Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47718/15.0YIPRT-A.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Não compete ao tribunal apreciar se houve ou não deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, caso exista uma decisão superveniente (expressa) da entidade administrativa a indeferir esse mesmo pedido e o interessado não a houver impugnado judicialmente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Intentou I. J., IJDF, requerimento de injunção contra Leonor W. Y. dos B., por referência a um contrato de mútuo realizado com a requerida.

A requerida Leonor W. Y. dos B. apresentou oposição, através de articulado entrado em juízo em 27 de Abril de 2015.

No respectivo artigo 37º, alegou: “ A opoente requereu junto da Segurança Social em 15 de Abril de 2015 apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; protesta juntar decisão quando dela for notificada”.

Através de requerimento entrado em juízo em 16 de Maio de 2015 a requerida salientou haver alegado no artigo 37º da oposição que requereu na Segurança Social em 15 de Abril de 2015 apoio judiciário na modalidade de taxa de justiça e demais encargos com o processo, protestando juntar decisão quando dela for notificada (cfr. fls. 9 a 10).

Em 26 de Maio de 2015, foi proferido o seguinte despacho:“ Notifique a Ré para, no prazo de 10 dias, proceder à junção do comprovativo do pedido de protecção jurídica formulado junto da Segurança Social” ( cfr. fls. 11).

Veio a requerida, através de requerimento entrado em juízo em 1 de Junho de 2015, referir: “ 1 – A Ré requereu junto da Segurança Social e 15 de Abril de 2015 apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, como consta do recibo emitido por aquele instituto em 15 de Abril de 2015. 2 – O Instituto da Segurança Social não se pronunciou, nem proferiu decisão no prazo de trinta dias como manda o disposto no nº 2 do artigo 25 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, considerando-se, por isso, tacitamente deferido e concedido o pedido de apoio judiciário na modalidade requerida. “ (cfr. fls. 12 a 13).

Juntou cópia do recibo de entrega de documentos, conforme fls. 13.

Em 15 de Junho de 2015, foi proferido o seguinte despacho :”Notifique-se a Ré para dar cabal cumprimento ao despacho antecedente, juntando o comprovativo do requerimento formulado, com o carimbo de entrada/entrega” ( cfr. fls 14) .

Veio a requerida, através de requerimento entrado em juízo em 26 de Junho de 2015, referir:
“ 1 – O Instituto da Segurança Social C. Dist. de Lisboa, Queluz, na data da entrega do requerimento do apoio judiciário apenas entregou à requerente o recibo datado de 15 de Abril de 2015, já junto aos autos e não, também, cópia de requerimento depois de carimbo de recepção aposto.
2 – Pelos seus próprios meios, a requerente do apoio judiciário não tem possibilidades de adquirir cópia do requerimento.
3 – Requerer, por isso, a V. Excia se digne mandar notificar o Instituto de Segurança Social para juntar aos autos cópia do requerimento para o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo entregue pela requerente em 15 de Abril de 2015 no C. Dist. Lisboa Queluz .“ (cfr. fls. 15 a 16).

Encontra-se junta a fls. 18 a 19 e 23, informação prestada pelo Instituto de Segurança Social, datada de 9 de Novembro de 2015, de que o pedido de apoio judiciário em causa havia sido “indeferido por falta de resposta”.

Em 23 de Novembro de 2015, foi proferido o seguinte despacho: “ Em face do indeferimento do pedido de apoio judiciário e do não pagamento pela Ré, depois disso, da pertinente taxa de justiça, dê cumprimento ao nº 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil” (cfr. fls. 24).

Veio a requerida, através de requerimento entrado em juízo em 8 de Dezembro de 2015, referir:
“1– No dia 15 de Abril de 2015 a Ré requereu junto da Segurança Social Apoio Judiciário na modalidade de dispensa de Taxa de Justiça e demais encargos com o processo.
2– No dia 15 de Maio de 2015, estavam decorridos 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considerando-se, por isso, tacitamente, deferido e concedido o pedido de apoio judiciário, nos termos do disposto no artigo 25 da Lei nº 34/2004, de 29 de Junho.
3– Em 25 de Maio de 2015, a Ré foi notificada pela Segurança Social da intenção do indeferimento, quando a formação do acto tácito já se tinha verificado há dez dias.
4– Requer, por isso, a V. Excia se considere que a Ré beneficia de Apoio Judiciário e, como consequência, isenta do pagamento da Taxa de Justiça.“ (cfr. fls. 27 a 28).

Foi proferido o seguinte despacho: (cfr. fls. ):

“A ré, considerando ter decorrido o prazo para a segurança social se pronunciar sobre o seu pedido de apoio judiciário sem decisão por parte da mesma, entende estar isenta do pagamento da pertinente taxa de justiça por beneficiar tacitamente daquele apoio. Compulsados os autos, em conjugação com a posição assumida pela ré com o seu articulado de 08.12.2015, está assente: (a) em 15.04.2015, a ré entregou na segurança social um pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, (b) por ofício de 21.05.2015 enviado pela segurança social, que a ré recebeu, foi esta notificada da intenção daqueles serviços de indeferir aquele pedido, por apenas ter direito a apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo no valor mensal de 80€, cujo conteúdo, a fls.27, se dá aqui por integralmente reproduzido em razão da sua extensão, (c) por requerimento datado de 01.06.2015, a ré invocou em tribunal o deferimento tácito do apoio judiciário, (d) por ofício datado de 07.07.2015, a segurança social informou os autos da decisão de indeferimento daquele pedido.
Visto isto, nos termos do artigo 25.0 da Lei n." 34/2004, de 29.07, o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias. é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados transfere-se o seu termo para o 1° dia útil seguinte. E, decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
Face a este regime, conclui-se que, tendo o pedido de apoio judiciário dado entrada em 15.04.2015, o acto tácito de deferimento formou-se em 15.05.2015.
Simplesmente, tendo sido proferido acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário, o acto tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o acto expresso de indeferimento, não cabendo a este tribunal apreciar se houve deferimento tácito quando há decisão expressa de indeferimento pelo organismo competente e ela não foi objecto de impugnação (cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos da Relação do Porto de 09.04.2013, relatado por Maria Cecília Agante, da Relação de Guimarães de 02.07.2013, relatado por Filipe Caroço, disponíveis em www.dgsi.pt.
Na verdade, caso a ré pretendesse anular este acto de indeferimento expresso, deveria tê-lo impugnado, em sede própria, do que não deu qualquer notícia aos autos.
Por todo o exposto, mantém-se o decidido em 23.11.2015”.
(cfr. fls. 29).

A R. apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 35).

Juntas as competentes alegações, a fls. 30 a 34, formulou a R. apelante, as seguintes conclusões:

1º-No dia 15 de Abril de 2015 a Requerente requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, através do requerimento de apoio judiciário que deu entrada nos serviços competentes da Segurança Social ma mesma data 15 de Abril de 2015.
2º-No dia 15 de Maio de 2015 estavam decorridos 30 dias sem que tenha sido proferida decisão.
3º-O Instituto da Segurança Social não se pronunciou, nem proferiu decisão no prazo de 30 dias como manda o disposto no artº. 25º n º. 1 da Lei nº. 34/2004, de 29 de Julho.
4º-Por isso, nos termos do nº. 3 do artº. 25º da citada Lei, a Requerente, em 1 de Junho de 2015 mencionou nos autos, a  formação do acto tácito de deferimento.
5º-Nos termos dos nºs. 1 e 2 do artº. 25º da Lei 34/2004 de 29 de Julho, decorridos que sejam 30 dias contados da data do requerimento sem que a Segurança Social tenha proferido decisão, considera-se o apoio judiciário tacitamente deferido.
6º-No dia 25 de Maio de 2015 a Requerente foi notificada pelo ISS da intenção do indeferimento, quando a formação do acto tácito de deferimento já se tinha verificado há dez dias.
7º-Considerando-se, por isso, tacitamente deferido e concedido o pedido de apoio judiciário, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 25º da Lei 34/2004 de 29/7, na modalidade requerida.
8º-Entendemos que nos termos do artº 25 da supracitada Lei 34/2004 deve considerar-se tacitamente deferido e concedido apoio judiciário.

9º-Neste sentido, transcreve-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Junho de 2011, Proc.6650/07.7TDLSB. L1 – 5 in www.dgsi.pt:
“Tendo sido dirigido requerimento de protecção jurídica aos serviços da Segurança Social, o mesmo considera-se tacitamente deferido logo que decorra o prazo de trinta dias, sem que tenha sido proferida uma decisão ( artº25 nº2, da Lei nº34/04 de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº47/07 de 28 de Agosto);
Não obsta àquele deferimento tácito o facto do departamento de atendimento da Segurança Social não ter remetido, naquele prazo, o requerimento ao departamento competente para apreciação do pedido;
A Lei prevê a possibilidade da protecção jurídica ser revista, com possibilidade de ser retirada em casos devidamente especificados.
Contudo, formado o deferimento tácito, não pode a segurança Social retirar a protecção jurídica com base nos elementos inicialmente apresentados, o que não se traduz em revisão do pedido, mas em apreciação , prejudicada pelo deferimento tácito;
Se após o deferimento tácito, a Segurança Social vem proferir decisão expressa indeferindo o pedido de protecção jurídica, o requerente não tem que impugnar esse indeferimento, uma vez que existe um acto administrativo de deferimento tácito anterior, válido e em vigor.”

10º-No mesmo sentido a sentença proferida em 26/11/2012 pela Exmª Juiz do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e Comarca do Seixal no Proc.116/10.5 PHSXL-A:
...”não poderá a Segurança Social prevalecer-se de um acto revogatório de uma decisão de deferimento tácito, sob pena de esvaziamento total de conteúdo normativo legal que prevê a sua formação ...
...”Pelo exposto, entendo que o acto administrativo de deferimento tácito encontrava-se, à data da notificação da requerente para se pronunciar nos termos dos artigos 100º e 101º do C.P.S. (16/02/2012), já válido e em vigor, pelo que a mesma beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de mais encargos com processo.”

11º-Enquanto se mantiver em vigor o artº 25 da Lei do Apoio Judiciário todas as decisões em contrário daquele comando são injustas e ilegais.

12º-Entendemos também que a decisão recorrida é contraria ao principio da confiança, por conduzir ao total esvaziamento do conteúdo do comando contido no artº 25 da mencionada Lei do Apoio Judiciário e, como consequência, contraria ás regras de interpretação previstas no artº9 do C.Civil... “ na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

13º-E o legislador disse que decorrido o prazo de 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.

14º-A administração está vinculada por aquele normativo que reconhece aos requerentes do apoio judiciário verem deferido tacitamente o seu pedido sempre que não seja proferida decisão no prazo de 30 dias.

15º-A Segurança Social violou aquele comando legal ao prevalecer-se de um acto revogatório de uma decisão de deferimento tácito. 

16º-Ao contrario do que se decidiu no seu último parágrafo da douta decisão recorrida, entende a Ré que a formação do acto tácito de deferimento, nada havia que impugnar judicialmente nos termos do disposto no artº 27º e 28º da citada Lei do Apoio Judiciário, tal como se lê no já transcrito Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “ se após o deferimento tácito, a Segurança Social vem proferir decisão expressa indeferindo o pedido de protecção jurídica, o Requerente não tem que impugnar esse indeferimento uma vez que existe um acto administrativo de deferimento tácito anterior, válido e em vigor”.

17º-Sempre com o devido respeito por opinião em contrario, entendemos que nos termos do artº25 da supracitada Lei 34/2004 deve considerar-se tacitamente deferido e concedido o requerido apoio judiciário.

18º-Porque não se decidiu assim, violou-se o disposto no artº25 nº1, 2 e 3 da mencionada Lei 34/2004 de 29/07.
Não houve resposta.
 
II–FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Concessão de apoio judiciário. Deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, seguido de decisão de indeferimento desse mesmo pedido, não impugnado judicialmente pelo requerente.

Passemos à sua análise :

A decisão recorrida não merece censura.

Com efeito, não compete ao tribunal apreciar se houve ou não deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, caso exista uma decisão superveniente (expressa) da entidade administrativa a indeferir esse mesmo pedido e o interessado não a houver impugnado judicialmente (com podia tê-lo feito).

A existir deferimento tácito, esse mesmo acto teria sido revogado pelo posterior acto de indeferimento expresso que se consolidou definitivamente no ordenamento jurídico, na ausência da respectiva impugnação judicial pelo interessado.

É o que resulta expressamente dos artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo, sendo certo que a circunstância de eventualmente se tratar da revogação de um acto constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 140º, nº 1, alínea b)) deveria ser suscitada e decidida no âmbito da respectiva impugnação judicial.

Competiria, neste contexto, ao interessado pugnar pela invalidade da revogação do acto tácito, sem o que – como sucede – se produz a consolidação do acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário.

O acto anulável que não seja impugnado pelo interessado consolida-se na ordem jurídica e deve, como tal, ser acatado, in casu, o acto de negação do pedido de apoio judiciário, contrário à vontade apenas presumida do órgão administrativo competente.

Neste sentido, vide a seguinte jurisprudência, perfeitamente firmada:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Outubro de 2012 (relator Trajano de Menezes), publicitado in www. jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Março de 2008 (relator Pinto de Almeida), publicitado in www.jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2010 (relatora Maria de Deus Correia), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Outubro de 2011 (relatora Márcia Portela), publicado in www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2007 (relatora Paula Leal de Carvalho); acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2012 (relator José Ascensão Lopes), publicitado in www.jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2009 (relatora Dina Monteiro), publicado in www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de Julho de 2013 (relator Filipe Caroço), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Abril de 2013 (relatora Cecília Agante), publicado in www.dgsi.pt (estes dois últimos referenciados na decisão recorrida).
Em sentido divergente, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Janeiro de 2011, publicado in www.dgsi.pt.
Pelo que improcede a presente apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

IV-DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar  improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 19 de Abril de 2016.
 

( Luís Espírito Santo ). 
( Gouveia Barros ).    
( Conceição Saavedra ).