Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
880/14.2GACSC-A.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: PROVA
PROVA PERICIAL
EXAME LOFOSCÓPICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Do ponto de vista processual, a inspeção lofoscópica realizada pelo OPC competente, incluindo a deteção, recolha e transferência de vestígios lofoscópicos, constitui um exame, que é tratado como meio de obtenção de prova, nos artigos 171.º e seguintes do CPP, com a finalidade específica de individualizar e fixar documentalmente os vestígios da prática de um crime, logo, susceptível de ter interesse para a investigação do crime “investigado” e a determinação dos seus autores;

II- O inquérito e a diligência de prova em questão, recolha coerciva de impressões digitais á vitima, não pode visar tão só a comprovação da “ versão apresentada pelo arguido em sede de interrogatório judicial”, como é referido pelo titular de inquérito, e sufragado depois por um despacho judicial, face á recusa daquela, quando se investiga um crime de homicídio na forma tentada e quando o despacho recorrido só refere em singelo, “a verdade material dos factos e em particular dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado”, para justificar tal recolha coerciva;

III- Resulta assim que aquele não encerra em si qualquer fundamentação transparente, não indicando sequer os factos concretos investigados que justifiquem tal opção, violando assim os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação, contidos no artº 18º nº 2 da C.R.P., na aquisição da prova, para além de violar a DIRETIVA 2012/29/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 25 de outubro de 2012 (in Jornal Oficial da União Europeia d 14.11.2012, L315/57) que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, a qual entre o mais almeja proteger os direitos da vitima, visando evitar os efeitos nefastos da “dupla vitimização”, que neste caso foram obliterados através do despacho recorrido.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  EM CONFERÊNCIA ACORDAM, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO

O assistente/ ofendido A..., devidamente identificado nos autos veio recorrer para o TRL do despacho que em sede de inquérito foi proferido a folhas 89 destes autos (e 404 do processo original) com o nº 880/14.2gacsc-A, Comarca de Lisboa Oeste, Cascais-Inst.Central- 2ª secção.Ins.Criminal-J1, através do qual se ordena a impulso do Ministério Publico, a recolha de impressões digitais do ofendido.

Este despacho tem o seguinte teor (o qual se encontra manuscrito):

“Investiga-se nos autos um crime de homicídio na forma tentada.

A fim de perceber os contornos em que o crime foi praticado procedeu-se na P.J., mais concretamente no L.P.C. ao exame pericial nº 201415308-clo.

É necessário concluir este exame procedendo-se á recolha de vestígios lofoscópicos do assistente A... para os cotejar com os três vestígios recolhidos.

No entanto, o assistente conforme resulta do requerimento de folhas 372/373 não concorda com a recolha das suas impressões digitais.

A recolha das impressões digitais não cria nenhum perigo para a saúde física ou psíquica do assistente nem molesta a integridade pessoal ou intimidade do visado-artº 154º nº 3 e 156º nº 5 e 6 do CPP e mostra-se importante para a descoberta da verdade em particular dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado.

Assim nos termos do artº 172º, nº 1 e 2 do CPP ordeno a recolha dos vestígios (impressões digitais) do assistente.”

Encontra-se datado de 6.07.2015 e devidamente assinado.

O ofendido/ assistente inconformado com tal decisão apresentou no âmbito do seu recurso as seguintes conclusões: 

1 - Como questão prévia a ser colocada a Vossas Excelência, será a de saber se ao presente recurso dever-se-á ou não ser atribuído efeito suspensivo?

2 -O despacho de que se recorre, ordena uma perícia, um exame lofoscópico ao ora recorrente, tendo em vista, apurar se as impressões digitais encontradas na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são ou não do recorrente;

3 -Entende o recorrente que o referido despacho é ilegal, por duas razões:

3.1 O objecto da investigação é de averiguar o cometimento de um crime de homicídio na forma tentada, de que o recorrente foi vítima, o mesmo ocorreu no dia 28 de Agosto de 2014, que na via pública, o objecto utilizado foi uma faca, que se encontra aprendida e já foi examinada;

3.2 Nesta investigação, quer o M.P., quer o arguido não accionaram procedimento criminal contra o ora recorrente, não está este assim a ser investigado da prática de qualquer crime, pelo que, não é arguido, o recorrente é a vítima;

4 - Pelo que, há que concluir que o despacho que ordena a perícia é uma decisão que comporta uma desvantagem para os interesses que defende e é contra si;
            5 - Pretendendo assim o recorrente que com o referido recurso, que seja declarada a ilegalidade do referido despacho, determinando-se
que não haja lugar á recolha das suas impressões digitais, pelo que, bem se vê, que não sendo atribuído efeito suspensivo ao recurso, a mesma deixa de ter qualquer efeito útil, não lhe servirá de nada.

6 -Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justica de 03/02/84(in www.dgsi.pt): "só se verifica a inutilidade absoluta do recurso quando, seja qual
for a solução que o Tribunal Superior lhe der, ela é já absolutamente inútil no seu reflexo sobre o processo; só existirá essa inutilidade absoluta se
o recurso não servir para nada, caso não suba imediatamente" - Cfr. Acordão Tribunal da Relação de Lisboa, 04.06.2015 no proc. n.º121/08.1 TELSB.L1-9;

7-Pelas razões expostas deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, sob pena de se considerarem violadas as normas contidas nos artigos 131º, 22º,23º e 73º todos do C.P., art.s 48º e 49º, alínea c) do n.º 2 do art.º 69º, art.º 125º, 126º, 151º, 154º, 171º, 172º, 262º, 399º, alínea b) do n.º 1 do art.º 401º, nº 2 do artº 406º, n.º 1 do art.º 407º e 408º todos do C.P.P, e, art.s, 18º, 20º, 22º, n.º 1 e 7 do art.º 32º e artº 202.° todos da Constituição da Republica Portuguesa.
8- O despacho que ora se recorre tem o seguinte teor:"Investiga-se nos autos um crime de homicídio na forma tentada.

A fim de perceber os contornos em que o crime ocorreu foi praticado procedeu-se na P.J., mais concretamente no L.P.C. o exame pericial n.º 201415308-LLo. È, necessário concluir este exame,  procedendo-se  á  recolha  de  vestígio.

 9-Entende o recorrente que a perícia ordenada é ilegal por duas razões:

10 -Em primeiro lugar, dada a inexistência de objecto, uma vez que, não tendo sido movido, quer pelo M.P., quer pelo arguido, neste inquérito, qualquer procedimento criminal contra o ora recorrente, o M.P., não tem assim legitimidade para promover tal perícia, consequentemente, não podia a Meritissima J.I.C. deferi-lo;

11-Pelo que, foram violadas as normas constantes do n.º1 e 3 do artº 212, 213º doC.P. e art.º s 1º, 2º, 8º, n.º 1 do artº. 9º, 10º, 17º, 48º, 49º, 53º, 58.º, alínea d) do n.º 3 do artº59.º, 60.º, in fine e alínea d) do n.º3 do artº 61.º, 125º,151.º, 171º,172º, 248º 262º e 263º todos do C.P.P., art.s 1º, 2º, n.º1 do artº 3º, 18º, 25º, 26º,n.º1  e 2  do  art.º202º, 205º  e 219º  todos  da  Constituição  da  Republica Portuguesa;

12 -Em segundo lugar, o objecto e finalidade da investigação no presente inquérito prende-se com crime de homicídio na forma tentada, o instrumento utilizado para a prática do crime, foi uma  faca, que está aprendida e examinada, pelo que, tal  perícia,  que visa  apurar se as  impressões digitais encontradas  na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são do recorrente ou não, é excessiva, desproporcional ao direito e fins da investigação em curso;

13 -A recolha de impressões digitais, visa sempre estabelecer, através de perícia lofoscópica a ligação entre determinada pessoa e cuja identidade civil não suscita qualquer dúvida a determinado facto criminosa, ou seja, em regra, são recolhidas impressões digitais, para carrear prova contra o arguido.

14 -À vítima, recolhem-se impressões digitais ao cadáver, quando é necessário, no mais, a vítima é submetida a perícias, exames ou outras diligências, para carrear prova contra o arguido;

15 -Daí que, o arguido e a vítima têm interesses distinto na investigação, sendo que, a lei determina numa investigação que tanto a um como a outro possam realizar perícias, exames, etc., mas sempre, atento o objecto da investigação, qualidade dos indivíduos, estarem tais diligências, exames e perícias, especificadas na lei e serem essências, sob pena, de vir a ser comprometido o princípio da legalidade;

16 -Daí que, quando qualquer diligência, exame ou perícia, é requerida o arguido, de acordo com o seu estatuto que determina a obrigação de o mesmo se sujeitar às diligências de prova, o mesmo, só pode ser compelido a realizá-las, desde que, estas estejam prevista na lei e sejam necessárias para a investigação, já que, podendo este ser objecto de prova, o principio nemo tenetur se ipsum accusare, lotoscópicos do assistente A... para os cotejar com as três vestigios recolhidos.
No entanto, o assistente, conforme resulta do seu requerimento de fls. 372/373 não concorda com a recolha das suas impressões digitais.

A recolha de impressões digitais não cria nenhum perigo para a saúde fisica ou psíquica do assistente nem molesta a integridade pessoal intimidade do visado — artigo 154 n.º 3 e 156 n.º 5 e 6 do CPP e mostra-se importante para a descoberta da  verdade  em  particular  dos  contornos  em  que  terá  ocorrido  o  crime investigado." garante-lhe  que  não seja  reduzido  a  mero objeto da atividade estadual de repressão do crime, daí, ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmenteinocente;

17 -A exigência de especificação na lei, e da essencialidade da diligência, dos exames e perícias, bem se compreendem face aos valores em conflito, de um lado o interesse público da prevenção, investigação e repressão da criminalidade, e de outro, o direito por parte do arguido à não auto-incriminação e do direito á sua
personalidade;

18 -E, é nesta colisão de interesses que se pondera se o arguido terá ou não que realizar tais diligências de prova, entre elas a perícia, mesmo contra a sua vontade, sob pena, de existir uma violação dos seus direitos de defesa e do direito á personalidade, por intromissão na sua esfera privada - Cfr. art.s 2º, 8º, 9º, 17º, 58.º, alínea d) do n.º 3 do artº 59.º ,60.º, in fine e alínea d) do n.º 3 do artº 61.º, 125º,151.º,  n.º 1 do artº     171.º e n.º1 do artº172.º,191º,192º, 262º a 269ºtodos do C.P.P., art.s   1º, 2º, n.º 1 do artº      3º, n.ºs 2 e 3 do artº18.º, 20º, 25º, 26º,32º, 202º, 205º, 219º, da C.R.P.

19 -Ora, se assim é para o arguido, o que dizer em relação ao ora recorrente, vítima de uma tentativa de homicídio?

20-Entende o recorrente, que atento o objecto e fins da investigação, tendo sido a faca já aprendida e examinada, a perícia deferida - o exame lofoscópico para se apurar se as impressões digitais encontradas na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são do recorrente ou não, tal perícia, não é necessária, nem visa carrear prova contra o arguido, e por tal motivo, excede manifestamente os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

21 -Os mecanismos processuais destinados à eficácia da intervenção punitiva do Estado encontrarão legitimidade em juízos de ponderação e de concordância prática a que procedeu o próprio legislador, pois o Direito existe para salvaguardar a liberdade e a segurança, mas também para preservar a dignidade humana», insistindo na ideia de que o direito e o processo penal «são um reduto do Humanismo, pois o Direito existe para salvaguardar a liberdade e a segurança, mas também para preservar a dignidade humana;

22 -O principio da proporcionalidade leva, pois, a que, em sede de conflito entre os valores já referidos — por um lado, a necessidade de segurança e de realização da justiça penal (dimensão adjectiva ou funcional) e, por outro lado, a garantia dos adopte   uma   solução   conciliadora,   em  que   nenhum  dos  interesses  é, absolutamente, anulado face ao outro, «sendo preferida uma realização menos perfeita dos valores conflituantes,  em que um dos valores cede perante a prevalência de outro (s).

23 -Nas palavras de Medina Seiça: "embora a descoberta da verdade constitua a finalidade essencial de todo o processo penal e elemento fundamental para uma correcta  administração  da  justiça,  a  qual,  enquanto  vector  essencial à manutenção da comunidade juridicamente organizada, representa uma vertente informadora da própria ideia de Estado-de-Direito, a eventual perde de prova com possível relevância para a descoberta da verdade será de aceitar nos casos em que a sua aquisição se traduza na lesão de um bem jurídico mais valioso;

24 -Pelo que, o despacho colocado em crise é ilegal e violou, as normas contidas no artigo, 2º, 8º, 9º, 17º, 58.º, alínea d) do n.º 3 do artº 59.º,60.º, in fine e alínea d) do n.º 3 do artº 61.º, 125º,151.º, n.º 1 do artº 171.º e n.º 1 do artº 172.º,191º,192º, 262º a 269º todos do C.P.P., n.ºs 1º,2º,3º, 2 e 3 do artº18.º, 13º, 20º, 25º, 26º, 32º, 202º, 205º, 219º, da C.R.P.

25 -Pelas  razões  expostas,  devem  Vossas  Excelências  revogar o  despacho  que ordenou  a  perícia,  por ser  ilegal,  consequentemente,  ordenar que  não  se proceda a recolha das impressões digitais do recorrente.

O recurso foi admitido através do despacho de folhas 129, tendo-lhe sido atribuído efeito devolutivo.

 MºPº, junto do tribunal “a quo” respondeu á motivação do recurso apresentada pelo assistente/ofendido /recorrente, pugnando a final dever ser mantido na íntegra a decisão recorrida relativamente ao recorrente, não devendo o presente recurso merecer provimento, confirmando-se a decisão recorrida, e sendo o ofendido obrigado a submeter-se à recolha de impressões digitais, só assim se fazendo a esperada e costumada Justiça!

             Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, é de notar que a resposta apresentada pelo MºPº nos presentes autos se mostrava incompleta (faltando algumas folhas ao mesmo) a Digna Procuradora Geral Adjunta, pugnou que os autos baixassem á 1ª instância para efeitos de reparação do lapso atrás referido, o que sucedeu.

              Através do despacho de folhas 160, nos termos do artº 417 nº 7 al a) do CPP, atribuiu-se neste Tribunal ao presente recurso efeito SUSPENSIVO, despacho esse que foi notificado aos intervenientes processuais e ao Tribunal recorrido.

             Após a Digna Procuradora Geral Adjunta, pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P., tendo o assistente/recorrente a folhas 189 e 190, mantido nos precisos termos o recurso que tempestivamente interpôs e o arguido a folhas 188 veio aderir á posição adoptada pelo MºPº.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pelo assistente/ofendido, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento da singela questão: 
- Ser considerado ilegal o despacho que ordenou a recolha dos vestígios (impressões digitais) do assistente, por ter violado as normas contidas nos artigos 2º, 8º, 9º, 17º, 58º al. d) do nº 3, do artº 59º, 60º in fine al.d) do nº 3 do artº 61º, 125º, 151º nº 1, do artº 171º e nº 1 do artº 172º, 191º, 192º, 262º e 269º, todos do C.P.P., nºs 1º, 2º, 3º do artº 18º, 13º, 20º, 25º , 26º, 32º, 202º, 205º, 219º, da CRP, sendo revogado por conseguinte o despacho recorrido que ordenou a perícia, por ilegal, e consequentemente ordenar que não se proceda á recolha das impressões digitais do recorrente.

Conhecendo, dir-se-á:

   Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo assistente perante este Tribunal.

Considerando-se obviamente, o recurso interposto pelo recorrente, inexistem questões prévias a decidir.

Tudo visto diremos:

Antes de mais diremos que de acordo com o que consta nos autos está a ser investigado um crime de tentativa de homicídio (agressão com arma branca na zona torácica com perfuração de um pulmão do ofendido e ora recorrente), e que o arguido de nome AF... se encontra indiciado da sua pratica em seguimento da sua inquirição em sede de 1º interrogatório e que lhe foram aplicadas medidas de coacção, vide folhas 21 até 26 e encontrando-se (atento os elementos disponíveis nestes autos) a aguardar os ulteriores termos do processo em liberdade, tendo prestado TIR e ficando proibido de contactar pessoalmente com o ofendido A....

Os factos terão ocorrido em 28 de Agosto de 2014.

O ofendido/assistente submeteu ao processo um pedido de aceleração processual uma vez que se encontrava excedido o prazo para a conclusão do inquérito, entre o mais e no seguimento deste, veio então após, o MºPº a folhas 84 a 88 promover ainda a realização de recolha de vestígios lofoscópicos da vitima, para apuramento do concreto modo como os factos ocorreram (…) recolha de cotejo das suas impressões digitais com vista á comparação com vestígios identificados a folhas 99, atento o disposto no artº 172º nº 2 do CPP. Tal promoção foi efectuada em 1 de JULHO de 2015.

No seguimento de tal promoção foi proferido então o despacho recorrido, já acima transcrito, em 6 de Julho de 2015.

De notar que antes e no decurso do inquérito a vítima  autorizou, vide folhas 102, que fosse sujeita a zaragatoas bucais para recolha do seu ADN, exame esse que foi efectuado.

Então quid iuris?

Temos então que a recolha pretendida das impressões digitais da vitima / assistente, alegadamente se destina á comparação de vestígios identificados a fls 99 dos autos principais, e nestes autos a folhas 41, 42 e 43 e que tal recolha foi ordenada em seguimento de promoção do MºPº, titular do inquérito em 1 de Setembro de 2014 ( note-se mais de um ano após a oclusão dos factos sob investigação que integrarão alegadamente a pratica de um crime de tentativa de homicídio).

Tais vestígios, ao que parece, foram recolhidos numa viatura de marca Mercedes com a matrícula 12-GV-47, pertencente ao arguido, na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura, que se encontrava alegadamente estacionada perto do local onde alegadamente ocorreu a tentativa de homicídio. Foi feito tal exame e conclui-se que os vestígios digitais enviados têm valor identificativo pelo que a inspecção é considerada positiva.

Após terem sido feitas pesquisas no sistema automatizado de identificação lofoscópica não se observou até ao momento, qualquer identificação.

Face ao atrás referido o ora recorrido não deu autorização á feitura de tal recolha, insurgindo-se por via recursal do despacho que ordenou tal recolha.

Debrucemo-nos então sobre a matéria sob apreciação no presente recurso, não que sem antes se expenda as seguintes considerações.

A inspeção lofoscópica é a designação que assume, para aquele tipo de vestígios, a Inspeção ao local do crime levada a cabo pelos OPC (designada correntemente na investigação criminal por Inspeção judiciária), que se traduz na observação, marcação e registo fotográfico do local, bem como dos vestígios e objetos passíveis de ter interesse para a investigação do crime e determinação dos seus autores.

 Do ponto de vista processual, a inspeção lofoscópica realizada pelo OPC competente, incluindo a deteção, recolha e transferência de vestígios lofoscópicos, constitui um exame, que o CPP de 1987 trata como meio de obtenção de prova, nos artigos 171.º e seguintes, com a finalidade específica de individualizar e fixar documentalmente os vestígios da prática de um crime.

 Os relatórios de inspeção ao local realizados pelos OPC no âmbito das suas competências valem como autos relativamente aos atos processuais a que respeitam pelo que, nos termos dos artigos 99.º e 169.º, do CPP, consideram-se provados os factos materiais neles documentados, o que significa que se têm como provados - enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade o seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa – os factos que se referem como praticados pela entidade documentadora assim como os factos que no documento são atestados com base nas suas perceções.

(vide, Ac TRE de 2.02.2016, in www.dgsi.pt )

Conforme nos dizem Pedro Correia e M. Fátima Pinheiro, de acordo com o modelo adotado pela PJ é um mesmo perito quem deteta, recolhe e processa todos os tipos de vestígios (v.g. lofoscópicos, biológicos, físico-químicos).

No que respeita aos vestígios lofoscópicos é ao mesmo perito (em regra perito lofoscópico) que compete efetuar todo o processo, desde a deteção dos vestígios, à sua revelação, transplante, fotografia, buscas no sistema informatizado, comparação manual com resenhas de suspeitos e, em caso de identificação, demonstração gráfica e respetiva informação pericial. É de referir [conclui o autor] que os peritos da PJ ainda efetuam o processamento subsequente à recolha dos vestígios lofoscópicos feita pela GNR, no âmbito das inspeções judiciárias dos crimes da sua competência. ” – Cfr, Pedro Correia e M. Fátima Pinheiro, Perspetivas atuais da lofoscopia: aplicação criminal e civil do estudo de impressões epidérmicas in Ciências forenses ao serviço da justiça, (coord. M. Fátima Pinheiro), Lisboa, Pactor 2013, pp 119 a 156, que aqui seguimos de perto.

Do ponto de vista processual, a inspeção  lofoscópica realizada pelo OPC competente, incluindo a deteção, recolha e transferência de vestígios lofoscópicos, constitui um exame, que o CPP de 1987 trata como meio de obtenção de prova, nos artigos 171.º e seguintes, com a finalidade específica de individualizar e fixar documentalmente os vestígios da prática de um crime, pondo termo ao enquadramento legal conjunto de perícias e exames seguido no C.Penal de 1929.

No entanto, apesar da separação dos respetivos enquadramentos processuais, a perícia e os exames encontram-se intimamente ligados com frequência(…). Os exames foram acolhidos entre os meios de obtenção de prova, com a finalidade específica de individualizar os vestígios da prática de um crime, bem como a sua fixação documental, desempenhando, assim, uma função instrumental relativamente à identificação pericial de vestígios ou a outros meios de prova do crime, tal como se verifica relativamente aos demais meios de obtenção de prova.

Função instrumental da maior relevância, sendo certo que a própria deteção e individualização dos vestígios exige frequentemente a intervenção no exame de perito especializado que é considerada praticamente indispensável para a realização da perícia subsequente e o êxito da mesma.

Como refere Manuel Simas Santos, Manuel Leal Henriques e João Simas Santos, Noções de Processo Penal , 2º ed., folhas 226 e 227, “Os exames  são meios de obtenção de prova, destinados a recolher e analisar vestígios materiais de factos com relevância penal, em ordem á determinação das circunstâncias da pratica e da respectiva autoria.”

Os exames destinados a « fixar documentalmente ou permitir observação directa pelo Tribunal de factos relevantes em matéria probatória», revestem-se de uma extraordinária importância no sentido da percepção directa de dados e elementos, tantas vezes indispensáveis á reconstituição dos factos, e consequentemente de grande utilidade para a descoberta da verdade.

Pode dizer-se que o exame é a «comprovação, por perícia, dos elementos objectivos do tipo, que diz respeito, principalmente ao evento produzido pela conduta delituosa, ou seja, do resultado, de que depende a existência do delito».

No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames têm por finalidade inspecionar” os vestígios que possa ter deixado o crime, e todos os indícios relativos ao modo e ao lugar onde foi praticado, ás pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido” ( artº 171º nº 1 do CPP).Este dispositivo, além da noção que dá de exame (através da indicação da sua finalidade) - e a que já aludimos- fornece-nos ainda a abrangência deste meio de obtenção de prova (pessoas, lugares e coisas) e cuida da preservação dos vestígios deixados pelo crime, no sentido da viabilidade do seu posterior exame. (…)

Outro princípio fundamental é o da obrigatoriedade de sujeição a exame ou de disponibilização da coisa a examinar, a que se reportam os artigos 172º e 173º do CPP.

Este princípio expressa-se na possibilidade de a autoridade judiciária competente compelir o visado á observância de tais obrigações, ainda que condicionadas (no caso de exame susceptível de ofender o pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar, não se permitindo assistentes, além da própria autoridade judiciária ou e de pessoa de confiança do visado e que este venha a indicar (artº 172º do CPP).”

Com efeito, são muitas as situações em que, uma vez identificados os vestígios da prática de um determinado crime na sequência da sua ocorrência, se segue necessariamente a perícia para a respetiva caracterização e interpretação, como vimos ser o caso do exame e subsequente perícia lofoscópica, apresentando-se, esta, por sua vez, como essencial à interpretação dos vestígios concretamente detetados e fixados documentalmente, surgindo como a única forma de os mesmos serem devidamente valorados no processo. – Vd, nestes termos, Parecer nº 64/2006 do Conselho Consultivo da CPGR de 2.11.2006, relator, Leones Dantas, acessível em www.dgsi.pt.

Esta proximidade entre as duas figuras e mesmo alguma complementaridade entre ambas, não significa que o seu regime processual deixe de apresentar diferenças significativas, nomeadamente no que respeita à competência para a sua realização (cfr artigos 154º e 251º, do CPP) e à respetiva relevância e força probatória, pois só a perícia visa a perceção e interpretação de factos importantes para a decisão da causa, em si mesmos considerados, e só ela goza da especial força probatória estabelecida no art. 163º do CPP, diferenças que poderão ou não ter alguma relevância no caso sob análise, desiderato que iramos agora “abraçar”.

Em todo o caso, podemos assentar em que a criteriosa realização e documentação da inspeção ao local, para além de assumir grande importância na quantidade e qualidade de vestígios encontrados e na garantia de que foi mantida a cadeia de custódia, é igualmente relevante para a prova de alguns dos factos em que se desdobra a inspeção ao local e que relevam para enquadramento dos factos objetos da prova pericial propriamente dita, maxime a localização dos vestígios lofoscópicos (no que aqui interessa) e de outros eventualmente existentes.

O valor probatório específico resultante de impressão digital encontrada no local do crime (grosso modo) assenta na sua comparação e identificação por quem detenha especiais conhecimentos técnico-científicos, ou seja, mediante prova pericial, meio de prova regulado nos artigos 151º a 163º do CPP.

Na verdade, ao determinar que a prova pericial tem lugar quando a perceção ou avaliação dos factos exigirem especiais conhecimentos, o art. 151º do C.P.P acolhe, em matéria de aquisição e valoração da prova, um caso de prova legal negativa que exceciona o princípio ou regra da liberdade de prova ou prova livre estabelecido no art. 125º do CPP e o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CP), pois não prescinde daquele meio probatório para prova de determinados factos, conforme resulta da própria razão de ser da prova pericial e tem sido entendido pela jurisprudência.

Ou seja, uma vez que a prova pericial visa a comprovação de determinados factos que apenas podem ser observados ou compreendidos e valorados cabalmente, em virtude de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, que não é suposto encontrarem-se nos juízes e outros profissionais do foro, conforme decorre entre nós dos termos do citado art. 151º do CPP, resulta daí que o tribunal não possa julgar provado o facto em causa mesmo que afirme a convicção de que o facto em causa se encontra suficientemente provado com base noutros elementos probatórios que, por definição, não assegurarão aqueles conhecimentos com o formalismo que a lei de processo exige no art. 151 º e sgs do CPP.

(a este propósito e de outros aspetos da prova datiloscópica, José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, Crimes sexuais, Análise substantiva e processual, Coimbra Editora, 2015, p. 384)

Que dizer então do despacho sob censura, tendo em conta naturalmente os elementos constantes dos autos, a natureza dos mesmos (inquérito) e a sua finalidade?

Sob um prisma meramente técnico teremos que referir, e não de forma despicienda, alguns vectores absolutamente incontornáveis que se nos apresentam nos presentes autos e sobre os quais não poderemos deixar de enfatizar.

Tendo feito, supra um enquadramento genérico dos factos, ressalta de modo particularmente agudo, na tramitação e condução do presente inquérito algumas incongruências.

Vejamos quais.

Primeiro temos que, e restringindo-nos às “ impressões digitais”, como não podia deixar de ser, analisar os elementos presentes nos presentes autos, sendo que a fls. 107, o L.P.C. e quanto às impressões digitais recolhidas é inconclusivo, ou seja, elas existem mas não foi feito o “match”.

 No entanto tal perícia encontra-se manifestamente omissa, pois desconhece-se completamente qual terá sido “a base de dados” em que assentou tal comparação que resultou inconclusiva e diremos até duplamente, pois não sabemos exactamente o quê, o onde e quem visavam.

E podemos afirmar tal com bastante certeza e segurança, por duas ordem de razões, primeiro porque não era só a vitima que ali se encontrava alegadamente. Também ali estava o arguido, a sua companheira AM… como também PE….

Não compreendemos como é que o MºPº refere na resposta ao recurso que e “ipsis verbis” : tendo em vista a sua comparação com os vestígios lofoscópicos encontrados no veículo do arguido – e que não pertencem a este – a fim de aferir se, efectivamente, a versão apresentada pelo arguido em sede de interrogatório judicial, se mostra coincidente com a verdade material e sustentada pelos elementos probatórios. (…), parecendo ser esta então a derradeira diligência de prova, na óptica do titular do inquérito, que se encontra por realizar…

 Ou seja não sabemos como é que o MºPº afirma tal, quando o suporte técnico de tal afirmação não se encontra junto aos autos (encontrando-se outro até que é inconclusivo na identificação de tais impressões digitais recolhidas), pois não se vislumbra que tenha sido feito tal exame (sendo que o MºPº se o houvera também não o fez juntar/ como é que se sabe aqui afirmando-o, que tais impressões digitais não pertencem ao arguido? conforme é dito pelo MºPº).

No entanto, como já se referiu também a companheira do arguido e PE... se encontravam no local á hora em que os factos terão alegadamente ocorrido (tentativa de homicídio com arma branca/ então porque não recolher também as impressões digitais destas?), e então se o MºPº tão diligente está em apurar só a versão dos factos relatados pelo arguido, o que desde já pode causar algumas dúvidas em sede de investigação, parecendo assim que quem conduz o inquérito é o arguido e não o MºPº, andando este a reboque daquele, “pelo menos quanto á comprovação da sua versão da oclusão dos factos” ( e note-se tudo feito após o pedido de aceleração processual  feito pelo assistente/ vitima), conforme se pode claramente ler da resposta ao recurso apresentado, alheando-se de tudo o mais, quando deveria em sede de indícios/ recolha de prova,  averiguar objectivamente pelos meios legais ao seu dispor, como terão alegadamente ocorrido os factos anteriores, contemporâneos e posteriores á pratica de um alegado crime de tentativa de homicídio, (mas sem esquecer o seu núcleo duro que será a pratica de um crime de homicídio na forma tentada)  sem seguir um qualquer guião, neste caso “municiado pelo arguido em sede de 1º interrogatório”, ou seja com independência, livre arbítrio, e sobretudo de forma objectiva tendo em conta os indícios existentes, e sempre nos termos do artº 262º nº1 do CPP.

Como se salienta aqui, o inquérito e a diligência de prova em questão, não se destina certamente a comprovar “a versão apresentada pelo arguido em sede de interrogatório judicial”, como refere o MºPº na sua resposta ao recurso, estribando-se em tal para promover a recolha de impressões digitais da vítima e ora recorrente.

Igualmente curioso, não podemos deixar de mencionar é o “timing” da promoção de tal recolha, sobre a qual o recorrente se insurge, a qual foi feita só, logo após o pedido de aceleração processual feita pela vítima/ recorrente/assistente.

Vejamos agora o despacho recorrido e acima transcrito.

Da sua simples leitura pode-se facilmente inferir da sua fragilidade, e porquê?

Basicamente  e pelo menos por duas ordens de razões.

Primeiro porque neste âmbito e como é sustentado por vários autores, o despacho da autoridade judiciária que compele ao exame deve ser especialmente fundamentado ( artº 97º nº 5 do CPP) atento o perigo de violação de direitos liberdades e garantias que em primeira linha são conferidos basicamente aos arguidos, sendo que no caso dos autos o visado é a vitima da pratica de um alegado crime de tentativa de homicídio.

Ora tal fundamentação é praticamente omitida/ quase nula no despacho recorrido, pois ali se tecem tão só considerações de índole genéricas, sem concretizar da verdadeira necessidade da feitura de tal exame, á qual acresce a falta da descrição dos factos que necessariamente se terão de ancorar para a necessidade da realização compulsiva/coerciva de tal recolha, e logo na vítima, ou seja das suas impressões digitais, face á sua recusa.

De facto ali só se menciona:

“Investiga-se nos autos um crime de homicídio na forma tentada.

A fim de perceber os contornos em que o crime foi praticado procedeu-se na P.J., mais concretamente no L.P.C. ao exame pericial nº 201415308-clo.

É necessário concluir este exame procedendo-se á recolha de vestígios lofoscópicos do assistente A... para os cotejar com os três vestígios recolhidos.

No entanto, o assistente conforme resulta do requerimento de folhas 372/373 não concorda com a recolha das suas impressões digitais.

A recolha das impressões digitais não cria nenhum perigo para a saúde física ou psíquica do assistente nem molesta a integridade pessoal ou intimidade do visado-artº 154º nº 3 e 156º nº 5 e 6 do CPP e mostra-se importante para a descoberta da verdade em particular dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado.

Assim nos termos do artº 172º, nº 1 e 2 do CPP ordeno a recolha dos vestígios (impressões digitais) do assistente.”

Verificamos assim que a “ratio” para a determinação de tal exame se resume á averiguação dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado. Convenhamos que é uma fundamentação muito vaga e pouco gratificante, logo débil para determinar objectivamente a feitura de tal exame.

Segundo, não podemos também deixar de referir que no despacho sob censura é determinada a recolha de vestígios lofoscópicos do assistente para os cotejar com os três vestígios recolhidos (exame pericial nº 201415308-clo.), mais concretamente(…) “ordeno a recolha dos vestígios (impressões digitais) do assistente.”

Abstraindo já dos considerandos atrás feitos sobre a omissão em tal exame, da não menção da base de dados em que se estribou, mais não resta senão referir, ou melhor perguntar exactamente afinal, qual é a recolha dos vestígios (das impressões digitais) do assistente, pretendidas  uma vez que um ser humano tem 20 dedos? (para já não falar das impressões palmares).

Aqui julga-se que o despacho teria também de ser mais preciso na indicação da recolha dos vestígios, impressões digitais pretendidos do assistente e teria de concretizar (uma vez que não se trata de um poder discricionário) com precisão o/s local de onde pretendia recolher as impressões digitais (dedos da mão direita/ esquerda/ anelar, polegar, etc), não sendo curial fazer uma referência, aqui, também genérica “ da recolha das impressões digitais do assistente” que levada ao extremo tem as consequências referidas no parágrafo anterior.

Igualmente aqui se refere hipoteticamente, e naturalmente as consequências da possível feitura de um exame coercivo, que no futuro venha a ser considerado ilegal, o qual pode gerar no fim da linha a responsabilidade civil do Estado, exigindo-se aqui especiais cautelas nomeadamente a nível da fixação dos efeitos de recurso que venha a ser interposto.

A tal acresce ainda o direito Comunitário como a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL – a qual tem por princípios orientadores ( e considerando-se o disposto no artigo 16º nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, sob o titulo -Âmbito e sentido dos direitos fundamentais/ a sua aplicação no Ordenamento jurídico Português):

Princípios para a determinação dos direitos da Vítima.

 (a) Aos direitos da vítima de crime deve ser dada a mesma prioridade que aos do autor do crime. (b) Para acautelar os interesses da vítima, todos os intervenientes no processo penal devem assegurar que o procedimento adoptado para lidar com o autor do crime não agravará a vulnerabilidade da vítima nem a conduzirá a uma “vitimação secundária”. (c) A experiência profissional no âmbito das organizações de Apoio à Vítima, bem como estudos recentemente realizados, têm amplamente demonstrado que o crime pode ter consequências nefastas a longo prazo, tanto para a vítima como para a sua família, não só ao nível do seu bem-estar físico, económico e emocional, mas também das suas atitudes para com a sociedade em geral e para com as autoridades do sistema de justiça penal em particular. Um tratamento pouco esclarecido ou insensível da parte das autoridades policiais e judiciais, ou de profissionais individualmente considerados no âmbito do processo penal, tende a agravar ou a prolongar tais efeitos negativos. Pelo contrário, as vítimas que obtêm um adequado reconhecimento e respeito são mais capazes para desenvolver uma atitude positiva e mais ajustada face à sua experiência do crime e para o compreender no seu contexto próprio, sentindo-se reconfortadas pela manifestação de solidariedade no seio da sua comunidade. A protecção contra a “vitimação secundária” é tão importante como a protecção contra o crime original, sobretudo porque o poder para conferir tal protecção depende das autoridades. (d) O crime, e o receio da sua ocorrência, afecta não apenas as pessoas directamente envolvidas mas também todos aqueles que tomam conhecimento dos factos pelo contacto directo com a vítima ou através dos órgãos de comunicação social.

A ocorrência da “vitimação secundária” no âmbito do processo penal pode afectar a confiança das vítimas no sistema judicial, levando à diminuição da cooperação por parte destas.

A adopção de procedimentos tendentes a reconhecer a posição da vítima e a evitar a “vitimação secundária” deve, deste modo, ser tomada como essencial à solidariedade social e aos interesses da justiça tal como são geralmente entendidos. Acautelar os direitos da vítima é, assim, indispensável ao bem-estar da sociedade no seu todo. (e) Na Europa, o Estado tem assumido a responsabilidade da instauração da acção penal contra os autores dos crimes, retirando à vítima o ónus da responsabilidade pela prossecução de qualquer medida a tomar relativamente ao autor do crime.

A aceitação desta responsabilidade por parte do Estado deve ser reconhecida como um direito fundamental da vítima de crime, e não deverão ser admitidas quaisquer tentativas para alterar esta situação, devolvendo esta responsabilidade às vítimas. (f) Deve, porém, ser reconhecido que o retirar daquela responsabilidade à vítima em conta nas tomadas de decisão. Devem ser adoptadas medidas com o objectivo de garantir a protecção dos interesses da vítima e de assegurar que todas as partes com um interesse legítimo no caso considerem que a justiça está a ser feita. (g) Compete ao Estado garantir que sejam adoptadas as medidas adequadas, podendo, todavia, existir diferentes soluções envolvendo, por exemplo, as organizações de apoio às vítimas, as autoridades policiais e judiciais ou o autor do crime.

 DIREITOS DA VÍTIMA

 1. Respeito e reconhecimento. A vítima tem direito a ser respeitada e reconhecida enquanto titular de interesses legítimos que devem ser tidos em conta em todas as fases do procedimento criminal. Em todas as fases de investigação e nas audiências judiciais, o interrogatório das vítimas e outras testemunhas deve ser conduzido com respeito pela sua dignidade pessoal. Devem ser adoptadas especiais precauções relativamente a crianças ou a testemunhas com perturbações do foro psiquiátrico, as quais deverão ser sempre interrogadas na presença de um dos pais, tutor ou pessoa da sua confiança. 2. Direito de receber informação aquando da participação de um crime, deve ser garantido a todas as vítimas o direito de optarem por um procedimento que lhes permita manterem-se informadas acerca de todos os desenvolvimentos do caso - por exemplo, captura do autor do crime, decisão sobre a acusação, datas das audiências.

Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 22.3.2001, PT, L 82/1 a 4 (Actos adoptados em aplicação do título VI do Tratado da União Europeia)

Tais princípios foram adoptados na U.E. e deverão ser tomados também em conta em situações como a dos autos, veja-se:

 DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO DE 15 DE MARÇO DE 2001 RELATIVA AO ESTATUTO DA VÍTIMA EM PROCESSO PENAL (2001/220/JAI) O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, Tendo em conta o Tratado da União Europeia, e, nomeadamente, o seu artigo 31.º e o n.º 2, alínea b), do seu artigo 34.º, Tendo em conta a iniciativa da República Portuguesa (1), Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (2), Considerando o seguinte:

1.De acordo com o plano de acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente com o ponto 19 e a alínea c) do ponto 51, no prazo de cinco anos após a entrada em vigor do Tratado, a questão do apoio às vítimas deverá ser abordada através da realização de um estudo comparativo dos regimes de indemnização das vítimas e deverá ser avaliada a viabilidade de tomar medidas no âmbito da União Europeia. 2.Em 14 de Julho de 1999, a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social, a comunicação intitulada «Vítimas da criminalidade na União Europeia - Reflexão sobre as normas e medidas a adoptar».

 O Parlamento Europeu aprovou uma resolução relativa à comunicação da Comissão, em 15 de Junho de 2000. 3.

 Nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, em particular no ponto 32, estabelece-se que deverão ser elaboradas normas mínimas sobre a protecção das vítimas da criminalidade, em especial sobre o seu acesso à justiça e os seus direitos de indemnização por danos, incluindo custas judiciais. Além disso, deverão ser criados programas nacionais para financiar medidas, públicas e não governamentais, de assistência e protecção das vítimas 4.Os Estados-Membros devem aproximar as suas disposições legislativas e regulamentares na medida do necessário para realizar o objectivo de garantir um nível elevado de protecção às vítimas do crime independentemente do Estado-Membro em que se encontrem. 5. As necessidades da vítima devem ser consideradas e tratadas de forma abrangente e articulada, evitando soluções parcelares ou incoerentes que possam dar lugar a uma vitimização secundária. 6.Por esta razão, o disposto na presente decisão-quadro não se limita a tutelar os interesses da vítima no âmbito do processo penal stricto sensu, abrangendo igualmente determinadas medidas de apoio às vítimas, antes ou depois do processo penal, que sejam susceptíveis de atenuar os efeitos do crime. 7. As medidas de apoio às vítimas do crime, nomeadamente as disposições em matéria de indemnização e mediação, não dizem respeito a soluções próprias do processo civil. 8.É necessário aproximar as regras e práticas relativas ao estatuto e aos principais direitos da vítima, com particular relevo para o direito de ser tratada com respeito pela sua dignidade, o seu direito a informar e a ser informada, o direito a compreender e ser compreendida, o direito a ser protegida nas várias fases do processo e o direito a que seja considerada a desvantagem de residir num Estado-Membro diferente daquele onde o crime foi cometido. 9. O disposto na presente decisão-quadro não impõe, porém, aos Estados- -Membros a obrigação de garantir às vítimas um tratamento equivalente ao de parte no processo. 10.É importante a intervenção de serviços especializados e organizações de apoio às vítimas, antes, durante e após o processo penal. 11.É necessário dar formação adequada e correcta a todos aqueles que contactem com a vítima, o que é fundamental tanto para a vítima como para alcançar os objectivos do processo. 12.Dever-se-á utilizar os mecanismos de coordenação existentes de pontos de contacto em rede nos Estados-Membros, seja no sistema judiciário, seja baseados em redes de organizações de apoio às vítimas.

ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO-QUADRO: Artigo 1.º Definições Para efeitos da presente decisão-quadro, entende-se por: (a) «Vítima»: a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causadas por acções ou omissões que infrinjam a legislação penal de um Estado-Membro; (b) «Organização de apoio às vítimas»: uma organização não governamental, legalmente estabelecida num Estado-Membro, cujas actividades de apoio a vítimas de crime sejam gratuitas e, exercidas de modo adequado, complementem a acção do Estado neste domínio; (c) «Processo penal»: o processo penal na acepção da legislação nacional aplicável; (d) «Processo»: o processo em sentido lato, ou seja, que inclui, além do processo penal propriamente dito, todos os contactos, relacionados com o seu processo, que a vítima estabeleça nessa qualidade com qualquer autoridade, serviço público ou organização de apoio às vítimas, antes, durante ou após o processo penal; (e) «Mediação em processos penais»: a tentativa de encontrar, antes ou durante o processo penal, uma solução negociada entre a vítima e o autor da infracção, mediada por uma pessoa competente.

Artigo 2.º Respeito e Reconhecimento 1.Cada Estado-Membro assegura às vítimas um papel real e adequado na sua ordem jurídica penal. Cada Estado-Membro continua a envidar esforços no sentido de assegurar que, durante o processo, as vítimas sejam tratadas com respeito pela sua dignidade pessoal e reconhece os direitos e interesses legítimos da vítima, em especial no âmbito do processo penal. 2.Cada Estado-Membro assegura às vítimas particularmente vulneráveis a possibilidade de beneficiar de um tratamento específico, o mais adaptado possível à sua situação. Artigo 3.º Audição e apresentação de provas Cada Estado-Membro garante à vítima a possibilidade de ser ouvida durante o processo e de fornecer elementos de prova. Cada Estado-Membro toma as medidas adequadas para que as suas autoridades apenas interroguem a vítima na medida do necessário para o desenrolar do processo penal. Artigo 4.º Direito de receber informações 1.Cada Estado-Membro garante à vítima em especial, desde o seu primeiro contacto com as autoridades competentes para a aplicação da lei, o acesso às informações que forem relevantes para a protecção dos seus interesses, através dos meios que aquele considere apropriados e tanto quanto possível em línguas geralmente compreendidas. Estas informações são pelo menos as seguintes: (a) O tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio; (b) O tipo de apoio que pode receber; (c) Onde e como pode a vítima apresentar queixa; (d) Quais são os procedimentos subsequentes à queixa e qual o papel da vítima no âmbito dos mesmos; (e) Como e em que termos poderá a vítima obter protecção; (f) Em que medida e em que condições a vítima terá acesso a: (i) aconselhamento jurídico, ou (ii) apoio judiciário, ou (iii) qualquer outra forma de aconselhamento, se, nos casos referidos nas subalíneas (i)e (ii), a vítima a tal tiver direito. (g) Quais são os requisitos que regem o direito da vítima a indemnização; (h) Se for residente noutro Estado, que mecanismos especiais de defesa dos seus interesses pode utilizar.

2.Cada Estado-Membro assegura que a vítima seja informada, sempre que manifestar essa vontade: (a) Do seguimento dado à sua queixa; (b) Dos elementos pertinentes que lhe permita, em caso de pronúncia, ser inteirada do andamento do processo penal relativo à pessoa pronunciada por factos que lhe digam respeito, excepto em casos excepcionais que possam prejudicar o bom andamento do processo; (c) Da sentença do tribunal. 3. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, pelo menos nos casos de perigo potencial para a vítima, quando a pessoa pronunciada ou condenada por essa infracção seja libertada, se possa decidir informar a vítima, se tal for considerado necessário. 4.Na medida em que comunique por sua própria iniciativa as informações a que se referem os n.ºs 2 e 3, o Estado-Membro assegura à vítima o direito de optar por não receber essas informações, salvo se a comunicação das mesmas for obrigatória, nos termos do processo penal aplicável.

(…)Artigo 17.º

 Execução Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente decisão-quadro: até 22 de Março de 2006, no que se refere ao artigo 10.º, até 22 de Março de 2004, no que se refere aos artigos 5.º e 6.º, até 22 de Março de 2002, no que se refere às restantes disposições. Artigo 18.º Avaliação A partir das datas a que se refere o artigo 17.º, os Estados-Membros devem transmitir ao Secretariado-Geral do Conselho e à Comissão o texto das disposições de transposição para o direito nacional das obrigações decorrentes da presente decisão-quadro.

O Conselho avaliará, no prazo de um ano após cada uma das referidas datas, as medidas tomadas pelos Estados-Membros para cumprir o disposto na presente decisão-quadro, com base num relatório elaborado pelo Secretariado-Geral a partir da informação recebida dos Estados-Membros e num relatório escrito da Comissão. Artigo 19.º Entrada em vigor A presente decisão-quadro entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

Feito em Bruxelas, em 15 de Março de 2001.

Pelo Conselho

 O Presidente M-I. KLINGVALL

Igualmente relevante agora importa considerar a DIRETIVA 2012/29/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 25 de outubro de 2012 (in Jornal Oficial da União Europeia d 14.11.2012, L315/57) que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, mormente o seu artº 20º, a qual entre o mais visa proteger estes direitos, nomeadamente evitar a “dupla vitimização”.

Propostos tais considerandos, haverá ainda que aduzir e tendo em conta o despacho recorrido, o seguinte:

O artº 18º nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, consagra o principio da proporcionalidade em sentido amplo que se configura como a trave mestra de legitimação do” ius puniendi” estatal e de toda a restrição de direitos fundamentais.

De facto ai se refere que:

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

O princípio da proporcionalidade decompõe-se em três ideias fundamentais: adequação, necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) da medida de ingerência. A partir deste princípio importa alcançar o justo equilíbrio entre os vários direitos ou interesses legalmente protegidos. O legislador é chamado a efectuar a devida ponderação no momento da criação das normas jurídicas que entram em conflito com outras já existentes no ordenamento jurídico.

 Exige-se a medição dos interesses em colisão de maneira a sopesar cada um deles e encontrar uma solução que permita garantir a sobrevivência dos valores fundamentais á vida em sociedade democrática. O princípio da proporcionalidade não é apenas uma bitola a ser usada pelo legislador, já que dela, em não raras ocasiões, deverá o juiz e aplicador do Direito lançar mão para a “estruturação societariamente válida” dos diversos valores com que é chamado a lidar no seu dia-a-dia decisional.

O jogo do princípio da proporcionalidade implica uma valoração concreta dos valores em liça, a sua comparação, com vista á sua limitação, na estrita medida do necessário, da mole de valores que o juiz pretende fazer prevalecer. Ninguém duvidará hoje, ao que cremos, que tal princípio é estruturante de qualquer Estado (Democrático) de Direito.

A propósito das perícias de ADN, mas que “in casu” os seus princípios norteadores, se aplicam “mutatis mutandis” á recolhas de impressões digitais á/s vitimas (tanto mais que no caso dos autos com o seu expresso consentimento o assistente sujeitou-se á recolha de amostras de ADN, o que foi feito), o princípio da proporcionalidade já mencionado abarca três princípios matérias:

O princípio da identidade-“ a individualização das medidas de intervenção corporal devem realizar-se com base em suspeitas fundadas, implicando igualmente que aquelas devem produzir ou mesmo favorecer o fim perseguido pela norma que fundamenta a intervenção, com base em dados de caracter empírico e segundo juízo de causalidade (…) assim ao falarmos deste principio da idoneidade da medida, pretende traduzir-se a ideia que se exige uma relação de adequação entre o meio usado e o fim perseguido, inerente a toda a restrição de um direito fundamental. Não basta para legitimar a intervenção corporal, apelar-se para um determinado bem jurídico ou direito ou interesse constitucionalmente protegido (seja ele a realização material da justiça ou qualquer outro de relevância societária), urge que a restrição que se pretende levar a cabo seja apropriada e útil para lograr o fim que justifica a limitação do direito (neste caso da vitima). Exige-se que as medidas restritivas possuam idoneidade face ao fim que se pretende atingir. Assim do teor do artº 193º nº 1 do CPP é legítimo retirar um princípio geral aplicável a toda e qualquer medida processual, no âmbito criminal que contenda com os direitos fundamentais, limitando-os ou restringindo-os. Mesmo sem esta norma poderíamos lançar mão do disposto no nº 2 do artº 18º da Constituição da Republica Portuguesa para contê-lo;

 2º O princípio da necessidade e da mínima intervenção- o que implica a necessária utilização de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais, quando isso se afigure possível(…) De forma sintética, dir-se-á que o princípio da indispensabilidade ou da necessidade significa que, existindo outras medidas investigatórias que possam garantir, de forma satisfatória, o objecto que justifica o limite, deverão afastar-se todas aquelas que surjam mais gravosas para o direito alvo de limitação. Fala-se de medida proporcional quando a mesma surge como indispensável e insubstituível por outra, já que é a que envolve um menor sacrifício para os direitos fundamentais envolvidos. (..) A decisão judicial de ingerência no corpo somente será necessária quando da mesma, de forma única e exclusiva, depende a possibilidade de obtenção de um resultado investigatório positivo que permita ao Estado exercitar o seu “ius puniendi”. De igual modo, á luz desta compreensão, isso só acontecerá quando a adopção de tal medida, de um ponto de vista objectivo, seja apta a deslindar os factos em investigação e a permitir a ligação dos mesmos (“imputação”) á pessoas alvo da medida lesiva dos direitos fundamentais.

  3º O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da “ adequação ao fim”, que é um princípio de carácter valorativo, normativo, que exige uma ponderação do interesse em conflito segundo um critério de justiça material, (…) implica uma ponderação entre os interesses individuais que se vão constranger, e os interesse que se pretendem defender. Trata-se de valorar e ponderar todos os bens envolvidos, quer os que abonem a favor da tese restritiva quer os que militam em sentido contrário. Importa encontrar o justo equilíbrio entre as vantagens e os prejuízos que se geram quando se limita um direito com vista a proteger outro direito ou bem constitucionalmente ancorado.(…) Deve atender-se assim á absoluta necessidade de lançar mão de tal actuação para a defesa do interesse público, salvaguarda do interesse social, da ordem pública e do direito da comunidade em geral ao exercício efectivo da justiça penal, com a identificação e punição do culpado.

(vide aqui, Benjamim da Silva Rodrigues, Da prova penal, tomo II , 1ª edição, p. 178 e seg.)

De tudo o que acima se deixou exarado conclui-se pela perfeita inadequação do comando ínsito no despacho sob censura.

Este para além do mais, encontra-se imperfeito no sentido da sua deficiente fundamentação (cujos contornos supra se deixaram bem delineados e explícitos), como também do difuso comando que se traduz na omissão de concreta especificação das medidas a tomar, pela opção ai tomada da fórmula genérica de recolha de impressões digitais ao assistente.

Igualmente a opção tomada de recolha de impressões digitais da vítima no espelho retrovisor do carro do arguido, mostra-se, visto que estamos perante um alegado crime de homicídio na forma tentada com arma branca em que a vítima foi atingida na caixa torácica com perfuração de um pulmão, para além de facto alegadamente circunstancial/instrumental, o exame ordenado mostra-se, face aos contornos e indícios vertidos nos autos, desnecessário, inadequado e desproporcional, tanto mais que a vítima não era a única pessoa que naquele local se encontrava na altura em que alegadamente terão ocorrido os factos.

Também despiciendo não será referir, e a titulo “póstumo”, que, de acordo com relatório policial incorporado nestes autos, ali se refere que o arguido em “ conversa informal” com agentes da Policia Judiciária terá declarado que após ter desferido a facada na vitima e deste facto se apercebendo, teve ainda o propósito de se dirigir para o carro da vitima alegadamente com a finalidade de o danificar, só não o tendo feito porque a sua companheira desse intento o demoveu.

Resta aduzir que não há notícia de o arguido ter apresentado contra o assistente e dentro do prazo legal de que dispunha queixa pela prática de um crime de dano naquela data na sua viatura automóvel.

Tendo em conta os factos alegadamente imputados ao arguido, e os demais elementos recolhidos em termos de indícios probatórios, os interesses, direitos, liberdades e garantias da vítima, constitucionalmente consagrados, leva-nos a concluir de forma inexorável, pela legitimidade da sua recusa em ser objecto de exame para recolha das suas impressões digitais por violação dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade daquela medida, sendo certo ainda que o despacho recorrido padece ainda de falta de fundamentação e de imprecisão quanto á realização do exame propriamente dito, nos termos em que atrás já se enfatizou á saciedade.

     Procede assim o recurso interposto pelo assistente.

      DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as Juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

1.Julgar procedente o recurso interposto pelo assistente A..., devidamente identificado nos autos e consequentemente revogar na integra o despacho recorrido.

           2.Não é devida tributação.

           3.Notifique e D.N.

           Lisboa, 3 de Março de 2016

(Versos em branco/Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

Filipa Costa Lourenço

Margarida Vieira de Almeida