Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1866/17.0T8ALM-A.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: FIADOR
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDAS
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: O título executivo para ação executiva de pagamento de rendas de um contrato de arrendamento, constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação da quantia em dívida ao arrendatário, é também título executivo contra os fiadores, sem que seja necessário comunicar-lhes previamente o montante em dívida como acontece com o arrendatário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
Por apenso à acção executiva que R… intentou contra MT…, JCT… e JPT…, para pagamento de quantia certa de 16 648,34 euros, a título de rendas não pagas, indemnização e juros de mora, respeitantes a contrato de arrendamento que a exequente outorgou como locadora, o terceiro executado como locatário e os 1ª e 2º executados como fiadores, vieram estes dois executados deduzir oposição à execução por embargos, alegando, em síntese, que a execução se baseia no título executivo previsto no artigo 14º-A do NRAU e permitido pelo artigo 703º d) do CPC, que tem de incluir o contrato de arrendamento e comunicação do senhorio, que deverá ser feita quer ao arrendatário quer aos fiadores, não tendo a exequente feito qualquer comunicação aos fiadores ora embargantes pois a comunicação junta ao requerimento executivo não foi recebida pelos embargantes por motivo que não lhes é imputável, devido a não ter sido enviada para aquela que consta no contrato de arrendamento, convencionada pelas partes para o recebimento de notificações, tendo sido enviada para morada diferente, na qual nunca residiram e que desconhecem, pelo que inexiste título executivo eficaz contra os embargantes.  
Concluíram pedindo a extinção da execução relativamente aos fiadores embargantes.
A exequente contestou, alegando, em síntese, que os fiadores ora embargantes receberam a comunicação junta com o requerimento executivo, tendo filho de ambos, o executado locatário, quem lhe indicou esta morada, onde os pais estariam a residir, não havendo razão para que a execução não prossiga contra os embargantes, mesmo porque a comunicação feita ao arrendatário é suficiente para, juntamente com o contrato de arrendamento, ter eficácia executiva contra os fiadores. 
Concluiu pedindo a improcedência da execução e o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.
Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e declarou extinta a acção executiva. 
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Inconformada, a exequente embargada interpôs recurso e alegou, formulando conclusões com os seguintes argumentos:
- O facto provado na alínea M) e o facto não provado no ponto 1) estão em contradição entre si, pelo que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º do CPC.
- Deve ser considerado provado o ponto 1) dos factos não provados e não provado o facto N).
- Deverá considerar-se que os fiadores foram notificados nos mesmos termos em que o foi o arrendatário, tendo o título apresentado à execução a mesma força executiva para todos, nos termos do artigo 14º-A do NRAU, devendo proceder improceder os embargos e prosseguir a execução contra os fiadores.
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Os embargantes apelados contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
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As questões a decidir são:
I) Nulidade da sentença.
II) Impugnação da matéria de facto.
III) Se existe título executivo contra os fiadores apelados.
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FACTOS.
A sentença recorrida atendeu aos seguintes factos:
Provados.
Assentes por documentos e acordo das partes:
A) A Exequente R… é legítima proprietária e possuidora do prédio urbano composto de rés-do-chão, destinado a habitação, sito no B…, Freguesia de Charneca de Caparica, Concelho de Almada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …
B) No dia 01 de Novembro de 2012, a Exequente deu de arrendamento ao executado, JPT…, o referido prédio, melhor descrito supra, para tanto celebrando contrato de arrendamento para fins habitacionais.
C) A renda mensal estipulada entre as partes, no regime de renda livre, foi fixado no valor de 400,00 € mensais, a pagar impreterivelmente até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, através de transferência bancária para o NIB previamente indicado por esta.
D) Foi ainda convencionada a possibilidade de actualização anual do valor da renda a pagar pelo executado, que e por força das referidas actualizações operadas, ascende a 416,00 € mensais.
E) O referido contrato de arrendamento foi ainda outorgado por JCT… e MT…, na qualidade de fiadores, assumindo, solidariamente, com o executado o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do mesmo até à efectiva restituição do locado, livre de pessoas e bens;
F) O ora executado, JPT… deixou de realizar o pagamento tempestivo das rendas, encontrando-se em falta relativamente aos meses de Outubro (inclusive), Novembro e Dezembro de 2013, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2015, totalizando o montante global de rendas por liquidar para com a Exequente de 10.400,00 €, acrescido da respectiva indemnização no montante de 5.200,00€, o que perfaz a quantia global por liquidar de 15.600,00€.
G) Apesar de interpelado pessoalmente, por diversas vezes no sentido de proceder ao pagamento das quantias em divida, o ora executado, JPT…, desconsiderou por completo todas as interpelações, motivo pelo qual, a ora Exequente se viu forçada a constituir mandatária para a resolução desta questão, a qual, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 23 de Novembro de 2015 e recepcionada em 25 de Novembro do mesmo ano, interpela o executado, JPT…, no sentido de este proceder ao pagamento das rendas em atraso, acrescidas da respectiva indemnização bem como, o convida a proceder à entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens, alertando-o de que, enquanto não procedesse à entrega do locado, as rendas continuariam a vencer-se.
H) Face a esta interpelação escrita, o executado, JPT…, procedeu à entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, no dia 26 de Novembro de 2015 mas, não procedeu ao pagamento das quantias devidas para com a Exequente.
I) Razão pela qual, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Fevereiro de 2016 e recepcionada pelo executado JPT… em 1702-2016 a mandatária da Exequente, voltou a interpelá-lo no sentido de proceder ao pagamento das quantias em divida no montante de 15.600,00€ o que o mesmo não fez.
J) Na Cláusula 10.ª do contrato celebrado entre partes foi convencionado que as comunicações aos Fiadores, aqui Oponentes, deveriam ser sempre efectuadas para a morada constante do contrato, a saber: Avenida E…, n.º 2 M, Charneca da Caparica.
K) A comunicação dirigida aos fiadores e junta como doc. 6 no Requerimento de Executivo apresentado, foi remetida para uma morada diferente daquela que consta no contrato de arrendamento celebrado, ou seja, para a Rua de V…, Lote 35, S…, B…, Charneca de Caparica.
Resultantes da prova produzida em julgamento:
L) No dia 26 de Novembro de 2015, o arrendatário JPT… disse à mandatária da Embargada senhoria que quem residia na Rua de V… eram os seus pais, fiadores do contrato e que ele estava a residir na Av. E…, nº 2M, Charneca da Caparica.
M) Foi enviada aos fiadores, em 15.02.2016 a comunicação para a liquidação das rendas em atraso, a qual foi recepcionada por JT…, conforme consta do aviso de recepção (cfr. doc. 6 junto com o requerimento executivo).
N) Os Oponentes nunca residiram naquela morada (da Rua de V…), nem tão pouco têm conhecimento se esta é habitada e por quem.
O) A assinatura aposta no aviso de recepção não pertence a nenhum dos Oponentes.
Não provados.
1. Através de carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Fevereiro de 2016 e recepcionada pelos fiadores em 18-02-2016, a mandatária da Exequente, voltou a interpelá-los no sentido de procederem ao pagamento das quantias em divida no montante de 15.600,00€. 
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Nulidade da sentença.
A apelante invoca a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º do CPC, por entender haver contradição entre a alínea M) dos factos provados e o ponto 1) dos factos não provados.
Embora se trate de uma questão relacionada com a apreciação da prova, podendo a mesma eventualmente integrar a previsão da última parte da alínea c) do nº1 do artigo 615º, dir-se-á que não existe a apontada contradição.
Na verdade, resulta claro que a sentença recorrida, ao dar como provado, na alínea N), que os embargantes não residiam na morada para onde foi enviada a comunicação que lhes foi dirigida e ao dar como provado, na alínea M), apenas que a comunicação foi dirigida para essa morada e recepcionada por “JT…”, que também é o nome do executado arrendatário, julgou provado, no ponto O), que tal assinatura não pertencia ao embargante e não provado, no ponto 1) dos factos não provados, que a comunicação foi efectivamente recepcionada pelos fiadores apelantes.   
Improcede, pois, a arguição de nulidade.
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II) Impugnação da matéria de facto.
Pretende a apelante impugnar o facto da alínea N) e o facto não provado do ponto 1).
Contudo, baseando-se a impugnação em prova gravada, não foram cumpridos os ónus do artigo 640º nº2 a) do CPC, não sendo indicadas as passagens da gravação em que se funda o recurso, nem a transcrição dos excertos considerados relevantes, mas sim apenas um resumo das respectivas declarações, pelo se rejeita o recurso da matéria de facto.
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III) Se existe título executivo contra os fiadores apelados.
Do requerimento executivo e dos factos provados resulta que a exequente intentou acção executiva para obter o pagamento das rendas não pagas pelo executado arrendatário, indemnização e juros, reclamando a quantia exequenda também dos fiadores ora embargantes, tendo juntado o contrato de arrendamento, a notificação do locatário com a comunicação do valor em dívida e o envio de uma carta dirigida aos fiadores embargantes, que estes não receberam e que foi endereçada a uma morada onde estes não residiam e que não era a morada convencionada no contrato de arrendamento.
O artigo 703º nº1 do CPC enumera os documentos que pode ser título executivo, prevendo, na sua alínea d), que poderão ainda ser título executivo os documentos a que seja atribuída tal qualidade por lei especial.
Está nessa situação o artigo 14º-A nº1 do NRAU (Lei 6/2006 de 27/2), com a alteração da Lei 13/2019 de 12/2, o qual estabelece que: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente ás rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
No presente caso, a exequente intentando a acção executiva não só contra o arrendatário, mas também contra os fiadores, juntou o contrato de arrendamento e a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, o que não fez relativamente aos fiadores, pois a comunicação que lhes dirigiu não foi por estes recepcionada por motivo que não lhes é imputável (artigo 224º nº2 a contrario).  Levanta-se então a questão de saber se o contrato de arrendamento e comunicação da dívida ao arrendatário, que constituem título executivo em relação a este, constituem igualmente título executivo em relação aos fiadores.
Se é certo que existe jurisprudência que, apesar de a lei não o exigir expressamente, entende ser necessário que o exequente proceda à comunicação da dívida aos fiadores, nos mesmos termos em que tal comunicação é exigida em relação ao arrendatário (nesse sentido acs STJ 26/11/2014, P. 1442/12, RP 24/04/2014, p. 869/13, com voto de vencido e 21/05/2012, p. 7557/10 e ac RL 13/11/2014, p. 7211/13, em que a ora 1ª adjunta interveio também como adjunta, todos em www.dgsi.pt), esta jurisprudência está longe de ser unânime, como se afirma na sentença recorrida, existindo vasta jurisprudência em sentido contrário, ou seja, de que não é necessária a prévia notificação dos fiadores, entendimento que se perfilha (cfr ac. RL 17/03/2016, p. 16777/13, relatado pela ora relatora, com um voto de vencido e, no mesmo sentido, acs RL 14/03/2019, p. 4957/18, 27/10/2016, p. 4960/10, 10/11/2016, P. 4633/08, 22/10/2015, p. 4156/13 e decisão individual RL de 12/12/2008, p. 10790/2008 e acs RP 21/03/2013, p. 8676/09, 18/10/2011, p. 8436/09, 4/05/2010, p. 3913/08, 6/10/2009, p. 2789/09, 23/06/2009, p. 2378/07, 12/05/2009, p. 1358/07, todos em www.dgsi.pt).
Assim, nos termos do artigo 627º do CC, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, sendo esta obrigação dos fiadores uma obrigação com prazo certo, que dispensa interpelação, conforme disposto no artigo 805º nº2 a) do mesmo código, pelo que, estabelecendo ainda o artigo 634º que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, não há qualquer relevância na comunicação prévia da dívida ao fiador, que já está obrigado pela mora do devedor principal, o arrendatário.
Já a prévia comunicação ao arrendatário, apesar de a sua obrigação ter igualmente prazo certo, justifica-se face à clarificação da liquidação do montante em dívida e, nos casos em que não haja ainda cessação do contrato, face às consequências que poderão vir a resultar do não pagamento da renda, mais gravosas para o arrendatário e às vantagens que este sempre terá se puser termo à mora.
Ora, não exigindo a lei expressamente a necessidade da comunicação prévia dos fiadores na formação do título executivo e presumindo-se, ao abrigo do artigo 9º nº3 do CC, que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, não se concebe que não tenha sido intenção do legislador a possibilidade de executar o fiador juntamente com o devedor principal, apesar de não considerar necessária a sua prévia notificação prévia, à semelhança do que sucede com este.
Conclui-se, portanto, que a exequente não precisava de fazer a comunicação prévia aos fiadores, sendo eficaz contra estes como título executivo o contrato de arrendamento e a comunicação feita ao executado arrendatário.     
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                                                      *
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e revoga-se a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos e determinando o prosseguimento da execução.
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Custas pelos apelados em ambas as instâncias.
                                                     *
2019-11-07

Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate, com voto de vencida
António Santos             

Voto Vencida pelas razões expostas no acórdão proferido no Processo em que fui 1.ª adjunta, referido supra.
Assim como o mandatário tem o direito a saber, na comunicação do senhorio, como foi liquidada a obrigação exequenda, também o fiador tem esse direito, até porque pode querer pagar a quantia em divida sem que lhe seja instaurada a execução.
Anabela Calafate