Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
318/11.7TNLSB.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
MERCADORIA AVARIDA
CONVENÇÃO DE MONTREAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–Encontrando-se a mercadoria pré-arrefecida, em perfeitas condições de qualidade e apropriada embalagem, apenas a sua sujeição a temperaturas muito superiores às estipuladas, durante tempo indeterminado do transporte marítimo, poderia, sob as regras da experiência, provocar a decomposição das castanhas e o estado em que chegaram ao destino.

2.–Factos integradores da causalidade naturalística, que concorrem, em segurança, para concluir que a deficiente temperatura-refrigeração no interior do contentor frigorífico foi condição sine qua non da deterioração das castanhas, e nenhuma ocorrência extraordinária ou anómala se apurou que em tal intercedesse.

3.–Destinando a Autora a mercadoria à venda a terceiro, que não pagou, em virtude da avaria à chegada ao destino, a perda corresponde ao preço total da factura, enquanto dano patrimonial emergente do cumprimento defeituoso da Ré no transporte, causador da deterioração e subsequente rejeição pelo cliente.

4.–Conquanto o auto de inspecção mencione a perda de 85% da mercadoria, não ficou demonstrado que os restantes 15% ds castanhas mantinham as condições de integridade para o fim a que se destinavam, ou eventual valor venal para afectação diversa, e da qual, nas circunstâncias apuradas, a Autora definitivamente não beneficiou.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO:


1.–Da Acção[1]

C…, S.A., sociedade comercial de direito espanhol, com sede na …. Leon, Espanha, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra, T..., S.A., sociedade anónima com sede no Edifício …1399-012 Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento do montante de € 59.298,74 acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data de 16 de Fevereiro de 2011, calculados sobre € 50.480,00 até efetivo e integral pagamento.

Em fundamento da pretensão alega, em síntese, que contratou a Ré para realização de um transporte de castanhas até ao Brasil, com celebração de contrato de seguro e especificando as condições em que teria que ser transportada a mercadoria, quanto à temperatura e humidade, o que foi aceite, tendo tido lugar o transporte. À chegada da mercadoria ao Brasil, o destinatário detectou a presença de fungos na quase totalidade da carga expedida, verificando-se uma alteração significativa da temperatura do interior do contentor, relativamente à indicada no conhecimento de carga. Após inspecção da mercadoria, concluíram os inspectores que se verificava a perda de 85% da mercadoria, tendo a mesma sido liberada, após a inspecção e descartada para um contentor de resíduos sólidos, por ser impróprio o seu consumo; concluindo assim pela obrigação da Ré indemnizar a Autora pelo valor da mercadoria inutilizada e lucros cessantes.  

A Ré citada, contestou, impugnando a matéria de facto alegada pela Autora, mais alegando que apenas organizou o transporte que foi realizado pela empresa C… de Vapores, cuja intervenção requereu, desconhecendo se as condições de transporte não foram garantidas, bem como os efeitos na mercadoria e o seu destino, a final; mais requereu a intervenção da Lusitânia, Companhia de Seguros, SA., com a qual foi celebrado o contrato de seguro do transporte da mercadoria.

Pugna a final pela procedência da excepção da sua ilegitimidade, e consequente absolvição, ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido e o deferimento das intervenções requeridas.

A Autora na réplica pronunciou-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela Ré, por não ter sido apresentados factos para tanto, não se opondo à admissão das intervenções requeridas.

Citadas as intervenientes, contestaram.

A chamada Lusitânia, Companhia de Seguros, SA, alegando, em síntese, que celebrou um contrato de seguro com a Ré, titulado pela apólice aberta nº 32.688, do Ramo Mercadorias Transportadas, sendo emitido o certificado de seguro nº 62581 referente à mercadoria dos autos e que a cobertura acordada era de “Cláusula A” – “Cobertura de Riscos Frigoríficos”. Alegou também que em caso de avaria da mercadoria segura, resultante de variações de temperatura, o seguro só cobre os danos na mercadoria, se tiver existido uma paragem do equipamento de frio, por avaria, durante um período de tempo não inferior a 24 horas consecutivas. Por fim, alega que feita a vistoria da mercadoria, após a participação do sinistro, foi concluído que o equipamento de frio do contentor estava a funcionar em perfeitas condições, não havendo elementos que permitissem saber a razão da castanha ter atingido uma temperatura elevada no interior do contentor, admitindo-se como provável uma quebra da cadeia de frio na unidade de transporte e/ou uma parte do tempo sem energia. Refere por fim que o capital do seguro apenas cobre o valor da mercadoria, não abrangendo qualquer valor a título de lucros cessantes, tendo ainda de atender-se ao valor da franquia.

A chamada C.… de Vapores na sua contestação, alega, em síntese, que apenas realizou o transporte, tendo sido o seu agente, a Universal Marítima Portugal U, Lda a fazer as diligências para a realização do transporte nomeadamente, a confirmação da temperatura do contentor, pelo que se tal não foi regulado, a responsabilidade é do Agente da chamada e não sua. Termina pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade passiva, quanto a si, ou assim não se entendendo, que o pedido deve ser julgado improcedente e por fim, que seja admitida a intervenção provocada da sua agente, Universal Marítima Portugal U, Lda.

A Autora na réplica às contestações apresentadas pelas chamadas, alegou que a limitação da cobertura da chamada Lusitânia é uma excepção, pelo que deve ser a mesma a demonstrar que o período da avaria foi inferior a 24 horas, mais alegando que apenas uma quebra de frio superior a esse período poderia causar os danos apresentados pela mercadoria; quanto à contestação da Compañia Sud Americana de Vapores, refere mais uma vez que apenas a quebra do frio, durante vários dias, causaria tal dano nas castanhas e que a renúncia à responsabilidade, pela chamada é inoperante.

Proferiu-se despacho saneador, julgando improcedente a irregularidade da réplica suscitada pela Ré na tréplica e considerada não escrita a contestação apresentada pela Compañia Sud Americana de Vapores e improcedente a excepção da ilegitimidade da Ré, e, seleccionada  a matéria de facto assente e controvertida.[2]

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2018, foi revogada a decisão relativa à chamada Compañia Sud Americana de Vapores e admitida a respectiva contestação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal proferiu sentença, conforme dispositivo que se transcreve: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) condeno a Ré T…, S.A. a pagar à Autora, C…. S.A., o valor de € 50.480,00 (cinquenta mil, quatrocentos e oitenta euros) acrescendo-lhe juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a dos demais pedidos. b) Condeno a Ré, a Chamada C…e Vapores e a Autora nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos.»

2.–Do Recurso

Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença, culminando as alegações com as conclusões seguintes:
1.–O douto Tribunal "a quo" condenou a Recorrente no pagamento do montante de € 50.480,00 à Recorrida, por alegados danos sofridos no transporte de uma mercadoria de castanhas para o Brasil.
2.–Tendo o douto Tribunal a quo considerado que a causa que originou os alegados danos foi a temperatura incorrecta do contentor durante o transporte marítimo.
3.–Para tanto o douto Tribunal a quo deu como provado que a Recorrida atrasou o transporte para proceder ao pré-arrefecimento da mercadoria o que foi negado pela testemunha da Recorrida …
4.–O que é contraditório com os documentos 9 e 10 juntos com a Petição Inicial bem como com o próprio depoimento da testemunha …
5.–Pelo que deve ser dado como não provado o ponto 18 da matéria de facto dada como provada.
6.–Ficou provado que a mercadoria foi acondicionada dentro do contentor a uma temperatura superior à que foi contratada para o transporte marítimo.
7.–Quer durante o transporte quer à descarga da mercadoria, o contentor estava a fornecer ar à temperatura contratada para o transporte.
8.–As temperaturas que constam dos autos correspondiam à temperatura da própria mercadoria e não à temperatura dentro do contentor.
9.–A mercadoria transportada (castanhas) fermenta e produz calor.
10.–O perito ouvido em Tribunal afirmou tudo indicar que o sistema de frio do contentor funcionou na perfeição.
11.–Pelo que, mal andou o douto Tribunal a quo ao ter decidido que o Transportador Marítimo permitiu que a temperatura dentro do contentor durante o transporte, tenha ascendido a valores muito superiores aos requeridos para o mesmo.
12.–Consequentemente, deve ser dado como provado que a mercadoria foi acondicionada em condições tais que não permitiram garantir o seu envio a 02C.
13.–A testemunha … afirmou que as castanhas eram mantidas nos armazéns da Recorrida a uma temperatura superior à contratada para o transporte.
14.–O perito … referiu que caso a temperatura da mercadoria não coincida com a temperatura contratada para o transporte, o contentor demora muito tempo a ajustar aquela temperatura.
15.–A mercadoria não estava completamente isenta de outras pragas nocivas.
16.–Nos termos da Convenção para a Unificação de Certas Regras em Conhecimento de Embarques, assinada em Bruxelas em 1924, e da qual Portugal é contratante, o transporte de mercadorias abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas.
17.–A Recorrente ilidiu a presunção de responsabilidade que impende sobre o Armador nos termos da Convenção de Bruxelas de 1924 ao ter ficado demonstrado que a unidade de frio, quer no momento da carga quer no da descarga, estava a funcionar em condições ideais.
18.–Não se verifica o nexo de causalidade entre a actuação do Armador e o estado da mercadoria à chegada ao seu destino, que pudessem gerar a obrigação de indemnizar por parte da Recorrente.
19.–Não pode a Recorrente ser condenada no pagamento da totalidade da mercadoria tendo ficado provado que apenas se verificou a perda de 85% da mercadoria.
20.–O Transportador apenas é responsável, nos termos da Convenção de Bruxelas, pelos danos e perdas causados na mercadoria, in casu, 85% da mesma.
21.–Termos em que se requer a V.Exas, Venerandos Desembargadores, que substituam a decisão ora recorrida por outra que absolva a Recorrente, ou caso assim o não entendam, que apenas condene a Recorrente no valor correspondente a 85% do valor da mercadoria. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, requer-se que se dignem dar provimento ao presente Recurso e, consequentemente, se dignem revogar a douta decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que absolva a RECORRENTE do valor peticionado, pois assim farão V.Exas. a costumada JUSTIÇA!
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A Autora contra-alegou, refutando, em síntese, a argumentação da Ré apelante e pugnou pela improcedência do recurso e confirmação do julgado. 
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O recurso foi regularmente admitido como de apelação e efeito devolutivo.
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Colhidos os Vistos, cumpre decidir.

3.–Objecto do Recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.
Dentro desses parâmetros, o objecto da apelação, considerando as conclusões antecedentes, à luz da fundamentação da decisão em recurso, circunscreve-se, a apreciar e decidir se, no transporte a mercadoria foi sujeita a temperatura superior à ajustada, constituindo a causa da avaria detectada, e na afirmativa, o valor da indemnização pela perda.  

II.–FUNDAMENTAÇÃO

A.– Os Factos
O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:

1–A Ré T…, S.A. é uma sociedade que se dedica à actividade de transitário.
2–A Ré celebrou um contrato de seguro com a chamada Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A titulado pela apólice aberta n.º 32 688, do ramo mercadorias transportadas.
3–No âmbito desse contrato de seguro foi emitido o certificado de seguro n.º 62581, datado de 05 de Novembro de 2010, nos termos do qual, e designadamente, consta:”

1.TOMADOR DO SEGURO Nome: Castanas Campelo Exportacion, S. A 3. CAPITAIS A SEGURAR Valor da factura: € 50 480
4.-CARACTERÍSTICAS DO RISCO Marítimo: Contentor; Navio MSC BANU; Carregamento completo; Armador: CSAV Viagem: De Lisboa Para Santos; Início: 2010-11-05; Viagem directa
5.-DESCRIÇÃO DAS MERCADORIAS TRANSPORTADAS Estado das mercadorias: novas IX40'RF - BMOU9216292 C/ 672 sacos de castanhas OBS! Cobertura de riscos frigoríficos. A validade deste Certificado é limitada à garantia das coberturas expressamente aceites pela Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A. é que constam das Condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice.”
4-Ao chegar ao seu destino, no dia 19 de Novembro de 2010, o destinatário detectou a presença de fungos na quase totalidade da mercadoria transportada referida supra, verificando-se uma alteração da temperatura do interior do contentor, relativamente à indicada no respectivo conhecimento de embarque.
5-A Autora é uma sociedade de direito espanhol que se dedica ao comércio internacional de produtos alimentares agrícolas, nomeadamente, de castanhas, alhos, nozes e cebolas.
6-No exercício da sua actividade, a Autora vendeu, entre 19 de Outubro e 5 de Novembro de 2010, à sociedade Importadora de…, Ltda., sociedade de direito brasileiro com sede na Av. Dr. G____ V____, Nº...., 0....-... - São P____ SP, titular do NIF BR9......., 21 (vinte e uma) paletes de 32 (trinta e dois) sacos de castanhas, num total de 17 318,96 kg (peso bruto, correspondente a um peso líquido de 16 800 kg).
7-A Autora emitiu a factura n.º X20100003, em 04 de Novembro de 2010, no valor total de € 50.480,00.
8-Para assegurar o transporte da mercadoria vendida para o Brasil, onde deveria ser entregue à sociedade La Violetera, a Autora solicitou à Ré que lhe apresentasse a sua proposta de valor do frete.
9-A Autora aceitou a proposta da Ré e esta enviou-lhe a nota de carga, na qual constava, a título de nota, a menção da temperatura de 0ºC e de humidade a 90%.
10-A Ré, mais tarde, em 25 de Novembro de 2010, rectificou a ordem de carga, mantendo a nota quanto à temperatura e à humidade para o transporte.
11-A Autora emitiu a packing list para realização do transporte.
12-A Ré emitiu a factura pelo serviço de transporte, com o n.º 1700008058, em 31 de Outubro de 2010, pelo valor de € 4.130,00.
13-A Autora informou a Ré de que pretendia segurar a mercadoria em questão contra os riscos do transporte.
14-A Ré informou a Autora que poderia fazer o seguro, tendo remetido um orçamento no valor de € 148,50, que a Autora aceitou, sendo emitido o certificado de seguro referido em 3.
15-A Ré emitiu a factura n.º 1700008371, de 31 de Outubro de 2010, no valor de € 148,50.
16-A Ré procedeu à elaboração do correspondente conhecimento de embarque, referido em 4), identificando a Autora como expedidora, a La Violetera como destinatária e a Dall Mar Comissária de Despachos, Lda. como a despachante e a si própria como o agente transitário (forwarding agent).
17- No conhecimento de embarque foi aposta a menção expressa de que a mercadoria deveria ser mantida a uma temperatura, dentro do contentor, de 0ºC.
18-A Autora E a Ré, bem como a La Violetera, adequaram a data de remessa da mercadoria por forma a assegurar o pré-arrefecimento das castanhas e assim garantir o seu envio à temperatura adequada.
19-As castanhas a expedir foram submetidas a uma inspecção fitossanitária, por parte do Servicio de Inspección de Sanidad Vegetal de Badajoz do Ministério do Medio Ambiente y Medio Rural de Espanha, em 08 de Novembro de 2010.
20-Nessa sequência, a entidade governamental referida declarou que os produtos em questão tinham sido devidamente inspeccionados de acordo com os procedimentos adequados, consideravam-se isentos de pragas de quarentena e praticamente isentos de outras pragas nocivas e considerava ajustarem-se às disposições fitossanitárias do país importador (Brasil), através do certificado fitossanitário n.º CE/ES/0208101 5A.
21-A mercadoria foi expedida, tendo a temperatura no interior do contentor sido medida à saída do local de carga, registando-se em 0ºC.
22-A Universal Marítima Portugal U., Lda confirmou a reserva efectuada para embarque de um contentor com temperatura a 0º.
23-O despachante (a Dall-Mar) remeteu à CSAV, empresa transportadora da mercadoria, um protesto pela existência das deficiências detectadas na carga, referidas em 4, assim que esta chegou ao seu destino.
24-Na sequência do protesto, foi realizada no dia 24 de Novembro de 2010 uma vistoria, com a presença dos senhores VH..... GVL..... (em representação da Hamilton Schmidt/Survey, Ltda.), NRP..... (em representação da La Violetera), e CAN..... (em representação da Siniscarga/Globality, comissário de avarias da Lusitânia).
25-Medida a temperatura da polpa das castanhas expedidas, verificou-se então que as mesmas se apresentavam a uma temperatura média de 20,9ºC a 29,4ºC.
26-Apresentando presença de mofo constante e grave, em até 100% das castanhas por saco.
27-Apresentando-se 20% das castanhas por saco murchas (e, portanto, impróprias para consumo).
28-Apresentando-se até 25% das castanhas por saco rancificadas (e, portanto, impróprias para consumo).
29-E até 12 castanhas por saco apresentando a casca aberta ou rompida, o que também as tornava impróprias para consumo e comercialização.
30-A estivagem, as paletes e as embalagens eram adequadas e encontravam-se em boas condições.
31-Tendo todos os presentes na dita inspecção concluído que a causa da avaria da mercadoria detectada deveu-se à temperatura do contentor ter sido mantida incorrecta (estando demasiado elevada) durante o período da viagem.
32-Concluíram os referidos inspectores que se verificava a perda de 85% da mercadoria.
33-A Siniscarga/Globality, na qualidade de Comissária de Avarias da Lusitânia, validou as avarias determinadas no contentor BMOU 9216292, na presença do seu representante em São Paulo, CAN....., e valorizou a avaria em 85% do valor da factura.
34-A La Violetera dispôs das castanhas afectadas, lançando-as todas num contentor de resíduos sólidos.
35-Na sequência da destruição da totalidade das castanhas, a importadora La Violetera recusou o pagamento da factura das castanhas, mantendo-se até hoje por pagar a factura n.º X20100003, de 04 de Novembro de 2010, no valor total de €50.480,00.
36-A Compañia Sud Americana de Vapores permitiu que a temperatura dentro do contentor ascendesse a valores muito superiores aos indicados pela Ré.
37-O negócio descrito com a La Violetera foi configurado entre esta e a Autora como sendo o primeiro de muitos.
38-A La Violetera não encomendou mais qualquer carregamento.
39-A Ré, na sua qualidade de agente transitário, foi incumbida pela Autora de organizar o transporte do contentor frigorífico de 40' BMOU 9216292 dizendo conter 21 paletes com 672 sacos de castanhas com o peso líquido de 16 800 kg.
40-A Ré foi incumbida de colocar um seguro marítimo, Cláusula A, na chamada Lusitânia para cobertura dos riscos decorrentes do transporte, mormente, os riscos frigoríficos.
41-No âmbito das instruções que lhe foram dadas pela Autora, a Ré incumbiu a empresa transportadora C…. Vapores para efectuar para a Autora o transporte marítimo do aludido contentor BMOU 9216292, dizendo conter 672 sacos de castanhas com o peso líquido de 16 800 kg de castanhas, nas condições que lhe foram transmitidas pela Autora, ou seja, a 0ºC, as quais ficaram a constar do conhecimento de embarque.
42-A C… Vapores obrigou-se perante a Autora a efectuar o aludido transporte marítimo.
43-A Autora procedeu ao enchimento, contagem e estiva da mercadoria no contentor e à selagem do mesmo.
44-A Ré não participou ou esteve envolvida em qualquer preparação da mercadoria para envio nem, tão pouco, assistiu ao enchimento do aludido contentor.
45- O contrato de contrato de seguro celebrado entre a Ré e a chamada Lusitânia, titulado pela apólice aberta n.º 32 688, do ramo mercadorias transportadas, comporta, designadamente, as seguintes menções: “Tomador de Seguro: T..a, S.A. Seguro novo. Emitido em: 11-06-2010 Condições Particulares: Para cobertura de riscos frigoríficos será aplicado um agravamento de 100% aos prémios acima indicados e uma franquia de € 500 e 24 horas conforme esta
cláusula.”
46-A Cláusula de Riscos Frigoríficos [Institute Frozen Food Clauses (A)], relativamente aos riscos cobertos, determina o seguinte: Riscos cobertos:1. Este seguro cobre, com excepção das cláusulas 4, 5, 6 e 7 abaixo:(...) 1.2. Perda ou avaria no objecto seguro resultante de qualquer variação de temperatura atribuível a [1.2.1.] avaria no equipamento de refrigeração que origine a paragem do mesmo por um período não inferior a 24 horas consecutivas.
47-À data da descarga, o contentor encontrava-se regulado para 0ºC, estando a temperatura à saída do grupo de frio de acordo com o indicado no set point, funcionando aquele em perfeitas condições.
48-No interior dos sacos a castanha apresentava temperaturas a rondar os 29ºC.
49-A Autora não conhecia as condições estabelecidas entre a Ré e a chamada Lusitânia na apólice aberta n.º 32 688 que titula o contrato de seguro que ambas celebraram.
50-A cláusula constante das condições particulares do seguro celebrado entre Ré e chamada Lusitânia, segundo a qual "Para cobertura de riscos frigoríficos será aplicado um agravamento de 100% aos prémios acima indicados e uma franquia de € 500 e 24 horas conforme esta cláusula" foi previamente elaborada pela segunda sem que tenha sido objecto de negociação particular com a primeira.
51-As castanhas encontravam-se embaladas em sacos de estopa de malha larga, permeável à total circulação do ar.
52-A Universal Marítima Portugal U., Lda. enviou à Ré a cotação de transporte marítimo.
53-A Universal Marítima Portugal U., Lda, em consequência dos serviços prestados, emitido a fatura n.º LIS-FA 10/04652 de 10 de Novembro de 2010.
54-Em Maio de 2010 a Compañia Sud Americana de Vapores – Sucursal em Portugal, SA não existia.

E, Não Provado:
a)-A Ré, em 25 de Outubro de 2010, informou a Autora da documentação necessária e referiu que a temperatura óptima para o transporte das castanhas seria de 0ºC com 85% de humidade.
b)-A temperatura do contentor foi atestado pela confirmação de reserva efectuada pela Universal Marítima Portugal U., Lda.
c)-O referido em 13 ocorreu em 05 de Novembro de 2010.
d)-O referido em 21 ocorreu em 12 de Novembro de 2010.
e)-Para além de solicitar um conjunto de documentos para a emissão do certificado de avaria, que foram imediatamente fornecidos, a Siniscarga/Globality informou que a mercadoria se encontrava liberada de vistoria, pelo que nada tinha a opor relativamente ao destino que se pretendesse dar às castanhas.
f)-A Autora solicitou à Ré que diligenciasse junto da Lusitânia no sentido do pagamento da indemnização respectiva.
g)-Durante os quatro meses seguintes ao pedido de pagamento da indemnização, ao invés de ser paga da importância reclamada, Autora recebeu diversos pedidos de informação, muitos dos quais forneceu por repetidas vezes a diversas entidades, em especial, à seguradora.
h)-O referido em 38 ocorreu devido à destruição da totalidade da mercadoria do carregamento em discussão.
i)-O preço negociado com a La Violetera para futuros carregamentos permitiria obter à Autora uma margem de 10%.
j)-Considerando tais negócios e o carregamento já efectuado, a Autora poderia ter auferido um lucro de, pelo menos, € 8.000,00.
k)-A temperatura registada pelo contentor durante a viagem deveu-se ao facto de a Autora ter acondicionado a mercadoria em condições tais que não permitiram garantir o seu envio a 0ºC.l)Entre a consolidação e a desconsolidação, a unidade de transporte sofreu uma quebra na cadeia de frio.
m)-Entre a consolidação e a desconsolidação, a unidade de transporte permaneceu parte do tempo sem energia.
n)-A avaria do equipamento de frio foi inferior a 24 horas consecutivas.
o)-A cláusula referida em 50) não foi objecto de qualquer explicação por parte da chamada Lusitânia – Companhia de Seguros, SA.
p)-Após a contratação dos seus serviços de agente transitário, a Ré contactou em Maio de 2010 a empresa Universal Marítima Portugal U., Lda., para que fosse concretizado o transporte marítimo da mercadoria em causa, nos termos e condições transmitidos pela Autora à Ré.
q)-A Compañia Sud Americana de Vapores – Sucursal em Portugal, SA foi criada em 29 de Outubro de 2010.
r)-À data dos factos a casa-mãe da Compañia Sud Americana de Vapores, sedeada em Espanha, não detinha uma representação permanente em Portugal que pudesse concretizar as obrigações associadas ao transporte marítimo, esta celebrou um contrato de agência com a empresa Universal Marítima Portugal U., Lda.
s)-A Universal Marítima Portugal U., Lda. obrigou-se perante a CSAV a efetuar a reserva do contentor BMOU 9216292 e o carregamento/embarque da mercadoria neste contentor.
t)-À Universal Marítima Portugal U., Lda. cabia a direção efetiva das etapas mais importantes de um transporte marítimo: a reserva, o carregamento da mercadoria no contentor frigorífico e a confirmação de que estavam reunidas as condições contratadas (neste caso, a temperatura a 0.º C no contentor frigorífico) através da emissão do Conhecimento de Embarque.

B.–Do mérito do Recurso
 
1.–Erro de julgamento da matéria de facto   
Mostram-se cumpridos em suficiência os pressupostos legais para a reapreciação da decisão de facto, conforme o disposto nos artigos 639º, nº1 e 640º, nº1 e nº2, do Código de Processo Civil.   
O erro de julgamento da decisão de facto estende-se, no dizer da apelante, à matéria dada por provada sob os pontos 18) e 36) e não provada sob ponto K).
Sustenta, em adverso, que não resultou provado que a Autora e a destinatária adequassem a data da remessa por forma a assegurar o pré-arrefecimento da mercadoria, conforme o depoimento da testemunha …, que contraria o teor dos emails (fls.27 /29), sem qualquer intervenção dos funcionários da Ré apelante.
Por outro lado, argumenta que estando provado que a medição da temperatura do contentor à saída da carga registava 0% (ponto 21), e na descarga o contentor se encontrava regulado para 0% (ponto 47), não pode concluir-se, sob pena de contradição, que a Ré apelante não adequou a temperatura contratada ao transporte da mercadoria e que dela resultou a avaria da mercadoria.
O que terá ocorrido, afirma, deveu-se à circunstância de a mercadoria ter sido carregada a temperatura superior, conforme depoimentos das testemunhas ….
Procedeu-se à audição dos depoimentos sinalizados, à análise do relatório de peritagem, dos emails em causa e apreendemos a motivação em que se alicerçou a argumentação probatória da sentença.
Estando em condições de encetar a reapreciação da decisão em apreço, vejamos.

Os factos indicados em epígrafe têm o seguinte teor:
Provado “18- A Autora e a Ré, bem como a La Violetera, adequaram a data de remessa da mercadoria por forma a assegurar o pré-arrefecimento das castanhas e assim garantir o seu envio à temperatura adequada.”“36- A Compañia Sud Americana de Vapores permitiu que a temperatura dentro do contentor ascendesse a valores muito superiores aos indicados pela Ré.” Não provado k) A temperatura registada pelo contentor durante a viagem deveu-se ao facto de a Autora ter acondicionado a mercadoria em condições tais que não permitiram garantir o seu envio a 0ºC.
No tocante à matéria do ponto 18, o conteúdo dos emails juntos a fls. 27 a 29 demonstra de forma bastante, que entre a Autora e a empresa destinatária das castanhas, foi concertada a data do envio para o Brasil, Novembro, tendo em atenção as condições necessárias da sua temperatura e consequente transporte, dando conhecimento à Ré apelante.
Ouvido o depoimento da testemunha … não se retira elemento que contrarie tal factualidade, referindo inclusive que a mercadoria, antes da carga e embarque, se encontrava guardada em arcas frigoríficas nas instalações da Autora.
No demais. 
Ressalvado o devido respeito, a dita contradição da matéria de facto em equação tem na base um raciocínio generalista, assente numa parcela da realidade apurada, que não se quadra com o critério que preside à apreciação crítica da prova, mormente em sede de presunções judiciais, à luz do disposto no artigo 607º, nº5 do CPC. 
Na verdade, os factos provados sob os pontos 21 e 47, referentes à medição da temperatura de 0% no contentor aquando do embarque da mercadoria e na descarga, [3]consubstanciam factos instrumentais, que por si só não afastam, a hipótese no caso concreto, na linha do facto essencial e decisivo e provado sob o ponto 36,  ter –se verificado aumento de temperatura durante a viagem, expondo a mercadoria a temperatura superior à exigida à sua adequada conservação, como se considerou decorrer do relatório de vistoria.   Inexiste, assim, qualquer contradição.
Na fundamentação do ponto 36 dos factos provados, o tribunal a quo baseou-se na conclusão extraída do auto de vistoria junto a fls. 70. e, bem andou.  Avulta que tal conclusão foi unânime entre todos os presentes na inspecção, ou seja, que a causa da avaria se deveu à temperatura do contentor ter sido  incorrecta, demasiado elevada, durante o período da viagem, conforme consta do ponto 31 dos factos provados.       
A credibilidade de tal relatório, resultado de perícia efectuada por três técnicos, (em representação da Ré, da destinatária da mercadoria e da seguradora) conhecedores da realidade que vistoriaram é de reconhecer e aceitar, e de igual modo, as fotografias inclusas reforçam o acerto da sua análise.
Aponta ainda a apelante, em suporte da impugnação, que durante a carga e descarga a temperatura da mercadoria aumenta, não se destinando o equipamento de frio a proceder ao respectivo arrefecimento, mas a manter a temperatura, conforme referido pela testemunha ….
Do que se apreende sobre o tópico no depoimento desta testemunha, que se sublinhe, não esteve no local da carga ou descarga da mercadoria e não participou no acto de vistoria, são meras considerações abstractas e teóricas sobre o funcionamento do “frio”, que não convencem, perante a evidência das circunstâncias apuradas no transporte da mercadoria, e de todo, incapazes de infirmar a avaliação realizada pelos peritos.      
Note-se que, não foi produzida prova sobre a existência de qualquer problema na mercadoria ao ser carregada, v.g., deficiente temperatura das castanhas ou inadequada embalagem; outrossim, apurou-se que a estivagem, as paletes e as embalagens eram adequadas e encontravam-se em boas condições, conforme ponto 30 dos factos provados.    
Ficou ainda provado que as castanhas foram acomodadas em sacos de estopa de malha larga, idóneos ao arejamento e concertada a data do envio, em ordem a seguirem nas condições de temperatura ajustada ao transporte por via marítima até ao porto de Santos; por seu turno, percorrido o depoimento integral da testemunha …, não se regista elemento que contrarie que as castanhas foram pré-arrefecidas antes de serem carregadas no contentor.
Nenhuma razão se vislumbra, portanto, que afaste a normalidade do procedimento da Autora quanto às condições de embalagem e temperatura do produto, no contexto da sua prática e experiência habitual de exportadora da mercadoria em causa.  
Por último, a apelante ensaia a quebra da causalidade na alegada inexistência de prova de alteração de temperatura no interior do contentor de transporte, desde a carga e até descarga, questão que além do que se considerou, abordaremos na vertente jurídica dos pressupostos da responsabilidade da Ré.       
Em suma, a reapreciação dos elementos probatórios destacados não suscita alteração da matéria de facto, acompanhando-se a convicção pronunciada pelo tribunal a quo.  
 
2.–Enquadramento jurídico

2.1.-Sinopse do litígio
A Autora demandou a Ré pretendendo valer o direito de indemnização pelo prejuízo decorrente da avaria das castanhas que vendeu a terceira, em consequência do incumprimento pela Ré das condições específicas de temperatura e humidade acordadas quanto ao transporte da mercadoria por via marítima, de Lisboa para Santos, Brasil.
A Ré declinou a responsabilidade, alegando desconhecer o sucedido com a mercadoria, mais alegando que como transitária apenas organizou o transporte marítimo, efectuado pela Compañia Sud Americana de Vapores, e o seguro celebrado com a Lusitânia, Companhia de Seguros, SA, cuja intervenção requerida se efectivou.
Discutida a causa, o Tribunal a quo concluiu que a Ré é responsável pelo cumprimento do contrato de transporte marítimo da mercadoria, realizado a mando e por conta da Autora, e que o seguro celebrado com a chamada Lusitânia não cobria o risco /avaria em apreço; imputação em seu desfavor que a Ré aceitou. [4]
Em recurso, a apelante dirige apenas o dissentimento do julgado no que concerne ao nexo de causalidade entre a avaria da mercadoria e as condições da temperatura do transporte, que defende não ter resultado provado, pugnando pela absolvição.
Para a hipótese que não concede, de confirmação da obrigação de indemnizar a Autora, o montante deverá reduzir-se a 85% da mercadoria.

Apreciando.

Pelas razões expostas no apartado anterior, a impugnação da matéria factual em equação não procedeu, mantendo-se o juízo constante do ponto 36 dos factos provados, i.e., que a temperatura dentro do contentor de transporte da mercadoria ascendeu a valores muito superiores aos indicados nas condições específicas contratadas, dela advindo a avaria. 
 
2.2.–O nexo causal entre as condições do transporte e a avaria da mercadoria
Dispõe o artigo 483º, nº 1, do Código Civil, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Assim, um dos pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade civil por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, consiste no nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois que, só quanto aos "danos resultantes da violação", a lei impõe a obrigação de indemnização.
Á luz da factualidade assente, concluiu a sentença pela existência de nexo de causalidade entre a falta da temperatura necessária e estipulada dentro do contentor de transporte e a avaria da mercadoria à chegada ao destino.
Prosseguindo a expressão da causalidade adequada consagrada no artigo 563º do Código Civil-  "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão"-   supomos de afirmar a existência de semelhante nexo entre o facto/ omissão no cumprimento das condições de temperatura do transporte que veio a determinar a impropriedade das castanhas à chegada do destino.
Com efeito, provaram-se factos integradores da causalidade naturalística, que concorrem, em segurança, para concluir que a deficiente temperatura-refrigeração no interior do contentor frigorífico no decurso da viagem foi condição sine qua non da deterioração das castanhas, conforme descrita no auto de vistoria.
Isto porque, apenas a sujeição da mercadoria, pré-arrefecida e em perfeitas condições de qualidade e acomodação, no interior do contentor, a temperaturas muito superiores às estipuladas, durante tempo indeterminado, poderia sob as regras da experiência, provocar o processo da sua decomposição e o estado em que chegaram ao Brasil.
Noutra perspectiva da teoria da causalidade, para ocorrer obrigação de reparar o dano é necessário,  que o acto seja condição dele, exigindo-se, ainda que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão  a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária.[5]
Mesmo na sobredita concepção mais rigorosa da causalidade adequada,  como se colhe da lição de Antunes Varela, « (…)o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgültig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.»[6]
Revertendo ao caso ajuizado, não se provou facto ou circunstância de tal natureza que intercedesse na deterioração das castanhas.   
A mercadoria aquando do embarque provinha de frigorífico da Autora, foi inspeccionada pelas autoridades sanitárias de Espanha e considerada em bom estado, “isentos de pragas de quarentena e outras pragas nocivas e considerava ajustarem-se às disposições fitossanitárias do país importador”, encontrava-se embalada convenientemente, sendo imprescindível para a conservação do seu bom estado,  como a Autora estipulou e a Ré aceitou assegurar, que a temperatura ambiente no contentor de transporte fosse de 0%, como aliás mencionava o conhecimento de embarque.  
  
Posto isto.  
Conforme decidido e transitado na primeira instância, a Ré ajustou todos os serviços inerentes à execução do transporte da mercadoria solicitado pela Autora em nome desta, vinculando-se a assegurar e garantir que a empresa transportadora que elegeu para a tarefa satisfazia as condições específicas acordadas quanto à temperatura do contentor frigorifico. Desiderato, que não cumpriu, ficando a mercadoria durante a viagem sujeita a temperatura superior à adequada, causando em consequência a sua perda.
De acordo com o estipulado nas disposições conjugadas dos artigos 798°, 799° e 487°, n°2, do Código Civil a responsabilidade derivada do cumprimento defeituoso de uma prestação baseia-se, em princípio, na culpa do devedor, culpa essa que, por um lado, se presume e, por outro, deverá ser apreciada em abstracto, pela diligência de um pai de família em face das circunstâncias concretas de cada caso.
A Ré não logrou ilidir tal presunção, como se expôs, pelo que é responsável pela indemnização dos danos da Autora.

2.3.–A indemnização

Assente que a Ré está obrigada a reparar os prejuízos da Autora, em consequência dos danos causados pelo cumprimento defeituoso do transporte marítimo de que foi incumbida, vejamos qual a medida da indemnização.
O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar o preço total da mercadoria que a Autora não recebeu da compradora –Euros 50.480,00- e juros de mora.  
A Ré apelante advoga, que a compensação devida deverá fixar-se em- Euros 42.908,00- correspondente a 85% da mercadoria perdida, conforme resultou provado.
        
Apreciando.  

A Convenção Internacional para a Unificação de certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25-08-1924, a que Portugal aderiu por Carta de 05-12-1931, foi tornada direito interno pelo DL n.º 37748, de 01.02.1950 e, subsidiariamente, pelas disposições do DL n.º 352/86, de 21.10.
Deste regime se extrai que a responsabilidade civil do transporte marítimo comporta um sistema exonerativo de responsabilidade próprio , em desvio  ao regime geral, designadamente , impondo  um  limite indemnizatório da reparação do dano, conforme estabelecido no  parágrafo 5º do artigo 4º da dessa Convenção, “tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declarados pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento”, sem prejuízo de acordo diverso entre os contratantes. [7]
No direito interno , aquele valor monetário foi actualizado pelo  artigo 31º do Decreto-Lei nº 352/86  ( referido no § 1 do artigo 1º do cit. Decreto-Lei nº 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950 em Escudos 12.500$00), fixando-o  em Escudos 100.000$00,  o qual  veio a ser convertido para € 498,80 de acordo com o  artigo 25º do Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro.[8]
No caso em juízo a indemnização fixada em Euros 50.480,00 fica aquém do aludido limite e o valor unitário e o número de sacos da mercadoria transportada não se mostram controvertidos.
Dissente, todavia, a apelante na obrigação de reparação do valor total da mercadoria, sustentando que se verificou apenas a perda de 85% da carga.   
Ora, não lhe assiste razão, s. d.r, por duas ordens de razões cruciais.
No tocante ao valor da indemnização para a reparação dos danos patrimoniais, salvaguardado o tecto limite supra indicado, estabelece o artigo 566º, nº2, do Código Civil, que a indemnização em dinheiro tem como critério de cálculo a diferença da situação patrimonial do lesado após o dano e a que teria se não fora a ocorrência.
Em concreto, a Autora destinou a mercadoria à venda a terceiro que lhe pagaria o preço total de Euros 50,480,00, conforme consta do conhecimento de embarque e a factura emitida, mas cujo valor não recebeu, em consequência da avaria verificada da mercadoria à chegada ao destino (cf. pontos 6,7 e 31 dos factos provados).
Este é o valor que corresponde à perda da Autora, enquanto dano patrimonial emergente do incumprimento da Ré no transporte da mercadoria nas condições de temperatura convencionadas, causadoras da avaria e subsequentemente da sua rejeição pela cliente destinatária.

Acresce que, se é certo que a empresa destinatária compradora da mercadoria, (La Violetera) conforme factualidade provada sob o ponto 34, dispôs a final das castanhas, destruindo-as na totalidade, tal não constituiu defesa da Ré nos articulados, que logo aceitou a legitimidade da Autora na demanda para a reparação do seu prejuízo. 

Em outra prisma, conquanto no auto de inspecção conste a perda de 85% da mercadoria –ponto 32 dos factos provados- a Ré não logrou fazer prova de que os restantes 15% ds castanhas mantinham as condições de integridade ao fim a que se destinavam, ou prova do valor venal da mercadoria sobrante, (v.g. destinada a farinha para alimentação animal) da qual, nas circunstâncias apuradas, a Autora definitivamente não beneficiou. 
  
Ex abundanti, tratando-se de castanhas, com primordial fim de consumo humano, e provado, que apresentavam “mofo constante e grave em 100%” (cf. ponto26), não se antevê motivo que leve a subtrair parte da mercadoria à consequência da impropriedade alimentar detectada.   
                
Improcedendo a argumentação recursiva da apelante, mantém-se a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo.

III.–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
As custas do recurso são a cargo da Ré que nele decaiu.  


  
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2022



ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO



[1]Com aproveitamento do relatório da sentença.
[2]Na aplicação do estabelecido no anterior CPC.
[3]A motivação do Senhor Juiz a quo assentou no teor do conhecimento de embarque junto a fls. 26, e no depoimento da testemunha …, que confirmou que, aquando do carregamento do contentor, foi verificado que o mesmo estava programado para a temperatura acordada de 0º.
[4]Consubstanciando a responsabilidade del credere legal, isto é, na responsabilidade do transitário por actos de terceiro com quem haja contratado (sem prejuízo do direito de regresso) em especial ao incumprimento da obrigação de celebrar contratos de transporte. Concordando-se, de resto, com a fundamentação jurídica expendida na sentença, em alinhamento com a jurisprudência reiterada, cfr, inter alia, o Acórdão do STJ de 09-07-2014 «“2.o contrato de prestação de serviços de actividade transitária pode incluir a celebração de contratos de transporte, pelo agente transitário, por conta da outra parte. 3.Nessa eventualidade, o agente transitário garante o pagamento de indemnizações que venham a ser devidas pelo transportador material, por cumprimento defeituoso do serviço de transporte, nos termos do regime aplicável ao contrato de transporte.», no proc7347/04.5TBMTS.P2.S1, disponível in www.dgsi.pt; cfr. também o artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 255/99,  de 7de Julho- “pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso.” e artº367.º do Código Comercial ; na doutrina, cfr.  Menezes Cordeiro in Introdução ao Direito dos Transportes, ROA, vol. I, janeiro 2008. 
[5]Cfr. a propósito Galvão Teles in Direito das Obrigações, 7ª edição, 1997, pág.409.
[6]In Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, 2003, págs., 890/94 e 899/900.
[7]Cfr. a propósito – Hugo Ramos Alves in Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924 – procurando equilibrar os riscos, os interesses e a posição das partes no contrato de transporte.
[8]Diploma que procedeu à conversão de valores expressos em escudos para Euros, em legislação na área da justiça.