Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21395/17.1T8SNT-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: FALTA DE INTEGRAÇÃO NO PERSI
CESSÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1. Na circunstância do devedor não ter sido integrado no PERSI por parte da instituição bancária, quando o devesse ter sido, os efeitos desta falta impõem-se ao cessionário do crédito, designadamente na limitação de não poderem ser intentadas ações judiciais contra o devedor até à extinção de tal procedimento.

2. O crédito que é transmitido quando da cessão de créditos é o mesmo que existe na titularidade do cedente. Se o crédito já estava em incumprimento quando da cessão de créditos e o cedente estava limitado no exercício do seu direito por força do regime do PERSI, designadamente por estar obrigado a integrar o devedor no PERSI, não podendo intentar contra ele ações judiciais com vista à cobrança coerciva do seu crédito até à extinção deste procedimento, nos termos previstos no art.º 18.º n.º 1 al. b) do diploma em questão, o direito de crédito que o mesmo transmitiu à cessionária não pode deixar de ter esta mesma limitação.

3. O regime geral da transmissão de créditos, de acordo com o disposto no art.º 585.º do C.Civil, admite que o devedor venha a opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a única ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.

4. Esta garantia ou proteção do devedor está também contemplada no art.º 6.º Decreto Lei 453/99 de 5 de novembro, diploma que estabelece o regime jurídico das operações de transmissão de créditos com vista à subsequente emissão, pelas entidades adquirentes, de valores mobiliários destinados ao financiamento das referidas operações, onde se prevê que a titularização dos créditos não implica a diminuição de nenhuma das garantias do devedor que continua a manter os seus direitos com a instituição financeira cedente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
A Hefesto STC, S.A., intentou contra AR a execução para pagamento da quantia de €65.697,24, apresentando como título executivo uma escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada entre Caixa Económica Montepio Geral e a Executada em 27/08/1999, alegando que adquiriu o crédito exequendo, por contrato de cessão de crédito, que junta.
A Executada veio deduzir oposição à execução por meio dos presentes embargos de executado, invocando em sua defesa que: i) não foi notificada da cessão de créditos, pelo que a exequente não tem legitimidade para instaurar a execução; ii) contrariamente ao que a exequente alega, não deixou de pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo dado à execução a partir de 27/04/2011, tendo pago, pelo menos, a quantia de €5.430,00, no período compreendido entre 19/12/2011 e 07/07/2013; iii) prescreveram os juros respeitantes aos anos de 2011, 2012 e parte do ano de 2013.
Os embargos foram recebidos e notificada embargada, a mesma veio apresentar contestação concluindo pela improcedência dos embargos.
Teve lugar a audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador e despacho de delimitação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, que não mereceu reclamação das partes.
O processo prosseguiu para a audiência final, no início da qual o tribunal convidou a Embargada a documentar nos autos, no prazo de 15 dias, a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e sua efetiva comunicação à executada/mutuária, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 14.º e 18º, n.º 1, alíneas b) e c), do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Por requerimento de 26/10/2021 a Exequente/Embargada juntou duas missivas, datadas de 17/02/2013 e 20/05/2013.
Foi proferido despacho que afirmou a competência do tribunal e a legitimidade das partes julgando improcedente a exceção da ilegitimidade da Exequente suscitada pela Embargante, mais tendo julgado procedente a exceção dilatória prevista no artigo 18.º n.º 1 al. b) do Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro, absolvendo a Executada/Embargante da instância executiva, fundamentando esta decisão nos termos que se reproduzem:
“Da excepção de inobservância do regime imperativo consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro .
A excepção em causa, baseada no disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do citado diploma legal, assume a natureza de excepção dilatória inominada, sendo, por isso, de conhecimento oficioso (artigo 578.º, primeira parte, do CPC).
Neste pressuposto, foi a embargada convidada a documentar nos autos, no prazo de 15 dias, a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e sua efetiva comunicação à executada/mutuária.
A embargada juntou, em resposta, duas cartas datadas de 17/02/2013 e 20/05/2013, emitidas por CEMG e dirigidas à embargante, constando da primeira a comunicação da integração do PERSI e a segunda a comunicação da extinção desse procedimento, «em virtude de expiração».
A embargante, notificada desses documentos, alegou que não os recebeu, concluindo que, não tendo a embargada juntado «quaisquer comprovativos da sua efectiva comunicação à executada/mutuária», não pode o Tribunal concluir que foi dado cumprimento ao regime consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
A pedido do Tribunal, a embargada esclareceu que «as cartas de integração e extinção do PERSI não foram enviadas registadas e/ou com aviso de recepção».
Vejamos.
A presente execução baseia-se em escritura pública de «compra e venda e empréstimo com hipoteca», no âmbito da qual Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) emprestou à ora embargante a quantia de $14.000.000,00 (€69.831,71) para aquisição de imóvel destinado à sua habitação própria permanente, aí identificado, tendo esta, com o acordo daquela instituição bancária, constituído hipoteca sobre o mesmo imóvel em garantia do cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato.
Ao contrato dado à execução aplica-se o citado decreto-lei, por força do disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), asserção que a embargante, aliás, não põe em causa.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que entrou em vigor em 01/01/2013 (artigo 40.º), estabelece os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito, designadamente, na «regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários», emergentes, designadamente, de contratos de crédito para a aquisição de habitação própria permanente e contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, como é o caso do contrato dado à execução [artigos 1.º, n.º 1, alínea b), e 2.º, n.º 1, alíneas a) e b)].
Neste enquadramento, o artigo 12.º impõe especificamente às instituições de crédito que promovam as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a «clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito».
Feitos os contactos preliminares previstos no artigo 13.º, e mantendo-se o incumprimento das obrigações do contrato de crédito, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa, devendo a instituição de crédito informar o cliente bancário da integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro (artigo 14.º, nºs. 1 e 4, do CPC).
Seguem-se as fases de avaliação e proposta (artigos 15.º e 16.º), culminando o PERSI com a fase final da extinção, pelas razões taxativamente previstas no artigo 17.º do mesmo diploma legal, extinção que deve ser comunicada ao cliente bancário, em suporte duradouro, com a indicação do seu fundamento legal e enunciação das razões pelas quais a instituição de crédito considera inviável a manutenção do procedimento (artigo 17.º, nºs. 3 e 4).
A questão que se coloca nos autos é a de saber se a CEMG, que tinha a obrigação de o fazer, comunicou à embargante a integração e extinção do PERSI, conforme expressamente determinado pelos citados preceitos legais.
Tratando-se de uma declaração receptícia, tal comunicação só se torna eficaz logo que chegue ao poder do destinatário (cliente bancário) ou é dele conhecida (artigo 224.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil), sendo ainda considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (n.º 2 do mesmo preceito legal).
Ora, recaía sobre a embargada o ónus de provar que as cartas datadas de 17/02/2013 e 20/05/2013, juntas com o seu requerimento de 26/10/2021, chegaram ao poder da embargante ou ao seu conhecimento ou que, só por culpa desta, não foram recebidas (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Contudo, tendo a embargante impugnado o envio e/ou recebimento das referidas cartas, a embargada não logrou demonstrar que as mesmas foram efectivamente enviadas, designadamente juntando o comprovativo do respectivo registo postal, nem, sobretudo, que as cartas chegaram ao conhecimento da embargante ou que foi por culpa desta que não foram recebidas, o que facilmente seria comprovado com a junção do aviso de recepção devidamente assinado ou da prova de que a embargante, apesar de ter sido avisada para o efeito, não levantou tais cartas.
A própria embargada esclareceu que as referidas cartas são/foram enviadas por correio simples. Contudo, os riscos de prova inerentes a tal opção recaem, por isso, sobre a embargada.
Certo é que a mera junção de uma impressão em papel contendo as declarações de integração e extinção do PERSI dirigidas à embargante não permite concluir que foram observados, no caso concreto, os deveres de comunicação impostos pelos citados artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, nºs. 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Ora, não tendo a embargada logrado demonstrar, como era seu ónus, que foi observado o regime imperativo consagrado no citado decreto-lei antes de o crédito exequendo lhe ter sido cedido, deve a executada, ora embargante, ser absolvida da instância executiva, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal.
3. Decisão
Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, e, em consequência, absolvo a executada/embargante da instância executiva.”
É com esta decisão que a Exequente não se conforma e dela vêm interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a exceção em causa, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. A Apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre.
B. O Tribunal de 1ª instância fez diversas interpretações erradas da lei, nomeadamente, do disposto no art.º 18.º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro e no art.º 5.º do Decreto-Lei nº 453/99, de 5 de novembro.
C. Assim, ao invés do que consta da Sentença recorrida, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 227/2012, mesmo durante o período de integração do cliente bancário no PERSI, podem ser cedidos créditos para efeitos de titularização.
D. Nessa situação, isto é, sendo o crédito cedido na pendência do PERSI, o sujeito ativo do PERSI continua a ser a instituição de crédito cedente, que continua vinculada às obrigações emergentes do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, sob pena de, se assim não fosse, se defraudar o regime do PERSI e reduzir a proteção do devedor-inadimplente.
E. Andou mal, portanto, o Tribunal a quo ao entender que, da conjugação do artigo 18.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), 2 e 3, resulta a impossibilidade da instituição de crédito proceder à cessão do crédito que deva ser objeto de integração em PERSI a terceiro que não seja instituição de crédito.
F. E aquele Tribunal insistiu no erro ao considerar que competia à cessionária, entre outras passagens, “Assim, a exequente no momento da cessão de créditos deveria ter curado de saber se os créditos cedidos e objecto da execução tinham sido ou não integrados em PERSI. Na negativa, como resultou das citadas sentenças transitadas em julgado, não poderiam esses créditos ter sido objecto de cessão, mormente para efeitos de lograr a sua execução”.
G. Por um lado, essa proibição não decorre da lei; por outro, nada na lei impõe às entidades cessionárias verificar se os créditos a ceder estavam, ou não, integrados num PERSI.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da (im)procedência da exceção dilatória da falta de integração da Executada no PERSI.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão das questões que importa decidir no presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da (im)procedência da exceção dilatória da falta de integração da Executada no PERSI
Vem a Recorrente alegar que durante o período de integração do cliente bancário no PERSI os créditos podem ser objeto de cessão, concluindo que o tribunal a quo andou mal ao entender que “da conjugação do artigo 18.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), 2 e 3, resulta a impossibilidade da instituição de crédito proceder à cessão do crédito que deve ser objeto de integração em PERSI a terceiro que não seja instituição de crédito”, defendendo que nada impõe às entidades cessionárias verificar se os créditos a ceder estavam ou não integrados num PERSI.
A sentença sob recurso considerou que não resultou provado que a Caixa Económica Montepio Geral comunicou à Embargante a integração e extinção do PERSI, tendo por não cumpridos os deveres de comunicação impostos pelos art.º 14.º n.º 4 e 17.º n.º 3 e 4º do Decreto Lei 227/2012 de 15 de outubro, concluindo que sendo ónus da Embargada demonstrar que foi observado aquele regime antes do crédito lhe ter sido cedido, deve ser absolvida da instância.
O denominado PERSI constitui um procedimento previsto no Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro que veio consagrar um conjunto de “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.”
Como esclarece o preâmbulo deste diploma: “Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento. Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”.
Diz-nos com clareza o Acórdão do TRP de 14 de janeiro de 2020 no proc. 4097/14.8TBMTS.P1 in www.dgsi.pt : “o decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, o qual visou impedir que as instituições bancárias, confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito, pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que integrem o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril). O objectivo foi proteger aqueles que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida. Significa que após a entrada em vigor deste diploma, as instituições bancárias ficaram obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) - (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), onde, como se expressa no preâmbulo “devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”. A instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, nomeadamente quando “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”. - vide artigo 14º nº 2, a).”
É pacífico na nossa jurisprudência, o que as partes também não contrariam e a decisão recorrida afirma, o entendimento de que a falta de integração do devedor no PERSI por parte da instituição bancária credora, quando tal deva verificar-se, constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, suscetível de levar à extinção da instância, nos termos dos art.º 576.º n.º 2 e 578.º do CPC – neste sentido e apenas a título de exemplo, pronunciam-se os Acórdãos do STJ de 13 de abril de 2021 no proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 e de 9 de fevereiro de 2017 no proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 ambos disponíveis in www.dgsi.pt
Quando no âmbito de um contrato de mútuo bancário se torna obrigatória a integração do cliente no PERSI, por estarem verificados os pressupostos que impõem tal obrigação à instituição de crédito, a sua falta obsta a que o credor venha num primeiro momento a intentar ação judicial com vista à satisfação do seu crédito, o que só está legitimado a fazer após a extinção do PERSI.
Como sintetiza o referido Acórdão do STJ de 13 de abril de 2021: “O PERSI caracteriza-se por comportar três fases essenciais: uma inicial, outra de avaliação e proposta e de negociação (artigos. 14.º, 15.º e 16.º, do DL n.º 227/2012), extinguindo-se, nos termos previstos no artigo 17.º, do referido diploma. De acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do citado DL, a integração no PERSI e a extinção do procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro”, sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações. (…) quer a comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituírem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do CPC).”.
Na situação em presença, a Recorrente não põe em causa a sentença sob recurso na parte em mesma concluiu: (i) que a CEMG, credora bancária da Executada/Embargante tinha a obrigação de integrar a mesma no PERSI, comunicando-lhe quer a sua integração neste procedimento, quer a sua extinção; (ii) que incumbia à Embargada fazer a prova da realização e receção daquela comunicação, não tendo os factos apurados permitido concluir que foram observados os concretos deveres de comunicação impostos pelos art.º 14.º n.º 4 e 17.º n.º 3 e 4 do Decreto-Lei 227/2012 de 25 de outubro; (III) que a falta de integração do devedor no PERSI por parte da instituição bancária credora constitui uma exceção dilatória com a consequente absolvição da instância.
A Recorrente nas suas alegações, mostra não ter interpretado devidamente a sentença recorrida ou, por lapso estar a atentar num diferente sentença (registando-se que alude nas suas alegações à “interpretação avançada pelo Tribunal da Comarca da Madeira” quando aqui está em causa uma decisão de um Juízo de Execução de Sintra), ao referir que o tribunal a quo concluiu que “da conjugação do artigo 18.º, n.ºs 1 alíneas c) e d), 2 e 3, resulte, por um lado que esteja vedado à instituição de crédito proceder à cessão do crédito que deva ser objeto de integração em PERSI a terceiro que não seja instituição de crédito, e, por outro lado, que o cessionário instituição de crédito permaneça onerado com as obrigações decorrentes do regime do PERSI.”
A verdade, é que em nenhum momento a sentença sob recurso refere que está vedado à instituição de crédito proceder à cessão do crédito que deva ser objeto de integração no PERSI, não tomando qualquer posição sobre a validade de tal negócio, nem tão pouco indica que a cessionária instituição de crédito permanece onerada com a obrigação decorrente daquele regime legal.
O que a sentença sob recurso refere a este propósito no parágrafo imediatamente anterior à decisão é tão só que: “Ora, não tendo a embargada logrado demonstrar, como era seu ónus, que foi observado o regime imperativo consagrado no citado decreto-lei antes de o crédito exequendo lhe ter sido cedido, deve a executada, ora embargante, ser absolvida da instância executiva, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1. alínea b) do mesmo diploma legal.”.
Não colocando em causa a cessão de créditos que teve lugar entre a CEMG e a Exequente, o que ali se diz é que na circunstância do devedor não ter sido integrado no PERSI por parte da instituição bancária, quando o devesse ter sido, os efeitos desta falta impõem-se ao cessionário do crédito, ainda que este não seja uma instituição bancária abrangida por aquele dever, não podendo ser intentadas ações judiciais contra o devedor de acordo com o disposto no mencionado art.º 18.º n.º 1 al. b) do Decreto Lei 227/12 de 25 de outubro.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRL de 29 de setembro de 2020 no proc. 1827/18.2T8ALM-B.L1-7 in www.dgsi.pt onde se diz: “Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor. (…) O DL nº 453/99, de 5 de Novembro estabelece o regime das cessões de créditos para efeitos de titularização e regula a constituição e o funcionamento dos fundos de titularização de créditos, das sociedades de titularização de créditos e das sociedades gestoras daqueles fundos. Nos termos do art.º 39º do DL nº 453/99 “As sociedades de titularização de créditos adotam o tipo de sociedade anónima e têm por objeto exclusivo a realização de operações de titularização de créditos ou de riscos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos ou dos riscos adquiridos.” E acrescenta o art.º 40º: “1 - A firma das sociedades de titularização de créditos deve incluir a expressão «Sociedade de titularização de créditos» ou a abreviatura STC, as quais, ou outras que com elas se confundam, não podem ser usadas por outras entidades. […]” A exequente possui a designação Sagasta Finance, STC, S. A. pelo que, sabendo-se que apenas as sociedades de titularização de créditos podem incluir tal abreviatura, tem de aceitar-se que a exequente não é uma instituição de crédito, nem tão-pouco uma sociedade financeira, estando antes abrangida pelo regime do DL 453/99, de 5 de Novembro e apenas pode ter por objecto social realização de operações de titularização de créditos ou de riscos. Como tal, a exequente não está abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, não estando obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI.”. (…) Caso se apurasse que, à data da cessão de créditos, a mutuante (cedente), perante uma situação de mora no cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito, não tivesse integrado os devedores no PERSI, não tendo dado início ao referido procedimento e, não obstante, procedesse à cessão dos créditos, tal impediria a interposição da presente execução pela cessionária (…).”.
Como é evidenciado pelo Acórdão do TRP de 8 de junho de 2022 no proc. 4204/20.1T8MAI-A.P1 in www.dgsi.pt: “A omissão de integração em PERSI configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de obter a regularização do incumprimento verificado, o que, para além de ser do interesse das partes, é de interesse público, por afastar dos Tribunais situações que o legislador entendeu não deverem chegar, sem mais, àquela tutela.”
É certo, como refere a Recorrente, que nada impõe, nem decorre da lei, que quando do contrato de cessão de créditos as entidades cessionárias verifiquem se os créditos a ceder estavam ou não integrados no PERSI, a questão é que se não o fizerem correm o risco de só mais tarde constatar que tal procedimento possa não ter sido cumprido quanto a algum devedor relativamente ao qual era obrigatório, com os efeitos inerentes de impedir que seja intentada ação judicial contra o devedor.
Segue-se aqui o entendimento já defendido no Acórdão do TRG de 30 de janeiro de 2020 no proc. 5520/18.8T8VNF-A.G1 in www.dgsi.pt : “Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art.º 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art.º 18.º, n.º 1, al. a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)). Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada. Ora, como se salienta no Ac. da RE de 06/10/2016 (relator José Tomé de Carvalho), in www.dgsi.pt., estamos perante “incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. art.º 18º do Dec. Lei 227/2012)”.”
Também o Acórdão do TRC de 15 de dezembro de 2021 no proc. 930/20.3T8ACB-A. C1 in www.dgsi.pt refere a este propósito: “É certo que decorre do figurino legal que o mesmo é apenas diretamente aplicável às instituições de crédito. Sucede que – como bem se sublinhou na decisão recorrida! – representaria uma fraude à lei não considerar que existia nessa circunstância um impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, cedesse o seu crédito a quem não era uma instituição de crédito, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime. (…) Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art.º 18º (…) Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.».”
Refira-se ainda que o crédito que é transmitido quando da cessão de créditos é o mesmo que existe na titularidade do cedente. Se o crédito já estava em incumprimento quando da cessão de créditos e o cedente estava limitado no exercício do seu direito por força do regime do PERSI, designadamente por estar obrigado a integrar o devedor no PERSI, não podendo intentar contra ele ações judiciais com vista à cobrança coerciva do seu crédito até à extinção deste procedimento, nos termos previstos no art.º 18.º n.º 1 al. b) do diploma em questão, o direito de crédito que o mesmo transmitiu à cessionária não pode deixar de ter esta mesma limitação, veja aliás o regime geral da transmissão de créditos, que de acordo com o disposto no art.º 585.º do C.Civil, admite que o devedor venha a opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a única ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
Esta garantia ou proteção do devedor está também contemplada no Decreto Lei 453/99 de 5 de novembro, diploma que estabelece o regime jurídico das operações de transmissão de créditos com vista à subsequente emissão, pelas entidades adquirentes, de valores mobiliários destinados ao financiamento das referidas operações, que logo no seu preâmbulo refere: “Quanto aos legítimos direitos dos devedores, especialmente dos consumidores de serviços financeiros, consagram-se normas que visam a neutralidade da operação perante estes. É o que sucede, nomeadamente, no que respeita à manutenção, pela instituição financeira cedente, de poderes de gestão dos créditos e das respectivas garantias. Com efeito, em relação aos devedores, a titularização dos créditos não implica a diminuição de nenhuma das suas garantias, continuando aqueles, no que ao sector financeiro respeita e não obstante a ausência de notificação da cessão, a manter todos os seus direitos e todo o seu relacionamento com a instituição financeira cedente.”.
Sobre os efeitos da cessão de créditos e na matéria que agora nos interessa, estabelece o art.º 6.º deste diploma nos seus n.ºs 6 e 7:
“6 - Dos meios de defesa que lhes seria lícito invocar contra o cedente, os devedores dos créditos objecto de cessão só podem opor ao cessionário aqueles que provenham de facto anterior ao momento em que a cessão se torne eficaz entre o cedente e o cessionário.
7 - A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objecto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respectivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no nº 4.”.
Resta dizer que não impondo a lei, como defende a Recorrente, que as entidades cessionárias verifiquem se os créditos a ceder estavam ou não integrados no PERSI, se não o fizerem correm o risco de poder ser confrontadas mais tarde com as limitações legais que a instituição bancária cedente tinha ao exercício da cobrança coerciva do seu direito, por não ter cumprido o seu dever, o que lhes pode ser oposto.
Conclui-se por isso pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.           
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 24 de novembro de 2022
Inês Moura
Laurinda Gemas
António Moreira