Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6564/17.2T8LRS.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: BANCO
AGÊNCIA
SUCURSAL
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SUPRIMENTO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Se a acção for proposta contra a sucursal ou agência da sociedade ou pessoa colectiva, por nascer de facto por ela praticado, a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada.
II – No entanto, nada impede a substituição processual da sucursal ou agência demandada pela sociedade ou pessoa colectiva, a quem respeita a relação jurídica.
III - A referida substituição pode ter lugar por iniciativa da administração principal da sociedade ou pessoa colectiva.
IV - Se a acção for proposta contra a sucursal ou a agência de uma sociedade ou pessoa colectiva, por facto imputável à administração principal, deve o juiz fazer uso dos poderes-deveres de gestão processual/adequação formal [artigos 6.º e 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC ] e providenciar pelo suprimento da falta de personalidade judiciária da demandada, convidando o autor promover a citação da administração principal dentro de determinado prazo.
V - Efectuada a citação da sociedade ou pessoa colectiva e tendo esta contestado a acção, em nome próprio, fica sanada a falta do referido pressuposto processual e o processo seguirá os seus termos contra a sociedade ou pessoa colectiva, que passa a ocupar a posição processual da sucursal ou agência [art.º 14.º, 1.ª parte do CPC].
VI – Na eventualidade de a primitiva demandada ter apresentado contestação ou outros articulados, o processo só prosseguirá os seus termos como se a parte preterida tivesse intervindo desde o início se esta ratificar esse processado [art.º 14.º, 2.ª parte, do CPC].
VII – Em caso de recusa de ratificação, ocorrem de novo os prazos previstos para a prática dos actos não ratificados [art.º 14.º, 2.ª parte, do CPC].
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1.1. A   , intentou acção de processo comum de declaração contra  B [ “Caixa Geral de Depósitos, S.A., agência de moscavide ] , com morada na Av. Moscavide, 52-b, 1885-062, Moscavide, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 2900/930902, com o NUIPC 500 960 046”[sic], pedindo:
“A) ser o negócio celebrado entre os AA. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 9.808,22 e juros vincendos até integral pagamento;
Se assim não se entender, o que apenas e só por mero dever de patrocínio se pede, deve a R ser condenada a:
B) pagar aos AA. uma indemnização no valor de EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 9.808,22 e juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304.º, 304.º-A, 311.º, 312.º, 312.º-B, 312-C a 312.º-G, 314.º, ss, todos do CVM;
Ou caso assim não se entenda,
C) ser o negócio celebrado entre o AA. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 50.000,00, acrescido de juros vencidos no montante de EUR 9.808,22 e juros vincendos até integral pagamento”.
1.2. Alegou, para o efeito, em síntese, que em 12/07/2012 assinou, na agência do Réu sita em Moscavide, uma ordem de subscrição de obrigações “PT TAXA FIXA 2012/2016”, no montante de 50.000,00 euros, que o fez por confiar no seu gestor de conta, que sempre o aconselhara a tomar as decisões para aplicação do seu dinheiro, que o investimento nas referidas obrigações não era adequado ao perfil conservador do Autor, que mercê das informações que lhe foram prestadas pelos gestor da conta formou a convicção de que lhe seria devolvido o capital acrescido dos juros na maturidade do produto e que se tivesse sido informado que o rating da PT era “grau especulativo” ou “lixo” e/ou que o capital e juros não estavam garantidos não teria subscrito o referido produto, que ao contratar a sua vontade estava viciada, por erro provocado pela representação inexacta, falsa, do objecto do negócio, de tal maneira que se o Autor conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o declarou e concluiu.
Subsidiariamente e em resumo, alegou:
Em 2012 o Autor tinha a ideia da PORTUGAL TELECOM, SGPS, S.A., com uma excelente imagem financeira e económica, que a partir de 18 de Março de 2014 esta entidade emitente passou a ser uma outra sociedade, completamente diferente da que existia em 2012, uma sociedade designada PT PORTUGAL, SGPS, SA, que seria mera subsidiária do Grupo Oi., sendo que o Autor nunca foi contactado deste relevante alteração que tinha efectuado, pelo que a Ré violou o dever de informação de alteração significativa na informação prestada ao abrigo dos artigos 312.º-C a 312-º-G do CVM, sendo responsável pelos prejuízos causados ao Autor, decorrentes dessa alteração.
A Ré violou o dever de informação do direito ao reembolso antecipado, a que estava adstrita enquanto intermediário financeiro, devendo, por isso responder pelos prejuízos causados ao Autor.
E que houve alteração das circunstâncias do negócio celebrado entre Autor e Ré, que afectou o equilíbrio das prestações e tornaram intolerável a manutenção do contrato, tal como inicialmente querido e gizado pelo Autor e Ré, a justificar a sua resolução, por alteração superveniente das circunstâncias do negócio, devendo a Ré devolver o valor investido pelo Autor.
1.3. Citada, a Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção e no que para aqui relva, invocou a falta de personalidade judiciária da Ré, agência bancária [cfr. fls. 293 verso a fls. 206 verso].
1.4. Na sua resposta, o Autor pugnou pela improcedência da excepção alegada.
1.5. Findos os articulados, em 22/02/2018 foi proferido despacho saneador, com a ref.ª 373816086, que julgou procedente e verificada a excepção dilatória deduzida [falta de personalidade da agência] e, em conformidade, absolveu da instância a Ré, com os fundamentos seguinte:
Da falta de personalidade judiciária da Ré, agência bancária
A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, Agência de Moscavide, com morada na Avenida de Moscavide 52-B, em Moscavide, peticionando a anulação do negócio celebrado com a Ré com fundamento em erro na base do negócio e a consequente condenação da mesma a devolver-lhe o montante de € 50.000,00 acrescido de juros vencidos e vincendos, e subsidiariamente peticionou a condenação da mesma Ré a pagar-lhe indemnização naquele valor de € 50.000,00 acrescido de juros vencidos e vincendos, ou, e ainda subsidiariamente, que seja declarado resolvido o negócio celebrado com a Ré por alteração superveniente das circunstâncias, com a consequente condenação desta a devolver-lhe a mencionada quantia de € 50.000,00 com juros vencidos e vincendos.
Em contestação a Ré excepcionou (entre outras) a falta de personalidade judiciária, porquanto a acção foi intentada contra agência bancária, a qual não se mostra dotada de personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, sendo que de acordo com o previsto no artigo 13º do Código de Processo Civil a agência teria personalidade judiciária se nos autos estivessem apenas em causa factos por ela praticados, mas não é essa a concreta situação alegada pelo A. em sustento da sua pretensão.
O A., como supra assinalámos, exerceu o contraditório e pugnou pela improcedência da matéria de excepção, nomeadamente da excepção ora em apreço.
É inequívoco que o A. intentou a presente acção contra a Agência de Moscavide da B: resulta patente da petição e o A. reforçou-o na sua resposta à excepção (cfr. artº 13º dessa peça).
A Ré invocou que aquela agência apenas serviu como mera receptora do pedido de subscrição, o qual, desde o início e até à sua conclusão, foi tratado e objecto de todos os procedimentos pela Ré na sua sede e não na agência, não tendo esta, relativamente ao presente negócio, praticado por si só quaisquer actos.
De acordo com o artigo 2º-A al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, com subsequentes alterações, entre as quais as introduzidas pelo DL nº 107/2017, de 30/08), “agência” é a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal, e por ser turno, a al. ll) do mesmo dispositivo legal estatui que a “sucursal” é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa de que faz parte integrante.
No caso em análise é o próprio A. que na petição (a propósito do título legitimidade passiva”) logo revela destrinçar a actividade da CGD e a das suas agências afirmando “O R. exercia como exerce a actividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária, entre outros, estando autorizado a exercê-la pelo Banco de Portugal” (artº 1º da p.i) – em clara referência à “CGD, SA” – mais afirmando “A R. tinha dezenas de agências abertas em Portugal (…) com uma organização hierárquica vertical” (cfr. artº 2º p.i).
Logo essas iniciais afirmações do A. encerram o reconhecimento de que a agência demandada, fruto da referida organização hierárquica vertical, não efectuou directamente, no todo ou em parte, qualquer operação tendente à concretização da subscrição do produto financeiro em causa : ela actuou em operação inerente à actividade da empresa de que faz parte integrante.
E assim foi, e é, precisamente porque as agências bancárias são meros estabelecimentos comerciais sem personalidade jurídica e desprovidos de autonomia patrimonial.
À luz do estipulado no artigo 13º nº 1 do Código de Processo Civil, a agência apenas teria personalidade judiciária (que consiste na susceptibilidade de ser parte em juízo, nos termos do estatuído no artigo 11º nº 1 do mesmo Código) se em causa nos autos estivessem somente factos por ela cometidos ou omitidos.
Mas não foi isso que se verificou: a agência em apreço actuou em operação inerente à actividade da empresa de que faz parte integrante, pois ela não tem autonomia e legitimidade para a prática de actos inerentes à actividade bancária nem de intermediação bancária, que se mostram exclusivamente cometidos à “CGD, SA” mediante a devida autorização do Banco de Portugal. Por isso a agência, em razão da estrutura hierárquica vertical mencionada pelo A., apenas divulgou um produto financeiro e recebeu o respectivo pedido de subscrição, o qual foi tratado a nível central, assim como a nível central, nos competentes departamentos centrais, foram adoptados todos os procedimentos relativos à subscrição do produto financeiro.
Dir-se-á, porventura, que quando a acção for indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal, agência, filial, delegação ou representação, a ausência da sua personalidade judiciária é sanável mediante a ratificação ou a repetição pela administração principal dos actos praticados por aquelas entidades (cfr. artigo 14.º do Código de Processo Civil). E por isso, sendo demandada uma agência em acção judicial procedente de facto praticado pela administração principal, a falta de personalidade judiciária daquela (em face do preceituado no artigo 13.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) considerar-se-á suprida com a intervenção da administração principal e com a ratificação ou a repetição do processado (adaptando-se, deste modo e nesta sede, um regime análogo ao regime estatuído quanto ao suprimento da incapacidade judiciária). E tratando-se de pressuposto processual sanável o Tribunal deve procurar, antes de proferir um juízo absolutório da instância, que a administração principal realize tal sanação (cfr. artigo 6º nº 2, do Código de Processo Civil, e também Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex – 1997, pág. 140).
No caso concreto verifica-se ter sido citada a administração principal da Ré, sedeada na Avenida João XXI, n,º 63, em Lisboa (cfr. talão de registo a fls. 191 dos autos), a qual interveio nestes autos com a dedução de contestação e a junção de procuração forense.
Porém, esta participação na lide não tem a virtualidade de sanar a falta de personalidade judiciária em causa para os efeitos previstos no artigo 14.º do citado código, precisamente porque na contestação logo se suscitou a falta de personalidade judiciária da Ré agência, e com inteira razão, como vimos.
É que para os efeitos do art.º 14º CPC não basta a intervenção nos autos para sanar a falta em apreço; necessário se torna que ocorra a manifestação de “concordância” ou de “aceitação” da qualidade processual de réu, o que evidentemente não aconteceu in casu, visto que foi arguida expressamente, por banda da defesa, a excepção da falta de personalidade judiciária.
Ora, a falta não sanada de personalidade judiciária configura uma excepção dilatória nominada (cfr. artigo 577º al. c), do Código de Processo Civil), que é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578º, parte inicial), e conduz à absolvição do réu da instância (cfr. artigos 278º nº 1 al. c), 571º nº 2, segunda parte, 576º nºs 1 e 2, 577º al. c) e 578º parte inicial, todos do Código de Processo Civil).
Assim, e aqui chegados, julgamos verificada a aludida excepção dilatória, sem qualquer possibilidade de sanação, ficando prejudicado o conhecimento da matéria relativa à requerida suspensão da instância, assim como o conhecimento das excepções de prescrição e caducidade.»
1.6. Inconformado com o decidido, o Autor apelou para esta Relação, tendo rematado as alegações do recurso com as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, que decidiu julgar procedente e verificada a exceção dilatória falta de personalidade judiciária.
II. O A. indicou e identificou no intróito, a Ré “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA” e não a Ré “AGÊNCIA DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA”., tendo indicado a morada da agência da R., e não da sua sede.
III. É o próprio saneador sentença que refere que A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., Agência de Moscavide (…).
IV. Esta discrepância é geradora de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, 1, c), do CPC, vício este que se deixa expressamente invocado, com as legais consequências.
V. De forma esclarecida, aliás, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Cível de Loures, admitiu como R, desde logo, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA (e já não a sua Agência).
VI. É que a sentença recorrida aceita que a R. tem sede em Lisboa (81.º, 2, do CPC), assim como, que não foi praticado qualquer facto pela agência referida no cabeçalho da PI, até porque a “agência” em causa não tem quaisquer poderes de representação.
VII. Entende o A. que, de acordo com os princípios orientadores do nosso direito processual civil, e por força do disposto no art.º 6.° do CPC, incumbia ao juiz a quo providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, no caso concreto, da falta de personalidade judiciária da Ré, antes de proferir sentença a julgar extinta a instância, absolvendo a Ré da mesma, por falta de capacidade judiciária.
VIII. Trata-se, por isso, do poder-dever de adequação formal resultante das disposições conjugadas dos arts. 590.º, 2, a) e 6.º, 2, ambos do CPC.
IX. Assim, e ao invés de proferir saneador sentença, deveria o juiz a quo ter proferido despacho pré-saneador, nos termos do referido preceito.
X. Aliás, conhecer, por saneador sentença da exceção falta de personalidade judiciária sem previamente proferir pré-saneador configura violação da lei processual, a qual se deixa desde já invocada, com as legais consequências.
XI. Em sede de Contestação, a R. invocou a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Agência.
XII. Entendeu o Tribunal a quo que a R. deveria ser a CGD e não a agência da CGD, pelo que deveria ser citada na sede social.
XIII. Ora, chamado a pronunciar-se sobre tal questão, o Juízo Central Cível de Loures proferiu decisão quanto à matéria de exceção, pronunciando-se quanto à exceção invocada da falta de personalidade judiciária da agência.
XIV. E foi uma opção consciente, uma vez que na decisão é referido que: “a Ré invocou que aquela agência apenas serviu como mera receptora do pedido de subscrição, o qual, desde o início e até à sua conclusão, foi tratado e objecto de todos os procedimentos pela Ré na sua sede e não na agência, não tendo esta, relativamente ao presente negócio, praticado por si só quaisquer actos.
XV. Outra lógica não podia imperar, dado o facto de que, o Tribunal a quo, assumiu que a R. não seria a agência mas sim a pessoa coletiva CGD, criando-se, por isso, estabilidade decisória quanto ao facto de, sendo a Ré a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., a ação prosseguiu os seus trâmites normais, até ao momento em que foi proferido o despacho saneador sentença.
XVI. A R. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA apresentou contestação em seu próprio nome, cumprindo o disposto no art.º 14.º do CPC, assim sanando a alegada falta de personalidade judiciária da Agência.
XVII. Se fosse liquida a intenção do A. de demandar a Agência e não a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA – instituição de crédito – a R. não sentiria necessidade de assumir – como fez – o papel de verdadeira contraparte nos autos, tendo respondido e apresentado a sua defesa em nome, então, da Agência.
XVIII. Aliás, a R. fê-lo explícita e implicitamente e: ao apresentar contestação em nome próprio e ao alegar factos novos por si praticados.
XIX. Nos presentes autos, a administração principal interveio, contestando, sendo que a R. CGD foi citada na sua sede, ou seja, no local da administração principal, pelo que se deixa expressamente arguida a sanação da falta da personalidade judiciária da agência, nos termos do art.º 14.º do CPC, por ratificação consubstanciada na prática dos seguintes atos: citação da R. na sede, apresentação de contestação com alegação de factos por ela praticados e defesa por impugnação.
XX. Ao considerar, o Tribunal a quo, a falta de personalidade judiciária da R., deveria ter resolvido esta questão, no sentido do convite ao aperfeiçoamento, de forma clara e expressa.
XXI. Caso assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá que a sentença recorrida entendeu que a agência bancária é destituída de personalidade judiciária, só assim não sucedendo quanto aos factos por ela praticados – o que rejeita no caso dos presentes autos.
XXII. Ora, dispõe o n.º 1 do art.º 13.º do CPC que “As (...) agências podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.”.
XXIII. Razão pela qual se pode dizer que o A. apenas celebrou o negócio jurídico sub judice porque foi naquele local, com aquelas pessoas, que ocorreu o facto.
XXIV. Da narração apresentada pelo A. resulta claro que se alegam factos que foram praticados pela agência (o gestor de conta, as não-informações, a subscrição do produto...), sendo sobre eles que se sustenta o pedido de anulação do negócio ou a respetiva indemnização.
XXV. O azimute que o legislador considerou foi o de o facto ter ou não ter sido praticado pela agência, dixit.
XXVI. De acordo com o Ac. TRL, de 11/10/2016, “Quem contacta um bancário para realização de operações de banca está presuntivamente convencido que este atua em nome e representação do Banco, não lhe sendo exigível que verifique a licitude ou os poderes da sua atuação interna”.
XXVII. Na sequência do que se acaba de dizer, sempre se dirá que para proferir decisão de mérito quanto à exceção falta de personalidade judiciária, seria necessário perceber se houve factos praticados pela agência.
XXVIII. E, para tal, seria necessário, ou dar factualidade por assente, ou produzir prova sobre factualidade controvertida.
XXIX. Esta posição encontra sustentação em diversos arestos dos tribunais superiores, pelo que estamos perante uma irregularidade da decisão reclamada, por violação do disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, c) e d), 607.º, 4, 616.º, b), 662.º, 2, c), e 195.º, 1, todos do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195.º, 1, do CPC in fine.
XXX. A douta decisão recorrida viola, por isso, o disposto nos arts. 5.º, 3, 6.º, 13.º, 14.º, 608.º, 2, do CPC; 7.º, 1, 249.º, 304.º, 2, 304.º-A, 1 e 2, 311.º, 312.º, 1, 312.º-B, n.º4, 312.º-E, 314.º, n.º 2, 314.º-D, n.º 2, 323.º e 328.º do CVM; 6.º e 19.º do Regulamento CMVM 2/2012; 19.º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74.º do Decreto-Lei n.º 298/92; 405.º, 437.º e 799.º CCiv.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O SANEADOR SENTENÇA PROFERIDO, SENDO SUBSTITUÍDO POR OUTRO NO QUAL SEJA SELECIONADA A MATÉRIA DE FACTO E ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, FAZENDO V. EXAS. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»

1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Objecto do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 5.º, 635º, n.º 3 e 639º, n.ºs 1 e 3, do CPC), no confronto com a decisão recorrida, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., ex vi do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Assim, as questões a resolver são:
1.ª O despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC?
2.ª A Agência de Moscavide da CGD tem personalidade judiciária para intervir como parte no processo?
3.ª Não sendo esse o caso, o Tribunal a quo deveria ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando o Autor a promover a citação da administração principal da CGD, dentro de determinado prazo?
4.ª Tendo a CGD sido citada na sede da sua administração principal e apresentado contestação em nome próprio [“Caixa Geral de Depósitos, S.A.”] deveria o Tribunal “a quo” ter considerado sanado o vício da falta de personalidade judiciária e o processo ter seguido os seus termos como se a parte preterida tivesse intervindo desde o início?
III - Fundamentação
A) Motivação de Facto
Relevam aqui as ocorrências processuais e os factos descritos no relatório antecedente.
B) Motivação de Direito
Primeira questão: O despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC?
O Recorrente aponta à decisão em crise o vício da nulidade previsto na alínea c) [oposição entre os fundamentos e a decisão; ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade] e na alínea d) [omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia sobre questões relevantes] do n.º 1 artigo 615.º do CPC.
Segundo julgamos perceber, da leitura dos n.ºs 11 a 16 das alegações e das conclusões II a IV do recurso, a primeira das nulidades arguidas radica na aparente contradição existente entre a identificação da Ré feita no relatório da sentença [“Caixa Geral de Depósitos, A.A., Agência de Moscavide”] e a que é feita em momento posterior, nas suas conclusões [“Agência de Moscavide da Caixa Geral de Depósitos”].
E a segunda nulidade invocada deriva do entendimento do Recorrente de que o estado dos autos não habilitava o Tribunal a quo a conhecer da excepção de falta de personalidade judiciária, por tal depender de prova a produzir no que concerne aos factos alegados pelo Autor como tendo sido praticados pela Agência, matéria que é controvertida.
Vejamos.
O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 n.ºs 3 e 4, do CPC, para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários, cabendo-lhe, nessa tarefa, analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigos 615º, n.º 1, alínea d), do CPC).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608º, nº 2, do CPC).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Os fundamentos invocados estão em oposição com a decisão, quando devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa [ANTUNES VARELA, Manual, 1.ª ed., pág. 671].
A oposição [entre os fundamentos e a decisão] só existe quando há contradição real entre os fundamentos e a decisão e não nas situações de contradição aparente, ou seja, quando exista um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou pelo menos, direcção diferente [cfr. acórdão do STJ, de 06/05/2005, Proc. n.º 04B1409, acessível em www.dgsi.pt.].
Não deve confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão, prevista na alínea c), do n.º 1 do art.º 615.º do CPC com o erro de julgamento, traduzido na incorrecta interpretação da lei ou indevida aplicação dela aos factos provados [cfr., neste sentido, acórdãos do STJ, de 20/01/2004, Proc. n.º 02S1697 e de 24/06/2004, Proc. n.º 04B11969, disponíveis em www.dgsi.pt.].
Por sua vez, uma sentença sofre de ambiguidade quando a parte decisória propriamente dita se preste a interpretações diferentes e será obscura quando contenha alguma passagem cujo sentido seja ininteligível ou quando o seu exacto sentido não possa razoavelmente alcançar-se.
Ora, salvo o devido respeito, lida a decisão em crise, entendemos que a mesma não padece de nenhum dos apontados vícios.
Não padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão na medida em que nela se considerou que a acção foi proposta contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A., Agência de Moscavide [o que, para nós, salvo o devido respeito, é o mesmo que dizer Agência de Moscavide da Caixa Geral de Depósitos, S.A.], se sustentou, com o apoio de basta fundamentação, que a referida Agência da CGD é destituída de personalidade judiciária para ser demandada e concluiu, como corolário lógico-jurídico dessas premissas, pela absolvição da Ré da instância.
Não enferma de nulidade, por ininteligibilidade decorrente de ambiguidade ou obscuridade, uma vez que o seu conteúdo é claro, permitindo alcançar com certeza e segurança a forma como se resolveu o litígio, o trilho percorrido pelo julgador e a solução a que chegou, tanto assim é que o próprio Recorrente interpretou conveniente a decisão recorrida, como decorre das alegações e conclusões da apelação, das quais resulta que a sua discordância é atinente, no essencial, a uma eventual errada interpretação dos artigos 6.º, 13.º, 14.º do CPC, situação que, a verificar-se, configura antes um erro de julgamento.
E também não está inquinada de nulidade, por omissão ou excesso de pronúncia, por não se poder concluir que o Tribunal a quo não conheceu de questões que devesse apreciar ou que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
É verdade que na petição inicial o Autor alegou factos como tendo sido praticados na Agência de Moscavide da CGD, desde logo a assinatura da ordem de subscrição de obrigações ou Notes “PT TAXA FIXA 2012/2016”, no valor de 50.000,00 euros, o registo, depósito e guarda desses activos em Conta de Activos Financeiros, actos de aconselhamento por parte do Gestor de Conta, funcionário daquela Agência, etc.
Sucede que as agências bancárias são meros estabelecimentos comerciais, sem personalidade jurídica ou judiciária e sem autonomia patrimonial.
Nos termos do art.º 11.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), em regra quem “tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Em regra, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica (art.º 5º do Código das Sociedades Comerciais – CSC).
No que respeita às agências, o art.º 13º do CPC, que reproduz o teor do art.º 7º do anterior código, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, estabelece o seguinte:
1 - As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado.
2 - Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.”
O acórdão desta Relação de 16/11/2010, Proc. n.º 487/08.3TBVFX.L1-1, disponível em www.dgsi.pt., [Desembargadora Anabela Calafate], faz uma ampla análise do preceito do anterior código, em termos doutrinais, e do qual se destaca o seguinte:
De harmonia com o art. 10º al c) do Código do Registo Comercial são factos sujeitos a registo «A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades, cooperativas, agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico com sede em Portugal ou no estrangeiro, bem como a designação, poderes e cessação de funções dos respectivos representantes».
Também o art.º 13º do Código das Sociedade Comerciais prevê que «a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.».
Por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr. Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed, pág. 116).
Já em anotação ao art.º 7º do CPC de 1939 explicava Alberto dos Reis:
«As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta. [Destaque e sublinhado nossos].
Não sucede o mesmo quando a acção emerge de acto ou facto praticado pela administração principal; então só esta pode demandar ou ser demandada. Exceptua-se o caso de a administração principal ter a sede ou o domicílio em país estrangeiro» (cfr Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., pág. 26/27).
Também no ensinamento de Antunes Varela as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) «como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.
Trata-se, por hipótese, de uma acção de condenação destinada a obter a amortização e os juros dum empréstimo concedido a um cliente do Banco Português do Atlântico pela filial de Coimbra. Apesar de o mutuante ser o Banco, cuja representação cabe ao conselho de gerência da sede, a filial de Coimbra goza de personalidade judiciária para propor a acção (ou para ser demandada), seja qual for a comarca onde a acção deva ser instaurada, porque a demanda nasce de um facto praticado pela dita filial. A decisão que seja proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial directamente demandada, mas também contra o próprio Banco.
E, no caso de a pessoa colectiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal, ainda no mesmo propósito de «dar vida, facilidades e interesse aos órgãos de administração local das sociedades» ou pessoas colectivas. Neste caso, mesmo que a acção proceda de facto praticado pela administração principal as sucursais, agências, filiais ou delegações terão personalidade judiciária, quer para demandar quer para serem demandadas, se a obrigação a que a acção se refere tiver sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.» (cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed, pág. 112).”
Por outro lado, de acordo com o artigo 2º-A al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12, com subsequentes alterações, entre as quais as introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 107/2017, de 30/08), normativo citado pela decisão recorrida, “agência” é a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal.
Por sua vez, a alínea ll) do mesmo dispositivo legal estatui que a “sucursal” é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa de que faz parte integrante.
No caso em apreço, como se dá devida nota na decisão em crise, ”é o próprio A. que na petição (a propósito do título legitimidade passiva”) logo revela destrinçar a actividade da CGD e a das suas agências afirmando “O R. exercia como exerce a actividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária, entre outros, estando autorizado a exercê-la pelo Banco de Portugal” (artº 1º da p.i) – em clara referência à “CGD, SA” – mais afirmando “A R. tinha dezenas de agências abertas em Portugal (…) com uma organização hierárquica vertical” (cfr. artº 2º p.i).
Logo essas iniciais afirmações do A. encerram o reconhecimento de que a agência demandada, fruto da referida organização hierárquica vertical, não efectuou directamente, no todo ou em parte, qualquer operação tendente à concretização da subscrição do produto financeiro em causa: ela actuou em operação inerente à actividade da empresa de que faz parte integrante.”
A tudo acresce que a actuação e intervenção do Gestor de Conta da Agência de Moscavide é feita no âmbito das suas funções e sob subordinação da CGD.
É certo que perante os normativos do CVM [maxime os artigos 312.º-C a 312.º G], o Gestor de Conta estava funcionalmente, enquanto colaborador da CGD, obrigado a informar o Autor, advertindo-o acerca dos riscos da operação, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do mesmo.
Mas, caso não o tenha feito, nem por isso responderá a título pessoal.
Quem poderá responder é a CGD, à luz do citado art.º 800º do Cód. Civil, uma vez que o Autor era cliente desta entidade bancária.
A violação do dever de informação dará lugar a responsabilidade contratual e não delitual, na medida em que esta resulta do incumprimento de obrigações; pressupõe a existência de uma relação intersubjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.
A única responsabilidade pessoal do Gestor de Conta, seria, eventualmente, perante a entidade patronal: pela via da responsabilidade disciplinar e pela via do exercício de um direito de regresso.
Refira-se, por fim, que até mesmo quando esteja em causa o exercício da actividade de intermediação financeira através de um agente vinculado – cfr art.ºs 294º-A a 294º-D do CVM – a responsabilidade pelos serviços prestados por este é sempre do intermediário financeiro em nome e por conta de quem este actua.
Por estar bem ciente disso, é que o Autor demandou a CGD, Agência de Moscavide e não também o referido Gestor.
Serve tudo isto para se concluir que a produção de prova relacionada com os factos controvertidos relacionados com os actos praticados na Agência de Moscavide se revelava e revela desnecessária e irrelevante para o conhecimento da excepção de fata de personalidade judiciária.
Face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal a quo podia conhecer da referida excepção dilatória – cf. artigo n595.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Por conseguinte, também não se verifica a invocada nulidade da decisão recorrida, por omissão e/ou excesso de pronúncia.
Saber do acerto dessa decisão, isto é, se a mesma fez incorrecta interpretação ou aplicação da lei é questão que trataremos mais adiante.
Improcedem, com tais fundamentos, as invocadas nulidades da decisão recorrida.
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Segunda e terceira questões:
- A Agência de Moscavide da CGD tem personalidade judiciária para intervir como parte no processo?
- Não sendo esse o caso, o Tribunal a quo deveria ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando o Autor a promover a citação da administração principal da CGD, dentro de determinado prazo?
A resposta à segunda questão tem de ser negativa, valendo aqui os fundamentos aduzidos na apreciação da primeira questão para se concluir, como se conclui, que a Agência de Moscavide da CGD não tem personalidade judiciária para ser demandada.
Passando à terceira questão, cabe aqui dizer que concordamos com o Autor quando afirma que tendo a acção sido proposta contra a agência da CGD, por facto imputável à administração principal, deveria o Tribunal a quo ter feito uso dos poderes-deveres de adequação formal/gestão processual [art.ºs590.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 2, do CPC] e convidado o Autor a sanar a falta de personalidade judiciária, promovendo a citação da administração principal, isto é, da entidade CGD. Só no caso de não se verificar a integração do pressuposto processual dentro do prazo concedido para a sua regularização, é que o Tribunal a quo estava habilitado a absolver da instância a Ré Agência da CGD.
No entanto, no caso concreto, aquando da prolação da decisão em crise, já se mostrava prejudicada a possibilidade de adopção de tal acto de gestão processual, face à citação levada a efeito da CGD, na sede da sua administração principal, e subsequente apresentação de contestação por esta entidade.
É o que veremos de seguida.
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Quarta questão: Tendo a CGD sido citada na sede da sua administração principal e apresentado contestação em nome próprio [Caixa Geral de Depósitos, S.A.] deveria o Tribunal “a quo” ter considerado sanado o vício da falta de personalidade judiciária e o processo ter seguido os seus termos como se a parte preterida tivesse intervindo desde o início?
Esta questão merece resposta afirmativa!
O Tribunal a quo considerou que a citação e subsequente intervenção da CGD não teve por efeito suprir a falta de personalidade judiciária da demandada Agência de Moscavide da CGD.
Salvo o devido respeito, que é muito, diga-se, não podemos concordar com este entendimento, feito ao arrepio do artigo 14.º do CPC.
Foi por iniciativa do próprio Tribunal a quo que a CGD veio a ser citada, na sede da administração principal, em vez de ter sido citada a Agência de Moscavide, no endereço indicado pelo Autor.
Efectuada a citação da entidade [pessoa colectiva] que preenche os requisitos para intervir no processo como parte, do lado passivo, e tendo a mesma apresentado contestação, em seu próprio nome, impõe-se que se considere sanada a falta de personalidade judiciária da Ré Agência, devendo o processo prosseguir os seus termos como se a parte preterida [CGD] tivesse intervindo desde o início, em conformidade com o disposto no artigo 14.º, 1.ª parte, do CPC.
No caso, nem sequer é aplicável o estabelecido na segunda parte do referido normativo [“ratificação ou repetição do processado”] desde logo, por não existir processado a ratificar [a Ré Agência não foi citada e não contestou].
Tendo a CGD intervindo na acção, tem de se considerar a Ré Agência de Moscavide da CGD substituída na acção pela pessoa colectiva Caixa Geral de Depósitos, S.A., que passa a ocupar a sua posição na lide.
Comentando o art.º 7.º, na redacção do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25-9, que corresponde, sem alterações, à redacção do art.º 14.º do CPC vigente, escreveu ANTUNES VARELA [Manual de Processo Civil, pág. 116]:
 “Se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária, significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”.
Tomando como bons tais conhecimentos, nada mais se nos oferece acrescentar.
Consideramos, portanto, que o Tribunal a quo errou ao não ter considerado sanado o pressuposto processual de falta de personalidade judiciária e, em consequência, substituída a Ré Agência de Moscavide da CGD pela pessoa colectiva Caixa Geral de Depósitos, S.A., e bem assim ao ter recusado a apreciação da contestação apresentada pela Ré CGD, considerando prejudicadas as demais questões nela suscitadas.
Por conseguinte, resta concluir pela procedência do recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência considera-se sanada a falta de personalidade judiciária e a Ré Caixa Geral de Depósitos, Agência de Moscavide substituída pela Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A., e determina-se o prosseguimento dos termos normais do processo.
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Sem custas, dado não terem sido apresentadas contra-alegações de recurso – artigos 527.º do CPC.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 28 de Março de 2019
      
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques