato é que serve de título à execução, ou seja o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, neste consta da cláusula terceira que existe o ónus do Direito de Superfície, constituído a favor da Câmara Municipal de C.... Mais alega que com a celebração do contrato foram entregues todos os documentos impostos por lei, no aditamento ao contrato de compra e venda, o Embargado apenas se obriga a obter, por parte da Câmara Municipal de C..., o deferimento da venda do terreno onde se localiza a habitação, obrigação que foi cumprida. Logo, alude que tal cumprimento nos termos da cláusula terceira do aditamento, determina o pagamento pela Embargante, no prazo de noventa a dias, após a comunicação do referido deferimento, a proceder à liquidação do mútuo celebrado, condição que se verificou. Alega por fim que face à comunicação, deveria a Embargante proceder ao pagamento do valor correspondente ao mútuo celebrado, comunicação essa que foi feita através de Notificação Judicial Avulsa, pois, independentemente da celebração de qualquer escritura de compra e venda, deve a Embargante liquidar o valor correspondente ao mútuo celebrado, não competindo ao embargado obrigar ninguém a celebrar contratos de compra e venda ou escrituras de compra e venda de imóveis. Pois o Embargado apenas vendeu o Direito de Superfície, mencionando o ónus existente, tal como vem descrito no contrato, tendo cumprido com a obrigação a que se comprometeu e realizado a condição, pelo que o Embargado apenas tinha a receber o valor correspondente ao mútuo, impugnando que se comprometeu ou garantir uma prestação de terceiro, nem poderia afirmar que a Câmara entregaria o terreno a custo zero. Conclui pela improcedência dos embargos.

Seguidamente foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia.

No saneador foram julgados procedentes os embargos e, consequentemente, julgada extinta a execução, com a seguinte fundamentação jurídica:«  Importa apreciar - estabelecendo o nº 1 do artigo 703º do CPC que “À execução apenas podem servir de base: (…) b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; (…).”
O Exequente declarou vender o direito de propriedade sobre um prédio à embargante (ponto 5), alegadamente “onerado” com um direito de superfície, e “emprestou-lhe” parte do preço (78.400,00€) – o que equivale a dizer que foi acordado um pagamento em prestações do preço remanescente. Na mesma data da compra e venda, foi acordado (ponto 3) que, logo que a C.M. de C... concordasse, ou autorizasse, a venda do direito de superfície sobre tal prédio, e renunciasse ao exercício do direito de preferência, o mútuo se venceria no prazo de 90 dias.
Dispõe o nº 1 do artigo 715º do CPC que “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efectuou ou ofereceu a prestação.”. Apesar de não se compreender de que forma pode ser registada a venda à embargada do direito de superfície (pois não foi junto aos autos qualquer documento que titule tal negócio), o certo é que a obrigação que se pretende executar refere-se à venda do direito de propriedade, “sem quaisquer encargos com ónus do direito de superfície a favor da Câmara Municipal de C..., cujo levantamento já foi requerido” (cláusula terceira) – presumindo-se (C.R.P. 7º) também certo que o prédio não é propriedade do ora embargado. Não tendo sido junto aos autos o documento previsto na cláusula segunda do aditamento, impõe-se concluir não se ter verificado a condição (autorização de venda do direito de superfície, e não exercício do direito de preferência) de que dependia o vencimento do “mútuo” (no prazo de 90 dias) – e, consequentemente, que o embargado não dispõe de título executivo.».

Inconformado veio o embargado recorrer apresentando as seguintes conclusões:
«1.-O Meritíssimo Juiz julgou procedentes os embargos apresentados pela executada.
2.-Os presentes autos, fundam-se no incumprimento do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, cujas cláusulas foram negociadas entre as partes, o seu conteúdo aceite, não sendo nenhuma das partes, há data dos factos, incapaz.
3.-Nenhum promitente comprador, do imóvel alvo do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, exerceu qualquer Direito previsto no artigo 830.º, do Código Civil, ou contestou a celebração do contrato de compra venda.
4.-Atendendo ao conteúdo da sentença, não nos é possível afirmar se, foi a alegação da existência de um contrato promessa que gerou confusão, na análise dos factos e dos documentos, ou se porventura, deveria o Meritíssimo Juiz “a quo”, ter realizado a audiência de discussão e julgamento, para ser esclarecido, através da prova testemunhal.
5.-O Meritíssimo Juiz “a quo” sustenta a decisão da sentença no facto de não ter sido junto aos autos o documento previsto na cláusula segunda do aditamento. Referindo ainda que:” impõe-se concluir não se ter verificado a condição (autorização de venda do direito de superfície, e não exercício do direito de preferência) de que dependia o vencimento do “mútuo” (no prazo de 90 dias) – e, consequentemente, que o embargado não dispõe de título executivo.”
6.-No entanto, quando enumera os factos dados como documentalmente provados refere: “ 7 – Em 9- I-19 a C.M. de C... enviou à embargada um ofício, onde se lê: “Relativamente ao assunto em epígrafe, informa-se que o Município está disponível para alienar a raiz pelo valor de 36.937,50 euros. 8 - Em 10-VII-19 o embargado assinou a “DECLARAÇÃO DE NÃO COMPARÊNCIA” junta a fls 27 (cujo teor se dá aqui por reproduzido). 9 - Em 29-IX-19 a embargante recebeu uma “notificação judicial avulsa”.
7.-Esta exposição contradiz, clara e evidentemente, o que vem descrito na decisão, pois, dá como documentalmente provado, que o Recorrente obteve o consentimento, a que se havia obrigado, junto do Município, ou seja, que cumpriu a condição e disso dá conhecimento à Recorrida e que junta todos estes elementos ao processo executivo.
8.-Na matéria de facto dada como documentalmente provada, o Meritíssimo Juiz “a quo”, aceita que o Recorrente enviou cartas a comunicar a proposta do Município e, como estas não surtiram qualquer efeito, procedeu ao envio de uma Notificação Judicial Avulsa, a qual se destinou (conforme consta dos documentos juntos aos autos) a dar a conhecer a proposta da Câmara Municipal de C....
9.-Foi ainda dado como documentalmente provado, que o Recorrente notificou e procedeu à assinatura de declaração de não comparência à escritura para o pagamento do mútuo e consequente destrate da hipoteca.
10.-Posto isto, atendendo à matéria documentalmente provada, por documento autêntico ou autenticado, jamais a decisão poderia ser no sentido da inexistência de título executivo, uma vez que os documentos juntos aos autos, pelo Recorrente, fazem prova plena dos factos neles contidos, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil, força probatória que não foi e não pode ser ilidida.
11.-Repete-se que, atendendo aos factos provados e à natureza dos documentos juntos aos autos, não podia a sentença ser no sentido da inexistência de título executivo, por estar em contradição com a fundamentação da sentença e da lei, tendo o recorrente cumprido o disposto no artigo 715.º do Código de Processo Civil.
12.-A Recorrida inicia a sua petição de embargos ameaçando o Recorrente com a utilização de processo crime, por ter utilizado o processo executivo, para exigir o cumprimento de obrigações, assumidas no âmbito de um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca. O Juiz “a quo” não se pronúncia sobre as referidas ameaças e falta de urbanidade da Recorrida, num acto de concordância com a atitude desrespeitosa da mesma.
13.-A postura desrespeitosa, é evidente, acusando o aqui Recorrente da prática de crimes, proferindo ameaças e efectuando denúncias caluniosas, ao longo de todas as peças processuais, em clara violação do disposto nos artigos 2.º e 7.º a 9.º do Código de Processo Civil, tudo sem que o Meritíssimo Juiz “a quo”, se pronunciasse uma vez sobre tais factos.
14.-Na sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo”, refere contratos promessa de compra e venda, os quais foram celebrados anteriormente, com a filha da Recorrida. Até à presente data, a promitente compradora desses contratos, não exerceu qualquer um dos Direitos previstos no artigo 830.º do Código Civil, talvez porque, até onde foi dado a conhecer ao Recorrente, a filha, promitente compradora, nesses contratos, dados sem efeito pelos intervenientes, reside com a aqui Recorrida, sendo-lhe vantajoso manter um mútuo gratuito. Contudo, reitera-se que os autos não se baseiam em contratos promessa, mas no contrato definitivo celebrado e não contestado.
15.-A Recorrida, aproveitando-se da boa-fé do Recorrente e do facto de estar perante um mútuo gratuito, não cumpriu com a sua obrigação de liquidar todo o valor devido, nos termos indicados no aditamento ao contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado. A Recorrida faz letra morta da lei e das cláusulas contratuais que ela própria negociou, na companhia do seu mandatário, vindo depois acusar o Recorrente da prática de crimes, de forma completamente infundada e difamatória. O Recorrente cumpriu com todos os seus deveres e obrigações, perante a Recorrida
16.-De modo a tentar resolver a confusão gerada com os Embargos, o Recorrente esclarece que adquiriu o imóvel, objecto do contrato em análise, através de processo de execução fiscal.
17.-No que concerne à afirmação do Meritíssimo Juiz “a quo”: “(…) o certo é que a obrigação que se pretende executar refere-se à venda do direito de propriedade, “sem quaisquer encargos com ónus do direito de superfície a favor da Câmara Municipal de C..., cujo levantamento já foi requerido” (cláusula terceira) – presumindo-se (C.R.P. 7º) também certo que o prédio não é propriedade do ora embargado.”, sempre se dirá que, foi junto aos autos um contrato de compra e venda do imóvel, contrato que foi registado, transferindo para a Recorrida a propriedade do prédio urbano construído sob o regime do Direito de Superfície, composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o número ..., da freguesia de São ... ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da referida freguesia, conforme documento 1, folhas 5 a 12 que se juntou ao requerimento executivo. Tudo foi efectuado considerando o disposto no artigo 1534.º do Código Civil, o qual refere que o Direito de Superfície é transmissível por acto entre vivos ou por morte, sendo que o artigo 1535.º Código Civil, refere que o proprietário da raiz tem direito de preferência, tendo o Recorrente procedido à notificação para a preferência, sem que o preferente tenha exercido esse Direito.
18.-Neste sentido, vejam-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho, de 2018, referente ao processo número 9934/13.1T2SNT-A.L1.S1, da 7.ª Secção e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02 de Novembro, de 2017, referente ao processo número 232/06.8TBBRR.L3.S1, da 7.ª Secção (in http://www.dgsi.pt/), onde se refere a possibilidade da venda do Direito de Superfície e em que moldes funciona o Direito de Superfície, explicando o funcionamento deste Direito de Propriedade.
19.-Contudo, se o Meritíssimo Juiz “a quo”, tinha dúvidas que não conseguiu eliminar, com a leitura das peças processuais, requerimentos e documento, deveria, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil, ter realizado ou ordenado, oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer. Ora, se o Meritíssimo Juiz “a quo”não compreendeu “(…) de que forma pode ser registada a venda à embargada do direito de superfície (…),”deveria ter diligenciado, no sentido de solicitar a junção aos autos, dos elementos que entendia ser necessários, ao esclarecimento de tais dúvidas.
20.-Tendo o Recorrente, junto aos autos o contrato que titula a venda do imóvel, a favor da Recorrida e o correspondente mútuo com hipoteca, desconhece-se qual o título que falta juntar, para provar que a Recorrida é proprietária da superfície do imóvel, melhor descrito supra, assumiu as obrigações provenientes do Mútuo e aceitou que, logo que o Recorrente, obtivesse do proprietário do solo, a autorização, para que a Recorrida, reunisse na sua pessoa os dois direitos, esta iria, em noventa dias liquidar a totalidade o mútuo em falta.
21.-O imóvel foi transmitido respeitando as limitações impostas pelo Direito em causa. Considerando os todos os elementos careados para o processo, é evidente que o imóvel não é propriedade do Recorrente. Este transmitiu o Direito, de que dispunha, à Recorrida, através de um contrato legal e registado na respectiva Conservatória do Registo Predial.
22.-Deveria o Meritíssimo Juiz “a quo”, ter dado a devida relevância ao documento autenticado e registado na Conservatória do Registo Predial de C..., dado como título executivo, o qual, para além de cumprir com todos os requisitos impostos pelos artigos 703.º e 707.º do Código de Processo Civil, descreve em si mesmo várias obrigações e direitos, constituídos através de negociação entre Recorrente e Recorrida.
23.-Deveria o Meritíssimo Juiz “a quo” ter tido em consideração que o documento foi alvo do escrutínio do(a) Ilustre Conservador(a) do Registo Predial de C..., tendo passado pelo seu crivo e sido realizado o respectivo registo, da propriedade da superfície, a favor e em nome da Recorrida. Quanto a estes factos não houve impugnação. Foram aceites e dados como provados. Aliás, os documentos juntos aos autos fazem prova plena e inilidível dos mesmos, pelo que não é compreensível a confusão efectuada.
24.-Atendendo ainda, tudo quanto se expôs, principalmente que a Câmara Municipal de C..., não exerceu o seu Direito de Preferência, aquando da venda do Direito de Superfície à Recorrida e, enviou proposta para a venda do seu Direito sobre o solo, não existem dúvidas, não podem existir dúvidas, sobre o cumprimento da condição.
25.-Deveria ainda, o Meritíssimo Juiz “a quo”, ter considerado que, nem após a Notificação Judicial Avulsa, a Recorrida se pronunciou ou realizou qualquer comunicação com o Recorrente, no sentido de por fim ao mútuo, nos termos acordados.
26.-Deveria o Meritíssimo Juiz “a quo”, ter considerado o contrato celebrado, autenticado e registado como título executivo e, neste sentido, ter considerado que se venceram todas as prestações e demais despesas previstas no mesmo e nos exactos termos descritos no Requerimento Executivo.

Foram violados:
- Os artigos 4.º; 217.º; 218.º; 334.º; 341.º; 342.º; 347.º; 370.º; 371.º; 377.º; 405.º e 406.º; 410.º a 412.º; 762.º e 763.º; 798.º e 799.º; 804.º; a 806.º; 817.º; 1524.º a 1536.º, todos do Código Civil;
- Os artigos 2.º; 7.º a 9.º; números 1 e 2, do artigo 150.º, 154.º, 410.º a 412.º, 446.º; 466.º, 607.º, alíneas c) e d) do número 1, do artigo 615.º; 703.º; 707.º; 715.º; 723.º; todos do Código de Processo Civil.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido quer na 1ª instância, quer nesta.

Seguidamente foi ordenado o cumprimento do disposto no artº 665º nº 3 do CPC, dada a possibilidade de se conhecer oficiosamente da falta de título, fundamentando-se que:«Na elaboração e discussão do Acórdão a proferir nestes autos, constatou-se a hipótese de analisar a ausência de título executivo com base em argumentos diversos que os esgrimidos quer pelas partes nos autos, quer a forma como foi abordado pelo recorrente. Com efeito, o termo de autenticação apresentado apenas diz respeito ao contrato de compra, mútuo e hipoteca, não abrangendo o aditamento ao contrato.  Dado que a falta de título, ainda que com outro fundamento, é de conhecimento oficioso ( cf. artº 734º do CPC), e dada a possibilidade de o tribunal conhecer oficiosamente de tal questão(…)».

A recorrida limitou-se a afirmar a inexistência de título remetendo para o já afirmado.

O recorrente em resposta veio dizer que:«A adenda faz parte integrante do contrato de compra e venda com constituição de mútuo com hipoteca.
2.-Tal documento foi assinado no mesmo dia em que foi assinada a escritura de compra e venda.
3.-Fazendo parte integrante do mesmo foi autenticado e registado no mesmo dia, conforme o documento um que se juntou com o Requerimento Executivo.
4.-Contudo, aquando da notificação para o cumprimento da obrigação assumida, pela Recorrida, melhor definida na adenda, foi o documento apresentado e junto, tanto com a notificação judicial avulsa, como também com a apresentação do requerimento executivo.
5.-Na data marcada para a celebração da escritura para pagamento ao Recorrente e levantamento da hipoteca, foi o contrato de compra e venda, com constituição de mútuo com hipoteca e respectiva adenda apresentado e autenticado pela Ilustre Agente de Execução, juntamente com a declaração de comparência, momento em que se consagra, definitivamente o incumprimento, por parte da Recorrida.
6.-Considerando que a Recorrida não comparece na data marcada para celebrar a escritura e liquidar o mútuo constituído, após o Recorrente ter cumprido com a condição a que se obrigara, a mesma entra em incumprimento definitivo do contrato celebrado, atribuindo o direito de recorrer à execução para o cumprimento da referida obrigação.
7.-Neste momento, testemunhado e documentado perante Agente de Execução, é o todo o contrato de compra e venda com constituição de mútuo com hipoteca e respectiva adenda, autenticado, juntamente com a declaração de não comparência que comprova o incumprimento da recorrida e torna a adenda exequível, mediante a sua autenticação.
8.-Deste último documento, também junto aos autos, consta a autenticação e respectiva vinheta e registo em conformidade com todas as imposições legais.»

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*****

Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto,
- Se se verifica a nulidade da decisão por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, ou por omissão de pronuncia quanto ao comportamento da embargante;
- Se perante os factos considerados na decisão se deve considerar que se verificou a condição que determinou o vencimento da obrigação de pagamento do mútuo e, logo, da existência de título executivo ou
- Se a ausência de título ocorre com fundamento na falta de autenticação da adenda ao contrato, sendo que nesta é que se estabelecia a condição e, logo, a obrigação que sustentava a execução tal como foi apresentada pelo exequente. 
*****

II.FUNDAMENTAÇÃO:

No Tribunal recorrido foram considerados documentalmente provados os seguintes FACTOS:
1–Em 25-XI-57 foi registada a favor da Câmara Municipal de C... a aquisição do prédio descrito na 1ª C.R.P. de C... com o nº … (freguesia de São ... ...).
2–Em 22-X-84 foi registada a favor de D… e M… a aquisição do direito de superfície (por 70 anos) sobre o prédio supra.
3Em 28-VII-17 embargado e P… assinaram o “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA” junto a fls. 7 a 10 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo ao direito de superfície sobre o prédio supra. 
4Com data de 23-III-18 mostra-se junto a fls 11 um “ADITAMENTO AO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA CELEBRADO A 28 DE JULHO DE 2017” (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
5Em 27-XII-18 embargado e embargante assinaram o “CONTRATO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA” junto a fls 30-31 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e o “ADITAMENTO AO CONTRATO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA” junto a fls 33 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), onde se lê: “SEGUNDA Pelo presente Aditamento acordam os Outorgantes que, logo que seja entregue o deferimento da Câmara Municipal de C... quanto à venda do direito de superfície e ao não exercício do Direito de Preferência o mesmo será comunicado à Segunda Outorgante. TERCEIRA Após a comunicação do deferimento, a Segunda Outorgante dispõe do prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta, para solicitar o financiamento a entidade bancária e proceder à liquidação antecipada do contrato de mútuo (…)”.
6–Em 29-XII-18 foi registada a favor da ora embargante a aquisição do direito se superfície sobre o prédio supra – e a hipoteca sobre o direito de superfície, a favor do ora embargado.
7–Em 9-I-19 a C.M. de C... enviou à embargada um ofício, onde se lê: “Relativamente ao assunto em epígrafe, informa-se que o Município está disponível para alienar a raiz pelo valor de 36.937,50 euros.”.
8Em 10-VII-19 o embargado assinou a “DECLARAÇÃO DE NÃO COMPARÊNCIA” junta a fls 27 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
9Em 29-IX-19 a embargante recebeu uma “notificação judicial avulsa”.
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Para a decisão importa expor o conteúdo dos documentos indicados em 5., cujo teor se deu como reproduzido, ou seja, quer o contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca, bem como o aditamento ao contrato.
Assim, do teor de tais documentos resulta, além do mais, o seguinte:
- Pelo preço global de €138.400,00 (cento e trinta e oito mil e quatrocentos euros), o Primeiro Outorgante vende à Segunda Outorgante, o seguinte prédio: Prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1.° e 2.° andares, com a área total de setenta e oito metros quadrados, a confrontar a norte com lote 4, a sul com lote 2, a nascente e poente com terrenos municipais, destinado a habitação, sito (…)inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de São ... ..., sendo de 128.320,00 euros o valor patrimonial que está registada a favor do vendedor pela Ap. 51 de 2016/02/05».
- Na cláusula segunda quanto ao pagamento o seguinte previram as parte o seguinte:« 1.Por conta do valor acordado a segunda outorgante procedeu ao pagamento da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento a 28/07/2017, valor que foi pago através de cheque com o número …, sacado sob o banco NOVO BANCO, S.A.; 2. Na presente data foi entregue a quantia no valor de € 40.000,00 (quarenta e mil euros), a título de reforço de sinal, através de transferência bancária para a conta com o IBAN PT50 …da Caixa Geral de Depósitos titulada pelo primeiro. 3. Pelo que valor remanescente em débito é de €78.400,00 (setenta oito mil e quatrocentos euros) cujo o valor foi pago pelo mútuo infra.».
- E na cláusula terceira que:«O prédio é vendido sem quaisquer encargos com ónus do direito de superfície a favor da Câmara Municipal de C..., cujo levantamento foi já requerido».
- No mesmo documento sob a epígrafe “MÚTUO COM HIPOTECA”, foi estabelecido entre as partes na cláusula 1ª que:« Para a precedente aquisição do Imóvel e outras despesas, o Primeiro Outorgante concede às SEGUNDA, um empréstimo no montante de €78.400,00 (setenta oito mil e quatrocentos euros), sem aplicação de qualquer taxa de juro, de que a SEGUNDA se confessa devedora.». E na cláusula segunda que:«Que o empréstimo é feito nos seguintes termos: a) O valor de € 78.400,00 (setenta e oito mil e quatrocentos euros) será pago em duzentas e sessenta e uma prestações, mensais e sucessivas, sendo duzentas e sessenta prestações no valor de € 300,00 (trezentos euros) cada e a última no valor €400,00 (quatrocentos euros) vencendo-se a primeira prestação no dia 10 de Janeiro do ano de 2019 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.(…)».
- Tal contrato foi autenticado nos termos constantes do “Termo de autenticação” anexo, do qual consta além do mais, que:
«Que, para autenticação, me apresentaram o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca anexo, contrato esse exarado no dia de hoje neste mesmo escritório, declarando que já o leram e que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo.           
Adverti, que, nos termos do disposto no artigo 40.° da Lei n.° 15/2013, de 8 de fevereiro, o cliente de empresa de mediação imobiliária que omita a informação sobre a intervenção desta no contrato incorre na pena aplicável ao crime de desobediência previsto no art.° 348.° do Código Penal, declararam ainda que, no presente negócio não houve intervenção imobiliária.                   
Para o cumprimento do disposto na alínea g) do n.° 1 do artigo 44.° do Código de Registo Predial, e o n.° 5 do artigo 47 do Código do Notariado, pelas alterações introduzidas pela Lei n.° 89/2017, de 21 de Agosto, no presente negócio jurídico o preço foi pago a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a 28/07/2017 a título de sinal e princípio de pagamento, valor que foi pago através de cheque com o número …, sacado sob o banco NOVO BANCO, S.A. e a quantia no valor de € 40.000,00 (quarenta e mil euros), a título de reforço de sinal, através de transferência bancária para a conta com o IBAN PT50 …, da Caixa Geral de Depósitos titulada pelo primeiro, e os restantes 78.400,00 euros pelo mútuo hoje celebrado.    
      
Verifiquei:     
A identidade das partes pelos referidos documentos de identificação.     
Os elementos registrais do prédio transmitido por consulta da certidão permanente de registo predial, com o código de acesso n.° PP-1...-....6-.....3-0....., onde também verifiquei que se encontra registado a favor da vendedora pela Ap. 51 de 2016/02/05.
Os elementos matriciais por consulta da caderneta predial obtida online.

Ficam arquivados:    
a)- documento único de cobrança do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis n.° 160.918.444.080.039, no valor de 1.279,77 euros, liquidado a 26/12/2018 e pago a 27/12/2018, e o extrato da declaração para a liquidação;    
b)- documento único de cobrança comprovativo do pagamento do imposto do selo da verba 1.1 da tabela geral n.° 163.018.102.502.347, no valor de 1.107,20 euros, liquidado a 26/12/2018 e pago a 27/12/2018 e o extrato da declaração para a liquidação.     
c)- Arquivo a Licença de Utilização.
Depois de lhes ter explicado o significado e os efeitos do documento que apresentaram, designadamente que a respetiva validade para titular o contrato de compra e venda depende, não só da presente autenticação, mas também do depósito eletrónico em www.predialonline.mj.pt, que deverei efetuar ainda hoje, as partes declararam que o respetivo conteúdo exprime a sua vontade. 
Finalmente, foi lido e explicado o presente termo e o contrato que antecede. Tudo foi feito em voz alta na presença simultânea de todos os intervenientes”
- Em aditamento a tal contrato as mesmas partes, na mesma data, estabeleceram o seguinte:
«Primeira
1.-Na presente data, as partes celebraram Contrato de Compra e Venda e Mutuo com Hipoteca, relativa ao imóvel sito na …, São ... ..., de cuja Cláusula Terceira da Compra e Venda, consta a existência de ónus de Direito de Superfície a favor da Câmara Municipal de C....          
2.-O levantamento de tal ónus foi já requerido pelo Primeiro.       
3.-Tal processo será acompanhado pelo referido Primeiro Outorgante, até à respectiva conclusão.
Segunda
Pelo presente Aditamento acordam os Outorgantes que, logo que seja entregue o deferimento da Câmara Municipal de C... quanto à venda do direito de superfície e ao não exercício do Direito de Preferência, o mesmo será comunicado à Segunda Outorgante.           
Terceira
Após a comunicação do deferimento, a Segunda Outorgante dispõe do prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta, para solicitar o financiamento a entidade bancária e proceder à liquidação antecipada do contrato de mútuo concedido para a aquisição do prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1.° e 2.° andares, com a área total de setenta e oito metros quadrados, a confrontar a norte com lote 4, a sul com lote 2, a nascente e poente com terrenos municipais, destinado a habitação, sito em …, freguesia de São ... ..., concelho de C..., descrito na 1. a Conservatória do Registo Predial de C... sob o número … da freguesia de São ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de São ... ..., sendo de 128.320,00 euros o valor patrimonial.».
- Tal adenda foi assinada pelas partes, na mesma data do contrato.
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III.O DIREITO:

No âmbito do recurso pretende a recorrente que se considere como título executivo o contrato celebrado, autenticado e registado e, neste sentido, ter considerado que se venceram todas as prestações e demais despesas previstas no mesmo e nos exactos termos descritos no Requerimento Executivo.
Acresce que nas suas 12ª e 13ª conclusões refere que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a acuação da recorrida, alegadamente violadora dos princípios da garantia ao acesso aos tribunais e da cooperação e deveres de boa fé processual e de recíproca correcção. Alicerçando-se na falta de pronuncia quanto ao alegado pela recorrida na sua petição de embargos, quando ameaça o Recorrente com a utilização de processo crime, por ter utilizado o processo executivo, para exigir o cumprimento de obrigações, assumidas no âmbito de um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, ameaças que no seu entender consubstanciam falta de urbanidade da Recorrida, e cuja omissão do tribunal determina um acto de concordância com a atitude desrespeitosa da mesma. É certo que constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento- cf. Artº 615º alínea d) do CPC. Porém, as questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. Donde, a nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Tal determina que terão de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.
Por outro lado, importa ainda ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
No caso concreto na sua oposição nada foi requerido quanto a estas questões pelo ora recorrente, mormente o pedido de condenação como litigante de má fé, pelo que em nada relevariam no âmbito da decisão concreta proferida. Acresce que a ausência da enunciação da eventual violação dos princípios ou deveres enunciados não nos permitem concluir, como pretende a recorrente, a concordância com tal postura, mas sim e apenas a sua irrelevância em concreto quanto à decisão proferida.
Assim, não se verifica a nulidade por eventual omissão de pronúncia, improcedendo as conclusões 12ª e 13ª.
Assenta o recorrente o seu recurso, além do mais, na circunstância de atendendo aos factos provados e à natureza dos documentos juntos aos autos, não podia a sentença ser no sentido da inexistência de título executivo, por estar em contradição com a fundamentação da sentença e da lei, tendo o recorrente cumprido o disposto no artigo 715.º do Código de Processo Civil – conclusões 4ª à 11ª.
Sustenta ainda o recorrente, nas demais conclusões, que do conteúdo da sentença, não nos é possível afirmar se, foi a alegação da existência de um contrato promessa que gerou confusão, na análise dos factos e dos documentos, ou se porventura, deveria o Meritíssimo Juiz “a quo”, ter realizado a audiência de discussão e julgamento, para ser esclarecido, através da prova testemunhal. Pois fundamenta a decisão no facto de não ter sido junto aos autos o documento previsto na cláusula segunda do aditamento, no entanto, enumera os factos dados como documentalmente provados nos quais alude a tal verificação de condição, dando como documentalmente provado, que o Recorrente obteve o consentimento, a que se havia obrigado, junto do Município, ou seja, que cumpriu a condição e disso dá conhecimento à Recorrida e que junta todos estes elementos ao processo executivo. Dando ainda como documentalmente provado, que o Recorrente notificou e procedeu à assinatura de declaração de não comparência à escritura para o pagamento do mútuo e consequente destrate da hipoteca. Mais defende que a sentença recorrida refere contratos promessa de compra e venda, os quais foram celebrados anteriormente, com a filha da Recorrida e não com esta, sendo estes alheios a esta acção. Pelo que defende que a Recorrida, aproveitando-se da boa-fé do Recorrente e do facto de estar perante um mútuo gratuito, não cumpriu com a sua obrigação de liquidar todo o valor devido, nos termos indicados no aditamento ao contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado. Mais esclareceu que que adquiriu o imóvel, objecto do contrato em análise, através de processo de execução fiscal.
Nas suas conclusões o recorrente contraria ainda a fundamentação da decisão recorrida, dizendo que ao contrário do defendido foi junto aos autos um contrato de compra e venda do imóvel, contrato que foi registado, transferindo para a Recorrida a propriedade do prédio urbano construído sob o regime do Direito de Superfície, composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o número ..., da freguesia de São ... ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da referida freguesia, conforme documento 1, folhas 5 a 12 que se juntou ao requerimento executivo. Tudo foi efectuado considerando o disposto no artigo 1534.º do Código Civil, o qual refere que o Direito de Superfície é transmissível por acto entre vivos ou por morte, sendo que o artigo 1535.º Código Civil, refere que o proprietário da raiz tem direito de preferência, tendo o Recorrente procedido à notificação para a preferência, sem que o preferente tenha exercido esse Direito. Mais alude que caso existissem dúvidas que não se conseguiria eliminar com a leitura das peças processuais, requerimentos e documento, deveria, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil, ter sido realizado ou ordenado, oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe seria lícito conhecer.

