Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26748/15.7T8SNT-B.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
AUDIÊNCIA
PRESENÇA DOS PROGENITORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1) Em processo judicial de promoção e protecção, o carácter reservado do processo não impede a presença dos progenitores ou seus mandatários em diligências de audição de técnicos, progenitores, familiares ou menores.
2) Vedar tal presença bule com os princípios vigentes no processo civil, diploma a que cabe lançar mão por via da natureza de tal processo, que é de jurisdição voluntária, cuja disciplina se mostra prevista no Código de Processo Civil.
3) Não se afasta que a presença de advogados na audição da criança seja passível de ponderação casuística, em nome do princípio geral do interesse superior da criança consagrado no art. 4º, n.º 1, al. a) da LPCJP ex vi do art. 4º, n.º 1 do RGPTC, quando tal for susceptível de afectar as declarações a tomar, que se pretendem o mais espontâneas e livres de qualquer pressão externa, sem prejuízo de ser facultado, de seguida, o contraditório.
4) A não sujeição a critérios de legalidade estrita subjacente aos processos de jurisdição voluntária não comporta a possibilidade de disciplinar o processo sem obediência aos elementares princípios do processo civil, a menos que outros devam prevalecer – como o superior interesse da criança – e, então, caberá densificar tal «superior interesse» que faça claudicar tais princípios pela supremacia de outros.
Sem prejuízo do disposto no artigo 88º, nº 3, da LPCJP, que permite o acesso ao processo aos pais ou seu mandatário, poderão ocorrer circunstâncias que determinem a confidencialidade, as quais terão que ser aferidas e fundamentadas à luz do caso concreto.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

(...)
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), constituem questões a decidir:
a.  Se padece de nulidade a diligência de audição das técnicas, progenitores e menores sem a presença de mandatário da parte, a quem foi negado que estivesse presente.  
b. Se é de determinar o livre acesso a todo o processo, quer fisicamente, quer via Citius.
*
OS ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO SÃO OS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO QUE ANTECEDE.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nas suas conclusões de recurso a recorrente limitando o seu recurso à «decisão proferida na acta de 02 de Maio de 2018, na parte em que negou acesso ao Mandatário da recorrente a diligência de audição das técnicas, progenitores, tia paterna e do menor, ou seja, todas as diligências realizadas nesse dia», «Entendendo a Recorrente que não pode ser negado acesso a essas diligências» e «arguindo a nulidade de todo o processado», vem, ainda, impugnar o segmento da argumentação expendida no despacho recorrido quando refere teremos mandatários «acesso a todas as informações, relatórios e actas que não forem considerados confidenciais, pelo que desde já se faculta o acesso à ilustre mandatária da mãe.»
Importa para a análise da questão em apreço fazer o seu enquadramento à luz das pertinentes normas e, designadamente, do disposto nos artigos 88º e 104º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO – LPCJP), aferindo-se do alcance do disposto quanto ao carácter reservado do processo (artigo 88º) e ao princípio do contraditório (artigo 104.º).
Dispõe o artigo 88.º que:
«1 - O processo de promoção e proteção é de caráter reservado.
2 - Os membros da comissão de proteção têm acesso aos processos em que intervenham, sendo aplicável, nos restantes casos, o disposto nos n.os 1 e 5.
3 - Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.
4 - A criança ou jovem podem consultar o processo através do seu advogado ou pessoalmente se o juiz ou o presidente da comissão o autorizar, atendendo à sua maturidade, capacidade de compreensão e natureza dos factos.
5 - Pode ainda consultar o processo, diretamente ou através de advogado, quem manifeste interesse legítimo, quando autorizado e nas condições estabelecidas em despacho do presidente da comissão de proteção ou do juiz, conforme o caso.
6 - Os processos das comissões de proteção são destruídos quando a criança ou jovem atinjam a maioridade ou, nos casos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 63.º, os 21 anos ou 25 anos, respetivamente.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a informação a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 13.º-A é destruída assim que o processo ao abrigo do qual foi recolhida seja arquivado, pelo facto de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir.
8 - Em caso de aplicação da medida de promoção e proteção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º, deve ser respeitado o segredo de identidade relativo aos adotantes e aos pais biológicos do adotado, nos termos previstos no artigo 1985.º do Código Civil e nos artigos 4.º e 5.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e, salvo disposição especial, os pais biológicos não são notificados para os termos do processo posteriores ao trânsito em julgado da decisão que a aplicou.
9 - Quando o processo tenha sido arquivado nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º, é destruído passados dois anos após o arquivamento.»
Por seu turno, o artigo 104.º, com a epígrafe «Contraditório» dispõe que:
«1 - A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a requerer diligências e oferecer meios de prova.
2 - No debate judicial podem ser apresentadas alegações escritas e é assegurado o contraditório.
3 - O contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, designadamente na conferência tendo em vista a obtenção de acordo e no debate judicial, quando se aplicar a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º»
Importa, todavia, atentar em que os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são processos de jurisdição voluntária (artigo 100° da LPCJP), pelo que nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, podendo as resoluções ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstancias supervenientes que justifiquem a alteração (artigos 987° e 988° n° 1 do CPC) e  que, tratando-se de processo de jurisdição voluntária, são-lhe aplicáveis, sem prejuízo do que dispõe o artigo 126º da LPCJP, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil ( artigo 549º,nº 1,do CPC).
O fundamento para a não permissão de assistência de mandatário da mãe na audição dos técnicos, menor, progenitor e tia paterna, assentou no carácter reservado do processo e na inexistência de disposição legal que imponha que os mandatários dos progenitores de menores tenham que estar presentes em todas as diligências a realizar.
Especificamente quanto à «Audição da criança e do jovem» dispõe o artigo 84º da LPCJP que «As crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de proteção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro. »
Ressalta, daqui, a pretensão de harmonização sistemática entre os referidos diplomas: RGPTC e LPCJP.
Por seu turno, dispõem estes artigos nos seguintes termos:
«Artigo 4.º
Princípios orientadores
1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
b) Consensualização (…);
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.»
«Artigo 5.º
Audição da criança
1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 - A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente:
a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais;
b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada.
5 – (…).
6 - Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento.
7 - A tomada de declarações obedece às seguintes regras:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
d) (…);
e) (…);
f) (…);
g) Em tudo o que não contrarie este preceito, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime processual civil previsto para a prova antecipada.»
Assim, no que especificamente se refere ao regime aplicável à audição da criança e jovem, por via do que dispõe o artigo 5º, nº7, b) do RGPTC, ex vi do artigo 84º da LPCJP, a mencionada audição deverá efectuar-se na presença dos mandatários dos progenitores.
A propósito dos artigos 4º e 5º do RGPTC pode ler-se em «Família e Crianças as Novas Leis; Resolução de Questões Práticas»[1]:
«Prevêem estes preceitos duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destinam: a) uma para exprimir a opinião da criança e b) outra para tomada de declarações como meio de prova.
A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º. 6 e 7). Tal resulta expressamente do espírito e da letra da lei.
(…)
Do que precede pode concluir-se, que as declarações a que respeitam os n.ºs 6 e 7, do preceito em análise, constituem um meio de prova legalmente admitido, a produzir, quando o superior interesse da criança o exija, devendo ser atendido, nos termos do art. 413.º do Código de Processo Civil (ex vi art. 33.º) e não o meio adequado para que a criança possa livremente exprimir a sua opinião.
Recorde-se que um dos elementos do direito de participação é o da «liberdade» de exprimir uma opinião, expressão que, muito embora não conste na letra da lei, não pode, de todo, ser olvidada, seja, por resultar da natureza pessoal do direito de exprimir uma opinião, seja, por ter consagração em instrumentos internacionais e constitucionais.»
As duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destina, seja a de exprimir a sua opinião ou a sua tomada de declarações como meio de prova recebem diferente tratamento. Destinando-se à primeira das finalidades, o juiz poderá ouvi-la sem a presença de mandatário dos progenitores, mas já não quando as suas declarações constituem um meio de prova.
O regime de audição difere, assim, consoante se destine a mesma aos fins do nº 1 ou aos do nº6, sendo incontroverso que nos termos do nº 6 a presença de mandatário do progenitor deverá ser assegurada.
Assim, devem estar presentes os advogados se for para os termos do artigo 5.º/6 e 7, do RGPTC, aplicável ex vi do artigo 84º da LPCJP.
Tal é determinado pelo disposto no mencionado artigo 5º, nº 7, mas sempre seria pela aplicação das regras do Código de Processo Civil que regulam o princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3, do CPC ev xi do artigo 549º, nº 1, do CPC).
Veja-se que não tendo sido gravadas as declarações, como não foram, nem sequer poderiam os mandatários actuar aquele contraditório, depois de ouvidas as gravações, em acto contínuo, por forma a lhes fosse permitido formular as perguntas adicionais que julgassem adequadas.
Caso o Juiz pretenda ouvir os menores com vista a emitir a sua opinião (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2) do RGPTC), caberia realizar duas diligências seguidas: primeiro para ouvir sozinho a criança (artigo 5.º/1 a 5) e depois em diligência probatória (artigo 5º,nº7), o que não ocorreu na situação em apreço.
A natureza reservada do processo não bule com o principio da audiência contraditória, nos termos do qual «1- Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.  2 - Quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória.» ( artigo 415º do CPC).
Acresce que tal reserva do processo não obsta a que os pais, o representante legal ou pessoa que detenha a guarda de facto possam consultar o processo, pessoalmente ou através de advogado, nos termos estatuídos pelo artigo 88º, nº 3, da LPCJP, não se podendo daqui extrapolar que esta é a única via de intervenção nos autos, nem que daqui resulta estar vedada a presença de mandatários em diligências a realizar pelo Tribunal, em total desrespeito pelas mais elementares regras vigentes no processo civil, diploma a que cabe lançar mão por via da natureza deste processo, de jurisdição voluntária, cuja disciplina se mostra prevista naquele referido Código de Processo Civil.
Não se afasta que a presença de advogados na audição da criança seja passível de ponderação casuística, em nome do princípio geral do interesse superior da criança consagrado no art. 4º, n.º 1, al. a) da LPCJP ex vi do art. 4º, n.º 1 do RGPTC, quando tal for susceptível de afectar as declarações a tomar, que se pretendem o mais espontâneas e livres de qualquer pressão externa, sem prejuízo de ser facultado, de seguida, o contraditório.
De facto, não se olvida a dificuldade de conciliar a audição de menores com o princípio do contraditório e a necessidade de proteger a criança de eventuais reacções dos progenitores e até a necessidade de evitar a eventual instrumentalização das suas declarações nos conflitos parentais.
Todavia, tal ponderação não foi efectuada na situação em apreço, nem fundamentou a recusa na assistência à diligência por parte do mandatário da mãe dos menores.
Se a audição de menores permitiria, na circunstância específica do nº 1 do artigo 5º do RGPTC, suscitar dúvida sobre a bondade do despacho recorrido, dúvida que deixámos afastada por estarmos no âmbito de declarações como meio de prova, o desacerto da decisão quanto às demais diligências de audição de técnicos e pais, realização de visitas domiciliárias, realizações de perícias e todas as diligências a realizar por todos os técnicos da segurança social e pelos magistrados, é insusceptível de sufragar na situação em apreço.
O carácter reservado do processo não permite concluir pela exclusão da referida intervenção e existem normas legais que prescrevem o contraditório, desde logo com assento no RPCJP (Nos termos do artigo 104º, é assegurado à criança ou jovem, aos seus pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, podendo estes, para esse efeito: requerer as diligências e oferecer meios de prova (nº1), apresentar alegações escritas no debate judicial (nº2), sendo-lhe assegurado o contraditório).
«(…) o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem», como resulta claramente do art. 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, ex vi artigos 100º e 126º da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo.
A criança e o jovem com menos de 12 anos têm, como qualquer outro cidadão, direito, nos termos do art. 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo.
Tendo, por isso, direito, a que as normas processuais lhe proporcionem, «os meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo (Acórdão nº 632/99).
Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas (…).
Um processo equitativo e leal deve assegurar a cada uma das partes, o poder de expor as suas razões de facto e de direito perante o tribunal, antes que este tome uma decisão. É o direito de defesa dos interessados perante tribunais onde se discutem questões que lhe dizem respeito. As partes devem, por outro lado, poder exercer o direito de defesa em condições de igualdade, devendo-lhes ser assegurado o princípio do contraditório. (…) O conteúdo do direito de defesa e do principio do contraditório resulta, prima facie que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras 218».
Os nºs 2 e 3 do art. 104º, reforçam a consagração do princípio do contraditório, assegurado no debate judicial e, em todas as fases do processo, quanto se aplicar a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção.»[2]
Os princípios do contraditório e da igualdade entre os vários intervenientes no processo inviabilizam que os autos possam prosseguir, com a prática dos seus actos, à revelia dos progenitores, vedando-lhes o acesso às diligências, mesmo que hajam sido oficiosamente determinadas.
A não sujeição a critérios de legalidade estrita subjacente aos processos de jurisdição voluntária não comporta a possibilidade de disciplinar o processo sem obediência a estes princípios, a menos que outros devam prevalecer – como o superior interesse da criança – e, então, caberá densificar tal «superior interesse» que faça claudicar tais princípios elementares do processo civil.
Assim, são nulas as diligências de audição sem a presença dos advogados que nisso manifestem interesse, nos termos sendo do artigo 195º, nº 1, do CPC ex vi dos artigos 100º da LPCJP e 549º do CPC.
Vejamos, agora, se pode ser concedido livre e incondicional acesso da recorrente e do seu mandatário, sem excepção, aos autos, como vem requerido.
O que resulta do despacho recorrido é a referência genérica, na fundamentação da recusa à assistência a diligências por mandatário, a que «os mandatários dos progenitores têm, sim, acesso a todas as informações, relatórios e atas constantes dos autos que não forem consideradas confidenciais (…)».
Ora, não se alcança que haja sido vedado ao mandatário da progenitora qualquer acesso pretendido, nem a que acto tal acesso foi vedado, mas do que se trata é tão só de uma argumentação expendida no despacho que inviabiliza a presença de mandatário a audições.
De todo o modo, considerando o disposto no artigo 88º, nº 3, da LPCJP, tal acesso é permitido em regra, sem prejuízo de circunstâncias haver que determinem acesso limitado, circunstâncias estas que encontram previsão na mencionada norma e que não se nos afigura que se integrem na situação a decidir nos presentes autos.
Subscrevemos integralmente o que foi referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de         02-05-2017[3]
«I-O processo de promoção e proteção de menores tem, de hoje em dia, caráter reservado, a significar que apenas as pessoas enunciadas na lei o podem consultar, entre elas figurando os pais do menor.
II - Pode, assim, afirmar-se o princípio segundo o qual as restrições de acesso e consulta do processo não abrangem os pais do menor que, à partida, o podem consultar sem restrições.
III - Esse acesso livre sofre, como única limitação, o segredo que a lei manda preservar, no âmbito de aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção, quanto à identidade dos adotantes e dos pais biológicos do adotado.
IV - Podem existir casos em que a integridade física da criança possa ficar em causa se o progenitor souber que a mesmo verbalizou, no âmbito do processo, o seu medo de conviver com ele, de sorte a que o superior interesse da criança aponte para a necessidade de limitar o acesso do progenitor a esse desabafo.
V – Não existindo elementos que permitam reconduzir o caso em análise à hipótese figurada, a confidencialidade não se justifica, tanto mais que o progenitor tomou já conhecimento da alegada verbalização desse medo através de outra peça processual.»
Inexistindo qualquer fundamento que se mostre enunciado no despacho recorrido, para limitar o acesso a que alude o artigo 88º, nº 3, da LPCJP, também neste segmento procede a pretensão da recorrente.
Com os fundamentos expostos, procede a pretensão da recorrente.

******
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, declarando-se nulas as audições realizadas em 02.05.2018 e determinando-se o livre acesso dos progenitores, por si ou através dos seus mandatários, ao processo.
Sem custas.
Registe e Notifique.
                                                          
****
Lisboa, 25.09.2018

Carla Câmara

Higina Castelo

José António Capacete

[1]http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf,pag. 21
[2] Alcina da Costa Ribeiro, «O Direito de Participação e Audição da Criança no ordenamento jurídico português -  Subsídios para o estudo do regime jurídico do direito de participação e audição da criança nos processos de natureza cível que lhe dizem respeito.» in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/35085/1/O%20Direito%20de%20Participacao%20e%20Audicao%20da%20Crianca%20no%20ordenamento%20juridico%20portugues.pdf, pag.s 66 e 67.
[3] Processo 14091/09.5T2SNE-A.L1-7, Relator: ROSA RIBEIRO COELHO, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4ce55236d953c8cd8025813100383a3f?OpenDocument
Decisão Texto Integral: