Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15962/17.0T8LSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
NRAU
FIADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O título executivo complexo formado nos termos do art. 14º-A do NRAU abrange, não apenas o arrendatário, mas também o fiador.

2. No âmbito do art. 14ºA do NRAU inserem-se todas as rendas devidas até à resolução do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 5.07.2017, Fundação CC… intentou contra AC… e MM…, acção executiva para pagamento de quantia certa, visando obter dos executados o pagamento da quantia de € 9.434,27.
Fundamenta a execução no contrato de arrendamento celebrado com o 1º executado, e em que a 2ª executada outorgou como fiadora, resolvido por falta de pagamento de rendas.
Peticiona as rendas vencidas e não pagas (€2.692,92), valor da caução (€600), encargos com remoção de objectos deixados no locado e limpeza (393,60), e reparação de danos verificados no locado (2.358,60€), bem como honorários da AE (€670,99), procuradoria (€2.500), e juros de mora até integral pagamento.
Conclusos os autos, em 19.12.2017, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o RE quanto à executada M…, bem como quanto ao montante de €7.216,11, determinando o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €2.000, acrescida de juros de mora. Determinou-se, ainda, a audição da exequente sobre eventual litigância de má fé.
Não se conformando com a decisão, dela apelou a exequente, em 26.01.2018, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. O presente recurso versa e tem por objecto a reapreciação de questões:
i. Da extensão do título executivo à pessoa do fiador;
ii. O valor da quantia exequenda;
B. Entende o Meritíssimo Juiz a quo que o título executivo previsto no actual artigo 14º-A do N.R.A.U. não abrange o fiador.
C. O Tribunal a quo adere in fine à posição que defende a não formação de título executivo contra o fiador arrendatário, concluindo, por isso, que os documentos dados à execução pela Exequente, não constituem, título executivo, impondo-se o recurso pela Exequente à acção declarativa com vista à obtenção de um título executivo prévio.
D. Sendo quanto a esta matéria que a Exequente não se conforma, vindo por isso, recorrer do presente Recurso quanto a esta parte.
E. Considera, ainda, o Tribunal a quo que o artigo 14º-A do N.R.A.U. apenas confere força executiva para efeitos de execução para pagamento da quantia certa correspondente às rendas em dívida, e não para o pagamento de indemnização devida por atraso na restituição do locado após a resolução do contrato de arrendamento, prevista nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1045º, nº 1 do Código Civil.
F. Concluindo-se no Despacho recorrido pela falta de título executivo, suficiente e bastante, apresentado pela Exequente, aqui Recorrente, vir exigir o pagamento da dívida dessa quantia nesta sede executiva.
G. A Recorrente instaurou a presente acção executiva para pagamento coercivo de rendas, tendo por base e como título executivo, a Notificação Judicial Avulsa acompanhada do Contrato de Arrendamento, nos termos do disposto no artigo14º-A do N.R.A.U.
H. A Recorrente instaurou duas Notificações Judiciais Avulsas distintas, uma para o Arrendatário e outra, autónoma, para a Fiadora.
I. A Executada, constituiu-se fiadora e principal pagadora pelas obrigações decorrentes desse contrato de arrendamento.
J. O Arrendatário deixou de pagar as competentes rendas a que estava obrigado, desde Novembro de 2017, data da outorga do contrato de arrendamento.
K. Perante tal situação de incumprimento, a Exequente notificou os Executados, a qual se efectivou aos 01/04/2017 e aos 05/04/2017 respectivamente.
L. A comunicação junta aos autos é título executivo bastante, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
M. O Tribunal a quo, ao rejeitar a execução quanto à Executada Fiadora, por entender que os artigos 15º, nº 2 e 14-A do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU/2012) aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, com as alterações da lei 31/2012, de 14-08, não prevêem a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador do arrendamento, violou as disposições legais acima mencionadas (os artigos 15º, nº 2 e 14-A do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU/2012) aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, com as alterações da lei 31/2012, de 14-08) e o art. 627º nº 1 do C. Civil.
N. A interpretação a conferir ao artigo 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que corresponde ao anterior artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal.
O. Refere a disposição legal: “O contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
P. Discute-se se o título executivo complexo assim formado abrange, ou não, o fiador do arrendatário que teve intervenção pessoal no contrato de arrendamento sub judice, subscrevendo-o.
Q. O artigo 10º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, estabelecendo que o título executivo constitui a base que determina o fim e os limites da acção executiva, legitima o Exequente a obter, nessa sede, a realização de uma obrigação que lhe é devida, sem necessidade de prévia instauração de acção declarativa.
R. Consistindo o título executivo no contrato de arrendamento celebrado, complementado com a comunicação ao arrendatário (e ao fiador) do montante em dívida, é absolutamente compreensível e expectável que a obtenção da realização da obrigação devida ao senhorio – o pagamento das rendas vencidas – possa advir, nesta sede, do conjunto dos responsáveis pelo incumprimento e que se assumiram, enquanto tais, no próprio título exequendo: o arrendatário e o seu garante, que nessa mesma específica qualidade aceitou e subscreveu o documento agora dado à execução.
S. Concordantemente, a lei não refere nem sugere, em momento algum, em termos restritivos, que este título especial só deva ter eficácia executiva contra o arrendatário.
T. Na situação sub judice, tendo existido comunicação válida à Fiadora, é indiscutível que a mesma figura, enquanto verdadeira e própria obrigada, no título complexo que serve de base à execução para pagamento de quantia certa (as rendas vencidas e não pagas).
U. Não cremos, portanto, que existam razões sérias e bastantes para a excluir do processo executivo, no qual poderá, naturalmente, exercer os mais amplos direitos de defesa – tal como sucederia na acção declarativa, a intentar com o mesmo objecto essencial e prosseguindo idêntica finalidade mediata.
V. O conteúdo da responsabilidade do fiador, sendo própria e autónoma, molda-se sobre o da pessoa afiançada, nos termos gerais dos artigos 627º, nº 1 e 634º do Código Civil.
W. Trata-se de uma posição pessoal de garante, a título acessório, do cumprimento da obrigação assumida pelo devedor principal.
X. O legislador quis consagrar um título a que, em especial, atribuiu força executiva (cfr. artigo 703º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil), conferindo-lhe uma específica e inconfundível natureza e alcance.
Y. Como se referiu, esse mesmo título, de natureza complexa, é composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e à fiadora) quanto aos montantes em dívida.
Z. A situação da fiadora, enquanto Executada, é neste contexto precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento.
AA. Logo, o título executivo criado ex novo, com foros de especialidade, protegendo primordialmente o interesse do senhorio, deve valer contra ambos.
BB. A tal não se opõe o regime substantivo da fiança que, nos termos do artigo 634º do Código Civil, prevê que a responsabilidade do fiador cubra as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, indiciando a própria desnecessidade da sua interpelação (sobre este ponto, vide, entre outros, a decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2008 – relator Tomé Gomes).
CC. Na situação sub judice, como se disse, a Executada fiadora teve intervenção pessoal e directa no contrato de arrendamento que constitui um dos documentos base que serve de suporte à presente execução.
DD. É, portanto, directamente, responsável pelas consequências patrimoniais associadas ao incumprimento pelo arrendatário quanto à sua obrigação básica do pagamento pontual da renda estabelecida, tendo-lhes sido comunicado previamente, através de notificação judicial avulsa, o montante em dívida a este título.
EE. Não se vislumbra, portanto, tomando em consideração o regime substantivo correspondente à figura da fiança, qualquer motivo suficientemente forte e relevante para que não devam ser abrangidos pela previsão do artigo 14º-A do NRAU (e do artigo 15º, nº 2 do regime antecedente).
FF. Considera o Digníssimo Tribunal que o Título Executivo apresentado a Juízo pela Recorrente não confere força suficiente e bastante para todo o valor peticionado a pagamento pela Exequente.
GG. As Partes fixaram, como contrapartida do uso do locado, o valor da renda mensal de Euros 500,00.
HH. Porém, o Inquilino apenas procedeu ao pagamento da primeira mensalidade referente ao primeiro mês de renda, no valor de Euros 500,00, correspondente ao mês de Novembro de 2016.
II. Decorridos mais de seis meses da execução do contrato, a Exequente viu-se, assim, obrigada a remeter, através de Notificação Judicial Avulsa, uma comunicação ao Executado e à Fiadora, a qual se efectivou aos 01/04/2017 e aos 05/04/2017 respectivamente, da resolução do contrato de arrendamento, atento o incumprimento no pagamento das rendas acordadas.
JJ. Sendo que, à data o Executado era já devedor da quantia de Euros 2.000,00 (referentes aos meses de Dezembro de 2016, Janeiro, Fevereiro, Março de 2017: Euros 500,00 x 4).
KK. Sendo ainda devedor no pagamento do valor acordado a título de caução, Euros 600,00, vencido aos 01/11/2016 e nunca pago,
LL. Bem como, do valor correspondente aos juros vencidos, no valor de Euros 19,56 e juros vincendos.
MM. Num total em dívida de Euros 2.619,56.
NN. Contudo, as chaves do Locado foram entregues à Exequente, através da Sra. Agente de Execução, apenas aos 12/05/2017.
OO. Decorre do artigo 1045º do Código Civil que a quantia correspondente à renda tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário enquanto não efectuar a entrega do imóvel, sendo agora devida a título de compensação ao senhorio em valor que se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora, em dobro, se entretanto, o arrendatário se tiver constituído em mora, como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento.
PP. A indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no artigo 1045º do CC tem natureza contratual, embora, naturalmente, não se tratem já de rendas, mas sim de uma indemnização resultante do contrato incumprido.
QQ. Cabendo assim, também, salvo melhor opinião, no petitus executório apresentado.
RR. O nº 2 do artigo 15º da Lei 6/2006, de 27/2, deverá ser interpretado no sentido de compreender essas prestações pecuniárias, previstas no artigo 1045º do Código Civil, ou seja, de também permitir a formação de título executivo, nos termos naquele previstos, para a acção executiva de cobrança das mesmas rendas a título de indemnização.
SS. Tendo sido junto aos Autos, com o requerimento executivo inicial, o contrato de arrendamento assinado pelo Inquilino/Executado e certidão judicial comprovativa da não entrega do mesmo locado, permitindo a determinação da quantia exequenda por simples cálculo aritmético, inexiste manifesta falta ou insuficiência de título.
TT. No caso presente o nº 2 do supra referido art. 15º não restringe a formação de título executivo à acção para pagamento de renda na pendência do contrato de arrendamento.
UU. Por conseguinte, e com todo o respeita, afigura-se não dever ser o intérprete e aplicador da Lei a fazer uma tal distinção restritiva.
VV. Sendo assim abrangente a todas as despesas e encargos resultantes da efectivação do contrato, que pese embora findo, decorram directamente do seu incumprimento por uma das partes, devendo por isso incluir-se no título executivo que sustenta a execução.
WW. Termos em que, Requer a V. Exas. se Dignem dar provimento ao presente Recurso de Apelação revogando-se o Despacho Recorrido em conformidade.
Não se mostram juntas contra-alegações,
Em 20.02.2018, foi proferido despacho que condenou a exequente como litigante de má fé na multa de 3 UC.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC), as questões a decidir são
a) da extensão do título executivo à pessoa do fiador;
b) valor da quantia exequenda.
            Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O constante do relatório supra, e ainda:
O despacho recorrido é do seguinte teor:
A Fundação CC…, deduziu a presente execução para pagamento de quantia certa, contra AC… e MM…, pretendendo obter o pagamento da quantia de €9.434,27.
Peticionou o pagamento das seguintes quantias:
- €2.692,92, correspondente rendas vencidas e não pagas desde Dezembro/2016 a 12 Maio/2017 (data da entrega do imóvel), à razão mensal de €500,00;
- €600,00, correspondente ao valor acordado da caução;
- €393,60, correspondente ao encargo que teria suportado para retirar os pertences que o Executado deixou no locado e ao serviço de limpeza;
. €2.358,60, correspondente ao valor orçamentado por empresa de reparação, para proceder à reparação de todos os danos que o Executado teria provocado com a utilização do locado.
Alegou no requerimento executivo que:
«1 – A Exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, devidamente registada na Direcção Geral da Segurança Social sob o número …, Pessoa Colectiva N.º …, com sede na Rua … (traseiras da Rua …), N.º … e … C/V Olivais Sul, …-… Lisboa, neste acto representada pelo seu Director Geral, Exmo. Sr. Eng. RM…, com os poderes necessários e suficientes para o acto.
2 - A Exequente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Avenida… N.º … – ….º Direito, em Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número …, Inscrito na Matriz Predial Urbana sob o artigo …, da dita freguesia, com Licença de Utilização n.º … emitida pela Câmara Municipal de Almada aos 03/06/….
3 - Aos 01 de Novembro de 2016, por Contrato de Arrendamento, a Exequente deu de arrendamento ao Primeiro Executado, que lhe tomou o imóvel supra melhor id., nos termos do Contrato de Arrendamento que se junta como Doc. 1.
4 - A Segunda Executada, MM…, outorgou o referido Contrato de Arrendamento na qualidade de Fiadora do Primeiro Executado em regime de solidariedade, renunciando ao benefício da excussão prévia.
5 - O contrato teve o seu início aos 01 de Novembro de 2016 pelo prazo de um ano, renovando-se por período idêntico, nos termos da Lei em vigor, enquanto não fosse denunciado por qualquer uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1095.º, n.º 1 e 1110.º do C.C.
6 - Nos termos do disposto na Cláusula 4ª do aludido contrato de arrendamento ora junto sob o Doc. nº 1, fixou-se a renda mensal no montante de Euros 500,00 (quinhentos euros), líquidos, a ser paga à Senhoria, aqui Exequente, até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, por depósito ou transferência bancária para o IBAN da Exequente.
7 - Ficando ainda acordado na supra referida Cláusula 4.ª que, com a assinatura do contrato, o Primeiro Executado entregaria à Exequente a quantia de Euros 600,00 a título de caução, bem como o montante de Euros 500,00 correspondente à renda do mês de Novembro de 2016.
8 - Sucede que o Primeiro Executado não procedeu ao pagamento da caução, apenas tendo pago a renda desse primeiro mês (Novembro de 2016),
9 - Nem tendo procedido, desde então, ao pagamento das rendas que se venceram, correspondentes aos meses de Dezembro/2016, Janeiro/2017 e Fevereiro/2017 e meses seguintes até à data em que procede à entrega do locado.
10 - Em consequência a Exequente interpelou os Executados por carta registada e com aviso de recepção, datada de 30/11/2016 para que procedessem ao imediato pagamento das quantias em dívida, Cfr. Doc. 2 e 3.
11 - Porém, os Executados nunca contactaram a Exequente, nem procederam ao pagamento dos valores em dívida.
12 – Assim, a Exequente procedeu à Notificação Judicial Avulsa dos Executados, para pagamento das rendas vencidas e não pagas e respectiva resolução do contrato com entrega do imóvel, tendo o Primeiro Executado sito citado aos 01/04/2017, e a Segunda Executada foi citada aos 05/04/2017, Cfr. Doc. 4 e 5.
13 – Na Notificação Judicial Avulsa, comunicou a Exequente aos Executados a resolução do contrato de arrendamento celebrado, bem como comunicou aos Executados, para que procedessem ao pagamento das seguintes quantias:
“- Caução acordada no valor de Euros 600,00, vencida aos 01 de Novembro de 2016;
- Rendas vencidas e não pagas, à razão mensal de Euros 500,00, referentes aos meses de Dezembro de 2016 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2017, num total de 2.000,00, bem como, nas rendas que se vencerem até efectiva entrega do imóvel pelo arrendatário;
- O que perfazia à data o total em dívida de Euros 2.600,00.
- A este valor deveriam acrescer os juros civis, calculados à taxa legal de 4% que, àquela data, ascendiam ao montante de Euros 19,56; Perfazendo um total em dívida de Euros 2.619,56.”
14 – Apenas aos 12 de Maio de 2017 a Exequente recebeu as chaves do locado, através da Sra. Agente de Execução nomeada nos Autos, Cfr. Doc. 6, sendo, por conseguinte, devido o pagamento da renda do mês de Abril assim como 12 dias de Maio, à razão diária 16,66 (Euros 500,00 / 30 dias = 199,92 = 12 dias)
15 – Tendo apenas sido nessa altura que a Exequente teve acesso ao locado, e pôde constatar o lastimável estado que o Primeiro Executado deixou o imóvel.
16 – O Executado deixou o locado sujo, com restos de comida em putrefacção, excrementos de animais, etc., não levou todos os seus pertences, Cfr. registos fotográficos que ora se junta com os números 7 a 14.
17 – O que obrigou a Exequente a ter que contratar uma empresa que procedesse à remoção dos objectos ali, indevidamente, deixados pelo Executado, bem como para proceder à limpeza do locado.
18 – O que teve um encargo no valor de Euros 393,60, Cfr. Doc. 15.
19 – Além disso, o Executado provocou diversos danos no locado, os quais impedem a Exequente de colocar o locado no mercado de arrendamento, face ao degradante estado em que se encontra.
20 – Por esse motivo, a Exequente teve de contratar uma empresa de reparações para que elaborasse um orçamento para a reparação dos danos ali verificados:
- Substituição de vidros partidos;
- Reparação de pavimento em madeira (zona dos quartos e corredores);
- Reparação e pintura de paredes com 3 demãos (por aplicação indevida de pregos nas paredes);
- Reparação e pintura da porta de um dos quartos;
- Substituição e afinação de puxadores;
- Substituição e afinação de estores de lâminas;
21 – Assim, a sociedade BZ… – Sociedade de Construções, Lda. apresentou um orçamento à Exequente para realização de todas as reparações supra referidas, no valor total de Euros 2.358,60, Cfr. Doc. 16 que se junta.
22 – Face ao supra exposto, os Executados são devedores à Exequente das seguintes quantias:
a. Euros 2.692,92, correspondente rendas vencidas e não pagas desde Dezembro/2016 a 12 Maio/2017, à razão mensal de Euros 500,00;
b. Euros 600,00, correspondente ao valor acordado da caução;
c. Euros 393,60, correspondente ao encargo que a Exequente teve de suportar para retirar os pertences que o Executado ainda deixou no locado, bem como ao serviço de limpeza, dado o lastimável estado que o imóvel se apresentava;
d. Euros 2.358,60, correspondente ao valor orçamentado pela empresa de reparação, para proceder à reparação de todos os danos que o Executado provocou pela utilização do locado.
23 – A este valor deverão ainda acrescer os honorários da Sra. Agente de Execução nomeada no âmbito da Notificação Judicial Avulsa, e que ascendem à quantia total de Euros 670,99 Cfr. Doc. 17 que se junta.
24 – Requer ainda a condenação dos Executados no pagamento da Procuradoria Condigna, num valor nunca inferior a Euros 2.500,00.
25 – Sendo assim a Exequente credora dos Executados no pagamento da quantia de Euros 9.216,11, a este valor deverão acrescer juros civis vencidos e vincendos até total e efectivo pagamento, calculando-se os vencidos, contabilizados à taxa legal de 4% desde a data do incumprimento ou seja, desde 01/12/2017 e que se cifram à data na quantia de Euros 218,16»
(sublinhado meu).
*
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Dispõe o art. 703º, al. d) do N.C.P.C. que «à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».
Entre estes documentos poderá figurar o previsto no 14º-A, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, segundo o qual o contrato de arrendamento constitui título executivo para efeitos de execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas em dívida quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Trata-se de um título executivo complexo, composto por dois elementos, de tal modo que “se faltar algum deles não haverá título”, e que exige a apresentação do contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário das rendas em mora, isto é, vencidas e não pagas.
Impõe-se, contudo, saber se o título executivo previsto no actual art.14º-A do N.R.A.U. abrange o fiador.
Na verdade, tem sido discutido na doutrina e jurisprudência a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador, em razão da «ausência de referência literal, no preceito, ao fiador, com menção, apenas, da “comunicação ao arrendatário”», sem que se divise orientação unânime ou sequer maioritária.
No sentido da não formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, veja-se, entre muitos outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 24-04-2014, que decidiu que «O título executivo previsto no artigo 14º-A do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia».
Em sentido contrário decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa de 21-05-2012, no qual se lê: “I - O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, artº 15º, n° 2 do NRAU. II- A execução pode igualmente ser intentada contra o fiador, desde que o senhorio proceda à necessária comunicação ao fiador e a junte. III- Esta comunicação é pessoal.”.
Quanto à doutrina, transcreve-se a resenha contida no recente acórdão do TRL de 18/09/2014, relatado pelo Desembargador Ezagüy Martins, que aqui se segue de perto, segundo o qual «Rui Pinto [Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, p. 1165] sustenta a “vontade legislativa de não abranger outrem (que não o arrendatário), no âmbito subjectivo (passivo) do título” previsto no art.º 15º, n.º 2, do NRAU. E Fernando Gravato de Morais, concedendo não revelar a norma “uma orientação clara em nenhum dos sentidos”, conclui, na ponderação de um enunciado “conjunto de circunstâncias”, não ser de “empregar o art.º 15º, n.º 2, do NRAU ao fiador (ou, em última via, o utilizar só com a respectiva notificação a este).”.
Também Teixeira de Sousa, depois de assinalar que “Segundo o novo 14.o-A, a possibilidade de formação do título executivo é maior: também constitui título executivo o conjunto formado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário quando referido a rendas, a encargos e a despesas que corram por conta do arrendatário”, refere que “o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida.”» (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/09/2014, disponível em www.dgsi.pt).
E resulta «impressiva, no sentido da vontade legislativa de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título, a circunstância de a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, ter mantido inalterada, no já citado “novo” art.º 14º-A do NRAU/2012, a referência à “comunicação ao arrendatário”. (…)
Sendo de anotar que o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7-01 – tendo por objecto proceder “à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento, adiante designado por BNA, e do procedimento especial de despejo”, cfr. art.º 1 – dispõe, no seu art.º 7º, que “O pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso só pode ser deduzido contra os arrendatários e, tendo o arrendamento por objecto casa de morada de família, deve ser também deduzido contra os respectivos cônjuges.”.
Isto, sem prejuízo de, como adverte Rui Pinto, o que daí se retira valer “como argumento sistemático, embora em sede de PED”.
Apontando aquele mesmo Autor para que “A obtenção de título passará por condenação judicial do fiador”.
Frise-se ainda que nos quadros do art.º 828º do Código de Processo Civil de 1961 – a que corresponde o art.º 745º do novo Código de Processo Civil – “o fiador é executado no pressuposto de que consta do título.”
Certo sendo igualmente, e em citação de Fernando Gravato de Morais, que “o n.º 2 do art. 15.° do RAU se insere numa norma destinada, essencialmente, a proteger os interesses do senhorio perante o arrendatário. O amplo leque de casos do n.º 1 assim o determina e o releva. É esse o contexto da lei.”.
E que, “Por outro lado (…) a não multiplicação de acções judiciais não pode ser feita à custa (apenas) do fiador", (…) que pode até desconhecer “a situação, porque se tem defendido que não é exigível qualquer comunicação ou interpelação ao fiador.”.
Importando ter em atenção que “a fiança é um negócio que envolve um risco assaz elevado para o garante, muito maior até do que o contrato de arrendamento para o próprio inquilino, que, v.g., pode pôr termo ao contrato a todo o tempo, ao contrário daquele que não pode extinguir a fiança, nas mesmas circunstâncias. A sua vinculação fica inteiramente dependente da vontade (e do cumprimento) do inquilino. A esta responsabilidade do garante não deve corresponder um regime ainda mais agravado do ponto de vista processual.”
Finalmente, Teixeira de Sousa conclui, como visto já, que “o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida”, na consideração de que “O preceito (art.º 14º-A do NRAU/2012) apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente esta parte está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo ou de deduzir alguma eventual oposição”» (acórdão citado).
Aqui chegados e quanto à questão de saber se a norma contida no art.14º-A do N.R.A.U., permite a formação de título executivo contra o fiador, adere-se, como se vê, à posição que defende a não formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, concluindo-se, então, que os documentos dados à execução não constituem, por essa razão, título executivo, impondo-se o recurso pela exequente à acção declarativa com vista a obter um título executivo.
Conclui-se, assim, que inexiste título executivo que suporte a execução quanto à Executada fiadora MM…, impondo-se rejeitar a execução quanto à mesma.
*
Impõe-se, por outro lado, e mesmo que se entendesse existir título quanto à fiadora, e agora também quanto ao 1º executado, saber se o título executivo previsto no actual art.14º-A do N.R.A.U. abrange a peticionada indemnização pela mora na entrega do locado, após a resolução do contrato e os peticionados €393,60, correspondente ao encargo alegadamente suportado para retirar os pertences que o Executado deixou no locado e a serviço de limpeza e €2.358,60, correspondente a valor orçamentado por empresa de reparação, para proceder à reparação de todos os danos que o Executado alegadamente teria provocado com a utilização do locado.
Isto porque o valor peticionado por indisponibilização do locado após a resolução do contrato reporta-se a uma indemnização legal, prevista no art. 1045º, nº 1 do C.C., segundo o qual «se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda (...) que as partes tenham estipulado».
E as peticionadas quantias a título de encargos alegadamente suportados para retirar os pertences deixados no locado e a serviço de limpeza e a valor orçamentado por empresa para reparação do locado reporta-se a uma indemnização que carece de ser judicialmente reconhecida e declarada.
Ora, o citado art. 14º-A do N.R.A.U. apenas confere força executiva para efeitos de execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas em dívida, e não para pagamento de indemnização devida por atraso na restituição do locado após a resolução do contrato de arrendamento, que a lei computa, é certo, em valor correspondente às rendas que se venceriam no período em causa, mas que não se tratam, pois, de rendas em dívida relativas a um contrato que continua em vigor.
E compreende-se que assim seja pois que sendo o arrendamento um contrato sinalagmático, em que à obrigação principal de uma das partes, o senhorio, de proporcionar à outra o gozo temporário do prédio urbano, corresponde a obrigação da outra parte, o arrendatário, de pagar àquele primeiro uma retribuição, traduzindo-se a renda, então, na contrapartida da concessão do gozo temporário do prédio, a agilização que presidiu à criação do título executivo em causa visou a protecção do senhorio em face do incumprimento da obrigação de pagamento da renda, enquanto sinalagma da obrigação de concessão de gozo do imóvel.
E o preceito em causa omite qualquer referência a indemnização, designadamente por atraso na entrega do locado, cuja específica previsão ocorre em diversas disposições do C.C. no que tange ao contrato de arrendamento e que o legislador não ignorava.
Importa, por outro lado, ponderar que «ao contrário do que sucede com a obrigação de pagar a renda, que constitui uma obrigação contratual do arrendatário e consta expressamente do contrato que, por isso, lhe serve de título executivo, a pretendida indemnização decorre da lei, e não do contrato. Daí que, não estando prevista no contrato, este não pode constituir título executivo em relação à referida indemnização (quod non est in titulo non est in mundo)» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2009, disponível em www.dgsi.pt, que versou sobre a indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil).
Deste modo, a obrigação de pagar a indemnização prevista no art. 1045º, nº 1 do C.C., não só "não consta do contrato que serve de título à execução” como “também não está reconhecida e definida por qualquer outro documento assinado pelos devedores ou a que a lei confira força executiva”, “não bastando, para o efeito, que tenha sido comunicada ao arrendatário” (idem).
Pela mesma ordem de razões, o 14º-A do N.R.A.U. não confere força executiva a pretensão de pagamento de quaisquer quantias devidas a título de indemnização em resultado do estado do locado, ou a título de caução, com honorários de agente de execução em notificação judicial avulsa e com procuradoria, mas apenas a quantia certa correspondente às rendas em dívida.
Conclui-se, assim, que o preceito em análise não abrange as quantias indemnizatórias peticionadas na execução, não criando título executivo relativamente às mesmas.
Note-se aliás, quanto a estes valores que os mesmos não constam sequer da notificação das quantias em dívida enviada pela Exequente aos executados.
Logo é manifesta a falta de título executivo, impondo-se, inversamente, o recurso pelo exequente à acção declarativa, com vista a obter um título executivo.
Em suma, e quanto às quantias de €600,00, €692,92, €393,60, €2.358,60, €670,99 e €2.500,00, é manifesta a falta de título executivo, impondo-se, inversamente, o recurso pelo exequente à acção declarativa, com vista a obter um título executivo.
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Lê-se no art. 726º, nº 2, alínea a), do N.C.P.C., que «o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título».
E de acordo com o disposto no nº 3 do mesmo preceito, «é admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo».
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Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, sendo manifesta a insuficiência do título executivo:
. indefiro liminarmente o requerimento executivo quanto à Executada MM…;
. indefiro parcialmente o requerimento executivo quanto ao montante de €7.216,11, prosseguindo a execução apenas pelo capital de €2.000,00, acrescido de juros de mora.
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Custas pelo Exequente (art. 527º, nº 1 e nº 2 do N.C.P.C.), na proporção do decaimento.
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Registe e notifique.”

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a exequente contra o despacho recorrido, sustentando, por um lado, a extensão do título executivo à pessoa do fiador, e, por outro, que a quantia exequenda deve abranger o valor da caução não pago, a compensação pela ocupação do imóvel desde a resolução do contrato até à entrega deste, e todas as despesas documentalmente comprovadas que a exequente teve de suportar em resultado da negligência do executado no uso do locado.
Apreciemos cada uma das questões pela ordem indicada.
Dispõe o art. 703º, al. d) do CPC que “à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Por seu turno, estatui o art. 14º-A, da Lei nº 6/2006, de 27.02 (NRAU), na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 31/2012, de 14.08, que “o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário” [1].
Como referiu o tribunal recorrido em causa está um título executivo complexo, composto por dois elementos, a saber, o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
1. Também como referiu o tribunal recorrido, não tem sido unânime na jurisprudência e na doutrina a posição sobre a questão que se coloca em 1º lugar, a de saber se é possível a formação de título executivo contra o fiador, nos termos do mencionado preceito legal.
Uma parte da jurisprudência pronuncia-se no sentido de tal ser possível, desde que seja efectuada comunicação ao fiador nos mesmos termos em que tem de ser efectuada ao arrendatário [2].
Considerando que é possível a formação de título executivo contra o fiador, nos termos do mencionado art. 14º-A do NRAU, entende, porém, outra parte da jurisprudência que a referida notificação ao fiador é dispensável, porquanto o contrato de arrendamento e o comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida constituem título executivo tanto contra o arrendatário como contra os seus fiadores [3].
Uma outra parte da jurisprudência, na esteira da qual seguiu o tribunal recorrido, entende que a norma contida no art. 14º-A do NRAU não permite a formação de título executivo contra o fiador [4].
Também na doutrina, uns sustentam a posição seguida pelo tribunal recorrido [5], e outros defendem que a execução pode ser instaurada simultaneamente contra o fiador [6].
Uma vez que o fiador é igualmente parte no contrato de arrendamento, assumindo obrigação idêntica à do arrendatário relativamente ao pagamento da renda e cobre as consequências da mora independentemente de interpelação (art. 634º do CC), afigura-se-nos que não se compreenderia que a norma em causa conduzisse o senhorio a usar o título contra o inquilino, mas não o autorizasse a instaurar, conjuntamente, a execução contra o fiador.
Perfilhamos, pois, o entendimento sufragado nos acórdãos a que se referem as notas 1 e 2, e pela doutrina referida na nota 5, tendo-se aqui por reproduzidos os argumentos aí cuidadosamente expendidos em abono desta posição.
No caso em apreço, a executada MM… outorgou o contrato de arrendamento dado à execução na qualidade de fiadora, renunciando ao benefício da excussão prévia, e assumindo solidariamente com o arrendatário o cumprimento de todas as cláusulas do contrato, seus eventuais aditamentos e renovações até efectiva restituição do arrendado, livre de pessoas e bens (cláusula 9ª, 1.).
Por outro lado, foi junto aos autos o comprovativo das comunicações efectuadas por notificação judicial avulsa do arrendatário, AC…, e, também, da referida fiadora, MM…, visando a cobrança das rendas em dívida.
Assim sendo, os documentos dados à execução constituem título executivo também quanto à fiadora.
Não sufragamos, pois, a posição do tribunal recorrido nesta matéria, procedendo a apelação, quanto à 1ª questão.
2. A 2ª questão que se coloca respeita ao montante da quantia exequenda.
Liquidou a exequente a quantia exequenda nos seguintes termos:
a) €2.692,92, correspondente rendas vencidas e não pagas desde Dezembro/2016 a 12 Maio/2017, à razão mensal de €500,00;
b) €600,00, correspondente ao valor acordado da caução;
c) €393,60, correspondente ao encargo que a Exequente teve de suportar para retirar os pertences que o Executado ainda deixou no locado, bem como ao serviço de limpeza, dado o lastimável estado que o imóvel se apresentava;
d) €2.358,60, correspondente ao valor orçamentado pela empresa de reparação, para proceder à reparação de todos os danos que o Executado provocou pela utilização do locado.
e) €670,99, de honorários da AE;
f) €2.500, de procuradoria.
O tribunal recorrido indeferiu parcialmente o requerimento executivo quanto ao montante de €7.216,11, prosseguindo a execução apenas pelo capital de €2.000,00, ou seja o montante relativo a rendas vencidas e não pagas desde Dezembro/2016 a Março/2017 (rendas vencidas até à resolução do contrato).
Insurge-se a apelante contra o decidido sustentando que:
- à data em que o arrendatário e a fiadora foram notificados dos montantes em dívida (1.4.2017 e 5.4.2017, respectivamente), aquele era já devedor das quantias de €2.000,00, referente às rendas em dívida dos meses de Dezembro de 2016, Janeiro, Fevereiro e Março de 2017), e de €600,00 (do valor acordado a título de caução que nunca pagou);
- o pagamento peticionado de €692,92 corresponde à indemnização prevista no art. 1045º, nº 1 do CC [7], disposição que estatui uma indemnização em montante legalmente tarifado, e tem natureza contratual;
- o nº 2 do art. 15º da Lei nº 6/2006, de 27.2 deve ser interpretado no sentido de compreender todas as despesas e encargos, documentalmente comprovados, que a exequente teve de suportar em resultado da negligência no uso dado pelo executado ao locado.
Apreciemos.
O art. 14º-A do NRAU confere ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, força de título executivo para a execução para pagamento de quantia certa relativamente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
Encargos e despesas que serão as previstas no contrato de arrendamento, nomeadamente, as respeitantes “ao fornecimento de bens ou serviços relativos ao local arrendado” [8], “à administração, conservação e fruição de partes comuns do edifício”, ou a “pagamentos de serviço de interesse comum”, ponderado o disposto no art. 1078º do CC.
Tal como entendeu o tribunal recorrido, o art. 14º-A do NRAU não confere força executiva aos títulos referidos para “a pretensão de pagamento de quaisquer quantias devidas a título de caução, ou a título de indemnização em resultado do estado do locado após entrega do mesmo” [9].
A caução visa garantir o cumprimento das obrigações contratuais, e, findo o contrato, cobrir eventuais obrigações em dívida, e não tendo o arrendatário/executado pago a caução convencionada, carece de fundamento a sua liquidação em sede de execução, não estando tal montante abrangido pelo mencionado preceito legal.
Eventuais despesas suportadas pela exequente para retirar os pertences que o executado deixou no locado, bem como com a limpeza e reparação deste, respeitam a indemnização resultante da violação do contrato, que carecem de alegação e prova, e não se integram na previsão do referido preceito legal.
Como se escreveu no Ac. da RL de 27.6.2007, P. 5194/2007-7 (Abrantes Geraldes), em www.dgsi.pt, “…quando a relação jurídica entra numa fase patológica, como acontece em situações de incumprimento contratual em que a par da resolução do contrato se constitui o direito de indemnização, a obrigação sucedânea é qualitativa e quantitativamente diversa da obrigação primária, exigindo maiores indagações que, em regra, não se satisfazem com a junção do documento que titulava o contrato nem com a alegação dos factos em que se funda a resolução contratual. Ainda que os pressupostos abstractos da obrigação de indemnização decorrente da resolução se encontrem inseridos no contrato, a sua concretização exige a alegação e prova de factos, retirando à documentação apresentada o grau de certeza e de segurança próprios do título executivo. Porque a acção executiva não constitui o instrumento adequado à definição de direitos, privilegiando-se a actividade conducente ao cumprimento coercivo das obrigações, em vez de o credor avançar de imediato para a acção executiva, deve optar pela propositura de acção declarativa em que em processo contraditório e de natureza cognitiva se poderão apreciar os fundamentos do direito de indemnização e a quantificação do direito de crédito”.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao indeferir parcialmente o RE quanto aos montantes peticionados a tal título, improcedendo, nesta parte, a apelação.
E quanto aos montantes peticionados com base no disposto no nº 1 do art. 1045º do CC o raciocínio deverá ser o mesmo?
Mais uma vez a jurisprudência não dá resposta uniforme à questão.
Para uns, o título em causa abrange apenas o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário [10].
Para outros, a exequibilidade do título é extensível às rendas que se vencerem entre a comunicação efectuada ao arrendatário e a efectiva entrega do locado, não abrangendo, porém, a indemnização pelo atraso na restituição do locado [11].
Para outros, ainda, o título em causa abrange as rendas vencidas até à resolução do contrato, e as indemnizações devidas após a resolução e até entrega do locado [12].
Mais uma vez discordamos do tribunal recorrido, sufragando esta última posição.
Afigura-se-nos que no âmbito do art. 14ºA do NRAU se têm de inserir todas as rendas devidas até à resolução do contrato, mais ainda quando se entende que a comunicação a que aí se alude apenas serve como “uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado” [13], sendo certo que será no próprio contrato de arrendamento que se encontrará a base de liquidação das rendas entretanto vencidas até à resolução.
Por outro lado, afigura-se-nos que o termo “renda” utilizado no mencionado preceito legal abrange, ainda, a indemnização pelo atraso na restituição do locado, prevista no art. 1045º do CC.
Dispõe o referido art. 1045º do CC que “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.
Da leitura do preceito ressalta que a indemnização nele prevista mantém forte conexão ao contrato findo: a lei continua a falar em locatário e renda; prevê consequências idênticas para a mora no pagamento da indemnização.
Como se referiu no Ac. da RL de 26.7.2010, referido na nota 12, “…é a própria lei que usa termos jurídicos decorrentes do contrato, como locatário, o mesmo que arrendatário (locatário de imóvel), e renda. Isto permite desde logo concluir pela ocorrência de uma espécie de ultravigência do contrato extinto, para efeitos de cobrança de todas as rendas devidas e que com ele estão conexionadas”.
Por outro lado, como se referiu no Ac. da RL de 22.3.2012, também referido na nota 12, com plena pertinência não obstante se reportar ao anterior nº 2 do art. 15º da Lei nº 6/2006, de 27.2, “Entende-se que a expressão “renda” é aí empregue com sentido que abrange a indemnização prevista no art. 1045 nº 1 do CC, em virtude de o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras rendas ao abrigo da norma do transcrito art. 15 nº 2 ser precisamente idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que são sucedâneo de verdadeiras rendas. Com o NRAU quis-se alargar a eficácia executiva conferida a actos promovidos pelos senhorios, precisamente para evitar o recurso a acções declarativas, sendo contrário à evidente intenção legal de desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento apenas conferir título executivo para cobrança de verdadeiras rendas, obrigando o senhorio a instaurar acção declarativa como passo necessário – possivelmente instrumental de segunda execução – para cobrar aquelas indemnizações, as quais não passam de sucedâneo – legal e económico – de verdadeiras rendas”.
No caso em apreço, as comunicações feitas ao arrendatário e à fiadora visaram, não só, liquidar as rendas em dívida, mas também, efectivar a resolução do contrato de arrendamento com entrega do locado, tendo aqueles sido interpelados para que pagassem as rendas vencidas e não pagas, bem como as que se vencessem até efectiva entrega do imóvel pelo arrendatário.
A comunicação concretiza o fundamento da resolução e liquida a obrigação, sendo certo que o arrendatário podia obstar à cessação do contrato se pusesse fim à mora (nº 3 do art. 1084º do CC).
Toda esta tramitação está de acordo com o contexto de agilização processual prosseguido com as alterações à lei do arrendamento pelo NRAU, para os despejos.
Assim sendo, afigura-se-nos existir título para a cobrança das “rendas” até entrega do locado.
Procede a apelação nesta parte, devendo alterar-se o despacho recorrido em conformidade.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que indeferiu parcialmente o requerimento executivo quanto ao montante de €692,92, e quanto à executada MM…, ordenando o prosseguimento da execução contra o arrendatário e a fiadora, pelo capital de €2.692,92, acrescido de juros de mora.
Custas pela apelante e apelados, na proporção de 2/5 e 3/5, respectivamente.
*
Lisboa, 2019.03.12

Cristina Coelho

Luís Filipe Pires de Sousa

Carla Câmara

[1] Estabelecendo o nº 2 do art. 15º da Lei nº 6/2006, de 27.2, antes das alterações introduzidas pelo DL. nº 31/2012, de 14.08, que “O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
[2] Neste sentido, cfr. entre outros os Acs. do STJ de 26.11.2014, P. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1 (Granja da Fonseca), da RL de 13.11.2014, P. 7211/13.7YYLSB-B.L1-6 (Carlos Marinho), de 17.5.2016, P. 13257/15.3T8LSB-A.L1-7 (Maria do Rosário Morgado), de 7.6.2016, P. 5356/12.0TBVFX-B.L1-7 (Luís Espírito Santo), e de 18.1.2018, P. 10087/16.9T8LRS-B.L1-6 (Cristina Neves), da RP de 6.3.2018, P.1 3535/14.9T8PRT-A.P1 (Ana Lucinda Cabral), todos em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cfr. entre outros os Acs. da RL de 17.3.2016, P. 16777-13.0T2SNT-A.L1-6 (Maria Teresa Pardal), de 27.10.2016, P. 4960/10.5TCLRS.L1-6 (Eduardo Peterson Silva), de 10.11.2016, P. 4633/08.9YYLSB-B.L1-2 (Vaz Gomes), da RP de 21.3.2013 P. 8676/09.7TBMAI-A.P1 (Anabela Dias da Silva), da RG de 29.5.2012, P. 579/09.1YYPRT-A.G1 (Maria Purificação de Carvalho), todos em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, cfr. entre outros os Acs. da RL de 18.9.2014, P. 6126/12.0TCLRS.L1-2 (Ezagüy Martins), da RP de 24.4.2014, P. 869/13.9YYPRT.P1 (Aristides Rodrigues de Almeida), e da RC de 20.3.2018, P. 1457/15.0T8ACB-A.C1 (Alberto Ruço), todos em www.dgsi.pt.
[5] Remetendo-se para os autores referidos no despacho recorrido.
[6] Entre outros, Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 2013, pág. 234 e Delgado de Carvalho, em Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa, 2ª ed. (rev., act. e aument.), pág. 509 e ss.
[7] Relativa à renda de Abril e Maio (parte), data em que o locado foi entregue à exequente.
[8] Nomeadamente fornecimento de água, luz, telefone, etc.
[9] Nem para pagamento com honorários de agente de execução em notificação judicial avulsa e com procuradoria.
[10] Neste sentido, cfr., entre outros, o Ac. da RP de 12.5.2009, P. 1358/07.6YYPRT-B.P1 (Guerra Banha), em www.dgsi.pt. Também neste sentido se pronuncia Delgado de Carvalho, na ob. cit., pág. 512.
[11] Neste sentido se pronunciou o Ac. da RP de 18.10.2011, P. 8436/09.5TBVNG-A.P1 (Maria Cecília Agante), em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. da RL de 26.7.2010, P. 8595/08.4YYLSB-B.L1-1 (João Aveiro Pereira), da RP de 22.3.2012, P. 5644/11.2TBMAI-A.P1 (Pedro Lima Costa), da RC de 18.2.2014, P. 182/13.1TBCTB-A.C1 (Fernando Monteiro), da RL de 22.05.2014, P. nº 8960/12.2 TCLRS-B.L1-6 (Teresa Pardal), da RL de 27.10.2016, P. 4960/10.5TCLRS.L1-6 (Eduardo Peterson Silva), e da RL de 18.1.2018, P. 10087-16.9T8LRS-B.L1-6 (Cristina Neves), todos em www.dgsi.pt.
[13] Em relação ao anterior art. 15º, nº 2 da Lei nº 6/2006, de 27.2, escreveu-se no Ac. da RL de 12.12.2008, P. 10790/2008-7 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, que “Nesta sede, em primeiro lugar, importa observar que não se afigura clara a razão pela qual o nº 2 do artigo 15º do NRAU exige para a exequibilidade do contrato de arrendamento com vista à acção de pagamento de renda, o comprovativo da comunicação. Não é por certo para demonstrar a constituição da dívida exequenda, já que ela emerge do próprio contrato. Não poderá ser também para operar a interpelação, visto que, tratando-se de obrigação pecuniária de montantes determinados e de prazo certo, tal interpelação está dispensada nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 805º do CC. Daí que a única razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato”.