Apreciando.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” (artº 10º nº 5 do Código de Processo Civil). Na actual versão do Código de Processo Civil foi alterado o elenco dos títulos executivos (cf. artº 703º do Código de Processo Civil), deixando de merecer tal qualificação os documentos particulares (não autenticados), ou seja, as habituais “confissões de dívida” e todos os demais documentos assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
Note-se que não é suficiente o reconhecimento de assinatura ou de letra e assinatura, pois a confissão de dívida terá que constar de documento “autêntico” ou “autenticado”. Donde, na parte que ora releva, quanto ao elenco dos títulos executivos tal como se encontra previsto no artº 703º do Código de Processo Civil, importa ter presente a alínea b) que classifica como título executivo “os documentos exarados ou autenticados, por notários ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação. Logo, têm força executiva os documentos exarados ou autenticados por notário, sempre que revelem a constituição ou o reconhecimento de alguma obrigação, como ocorre com a escritura pública de compra e venda, ou de mútuo na qual um dos outorgantes se assuma como devedor de uma determinada quantia. E tal exequibilidade deverá ser estendida a obrigações que resultem implícitas do teor dos documentos, quer em atenção às obrigações de natureza negocial, quer às de natureza legal, ou eventuais despesas (quanto a estas e neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in “CPC Anotado” Vol. II pág. 23; em sentido inverso Rui Pinto in “A Acção Executiva”, pág. 183).
Com efeito, o CPC de 2013 restringiu a exequibilidade de documentos particulares assinados pelo devedor, dado o abuso que foi feito no regime anterior, pois os casos de falsidade ou a sustentação do pressuposto de exequibilidade do título a partir de um encadeado de documentos equívocos, levaram o legislador a inverter a solução, atenta a incerteza e insegurança jurídica subjacente a tais situações.
Decorre dos artºs 713º, 724º nº 1 h), 725º nº 1 alínea c) e 728º alínea e) que o título executivo deve demonstrar uma obrigação, que seja certa, líquida e exigível, pois a obrigação constitui o cerne da relação material. A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato, incondicional após interpelação do devedor (Rui Pinto in ob. Cit. Pág. 230). Mas esta exigibilidade pode resultar de modo imediato do próprio título, ou diversamente se a obrigação estiver sujeita a condição, sendo que nesta hipótese incumbirá ao credor, ao instaurar a execução, fazer a demonstração da ocorrência do facto que condicionava a exigibilidade, nos termos do artº 715º do CPC. Nesta hipótese o exequente fará a exposição dos factos no requerimento executivo e juntará a respectiva prova, documental, testemunhal ou outra – cf. Artº 724º nº 1 alínea h) segunda parte do CPC. Tal como defende Anselmo de Castro ( in “A Acção Executiva Singular”, pág. 54) a decisão  da verificação da condição suspensiva vale apenas na instância processual onde foi proferida, logo, “(..) não só o executado pode impugnar a exigibilidade na oposição à execução, como pode uma nova execução da mesma dívida ser intentada, caso a execução seja rejeitada por inexigibilidade “(cf. Rui Pinto in ob. Cit. Pág. 235).
No caso dos autos a decisão recorrida limita-se a considerar que o contrato apresentado como título executivo constitui um contrato de compra e venda, cujo pagamento do preço remanescente seria pago em prestações, interpretando a estipulação do “emprestou-lhe” parte do preço (78.400,00€)” como sendo “o que equivale a dizer que foi acordado um pagamento em prestações do preço remanescente”.

Acresce que na decisão se entendeu que efectivamente ficou “acordado (ponto 3) que, logo que a C.M. de C... concordasse, ou autorizasse, a venda do direito de superfície sobre tal prédio, e renunciasse ao exercício do direito de preferência, o mútuo se venceria no prazo de 90 dias”. Ora, depois de se enunciar o disposto no artº 715º do CPC, conclui-se que: ”Apesar de não se compreender de que forma pode ser registada a venda à embargada do direito de superfície (pois não foi junto aos autos qualquer documento que titule tal negócio), o certo é que a obrigação que se pretende executar refere-se à venda do direito de propriedade, “sem quaisquer encargos com ónus do direito de superfície a favor da Câmara Municipal de C..., cujo levantamento já foi requerido” (cláusula terceira) – presumindo-se (C.R.P. 7º) também certo que o prédio não é propriedade do ora embargado. Não tendo sido junto aos autos o documento previsto na cláusula segunda do aditamento, impõe-se concluir não se ter verificado a condição (autorização de venda do direito de superfície, e não exercício do direito de preferência) de que dependia o vencimento do “mútuo” (no prazo de 90 dias) – e, consequentemente, que o embargado não dispõe de título executivo.”.

Ora, entendemos tal como sustenta a recorrida que existe contradição entre a fundamentação de facto e a decisão.

Senão vejamos.
Como referimos, resulta do artº 715º nº1 do CPC que relativamente às obrigações condicionais incumbe ao exequente provar a verificação da condição, realizando por norma uma actividade complementar do título ( cf. Nº 1 a 4 do artº 715º), mas sem que isso faça precludir o direito do executado a deduzir embargos para discutir tal matéria ( cf. Artº 729º alínea e)).
No caso dos autos foi apresentado como título executivo um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, do prédio urbano construído sob o regime do Direito de Superfície, composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o número ..., da freguesia de São ... ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da referida freguesia.
A este título se reportam os factos provados em 5. na decisão sob recurso, quando se considera que:”5-Em 27-XII-18 embargado e embargante assinaram o “CONTRATO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA” junto a fls 30-31 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e o “ADITAMENTO AO CONTRATO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA junto a fls 33 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), onde se lê: “SEGUNDA Pelo presente Aditamento acordam os Outorgantes que, logo que seja entregue o deferimento da Camara Municipal de C... quanto à venda do direito de superfície e ao não exercício do Direito de Preferência o mesmo será comunicado à Segunda Outorgante. TERCEIRA Após a comunicação do deferimento, a Segunda Outorgante dispõe do prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta, para solicitar o financiamento a entidade bancária e proceder à liquidação antecipada do contrato de mútuo (…)”.

Donde, em nada relevam para a decisão os contratos promessa que se deram como provados, pois nem sequer foram celebrados pelas partes em causa.
Acresce que no contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca, único título dado à execução, o embargado assumiu a posição de vendedor mutuante e a embargante de compradora mutuária.
Em tal contrato previram as partes que:« Pelo preço global de €138.400,00 (cento e trinta e oito mil e quatrocentos euros), o Primeiro Outorgante vende à Segunda Outorgante, o seguinte prédio: Prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1.° e 2.° andares, com a área total de setenta e oito metros quadrados, a confrontar a norte com lote 4, a sul com lote 2, a nascente e poente com terrenos municipais, destinado a habitação, sito (…)inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de São ... ..., sendo de 128.320,00 euros o valor patrimonial que está registada a favor do vendedor pela Ap. 51 de 2016/02/05».
Mais se estabeleceu na cláusula segunda quanto ao pagamento o seguinte:« 1.Por conta do valor acordado a segunda outorgante procedeu ao pagamento da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento a 28/07/2017, valor que foi pago através de cheque com o número …, sacado sob o banco NOVO BANCO, S.A.; 2. Na presente data foi entregue a quantia no valor de € 40.000,00 (quarenta e mil euros), a título de reforço de sinal, através de transferência bancária para a conta com o IBAN PT50…, da Caixa Geral de Depósitos titulada pelo primeiro. 3.Pelo que valor remanescente em débito é de €78.400,00 (setenta oito mil e quatrocentos euros) cujo o valor foi pago pelo mútuo infra.». E na cláusula terceira que:«O prédio é vendido sem quaisquer encargos com ónus do direito de superfície a favor da Câmara Municipal de C..., cujo levantamento foi já requerido».
No mesmo documento sob a epígrafe “MÚTUO COM HIPOTECA”, foi estabelecido entre as partes na cláusula 1ª que:« Para a precedente aquisição do Imóvel e outras despesas, o Primeiro Outorgante concede às SEGUNDA, um empréstimo no montante de €78.400,00 (setenta oito mil e quatrocentos euros), sem aplicação de qualquer taxa de juro, de que a SEGUNDA se confessa devedora.». E na cláusula segunda que:«Que o empréstimo é feito nos seguintes termos: a) O valor de € 78.400,00 (setenta e oito mil e quatrocentos euros) será pago em duzentas e sessenta e uma prestações, mensais e sucessivas, sendo duzentas e sessenta prestações no valor de € 300,00 (trezentos euros) cada e a última no valor €400,00 (quatrocentos euros) vencendo-se a primeira prestação no dia 10 de Janeiro do ano de 2019 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.(…)».
Todavia, não é com base nas obrigações assumidas nesse contrato, quanto ao deferimento do pagamento, neste caso em prestações, que assenta o pedido do exequente e logo, a exigibilidade e o valor da quantia exequenda.

Com efeito, é na adenda ao contrato que sustenta o exequente o seu pedido, pois por documento assinado pelas partes na mesma data do contrato, estabeleceram o seguinte:
«Primeira
1.-Na presente data, as partes celebraram Contrato de Compra e Venda e Mutuo com Hipoteca, relativa ao imóvel sito na Praceta ... ... ..., numero ... em M..., São ... ..., de cuja Cláusula Terceira da Compra e Venda, consta a existência de ónus de Direito de Superfície a favor da Câmara Municipal de C....         
2.-O levantamento de tal ónus foi já requerido pelo Primeiro.       
3.-Tal processo será acompanhado pelo referido Primeiro Outorgante, até à respectiva conclusão.           
Segunda
Pelo presente Aditamento acordam os Outorgantes que, logo que seja entregue o deferimento da Câmara Municipal de C... quanto à venda do direito de superfície e ao não exercício do Direito de Preferência, o mesmo será comunicado à Segunda Outorgante.           
Terceira
Após a comunicação do deferimento, a Segunda Outorgante dispõe do prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta, para solicitar o financiamento a entidade bancária e proceder à liquidação antecipada do contrato de mútuo concedido para a aquisição do prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1.° e 2.° andares, com a área total de setenta e oito metros quadrados, a confrontar a norte com lote 4, a sul com lote 2, a nascente e poente com terrenos municipais, destinado a habitação, sito em …, freguesia de São ... ..., concelho de C..., descrito na 1. a Conservatória do Registo Predial de C... sob o número … da freguesia de São ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .. da freguesia de São ... ..., sendo de 128.320,00 euros o valor patrimonial.».

É certo que o Tribunal recorrido deu como reproduzidos tais documentos, porém, não apreciou em concreto a verificação da condição, quer se reporte à restituição do valor “mutuado”, quer fosse de considerar tal pagamento a título de última prestação devida pela compra e venda, ou até de vencimento imediato de todas as prestações, exigindo a exequente a totalidade do valor.
Ora, aqui reside o busílis da questão, pois é certo que tal como defende o recorrente o Tribunal não apreciou a verificação ou não da condição, mas tomou-a como certa quanto à sua assunção pelas partes no âmbito de um documento que incorpora um título executivo. Mas da análise dos documentos juntos e apresentados como título executivo a adenda ao contrato, que incorpora a condição e, logo, que define a obrigação assumida pela executada e que o exequente pretende fazer valer na acção executiva, esta não preenche os requisitos que presidem à qualificação como título executivo.
Como vimos, nos termos do artº 703º alínea b) do Código de Processo Civil, constituem título executivo “os documentos exarados ou autenticados, por notários ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
Nos termos do artº 363º nº 2 do CC dizem-se autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, todos os demais são documentos particulares. Quanto a estes podem ser simples, com assinatura ou assinaturas e letra reconhecidas, e autenticados. A Alínea b) em causa e que classifica tais documentos como título executivo, apenas se reporta a estes últimos quando alude a “autenticados”, ou seja aos documentos particulares cujo teor foi confirmado pelas partes, perante notário ou similar, por termo de autenticação, conforme o artº 363º nº 3 do CC e os artºs 150º a 152º do Código do Notariado.
Além disso quando o preceito refere a autenticação levada acabo por notário ou outras entidades profissionais com competência para tal, apenas quer significar que outras entidades podem ter legalmente competência para autenticar documentos particulares, mormente as câmaras de comércio, conservadores, oficiais de registo, solicitados e advogados que, ao abrigo do artº 38º nº 1 do D.L. nº 76-A/2006, de 29/03, “podem fazer reconhecimento simples se com menções especiais, presenciais ou por semelhança, autenticar documentos particulares(…) nos termos previstos na lei notarial”, vale isto por dizer através do termo de autenticação. Pois nos termos do artº 150º do Código de Notariado, os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário, devendo a autenticação ser reduzida a termo, figurando os requisitos da mesma quer nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º do Cód. Not., devendo ainda conter, por imperativo do disposto no artº 151º do mesmo diploma, os seguintes elementos:
a)-A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;
b)-A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.
No caso concreto a adenda ao contrato, ao contrário deste, não se encontra autenticado, e a “autenticação” a que alude o recorrente, notificado que foi nos termos do artº 665º nº 3 do CPC, diz respeito à certificação de fotocópias, por um lado, e à certificação da declaração de comparência, com a respectiva vinheta datada de 10/07/2019, mas nada foi junto que ateste a autenticação da adenda ao contrato que apenas constitui um documento particular assinado pelas partes.

Com efeito, dos autos quer a “certificação” inicial do contrato, quer o termo de autenticação apenas abrangem o contrato propriamente dito e não a adenda do mesmo, ainda que desta conste a mesma data. Na “certificação” inicial certifica-se que o documento particular autenticado contém seis folhas, e de seguida as seis folhas correspondem ao contrato e seu termo de autenticação. Quanto a este, elaborado nos termos do artº 150º e 151º do Cód. Notariado, consta além do mais o seguinte: «Que, para autenticação, me apresentaram o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca anexo, contrato esse exarado no dia de hoje neste mesmo escritório, declarando que já o leram e que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo.(…)
Para o cumprimento do disposto na alínea g) do n.° 1 do artigo 44.° do Código de Registo Predial, e o n.° 5 do artigo 47 do Código do Notariado, pelas alterações introduzidas pela Lei n.° 89/2017, de 21 de Agosto, no presente negócio jurídico o preço foi pago a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a 28/07/2017 a título de sinal e princípio de pagamento, valor que foi pago através de cheque com o número …, sacado sob o banco NOVO BANCO, S.A. e a quantia no valor de € 40.000,00 (quarenta e mil euros), a título de reforço de sinal, através de transferência bancária para a conta com o IBAN PT50 …, da Caixa Geral de Depósitos titulada pelo primeiro, e os restantes 78.400,00 euros pelo mútuo hoje celebrado.(…)
Depois de lhes ter explicado o significado e os efeitos do documento que apresentaram, designadamente que a respetiva validade para titular o contrato de compra e venda depende, não só da presente autenticação, mas também do depósito eletrónico em www.predialonline.mj.pt, que deverei efetuar ainda hoje, as partes declararam que o respetivo conteúdo exprime a sua vontade. 
Finalmente, foi lido e explicado o presente termo e o contrato que antecede. Tudo foi feito em voz alta na presença simultânea de todos os intervenientes.».

Manifestamente a autenticação não abrange a adenda ao contrato.

Ora, as partes foi por força da adenda ao contrato que estabeleceram a exigibilidade da obrigação subordinada a um acontecimento futuro e incerto, ou seja, a uma condição suspensiva. No caso concreto esse facto futuro e incerto era, por um lado, o deferimento da Câmara Municipal de C... quanto à venda do direito de superfície e ao não exercício do Direito de Preferência, por outro, a comunicação do deferimento à embargante e o decurso do prazo.

Na verdade, “as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva” (cf. artº 270º do Código Civil). E a condição, na definição dada pelo artº 270º nº 1 do Código Civil, é um acontecimento futuro e incerto ao qual as partes subordinam a produção ou a resolução dos efeitos do negócio jurídico.

Pode definir-se como “a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto de efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva), ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva) – cf. Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, pg. 356.

Todavia, a verificação ou não da condição situar-se-á no campo da exigibilidade da obrigação, mas para que tal questão possa ser equacionada sempre a estipulação contratual que preveja a condição tem se estar contida num documento que incorpore um título executivo. Ou seja, a montante haverá que aferir se existe título executivo, questão que pode ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal nos termos do artº 734º do CPC.

O título executivo deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente – é o chamado princípio da suficiência do título executivo, devendo resultar do título a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação (cf. c) do artº 703º do CPC). É certo que a causa de pedir na acção executiva não se reconduz ao título executivo, porém, sempre o reconhecimento da obrigação deverá advir do título e esta inexiste no âmbito do contrato de compra e venda, mútuo e hipoteca, único documento autenticado e que pode servir de suporte à execução. Pois caso a recorrente pretenda fazer valer o seu direito terá de munir-se de título executivo de onde resulte o reconhecimento de tal obrigação, nomeadamente através de acção declarativa onde se peticione o reconhecimento da mesma.

Donde, não há que aferir da verificação da condição, pois esta discussão situar-se-ia no campo da exigibilidade do título executivo, o que ocorre é a falta de título quanto à obrigação que se pretende fazer valer na execução, o que determina que se conclua pela inexistência de título com este fundamento.

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se o juízo da inexistência de título – cf. artº 726º a) e 734º ambos do CPC – ainda que com diferente fundamento.
*****

IV.DECISÃO:

Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo embargado e, consequentemente, ainda que com diferente fundamento, declara-se extinta a execução por falta de título executivo.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.



Lisboa, 24 de Junho de 2021



Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes