Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1246/10.9PJLSB.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: CRIME DE FURTO
FALSIDADE INTELECTUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1–O que o agente do crime faz com os bens de que se apropriou corresponde a comportamentos posteriores à consumação do crime. O desconhecimento sobre esse destino é irrelevante e não constitui causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

2–Á falsidade intelectual quando o documento é genuíno, mas contudo não traduz a verdade.

3–A falsidade há-de resultar de uma desconformidade entre o documento e a declaração.

4–Se o documento está de harmonia com a declaração, mas, no entanto, não está de harmonia com a realidade, existe somente simulação, se se verificarem os pressupostos desta última.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, a arguida F.S.S., divorciada, nascida a 3/02/1957, natural da freguesia de ………….., filha de ASS e de ALS, residente na 4815, Rue ………………., Canadá, foi absolvida da prática dos crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº1 e 204º nº2 alíneas a) e e) do Código Penal, violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º nºs 1 e 3 do Código Penal, dano, previsto e punido pelos artigos 212º do Código Penal, falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 255º alínea a) e 256º nºs 1 alínea d) e 3 do Código Penal.

Foi julgado totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos e, em consequência, absolvida a demandada e arguida F.S.S..
*

Inconformados, o Ministério Público e a assistente L.S.S. recorreram da absolvição da arguida.

O Ministério Público apresentou as seguintes “conclusões”[1]:
1.– Não podemos concordar com o acórdão recorrido quanto à absolvição da arguida pela prática dos crimes de furto qualificado, de violação de domicílio e de falsificação, pelos quais foi julgada, sendo a nossa discordância, desde logo, quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, e, depois, quanto à conclusão de que a arguida não cometeu tais crimes.

2.– Matéria de Facto:
Discordamos do acórdão recorrido quanto à matéria de facto, quer quanto a alguns dos factos dados como provados (factos 6, 8, 10, 12, 13, 14 e 23), quer na parte em que deu como não provado que a arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida (uma vez que resulta provado que a arguida subtraiu e se apoderou de uma coleção de miniaturas de violinos pertença da ofendida) e que se tenha apoderado dos bens descritos em 8 dos factos provados, fazendo-os coisas suas (facto que em nosso entendimento resulta inteiramente provado), quer quando dá como não provado que a arguida, ao exarar a escritura de habilitação de herdeiros, soubesse que não correspondia à verdade o que declarou.
Também não concordamos quando o tribunal dá como não provados os factos atinentes ao elemento subjetivo do crime de furto, do crime de violação de domicílio e do crime de falsificação. 
3.–Quanto à matéria dada como provada entendemos que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte:

Processo nº 1246/10.9PJLSB – acusação pública
1.– A ofendida L.S.S. e a arguida são filhas de ALS.
2.– A ofendida reside e residiu sempre, com a mãe, na Rua ……………. Lisboa.
3.– A arguida reside, pelo menos desde 1982, no Canadá apenas se deslocando a Portugal em Férias de Verão e por escassos dias em Lisboa.
4.– Em 13 de Setembro de 2010 faleceu ALS deixando como únicas herdeiras, por vocação legal, a ofendida e a arguida.
5.– Em 5 de Novembro de 2010, a arguida dirigiu-se à residência sita na Rua ………….. em Lisboa.
6.– Aí chegada, depois de entrar no interior da referida residência, cuja entrada lhe foi facultada pela ofendida L.S.S., a arguida fechou a porta de entrada, ficando dentro da residência e impedindo a ofendida de ali permanecer e/ou pernoitar.
7.– Ao agir do modo acima descrito a arguida previu e quis entrar no interior da aludida residência, o que fez, pese embora soubesse que aquela constituía, também, residência pessoal de L.S.S. e que agia contra a vontade e sem autorização desta.
8.– Já no interior da habitação a arguida, mudou a fechadura da porta de entrada na referida habitação e ali permaneceu a viver, até data não apurada exatamente, mas anterior a 4 de Abril de 2011. Durante esse período temporal dali retirou e fez seu o recheio, composto pelo acervo da herança designadamente:
Um piano vertical, armado em ferro, marca C. Otto;
Um banco de piano, redondo (elevatório), forrado a seda;
Uma mobília de sala de jantar composta por: um canapé, dois cadeirões e seis cadeiras em “pau-santo e rosa”, forrados a seda; uma mesa redonda em “pau-santo e rosa” com o tampo em pedra mármore; um “étaqer” em “pau-santo e rosa”, com o tampo em pedra mármore;
Um espelho de parede (com as margens trabalhadas);
Uma escrivaninha;
Dois jarrões;
Uma arca com embutidos e madre pérola;
Um carrinho de chá;
Um expositor em madeira, com o fundo em espelho com violinos miniatura de coleção (alguns em cristal, outros em madeira trabalhados à mão e ainda um instrumento real, com caixa e o despectivo arco;
Um candeeiro de teto com 8 pontos de luz;
Uma bilheteira em loiça;
Uma jarra em loiça verde, com desenhos dourados;
Uma terrina miniatura em prata com colher também em prata;
Uma jarra em loiça branca e cor-de-rosa, com o desenho de um ramo de flores.
Dois castiçais em prata (cada um com uma vela), com pêndulos em cristal;
Um cinzeiro em loiça, antigo, com a forma de uma nota de mil escudos;
Um relógio inserido numa escultura dourada, com um cavalo prateado;
Uma floreira em loiça;
Duas caixas de música, e guarda-joias, com a forma de um piano (quando a tampa do piano se levanta ficavam a descoberto os compartimentos interiores e tocava música), o exterior era em madeira e os compartimentos das joias em veludo;
Uma caixa com 6 pratos de aperitivos;
Uma caixa de aperitivos com 7 compartimentos (um central e 6 à volta).
Uma caixa de aperitivos de dois andares;
Uma boneca antiga com um vestido azul;
Uma mobília de estilo inglês composta de: uma mesa oval (com 2 pés); 6 cadeiras (com o fundo em palhinha); uma cristaleira e um aparador;
Um relógio de pêndulo de parede;
Um centro de mesa composto por duas peças em prata (parte debaixo era uma base em prata com espelho ao centro e a parte de cima era uma floreira com tampa, ambas em prata);
Um cesto de pão em prata;
Uma salva de prata grande, com pés;
Duas salvas em prata;
Uma bilheteira em prata;
Uma bilheteira em prata;
Um serviço de 5 peças em prata composto por tabuleiro, bule, cafeteira, leiteira e açucareiro;
Todo o recheio dos armários, destacando-se dois serviços de loiça iguais compostos por uma travessa grande, duas travessas médias, duas terrinas com colher, uma molheira com colher;
Vários serviços de chá e café, travessas, pratos, um serviço completo de pequeno-almoço, copos em cristal de água, vinho tinto, vinho branco, copos de licor, garrafa de licor, taças de champanhe, “flutes”, copos de whisky, garrafa de whisky, copos de brandy;
Duas saladeiras e 12 taças (6 de tamanho médio e 6 pequenas);
Um faqueiro completo em estojo;
Um conjunto de talheres de bolo em prata, composto por uma faca de cortar o bolo e um garfo, num estojo com fecho;
Um oratório com cómoda (de três gavetas a condizer) e com várias imagens;
Um guarda-vestidos com porta de espelhos;
Uma cómoda com 4 gavetas e tampo em pedra mármore;
Uma cómoda com espelho com 3 gavetas e tampo em pedra mármore;
Uma cómoda com 3 gavetas e tampo em pedra mármore;
Dois castiçais em prata, com duas velas;
Um jarro com bacia a condizer em loiça;
Um solitário em cristal;
Dois quadros com motivos religiosos;
Um candeeiro de petróleo em loiça, com a parte de cima em vidro;
Um relógio antigo;
Uma organeta eléctrica com 4 pernas de enroscar;
Uma máquina de costura eléctrica de mesa;
Uma mesa de costura;
Vários livros, nomeadamente cerca de 15 volumes das obras completas de Agatha Christie, Edição “Livros do Brasil” – Lisboa, Colecção Vampiro Gigante;
Um candeeiro com pendentes em vidro;
Um “étager” em “pau-santo e roso”, com o tampo em pedra mármore;
Um conjunto de objetos para toilete, cor-de-rosa, composto por um pote oval com tampa, duas garrafinhas com tampa, uma taça com pé e uma caixa com tampa;
Um guarda-joias com a forma de piano e com um banquinho do piano em madeira;
Oito sanefas de cortinados em madeira maciça, cobertas a folha de ouro;
Vários colares, brincos, broches, pulseiras e colares;
Um casaco de pele de vison castanho, modelo “godés”;
Duas mesas redondas em madeira maciça, idênticas trabalhadas à mão (africanas), cada uma delas constituída por um tampo redondo com desenhos esculpidos a toda a volta e no centro, e um tripé esculpido numa única peça de madeira com três locais de encaixe na parte debaixo do tampo;
Um estetoscópio num estojo e com três peças de contacto com o corpo do examinado (uma campânula e dois diafragmas).

9.– Os pais da ofendida e da arguida, nas inúmeras viagens que efetuaram, adquiriram inúmeras peças de arte e conjuntos completos de chá, de café, e também chávenas avulso, loiça e cristais vindos de França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Grécia, Turquia, Japão, Tailândia, Malásia, China, Marrocos e África do Sul.
10.– Na referida residência existia uma vasta coleção de livros antigos e uma coleção de violinos, esta última pertença da ofendida.
11.– Tudo num valor total não inferior a 50.000 euros.
12.– Em poder de todos esses bens a arguida apoderou-se dos mesmos, fazendo-os coisas suas, retirou-os daquele local e deu-lhes o destino que entendeu, o qual não comunicou à ofendida.
13.– A arguida previu e quis, agir do modo acima descrito entrando e permanecendo no interior da referida habitação, o que fez, com o intuito concretizado de se apropriar de todos aqueles bens, e de impedir que a ofendida ali residisse, como conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida.
14.– Sabia ainda que aqueles bens constituíam acervo da herança, que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da ofendida.
15.– Agiu assim a arguida de forma livre, deliberada e conscientemente.
Acusação particular
16.– A morada sita na Rua ……………Lisboa, constituía casa de morada de família da sua mãe falecida e da ofendida.
17.– A arguida contra a vontade da ofendida substituiu a fechadura do 1º andar do imóvel sito na Rua ………………. Lisboa e inutilizando o sistema de alarme aí montado pela “Prossegur”, no âmbito de contrato em tempo celebrado, o que determinou a apresentação em 5 de Novembro de queixa-crime.
18.– A arguida quis substituir a fechadura e o sistema de alarme, como efetivamente fez agindo de forma livre, voluntária e consciente.
Processo nº 11614/10.0TDLSB – acusação pública
19.– A arguida vivia há cerca de 28 anos no Canadá e à data do falecimento da sua mãe residia no Canadá, ……………………..
20.– Após o falecimento da sua mãe, a arguida resolveu outorgar escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual ficou exarado que residia na Rua …………….., São Jorge de Arroios, e que sendo cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mãe ALS, tinha perfeito conhecimento que a mesma faleceu no dia 13/09/2010, na freguesia da Pena, no estado de viúva, concelho de Lisboa, e teve a sua última residência habitual na Rua ………………, São Jorge de Arroios, em Lisboa.
21.– Com efeito, no dia 21 de Setembro de 2010, a arguida dirigiu-se ao Cartório Notarial de Lisboa, sito na Avenida Duque D’Ávila, nº 120, 1º andar, em Lisboa, e perante o despectivo Notário, declarou, através de escritura pública de habilitação de herdeiros que:
“era residente na Rua …………., São Jorge de Arroios, em Lisboa”,
“sendo cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mãe ALS(…)”,
“a mesma faleceu, no dia treze de Setembro do ano de dois mil e dez, na freguesia da Pena, concelho de Lisboa, no estado de viúva; a mesma falecida era natural da freguesia da Pena, concelho de Lisboa, e teve a sua última residência habitual na Rua …, em São Jorge de Arroios, Lisboa (…)”.

22.– A arguida sabia que quem morava na residência em causa com a sua mãe ALS em 13 de Setembro de 2010 era a sua irmã L.S.S..
23.– A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, com os objetivos alcançados, de obter para si, benefícios a que sabia não ter direito, obter documento, escritura de habilitação de herdeiros, onde figurava como cabeça de casal e como residente na referida morada, residência que era a da de cujus, pretendendo arrogar-se da qualidade de cabeça de casal da herança e comprovar que residia na referida residência, o que bem sabia ser falso, e de causar prejuízo à ofendida.
Para além dos factos dados como provados no pedido de indeminização civil, que têm relevância penal:
24.– Uma vez que a demandada residia no Canadá, há mais de 28 anos, a demandante foi constituída como sua representante fiscal em Portugal assim como sua procuradora com os bastantes poderes de representação junto de qualquer Repartição ou Serviço de Finanças, tudo conforme Procuração datada de 1 de Agosto de 2005.
25.– A demandante foi, igualmente, detentora de Procuração outorgada pela demandada no que importava à concessão de poderes de disposição genérica sobre quota detida na sociedade “F. – Sociedade ………………, Lda.”, outorgada em 2 de Agosto de 2006.
26.– Dispôs, ainda, a demandante de uma Procuração outorgada em 14 de Janeiro de 1999 em Montreal, no Canadá, pela demandante, envolvendo a concessão de poderes de disposição quanto ao quinhão que viesse a couber àquela por herança aberta por óbito de MNS, JNS, VNS, CSS e ASS.
27.– Após o falecimento da mãe de ambas, a demandante alertou a demandada para a necessidade da outorga da Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros.
28.– A demandante comunicou-lhe que por residir com a mãe há largos anos, ao invés da demandada residente fora do país há 28 anos, assumiria a qualidade de cabeça-de-casal.
29.– A demandante sempre fez da Rua ……………… a sua casa de morada de família, aí residindo, dormindo, jantando, constituindo o seu domicílio fiscal e aí recebendo a sua correspondência.
30.– Era a demandante quem há muito geria o imóvel em apreço como se fosse de facto seu, exercendo um poder de facto sobre o bem.
31.– Era a demandante quem liquidava as contas do imóvel e quem tomava as decisões sobre o mesmo quer quanto a fechaduras, quer quanto a caixas do correio.
32.– Foi a demandante quem diligenciou pela contratação de um alarme.
33.– A demandante atuava como se de facto fosse a dona do prédio em geral e muito especial a dona do 1º andar na Rua …………….
34.– A demandante, na sequência do referido nos pontos 5 e 6, tentou recuperar o acesso à sua casa com a ajuda de entidades policiais, mas em sucesso.
35.– Na sequência do referido nos pontos 5 e 6 a demandante passou a pernoitar em casa de terceiros.
36.– A demandante intentou uma Providência Cautelar, que correu termos sob o nº 447/11.7TVLSB, no âmbito da qual em 24 de Março de 2011 foi proferida sentença que determinou a restituição à exponente da posse provisória do imóvel sito no 1º andar da Rua ………..em Lisboa.
37.– Em cumprimento da referida decisão, em 4 de Abril de 2011, procedeu-se à realização da diligência em apreço tendente à restituição de posse da imóvel, efetuada pela Secretaria Geral do Serviço Externo da Comarca de Lisboa.
38.– Na execução da mesma, efetuada pelo Oficial de Justiça JC e pelo Agente da PSP FS, foi arrombada a porta e mudada a fechadura.
39.– A demandante deparou-se com a inexistência do recheio da casa.
40.– A atuação da demandada supra descrita e dada por provada deixou a demandante preocupada, magoada e com stress.
41.– A demandante sentiu vergonha de ter de expor actos da sua vida própria publicamente.
42.– A demandante para celebrar novo contrato de alarme com a Prossegur despendeu a quantia de 418,20 €.
43.– Na sequência da outorga da escritura pública referida no ponto 20 por parte da demandada, a demandante instaurou o competente processo judicial civil com o intuito de impugnar a validade da referida escritura, o qual veio a ser julgado procedente.
44.– Na sequência do referido em 32 a demandante despendeu com honorários dos seus mandatários o valor de 2.706,00 € e 650,90 € em despesas judiciais.
45.– A demandada usou a escritura pública de habilitação de herdeiros referida em 21 para procurar junto dos inquilinos obter o recebimento de rendas o que determinou à demandante atuação junto de todos para provar o inverso e manter o pagamento das rendas na conta da herança e não da arguida.
46.– A demandante foi confrontada com a missiva da Associação Lisbonense de Proprietários junta aos autos a fls. 352 (processo nº 11614/10.0TDLSB), cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido por questões de economia processual.
47. A demandante tomou conhecimento da referida missiva porquanto também é arrendatária de um imóvel que integra a herança, mais concretamente do R/C ……………….
48.– A demandada conseguiu receber as rendas pagas pela Câmara Municipal de Lisboa no ano de 2011 na quantia de 6.796,00 €.
49.– A demandante contactou quer os inquilinos quer a Associação no sentido de serem mantidos os pagamentos das rendas na conta bancária da herança e não da demandada.

4.– Quanto à matéria que deu como não provada, o acórdão recorrido deveria ainda ter dado como provado o seguinte:
A arguida subtraiu da referida habitação os violinos e partituras da ofendida, bens pessoais desta, dos quais aquela se apropriou.
A arguida retirou da referida residência os bens descritos em 8. e 10. dos Factos Provados, fazendo-os coisa sua. 
A arguida sabia que pertencendo os referidos bens ao acervo da herança ou sendo bens pessoais da ofendida, não teria direito a apropriar-se dos mesmos.
Na Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros outorgada pela arguida no dia 21 de Setembro de 2010, a arguida sabia que não correspondia à verdade o que tinha declarado quanto a ter residência na Rua …………………, em Lisboa.
A arguida sabia que não lhe incumbia a si o cargo de administração da herança até à sua liquidação e partilha.
A arguida agiu com o objetivo de prejudicar a sua irmã e de obter para si benefícios a que sabia não ter direito, ao declarar, perante o notário, que residia na referida morada, que era a morada da sua mãe à data do seu falecimento e intitulando-se cabeça de casal.
A arguida sabia que assim fazia exarar factos falsos na referida escritura pública.
A arguida agiu consciente de que a sua atitude era proibida e punida por lei.
E não, como consta do acórdão recorrido.

5.– Em nosso entendimento os factos supra aludidos resultaram provados da prova produzida, concretamente, da apreciação conjunta das declarações prestadas pelas testemunhas, dos documentos existentes nos autos, todos conjugados entre si e avaliados de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
Vejamos concretamente.

6.– Facto 6 dos Factos a dar como Provados (Crime de Violação de domicílio)
Entendemos que resulta inteiramente provado que a arguida, depois de se introduzir na referida residência da ofendida sua irmã, cuja entrada lhe foi facultada por esta, fechou a porta de entrada da mesma e impediu a assistente de ali permanecer ou pernoitar.
E, não simplesmente que a arguida, chegada à residência sita na Rua ………………., em Lisboa, se introduziu na mesma, conforme consta do acórdão recorrido.
Em nosso entendimento, é relevante o modo como a arguida se introduziu na residência em causa e ali permaneceu desde essa ocasião, bem como se impediu a assistente de ali permanecer, tendo em conta que, para além do mais, vem imputada à arguida a prática de um crime de violação de domicílio.
Estes factos são inteiramente descritos pela assistente e também pela testemunha LR, prima de ambas, que até assistiu à presença da polícia no local, e que, conforme ambas relataram, não foi suficiente para essa entidade conseguir que a assistente entrasse na sua residência, uma vez que a arguida impedia a irmã de entrar na casa que sempre foi a residência desta, se arrogava de ser proprietária do imóvel e de também ali residir (aliás, à data já tinha na sua posse a escritura de habilitação de herdeiros, da qual constava que residia naquele imóvel e que era herdeira da herança aberta por morte de sua mãe, a fls.93 a 95 dos autos).

Declarações da ofendida L.S.S., na sessão de julgamento de dia 13/02/2107, acerca destes factos:
Minutos 11.00 a 11.20: “Quando saímos (da casa) disse-me que deixou o saco lá dentro (…), abri-lhe a porta, ela entrou, fecha-me a porta e eu fiquei no patamar da escada, com a mala na mão…Pôs a corrente, eu não entrei mais”.
Minutos 14.46 a 15.00: “ tentei todos os dias entrar na casa, até porque não tinha roupa.”
Minutos 15.03 a 15.15:  “ Houve um dia que me deixou entrar… Trouxe roupa em dois sacos.”
Minutos 15.20 a 15.30: “Há um dia que me pôs à porta uns sacos com roupa.”
Minutos 15.45: “… mudou o canhão da fechadura, o serralheiro até fez faíscas”.
Declarações da testemunha LS, na sessão de julgamento de 13/02/2017:
Minutos 17.15: a 17.50: “A minha prima L.S.S. foi comigo para minha casa porque a minha prima F.S.S. não a deixava entrar.”
Minutos 18.00 a 18.10: “A verdade é que a minha prima não pôde entrar em casa.”
Minutos 18.35 a 19.00: “ A minha prima F.S.S. meteu-se dentro de casa e não deixou entrar a L.S.S., o que é certo é que não a deixou entrar.”
Minutos 19.55 a 20.25: “A minha prima tinha algum documento que lhe dava o direito a estar em casa, eu não vi, penso que terá sido uma habilitação de herdeiros”.

7.– De resto resulta inteiramente provado que a ofendida só voltou a ter a posse do aludido imóvel, em 4 de Abril de 2011, na sequência de sentença proferida no âmbito de ação de restituição da posse que correu os seus termos sob o n.º447/11.7TVLSB, conforme factos dados como provados em 34. a 39. (quanto ao pedido de indemnização civil), os quais damos aqui por reproduzidos, que assumem relevância na matéria criminal a apurar e que estão em contradição com a decisão de absolver a arguida dos crimes de violação de domicílio e de furto qualificado. 
Tais factos resultam inteiramente provados pelas declarações prestadas pela ofendida, pela testemunha LS, JC e FS e documentos de fls.217 a 230.

8.– Factos n.º 8, 10, 12 a 15 dos Factos a dar como Provados (Crime de Furto):

Deverá ser dado como provado:
Facto n.º8: Já no interior da habitação, a arguida, mudou a fechadura da porta de entrada na mesma e ali permaneceu a viver, até data não apurada, provavelmente até Janeiro de 2011, mas seguramente até data anterior a 4 de Abril de 2011. Durante esse período temporal, dali retirou e fez seu o recheio, composto pelo acervo da herança, designadamente: (devendo manter-se os bens descritos no acórdão).

Factos n.º12 a 15 dos Factos Provados (crime de furto):
Deverá ser dado como provado que em poder de todos esses bens a arguida apropriou-se dos mesmos e retirou-os dali, dando-lhes o destino que bem entendeu.

9.– Resulta inteiramente provado não só que a arguida retirou todos os bens que compunham o recheio da referida residência, dos quais se apropriou, e não como consta do acórdão, que “retirou-os daquele local, impedindo a ofendida de dispor das utilidades dos bens”.
De todo o modo, mesmo na formulação feita pelo tribunal recorrido, entendemos que deste facto dado como provado resulta contradição com o facto de ter dado como não provada a apropriação, uma vez que impedir a co-herdeira de ter acesso aos bens da herança, de exercer poder de facto sobre os mesmos, constitui apropriação.
10.– Da forma como o tribunal deu como assente este facto, seria de entender que a arguida simplesmente guardou os bens nalgum local.
Ora não é isso que resulta da prova produzida.
O facto da assistente não saber o que a arguida fez com os bens não pode significar que esta não se tenha apropriado dos mesmos.
Bem pelo contrário.
Resulta das declarações da assistente e da testemunha CM (que confirmou o recheio da residência, onde ia pagar a renda e que viu um móvel a ser levado, aos minutos 04.50 a 05.20: “ Vi sair um móvel…Fiquei a aguardar para poder descer” e 08.20 a 08.50: “ Vi dois senhores a carregarem um móvel…Ela (a D. F.S.S.) estava junto à porta”) e das testemunhas JC e FS (que confirmaram o que consta do auto de fls. 230, ou seja, que a porta teve que ser arrombada e que a casa estava sem mobília), bem como do próprio auto de fls.230, que a arguida, que foi quem teve a posse do imóvel entre 5 de Novembro de 2010 até 4 de Abril de 2011, dali retirou todo o recheio, do qual se apoderou, fazendo-o coisa sua. 
11.– Não entendemos como pode o tribunal não dar como provada a apropriação pela arguida, dos mencionados bens, quando resulta inquestionável que a mesma colocou os mesmos em seu poder exclusivo e os retirou daquele local, dando-lhes o destino que bem entendeu.
Em nosso entendimento existe mesmo contradição entre o não dar como provada a apropriação dos bens pela arguida e os factos dados como provados em 1. a 8., 12, 13, 14, 15, 36,37, 38 e 39.
Repare-se que, atenta a matéria de facto dada como provada o tribunal não tem dúvidas de que a arguida, depois de se introduzir na casa que era a residência da ofendida e bem da herança, dali retirou os bens que constituíam parte do acervo da herança e que descreve.
No entanto, concluiu que não se fez prova da apropriação, o que nos parece muito forçado, porque ao contrário à prova produzida e ao arrepio das regras da experiência comum. 
12.– Facto n.º10 dos Factos Provados/Facto dado como não provado (crime de furto quanto a bens pessoais da ofendida):
Deverá dar-se como provado que a coleção de violinos existente no interior da residência em causa era pertença da assistente, conforme declarações da própria, falando a propósito dos bens que foram retirados pela arguida, e provavelmente vendidos, à pergunta que lhe foi feita, se sabia se tinham sido vendidos e a quem, aos minutos 22.51 a 23.00 das suas declarações na sessão de 13/02/2017: “ Havia uma coleção com miniaturas de violinos que era meu…se soubesse eu teria ido à procura”. 
13.– Para não dar a apropriação dos bens como provada, o tribunal socorre-se duma alegada versão da arguida (que esta apenas tenha querido usufruir do imóvel, tal como a sua irmã), referindo que ficou com dúvidas acerca dos propósitos desta no que concerne aos mencionados bens da herança, concluindo pela inexistência do crime de furto.
Em primeiro lugar, a arguida nunca deu qualquer explicação nos autos para a sua ação, já que não esteve presente em julgamento, ofereceu o merecimento dos autos em sede de contestação e as testemunhas ouvidas não sustentaram tal “versão”.
14.– O que é certo é que volvidos mais de sete anos sobre a prática dos factos, pela arguida, esta nunca veio sequer informar qual o destino que deu aos bens, se os vendeu, ficou com eles ou simplesmente os destruiu, o que é sintomático e prova a ação de apropriação. 
15.– Por outro lado, para sustentar a decisão, o tribunal convoca a jurisprudência, no seu entendimento unânime e sem controvérsia constante do acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 21/04/2009, bem como o conceito de “coisa alheia” para efeito do crime de furto, concluindo que no caso sub Júdice, por estarmos perante herança indivisa, sendo os herdeiros titulares tão-somente de uma quota ou fração ideal do acervo hereditário, não teria existido apropriação da arguida dos bens existentes na residência em causa, uma vez que não resultou provado que os tenha vendido ou sonegado à herança.
16.– Ora, não se mostra necessário provar que a arguida tenha vendido os mencionados bens da herança a A, B ou C, para provar que se apropriou dos mesmos.
O que é certo é que os retirou do local onde se encontravam e lhes deu o destino que entendeu, que ainda hoje não desvendou (volvidos mais de sete anos), pelo que é claro que sonegou tais bens à herança e que dos mesmos se apropriou.
17.– Por outro lado, da jurisprudência invocada não decorre a conclusão a que chegou o tribunal recorrido, até porque, como explicaremos mais à frente, encontramos jurisprudência que sustenta entendimento diverso.
18.– Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que o acórdão recorrido dá como provados os Factos 1 a 8 nos quais se inclui que a arguida retirou o acervo de bens descritos no facto n.º8 dos Factos Provados, do interior da residência onde se encontravam.
E também dá como provados os factos 34. a 39.(quanto ao pedido cível, mas que assumem relevância em matéria penal), a saber:
A demandante, na sequência do referido nos pontos 5 e 6, tentou recuperar o acesso à sua casa com a ajuda de entidades policiais, mas em sucesso.
Na sequência do referido nos pontos 5 e 6 a demandante passou a pernoitar em casa de terceiros.
A demandante intentou uma Providência Cautelar, que correu termos sob o nº 447/11.7TVLSB, no âmbito da qual em 24 de Março de 2011 foi proferida sentença que determinou a restituição à exponente da posse provisória do imóvel sito no 1º andar da Rua ……………… em Lisboa.
Em cumprimento da referida decisão, em 4 de Abril de 2011, procedeu-se à realização da diligência em apreço tendente à restituição de posse da imóvel, efetuada pela Secretaria Geral do Serviço Externo da Comarca de Lisboa.
Na execução da mesma, efetuada pelo Oficial de Justiça JCe pelo Agente da PSP FS, foi arrombada a porta e mudada a fechadura.
A demandante deparou-se com a inexistência do recheio da casa.
Destes factos dados como provados, resulta inquestionável que a arguida, entre 5/11/2010 e 4/04/2011, retirou todo o recheio existente na residência da assistente, que constituía o acervo hereditário, ao qual deu o destino que bem entendeu, destino este que ainda hoje é desconhecido.
19.– Ora, chegados aqui, não entendemos como tem o tribunal dúvidas inultrapassáveis quanto à atuação da arguida, dando como não provada a apropriação, por esta, dos referidos bens da herança.
E muitos menos que essas dúvidas assentem essencialmente  no facto da arguida ter permitido que a assistente ali fosse buscar alguns pertences pessoais, tendo esta última, numa dessas ocasiões, aproveitado para fotografar a casa e o seu recheio, o que foi confirmado pela testemunha JSS.
É que da maneira como o tribunal alude a esse episódio, até parece que a arguida deu autorização expressa ou convidou a assistente para proceder a tais fotografias, o que não corresponde à narração feita do episódio pela assistente e pela mencionada testemunha, que prestou declarações de modo claro e isento.

Vejam-se as declarações da testemunha JSS, primo direito de ofendida e arguida, prestadas na sessão de julgamento de 01/03/2017, nas partes mais relevantes:
Minutos 08.45 a 09.24: “Ao despedir-me a F.S.S. disse para eu esperar para ver se podia sair”.
Minutos 08.45 a 09.24: “ Quando ia a sair estava a L.S.S. à porta e a F.S.S. estava a tentar impedir a L.S.S. de entrar.”
Minutos 10.05 a 11.37: Tive que conseguir um compromisso. A L.S.S. pediu para ir tirar fotografias…comprometeu-se a sair a seguir…percorremos a casa em poucos minutos e no final acabamos por sair…eu incomodado com a situação…A L.S.S. saiu ao mesmo tempo que eu.”
Minutos 12.10 a 12.20: “A minha prima F.S.S. não a deixava (à L.S.S.) aceder à casa e ela estava a viver em casa da prima Laurinda”.
Minutos 19.50 a 20.20: “Eu sabia que que a L.S.S. estava impedida de entrar na casa.”
Minutos 33.00 a 33.35: “Que eu tenha conhecimento a L.S.S. nunca impediu a  F.S.S. de aceder à casa, nem ela se  queixou a mim disso”.

20.– Da prova produzida resulta claro como água que a arguida, depois de se introduzir na casa, em 5/11/2010, impediu a ofendida de ali entrar, à exceção de duas ocasiões, por breves momentos, em que permitiu que esta fosse ali buscar alguns bens pessoais e noutra em que a ofendida percorreu brevemente a casa por alguns minutos e fotografou a mesma, porque desconfiava que a irmã se pudesse apoderar do recheio da residência, como veio efetivamente a acontecer.
21.– Resulta inquestionável, da própria matéria dada como provada pelo tribunal, que a arguida teve poder de facto sobre a residência e os bens que nela se encontravam até à data em que a sentença de restituição provisória da posse veio a ser executada, em 04/04/2011, conforme consta de fls.217 a 230, tanto que dali veio a retirar os bens descritos em 8.dos Factos Provados.    
22.– Na verdade, resulta claro que a arguida retirou da residência sita na Rua ………., em Lisboa, todo o recheio da mesma, composto pelos bens descritos no facto 8 dos Factos Provados, bem como a coleção de violinos, pertença da assistente (que o tribunal deu como não provado), dando-lhe o destino que bem entendeu, logo, apropriou-se de tais bens, como o tribunal deveria ter dado como provado. 
Pelo que não é verdade que não tenha sido feita prova da apropriação ou da sonegação de bens da herança.
23.– Como é que não se apropriou de tais bens, se lhes deu o destino que entendeu, sem disso dar conhecimento?
E como não concluir que sonegou os mencionados bens da herança, se os fez seus e ainda hoje não se conhece o seu destino?
24.– Por outro lado, quanto ao conceito de “coisa alheia” para efeito de crime de furto, partilhamos com o tribunal recorrido do entendimento de que é toda a coisa que não pertence ao agente ou que não lhe pertence em exclusivo.
O bem jurídico protegido no crime de furto é o património, entendido como o complexo de relações jurídicas tituladas pelo sujeito e versa sobre coisas úteis, suscetíveis de satisfazer necessidades humanas, materiais ou espirituais.
Os herdeiros são titulares de apenas um direito à herança, direito a uma fração ideal da universalidade de bens.
Pelo que devemos concluir que, relativamente a cada um dos co-herdeiros, os bens concretos que compõem o acervo da herança devem ser considerados bens alheios.
25.– Mas contrariamente ao que o tribunal recorrido parece entender, tais bens concretos, no caso em apreço os bens que estavam no interior da residência, descritos em Facto n.º8 dos Factos provados, devem ser considerados alheios também relativamente à arguida (co-herdeira), porque não lhe pertencem em exclusivo.
26.– Por isso, devendo os mencionados bens ser considerados como alheios, e tendo sido feita prova da apropriação dos mesmos por parte da arguida, tal apropriação configura a prática de um crime de furto nos termos em que foi pronunciada.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.05.2010., proferido já depois do supra mencionado Acórdão do STJ, com o seguinte sumário:
«I–Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bem, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas.
II–Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um”.
III–Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
IV–Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.
V–Configura a apropriação por parte do titular/agente a quem nenhum desse bens pertence (detendo tão só a titularidade de quota ideal do património autónomo que os congrega), mas que deles se aproprie e disponha, fazendo-os seus, crime de furto.»  

27.– No caso subjudice a arguida dispôs dos bens da herança indivisa que se encontravam no interior da residência sita na Rua …………., em Lisboa e fê-los coisas suas, retirando-os do domínio de facto da assistente (co-herdeira), pelo que o tribunal deveria ter concluído que a arguida cometeu o crime de furto qualificado que lhe vinha imputado.

Citando a aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:
«Relativamente a cada um dos co-herdeiros, tais bens concretos devem ser considerados bens alheios, estando a sua apropriação por parte de um deles (a quem não pertencem nem nunca pertenceram), lesiva da disponibilidade da fruição das respetivas utilidades em detrimento dos demais detentores das quotas hereditárias, abrangida na tutela penal concretizada pela tipificação do art.º203º do CP[2] - tutela penal que se mostra inequivocamente necessária, não sendo os meios civis suficientes para a salvaguarda do bem violado.
Em tais termos consideramos configurar a apropriação por parte do titular/agente a quem nenhum desses bens pertence, (detendo tão só a titularidade de quota ideal do património autónomo que os congrega) mas que deles se aproprie e disponha, fazendo-os seus, crime de furto.»  

28.– Em consonância com a jurisprudência acabada de expor, tendo resultado prova de que a arguida dispôs dos bens da herança e fê-los coisa sua, ao retirá-los do local onde se encontravam, dando-lhes o destino que entendeu (o qual não revelou) a arguida apropriou-os dos mesmos e cometeu o crime de furto que lhe vem imputado, o que requeremos que seja declarado.
Veja-se, ainda quanto ao conceito de coisa alheia, relativamente aos herdeiros de herança indivisa, quanto ao cometimento do crime de abuso de confiança, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.06.2006, proferido no processo 1672/06, com o seguinte sumário, no mesmo sentido:
«Estão verificados os pressupostos do crime de abuso de confiança se um herdeiro, invertendo o título de posse sobre dinheiro da herança, sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que atuava contra a vontade dos restantes herdeiros, o gasta em proveito próprio, mesmo que tal não venha a afetar a composição dos quinhões dos restantes herdeiros».    

29.– Quanto aos Factos 19 a 23 (crime de falsificação):
O tribunal recorrido entendeu que os factos dados como provados (19 a 23) não integram a prática do crime de falsificação pelo qual a arguida vinha pronunciada, reconduzindo a matéria apurada a relevância meramente civil.
Entendemos que da prova produzida resultam provados os factos a que aludimos em 2. (Factos 19 a 23), os quais damos aqui por reproduzidos. 
30.– Concordamos que os termos concretos da escritura não revelam expressamente que a arguida tenha declarado que residia na Rua …………………….., em Lisboa à data da morte de sua mãe, onde esta última residia.
31.– Não obstante, mostra-se possível retirar essa conclusão do referido documento (de que a arguida residia com a mãe, à data do falecimento desta), uma vez que a arguida declarou residir naquele local, sem menção da data a partir da qual isso acontecia e se intitulou cabeça de casal da herança. 
32.– No entanto, resulta inquestionável que a arguida na escritura de habilitação de herdeiros exarada no dia 21/09/2010 (fls. 93 a 95) declarou ser cabeça de casal da herança aberta por morte de sua mãe, falecida em 13 de Setembro de 2010, com última morada na Rua ……………….., bem como declarou que residia nessa mesma morada.
33.– Ora o que se apurou em sede de julgamento foi que a arguida nem à data da morte da de cujus, sua mãe, nem à data da mencionada habilitação de herdeiros, era ou foi residente na referida morada, uma vez que tinha residência no Canadá pelo menos desde 1982 e apenas se deslocava a Portugal em férias, uma vez por ano, ficando instalada numa casa da família sita no Baleal (declarações da ofendida e da testemunha L, que nos escusamos aqui de descrever, uma vez que o tribunal recorrido deu como provados estes factos atinentes às residências de arguida e ofendida). 
34.– Logo, a declaração feita pela arguida, de que morava na R…………… em Lisboa, morada da de cujus e da irmã da arguida (porque tais elementos também constam da escritura) não corresponde à verdade, como a mesma bem sabia.
35.– Defende o tribunal recorrido que a arguida não produziu qualquer declaração falsa, tendo em conta que à data aquele era o seu domicílio, pelo menos transitório.

Não concordamos.

A arguida apenas se deslocou a Portugal para vir ao funeral da mãe e aqui permaneceu durante alguns dias, tendo ficado instalada na mencionada morada.
Daí não podemos concluir, como faz o tribunal recorrido, que à data da escritura de habilitação de herdeiros aquela era a sua residência.
Porque na verdade a arguida residia no Canadá, como ela bem sabia.
36.– Entendemos, pelo contrário, que a arguida celebrou a escritura de habilitação de herdeiros com o propósito deliberado que obter documento comprovativo que atestava a sua residência na morada da de cujus e que comprovava a sua qualidade de cabeça de casal da herança, tal como conseguiu.
37.– Veja-se que tal documento foi obtido em 21 de Setembro de 2010 e que a arguida veio a cometer os factos em apreciação nestes autos em 5 de Novembro de 2010, o que pressupõe algum planeamento.
A situação que o tribunal tanto estranhou, de a ofendida não conseguir ter acesso à sua residência, mesmo socorrendo-se das autoridades policiais, terá necessariamente que ver com o facto da arguida se ter introduzido na casa e ter na sua posse a habilitação de herdeiros, que atestava a sua residência naquele local, bem como a sua alegada e declarada qualidade de cabeça-de-casal da herança, onde se incluía o referido imóvel.
38.– Diga-se que tal documento lhe terá permitido permanecer na dita residência e impedir a ofendida de ali permanecer ou pernoitar, e assim pôde retirar o recheio da referida casa e dar-lhe o destino que entendeu, sonegando-o à herança até hoje, volvidos mais de sete anos sobre os factos.
39.– Não podemos por tal concordar com o tribunal recorrido, de que a declaração corporizada na escritura em causa, nos moldes em que foi realizada, não constituía facto juridicamente relevante.
O facto de se atestar na escritura de habilitação de herdeiros que a arguida tinha residência na morada da falecida e que tinha a qualidade de cabeça de casal da herança da qual era uma das herdeiras, foi facto juridicamente relevante, designadamente perante as autoridades policiais, para a arguida poder permanecer naquela morada, impedir a outra herdeira de entrar na sua própria morada e dali retirar o recheio da residência, sonegando-o até hoje à herança.
40.– Também resulta feita prova que a arguida utilizou a escritura de habilitação de herdeiros em causa para procurar junto dos inquilinos obter o recebimento de rendas, o que conseguiu quanto às rendas pagas pela Câmara Municipal de Lisboa no ano de 2011, conforme o próprio tribunal deu como provado nos factos 45 a 48, que aqui damos por reproduzido.  
41.– Logo, a arguida veio a obter com o referido documento, benefícios a que sabia não ter direito, e prejuízo para a queixosa, que ficou privada da sua residência (tanto que necessitou de intentar ação de restituição provisória da posse para ter acesso ao imóvel), bem como foi esbulhada do recheio existente na mesma, do qual a arguida se apropriou, sonegando-o à herança.

42.– Quanto ao dolo da arguida:
O acórdão recorrido deu como não provado o dolo da arguida quanto aos crimes de furto, violação de domicílio e falsificação, essencialmente por entender que a ação da arguida se reconduziu ao exercício de direitos que a mesma entendia ter, tudo se reconduzindo a conflito entre as herdeiras quanto à administração dos bens da herança indivisa.
Não vemos como se pode concluir desta forma, uma vez que a arguida em sede de contestação ofereceu o merecimento dos autos e não veio apresentar aos autos uma versão ou justificação para o cometimento dos factos que lhe são imputados.
O facto de existirem divergências entre arguida e ofendida quanto à administração dos bens da herança não pode justificar o cometimento de crimes e a impunidade da arguida pela prática dos mesmos. 
43.– O tribunal recorrido, em sede de fundamentação da decisão, vem afirmar que a arguida nunca negou o acesso da demandante aos seus bens pessoais, quando da prova produzida e dos próprios factos dados como provados pelo tribunal recorrido resulta que a arguida se introduziu na residência da ofendida em 5/11/2010, onde permaneceu e impediu que a ofendida de ali entrar, apenas tendo permitido que ali entrasse por duas vezes, numa ocasião, para ir buscar alguns bens pessoais e noutra ocasião em que a ofendida aproveitou para tirar fotografias ao recheio da residência.
44.– Na decisão recorrida também se afirma que a arguida não quis subtrair os bens da herança para deles não ter que prestar contas, fundamentando-se tal afirmação no facto da arguida ter permitido que a ofendida entrasse no imóvel e tirasse as fotografias que constam dos autos.
Em julgamento, a testemunha Jorge S... fez um relato claro e isento acerca do que se passou, que já reproduzimos acima, em 19. e que aqui invocamos na íntegra.
Como se verifica do mesmo, a entrada da ofendida no imóvel não foi permitida por livre e espontânea vontade da arguida mas após muita insistência da ofendida e mediação da testemunha, primo de ambas.
O que é certo é que após tal episódio, a arguida permaneceu no imóvel, exercendo o seu domínio sobre o mesmo e impedindo a ofendida de ali permanecer, vindo ainda a subtrair o recheio ali existente, do qual se apropriou, pelo que não entendemos como tal episódio pode assumir a relevância que o tribunal lhe deu, para o apuramento da prática dos crimes.
45.– Em conclusão, atenta a prova produzida, toda conjugada com as regras da lógica e da experiência comum, o acórdão recorrido deveria ter dado como provados os factos acima descritos e condenado a arguida, como autora material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º1 e 204.º, n.º2, al. a), de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.º1 e de um crime de falsificação, p. e p. pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º1, al. d), todos do Código Penal.
45.– Ao não fazê-lo, violou o preceituado nos artºs 124º, 125º, 127º e 374º, nº2, todos do Código de Processo Penal, e os artsº203.º, n.º1, 204.º, n.º2, alínea a), 190.º, n.º1, 255.ºalínea a), e 256.º, n.º1, alínea d) e n.º3, todos do Código Penal.
Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA!

A assistente L.S.S. formulou as conclusões que se transcrevem:
A– Vem o presente recurso interposto de Douto Acórdão de fls., proferido nos autos de processo comum que absolveu a Arguida da prática do crime de Furto qualificado, Violação de domicilio, dano, falsificação de documentos e determinou a absolvição da mesma dos pedidos de indemnização cível aduzidos.
B– Porém, e sem prejuízo do que demais se aduzirá há que ter em consideração pela existência de nulidade do Acórdão nos termos do artº 374º nrº 1 b) do CPP e o que se invoca nos termos do nrº 2 do art° 379º nrº 2 do CPP.
C– Ora, com o devido respeito, que é muito, o Acordão recorrido padece, desde logo, do vício constante da alínea da alínea a) e c) do nº 2 artigo 410° do Código de Processo Penal, ou seja insuficiência para a matéria de facto provada (pois há ao invés matéria de facto suficiente para a condenação) e erro notório na apreciação da prova, bem como, erro no julgamento de diversos factos que deveriam ter sido dados como provados, o que impõe uma reapreciação da prova e, a final, uma alteração da respectiva decisão.
D– Sem prejuízo suscita-se a violação do dever expresso pelo artigo 205°, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa, expressamente regulado pelo 374°, nº 2 do Código de Processo Penal incluindo o dever de o Tribunal a quo apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, determinando por isso a violação do artigo 379°, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, por nula a sentença que viole o dever de fundamentação imposto e especificamente regulamentado.
E– No caso em apreço, e apesar da prova produzida em audiência de julgamento e da que foi carreada para os autos durante a investigação, resultou provada a prática, pela arguida, da quase integralidade de factos denunciados pela Assistente o que impunha uma decisão diversa da tomada, não competindo ao Tribunal aduzir juízos de valor mas aplicar a Lei aos factos.
F– Resulta claro do Douto Acórdão proferido que o Douto Tribunal a quo se baseou, essencialmente, nas convicções filosóficas e princípios individuais de apreciação e decisão, e não teve em consideração a própria factualidade perpetrada pela arguida e resultados da sua conduta.
G– A Assistente não confunde o preceituado no artigo 147º do CPP com o mérito ou demérito da prova testemunhal em sede de audiência de julgamento e muito menos com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art° 127º do CPP, mas considera-se existir suficiente a prova produzida para a condenação em causa bem como erro notório na apreciação da mesma.
H– Não há qualquer outro meio de prova que invalide os depoimentos, das testemunhas apresentadas que foram só pela Acusação;
I– Não restam dúvidas à Assistente que a prova produzida é manifestamente suficiente para a sustentabilidade da condenação em sede criminal e cível.
J– Duvidas inexistem, e resulta dos factos provados, que a arguida, sem consentimento da ofendida, introduziu-se na habitação desta e nela permaneceu depois de intimado a retirar-se, impedindo o acesso da Assistente a sua casa e bens: praticou assim, ao invés do que consta no Acórdão ora recorrido, o crime de violação de domicílio, pp pelo art° 190º do CP;
K– Duvidas inexistem, e resulta dos factos provados, que a arguida com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtraiu coisa móvel da residência da ofendida (alias todo o recheio): praticou assim, ao invés do que consta no Acórdão ora recorrido, o crime de furto, pp pelo art° 203º do CP (e qualificado em função do valor dos bens);
L– Duvidas inexistem, e resulta dos factos provados, 'que a arguida retirou a fechadura de casa da ofendida, assim danificando, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornando não utilizável, o bem: praticou assim, ao invés do que consta no Acórdão ora recorrido, o crime de dano, pp pelo art° 212º do CP.
M– Duvidas inexistem, e resulta dos factos provados, que a arguida mentiu na celebração de uma Escritura Publica, como consta de uma Sentença transitada em julgado: praticou assim, ao invés do que consta no Acórdão ora recorrido, o crime de falsas declarações, pp pelo artº 256º do CP.
N– O Tribunal recorrido, na prática, entendeu remeter as questões para o foro cível, porém omitiu que, nesta vertente, compete-lhe apreciar os factos e aplicar a lei... o que não fez, determinando-se a interposição do presente recurso, sem prejuízo dos procedimentos cíveis que se tiverem por pertinentes.
O– Termos em que deverá revogar-se a decisão recorrida, como é de Justiça!

P– Assim, ponderadas adequadamente todas as supracitadas circunstâncias:
E pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo o Douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, nomeadamente com a condenação da arguida.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Respondeu o Ministério Público ao recurso da assistente dando por integralmente reproduzida a motivação de recurso apresentada.

A arguida pugna pela improcedência dos recursos, concluindo:
A.– Nenhum vício há a as sacar ao douto acórdão pois, ao invés do constante da decisão instrutória, o Colectivo "tocou com o dedo na ferida": as questões a dilucidar são de natureza civil, ou seja, é à luz da matéria do Direito das Sucessões e até do Direito do Notariado que se deve concluir pelo preenchimento típico ou não por parte da arguida.
B.– Com a devida vénia, na medida em que resume tudo ou quase tudo que adiante se discutirá, permitimo-nos transcrever o seguinte trecho, a p. 24, do aresto: "a questão da outorga das escrituras de habilitação de herdeiro feita tanto pela arguida como pela demandante a que acrescem as demais considerações já tecidas levam-nos a concluir que a situação retratada nos autos reveste um carácter manifestamente civil mas não criminal. Estamos perante diferentes interpretações do exercício de direitos, eventuais excessos no seu exercício, mas não de actuações que preencham os elementos subjectivos dos crimes de dano, furto qualificado, violação de domicílio ou de falsificação de documento.".
C.– Após a morte da mãe da arguida e da assistente, a herança diz-se jacente, por ainda não ter sido aceite por nenhum dos sucessíveis, nem ter sido declarada vaga a favor do Estado (art. 2046.º do CC).
D.– Nesse momento, até que se opere a partilha e a repartição dos específicos bens que integram a massa da herança pelos herdeiros, cada um deles não é titular de qualquer bem em concreto, nem sequer de uma quota ideal sobre os mesmos, mas tão-só de um direito a ver o seu quinhão composto em sede de partilha.
E.– Do mesmo passo, a escritura de habilitação de herdeiros serve unicamente para que, à luz do ordenamento jurídico, se saiba quem tem um título de vocação sucessória como herdeiro, neste caso legitimário, pelo que não é através dela que se sabe que bens integram a quota de cada herdeiro.

II)– DO RECURSO DO MP
F.– Comece por se registar que a Digna Procuradora da República concorda com a absolvição pelo crime de dano.
A.– Do crime de falsificação de documento
G.– Pretende-se que a arguida tenha praticado o crime de falsificação de documentos com base na ideia de que, na escritura de 21 de Setembro de 2010, a arguida sabia que não tinha residência na Rua …………….. em Lisboa.
H.– Ora, tal aspecto foi por demais escalpelizado no ac. recorrido, de modo em absoluto compatível com a análise da prova documental (ainda para mais documento autêntico) junto aos autos - cf. pp. 22 a 24 do aresto, que aqui se dá por reproduzido por questões de economia processual.
I.– A arguida, aqui recorrida, exibiu o seu documento de identificação perante o notário, do qual consta que o seu domicílio é no Canadá, tendo apenas referido que se encontrava domiciliada em Lisboa, porquanto tal correspondia àquilo que, na sua perspectiva correspondia à verdade, porquanto, como se provou, sempre que vinha a Portugal, residia no local que identificou.
J.– E é o próprio MP que, de modo absolutamente incongruente, depois de ter referido o contrário, mais à frente, a p. 25, escreve: "Concordamos que os termos concretos da escritura não revelam expressamente que a arguida tenha declarado que residia na Rua …………………., em Lisboa, à data da morte de sua mãe, onde esta última residia".
K.– Em que ficamos, então? É eloquente esta contradição no sentido da ausência de razão do recorrente no tocante ao preenchimento do tipo de falsificação de documentos.
L.– Assim, não pretendeu a arguida referir-se à noção legal de domicílio que resulta do art. 82.°, n.º 1, do CC, mas a um conceito não técnico-jurídico de domicílio, ou seja, como o local onde, naquele momento, dormia, tomava refeições e organizava o centro gravitacional da sua vida.
M.– Não se provou, como resulta dos factos dados como assentes, que tenha existido qualquer tipo de conduta dolosa por parte da arguida, ou seja, que a mesma tenha tido conhecimento da realidade e pretendido, com uma informação falsa perante oficial dotado de fé pública, fazer exarar facto que não correspondia à realidade.
N.– Ora, não se ignora que o tipo legal de crime do art. 256.° do CP só é punível a título negligente, de acordo com a regra geral do art. 13.° do CP e, no caso sub judice, nem sequer se deu como provada qualquer omissão de um dever de cuidado a que arguida fosse vinculada, razão pela qual não poderia nunca a mesma ter preenchido este delito.
O.– Por outro lado, como igualmente flui do ac., saber se é ou não relevante para efeitos jurídicos que a arguida resida em território nacional para efeitos de outorga da escritura de habilitação de herdeiros é, antes de mais, uma questão do foro civil e não penal, pelo que não poderia ser apreciada pelo Tribunal a quo.
P.– Ora, para preencher o elemento normativo do tipo, na vertente de tipo objectivo, como pretende o recorrente MP, sempre se teria de concluir que a visão da recorrida nessa matéria é comum ao leigo em Direito que, perguntado pelo local onde mora, dirá, com certeza, que é aquele onde se encontra no momento em que é questionado e que, no caso, era efectivamente Lisboa, como resulta da matéria provada.
Q.– Donde, mesmo a admitir que a recorrida tivesse de ter algum conhecimento específico na matéria do que é o domicílio em termos técnico-jurídicos - que nunca teria e que se não concede -, o máximo que poderia ter existido era um erro sobre a factualidade típica, ao nível de um elemento normativo do tipo e que, em conformidade com o art. 16.°, n.ºs 1 e 3, do CP, afasta o dolo, punindo apenas a conduta negligente que, no caso do art. 256.° do CP, não é legalmente admissível.
R.– Destarte, ao invés do propugnado pelo MP, não se deu como provado no ac. recorrido que a arguida tivesse actuado com o propósito de "prejudicar a sua irmã e de obter para si benefícios a que sabia não ter direito (oo.) intitulando-se cabeça de casal".

B.– Do crime de violação de domicílio.

S.– Dos factos dados como provados começa por se extrair que só se pode violar um domicílio que é alheio, sendo exacto que, ao tempus delicti, a arguida entrou na habitação que, como se disse no intróito da presente resposta, também lhe pertencia, na qualidade de herdeira.
T.– Logo por aqui não há, sequer, possibilidade de preenchimento do tipo, uma vez que o art. 190.° do CP consagra uma verdadeira hipótese de acordo, ou seja, se a vontade do titular do bem jurídico for conforme, nem sequer há tipicidade da conduta, o que obviamente apenas sucede quando o ofendido for ele titular da dita habitação.
U.– Ora, como está dado por provado, no momento do suposto ilícito, o domicílio em causa integrava a massa hereditária por partilhar, pelo que não era propriedade exclusiva da ora recorrente assistente, nem esta sequer detinha sobre ela uma qualquer quota-ideal, como se deixou escrito no início, pelo que, recorrida e recorrente assistente, in casu, nenhuma delas era proprietária do domicílio em causa, mas a herança, massa de bens sem personalidade jurídica, mas com personalidade e capacidade judiciária e que, por isso, actua no tráfego jurídico de modo independente e autónomo.
V.– Como se escreveu na fundamentação decisória, a assistente "admitiu que a arguida a deixou lá [na habitação] entrar por duas vezes: uma para ir buscar a sua roupa e umas partituras e outra para tirar umas fotografias ao interior da residência" (p. 13 do ac.), para além de pouco mais acima se escrever que a arguida abriu a porta à sua irmã.
W.– Mais: "Questionada sobre se a irmã terá eventualmente ficado com os bens ou mesmo até procedido ao seu envio para o Canadá, afirmou desconhecer"; "não resultou de todo provado que a arguida se tenha apropriado ou destruído quaisquer bens seus [da assistente], uma vez que a deixou aceder ao interior da residência para ir buscar roupa, partituras e para fotografar o seu interior"; a testemunha LR "sabe que na semana seguinte a esses acontecimentos a L.S.S. foi lá buscar a casa roupa tendo sido a irmã [aqui arguida] que a deixou entrar (pp. 14, 15 e 17 do aresto); JS afirmou que a assistente entrou na habitação que supostamente fora usurpada pela arguida e "tirou as fotografias que quis", tendo depois saído, o que é bem revelador da inexistência de qualquer tipo de violação de domicílio (p. 18 do ac.),
X.– Ora, como bem refere a motivação do ac. recorrido, para além da questão inicial neste domínio que deixámos exposta, não é crível, atendendo às regras da experiência, sequer, que o elemento subjectivo do ilícito, o dolo, tenha sido actualizado pela recorrente, caso contrário não mais deixaria entrar a sua irmã no imóvel, tendo-o feito não só aquando da recolha das fotografias, mas também para que esta aí fosse buscar roupa que lhe pertencia.
Y.– Isso mesmo é, diga-se em abono da verdade, ressaltado pelo MP, a p. 13 das suas motivações de recurso, onde reproduz os minutos 15:03 a 15:15 das declarações da assistente e, antes disso, aos minutos 11:00 a 11:20, ao admitir que a aqui recorrida lhe abriu a porta e a deixou entrar.
Z.– O mesmo se diga, quando ouvidas, das declarações das testemunhas indicadas a fls. 14 da petição recursória do MP, em idêntico sentido ao referido pela assistente, pelo que se não vislumbra como pode ser censurada a tese que obteve vencimento no aresto agora recorrido.
AA.– Acresce que, para além de o crime do art. 190.° do CP ser apenas punível a título de dolo e não de negligência, o que ainda assim ressalvaria qualquer punição da arguida, mesmo que se entendesse - o que se não concede - que a mesma deveria estar mais bem informada sobre a especial afectação de bens em caso de herança indivisa, no máximo o que, sempre em tese - porquanto não foi e bem matéria dada como assente -, se poderia em abstracto configurar seria, uma vez mais, uma hipótese de erro do art. 16.°, n.º 1, do CP, não punível in casu, atenta a conjugação do n.º 3 do mesmo inciso e do art. 13.°, ambos do CP.
C. Do crime de furto qualificado
BB.– Assim, não pode existir furto se as coisas móveis em causa não são alheias em relação ao putativo autor do facto - e quanto a este ponto, os Mm.ºs Juízes que compuseram o Colectivo expenderam de modo irrepreensível, não apenas com base em doutrina juscivilística, mas também juspenalista.
CC.– Veja-se ainda o 4.º facto dado como não provado, do qual se retira que o Colectivo entendeu que a arguida não retirou da habitação "todos os bens que nela existiam para os levar consigo, fazendo-os coisa sua".
DD.– Isto sem esquecer que dos factos dados como não provados consta que "a arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida", pelo que também em relação a esta última, como titular do bem jurídico "propriedade", nenhum delito foi cometido.
EE.– É mesmo o MP que acaba por implicitamente o reconhecer, ao escrever, a p. 16 das suas motivações que "a residência e bem da herança" "constituía parte do acervo da herança".
FF. Mais ainda na medida em que, como consta da matéria de facto assente, não se logrou provar com a certeza exigida no processo penal que a arguida tivesse qualquer ânimo de apropriação ou de inversão do título da posse - ao invés do que afirma o MP -, mas tão-somente levar alguns dos bens da herança para outro local, provado que também está que as duas co-herdeiras desconfiavam mutuamente uma da outra, receando que qualquer delas se locupletasse para além do seu quinhão hereditário que, ao menos à data dos factos, se não achava preenchido, por a herança se encontrar jacente.
GG.– Daí que a afirmação do Tribunal a quo no sentido de que até hoje se não sabe onde se encontram os supostos bens retirados do imóvel apenas serve para exemplificar a falta de animus apropriativo da recorrida e não como exigência para a perfeição do tipo de furto qualificado, como o MP parece querer fazer crer.
HH.– Dito de outra forma, o Colectivo, apenas ALSrçado, a bem da verdade, nas declarações da assistente, não ficou convencido, atentas as exigências do art. 127.º do CPP, de que tenha existido efectiva apropriação de coisa alheia (e sublinhamos aqui o cariz alheio que é logo elemento do tipo objectivo).
II.– Nem tão-pouco convence a transcrição de parte das declarações da testemunha JSS, na medida em que as mesmas nada têm que ver com a alegada apropriação, mas quando muito com a suposta violação de domicílio, que já tivemos a oportunidade de explicitar porque não ocorre.
JJ. De igual modo, ao não ter sido feita a prova da apropriação, de nada adianta a jurisprudência citada, nomeadamente o ac. do TRL de 27/512010, porquanto, como se pode ler no mesmo aresto, na íntegra, é que o Tribunal recorrido havia dado como provada a apropriação por um dos co-herdeiros, exactamente o que não sucedeu in casu.
KK.– Outro passo das motivações de recurso a que ora se responde não pode deixar de merecer o nosso mais respeitador, mas veemente repúdio: pretende o MP, a p. 17 das suas motivações, que a arguida, ao não ter estado presente na audiência de julgamento, a seu requerimento, por residir no Canadá, com os enormes gravames pessoais e económicos que a sua presença sempre lhe acarretaria, deve de algum modo ser prejudicada com tal comportamento, por não ter vindo explicar aos autos a sua conduta.
LL.– Escreveu o recorrente: "esta [a arguida] nunca veio sequer informar qual o destino que deu aos bens, se os vendeu, ficou com eles ou simplesmente os destruiu, o que é sintomático e prova a ação de apropriação".
MM.– A prova agora faz-se por via do silêncio do arguido? Só se entendermos que a prova em processo penal pode violar frontalmente a CRP.
NN.– Mais ainda, depois de dizer que o silêncio da arguida "prova" a apropriação, de forma contraditória, por conceder tanto relevo ao destino dos bens, a p. 18, afinal, o MP diz que já não é "necessário provar que a arguida tenha vendido os mencionados bens da herança (...) para provar que se apropriou dos mesmos".
OO.– Pergunta-se: em que ficamos, afinal? Se é exacto que dogmaticamente o crime de furto se consuma pela apropriação, então qual a importância que afinal tem a ausência de notícia quanto ao destino dos bens, pretendendo-se retirar do silêncio da aqui recorrida uma espécie de "presunção de culpa" inconstitucional?
PP.– É necessário lembrar que, por decorrência do art. 32.°, n.º 2, da CRP, o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado e que daí deriva o direito ao silêncio previsto no art. 61.° do CPP e a norma do mesmo Código (art. 343.°, n.º 1) em que o legislador é muito claro no sentido de este não está obrigado a colaborar com a descoberta da verdade, por via do nemo tenetur ... e porquanto inexiste um verdadeiro onus probandi em Direito Processual Penal.
QQ.– Do último inciso citado igualmente se retira que esse silêncio não pode, em circunstância alguma, ser prejudicial para o arguido, pelo que é de todo incompreensível e ilegal que o MP pretenda que a aqui recorrida tivesse vindo aos autos explicar o que aconteceu com os bens supostamente subtraídos, como se isso fosse um facto a censurar-lhe.
RR.– Um entendimento deste tipo viola frontalmente as garantias processuais do arguido, ínsitas no art. 32.°, n.ºs 1 e 2, da CRP e no art. 343.°, n.º 1, do CPP, pelo que é materialmente inconstitucional, o que se deixa invocado de modo expresso.

III)– DO RECURSO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE
SS.– Não se compreende o alcance do vertido no ponto I h) das motivações recursórias da assistente, pois não se baseou o ac. recorrido em quaisquer "convicções filosóficas e princípios individuais de apreciação e decisão", que aliás o recorrente não concretiza, pelo que não devem ter qualquer relevo para o objecto do recurso, sendo meros obiter dicta, pelo que não existe qualquer nulidade da decisão, nomeadamente a do art. 379.°, n.º 1, al. a), do CPP.
TT.– Outro aspecto surpreendente é o vertido no art. 15.º das motivações, em que o recorrente se limita a indicar que das declarações das testemunhas que indica resulta o contrário, sem dizer o mínimo: em que consiste exactamente esse contrário e de que modo coloca em crise a factualidade dada por provada, para além de nem haver sequer uma única transcrição da qual resultasse que estava em crise a actividade judicativa do Tribunal.
UU.– Do mesmo passo, o art. 27.º das motivações revela, salvo o devido respeito, a incompreensão total quanto ao iter cognoscitivo do Tribunal a quo: nunca este escreveu que o facto de se não conhecer o destino dos bens fosse "causa de exclusão da ilicitude ou da culpa", pela linear razão de que tal seria palmar erro da mais elementar dogmática jurídico-penal.
VV.– O Colectivo resolveu o problema a montante, onde o deveria fazer, pois esse seria o momento em que o delito, eventualmente, se perfeccionaria: o da apropriação, não o tendo dado por provado, como já escalpelizado.
WW. Mais ainda: no art. 69.º das suas motivações, a assistente afinal escreve que "[t]ais bens foram delapidados pela arguida", quando no art. 27.º havia dado como assente que, afinal se não sabe onde se encontram os bens.
XX.– É por demais patente a incongruência absoluta de ambas as afirmações.
YY.– Por fim, nos artigos 77.º e 78.º das suas motivações recursórias, a assistente, uma vez mais, não deu relevo à explicação cabal do Tribunal a quo, que conclui que, ao fim e ao cabo, estamos em face de uma questão de Direito Civil e na qual não se provou o dolo da arguida quanto a nenhum dos crimes, sendo todos eles dolosos, pelo que se impunha a sua absolvição.
ZZ.– Daí que não caiba aos Tribunais criminais, ao invés do que perpassa do art. 77.º das ditas motivações, saber quem deve ocupar, neste caso, o cargo de cabeça-de-casal, pelo que, de igual modo releva a norma citada no art. 78.º do art. 83.º, n.º 2, do Cód. do Notariado, mesmo que não possamos deixar de dizer que não é o resultado hermenêutico pretendido o que se retira do citado inciso, pois nada impede que vários herdeiros outorguem, em abstracto, várias escrituras de habilitação.
AAA.– Quanto ao mais, na medida em que o recurso interposto pela assistente nada adianta, salvo o devido respeito, quanto às alegações do MP, por economia processual, remete-se para o expendido quanto a esta última petição recursória.
Nestes termos e nos melhores de Direito, confirmando in totum a decisão recorrido e, em consequência, absolvendo a arguida de todos os crimes de que vinha pronunciada, farão V. Exas., Senhores Desembargadores, a costumada e sã JUSTIÇA!
*

Os recursos foram admitidos.
Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.
*

Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).

II–FUNDAMENTAÇÃO.
As relações reconhecem de facto e de direito (art. 428º do Código de Processo Penal) e, no caso, foram interpostos recursos sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).
*

Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir, tendo em atenção as questões suscitada num e noutro recurso:
1.– Violação do dever de fundamentação (nulidade do art. 379º nº 1 al. a), por desrespeito do disposto no art. 374º nº 2 do Código de Processo Penal);
2.– Impugnação da matéria de facto;
3.– Vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal;
4.– Elementos do tipo dos crimes; actuação dolosa.
***

Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada:
Da matéria constante da acusação, e com relevo para a decisão, provou-se que:
Processo nº 1246/10.9PJLSB – acusação pública
1.– A ofendida L.S.S. e a arguida são filhas de ALS.
2.– A ofendida reside e residiu sempre, com a mãe, na Rua ……….. em Lisboa.
3.– A arguida reside, pelo menos desde 1982, no Canadá apenas se deslocando a Portugal em Férias de Verão e por escassos dias em Lisboa.
4.– Em 13 de Setembro de 2010 faleceu ALS deixando como únicas herdeiras, por vocação legal, a ofendida e a arguida.
5.– Em 5 de Novembro de 2010, a arguida dirigiu-se à residência sita na Rua ………………….. em Lisboa.
6.– Aí chegada introduziu-se no interior da referida residência.
7.– Ao agir do modo acima descrito a arguida previu e quis entrar no interior da aludida residência, o que fez, pese embora soubesse que aquela constituía, também, residência pessoal de L.S.S. e que agia contra a vontade e sem autorização desta.

8.– Já no interior da habitação a arguida, após alterar a fechadura da habitação, dali retirou o recheio, composto pelo acervo da herança designadamente:
Um piano vertical, armado em ferro, marca C. Otto;
Um banco de piano, redondo (elevatório), forrado a seda;
Uma mobília de sala de jantar composta por: um canapé, dois cadeirões e seis cadeiras em “pau-santo e rosa”, forrados a seda; uma mesa redonda em “pau-santo e rosa” com o tampo em pedra mármore; um “étaqer” em “pau-santo e rosa”, com o tampo em pedra mármore;
Um espelho de parede (com as margens trabalhadas);
Uma escrivaninha;
Dois jarrões;
Uma arca com embutidos e madre pérola;
Um carrinho de chá;
Um expositor em madeira, com o fundo em espelho com violinos miniatura de colecção (alguns em cristal, outros em madeira trabalhados à mão e ainda um instrumento real, com caixa e o respectivo arco;
Um candeeiro de tecto com 8 pontos de luz;
Uma bilheteira em loiça;
Uma jarra em loiça verde, com desenhos dourados;
Uma terrina miniatura em prata com colher também em prata;
Uma jarra em loiça branca e cor-de-rosa, com o desenho de um ramo de flores.
Dois castiçais em prata (cada um com uma vela), com pêndulos em cristal;
Um cinzeiro em loiça, antigo, com a forma de uma nota de mil escudos;
Um relógio inserido numa escultura dourada, com um cavalo prateado;
Uma floreira em loiça;
Duas caixas de música, e guarda-jóias, com a forma de um piano (quando a tampa do piano se levanta ficavam a descoberto os compartimentos interiores e tocava música), o exterior era em madeira e os compartimentos das jóias em veludo;
Uma caixa com 6 pratos de aperitivos;
Uma caixa de aperitivos com 7 compartimentos (um central e 6 à volta).
Uma caixa de aperitivos de dois andares;
Uma boneca antiga com um vestido azul;
Uma mobília de estilo inglês composta de: uma mesa oval (com 2 pés); 6 cadeiras (com o fundo em palhinha); uma cristaleira e um aparador;
Um relógio de pêndulo de parede;
Um centro de mesa composto por duas peças em prata (parte debaixo era uma base em prata com espelho ao centro e a parte de cima era uma floreira com tampa, ambas em prata);
Um cesto de pão em prata;
Uma salva de prata grande, com pés;
Duas salvas em prata;
Uma bilheteira em prata;
Uma bilheteira em prata;
Um serviço de 5 peças em prata composto por tabuleiro, bule, cafeteira, leiteira e açucareiro;
Todo o recheio dos armários, destacando-se dois serviços de loiça iguais compostos por uma travessa grande, duas travessas médias, duas terrinas com colher, uma molheira com colher;
Vários serviços de chá e café, travessas, pratos, um serviço completo de pequeno-almoço, copos em cristal de água, vinho tinto, vinho branco, copos de licor, garrafa de licor, taças de champanhe, “flutes”, copos de whisky, garrafa de whisky, copos de brandy;
Duas saladeiras e 12 taças (6 de tamanho médio e 6 pequenas);
Um faqueiro completo em estojo;
Um conjunto de talheres de bolo em prata, composto por uma faca de cortar o bolo e um garfo, num estojo com fecho;
Um oratório com cómoda (de três gavetas a condizer) e com várias imagens;
Um guarda-vestidos com porta de espelhos;
Uma cómoda com 4 gavetas e tampo em pedra mármore;
Uma cómoda com espelho com 3 gavetas e tampo em pedra mármore;
Uma cómoda com 3 gavetas e tampo em pedra mármore;
Dois castiçais em prata, com duas velas;
Um jarro com bacia a condizer em loiça;
Um solitário em cristal;
Dois quadros com motivos religiosos;
Um candeeiro de petróleo em loiça, com a parte de cima em vidro;
Um relógio antigo;
Uma organeta eléctrica com 4 pernas de enroscar;
Uma máquina de costura eléctrica de mesa;
Uma mesa de costura;
Vários livros, nomeadamente cerca de 15 volumes das obras completas de Agatha Christie, Edição “Livros do Brasil” – Lisboa, Colecção Vampiro Gigante;
Um candeeiro com pendentes em vidro;
Um “étager” em “pau-santo e roso”, com o tampo em pedra mármore;
Um conjunto de objectos para toilete, cor-de-rosa, composto por um pote oval com tampa, duas garrafinhas com tampa, uma taça com pé e uma caixa com tampa;
Um guarda-jóias com a forma de piano e com um banquinho do piano em madeira;
Oito sanefas de cortinados em madeira maciça, cobertas a folha de ouro;
Vários colares, brincos, broches, pulseiras e colares;
Um casaco de pele de vison castanho, modelo “godés”;
Duas mesas redondas em madeira maciça, idênticas trabalhadas à mão (africanas), cada uma delas constituída por um tampo redondo com desenhos esculpidos a toda a volta e no centro, e um tripé esculpido numa única peça de madeira com três locais de encaixe na parte debaixo do tampo;
Um estetoscópio num estojo e com três peças de contacto com o corpo do examinado (uma campânula e dois diafragmas).

9.– Os pais da ofendida e da arguida, nas inúmeras viagens que efectuaram, adquiriram inúmeras peças de arte e conjuntos completos de chá, de café, e também chávenas avulso, loiça e cristais vindos de França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Grécia, Turquia, Japão, Tailândia, Malásia, China, Marrocos e África do Sul.
10.– Na referida residência existia uma vasta colecção de livros antigos e uma colecção de violinos.
11.– Tudo num valor total não inferior a 50.000 euros.
12.– Em poder de todos esses bens a arguida retirou-os daquele local impedindo a ofendida de dispor das utilidades dos bens.
13.– A arguida previu e quis, agir do modo acima descrito entrando no interior da referida habitação, o que fez, com o intuito concretizado de aceder a todos aqueles bens, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida.
14.– Sabia ainda que aqueles bens constituíam acervo da herança e que agia contra a vontade da ofendida.
15.– Agiu assim a arguida de forma livre, deliberada e conscientemente.
Acusação particular
16.– A morada sita na Rua …………. Lisboa, constituía casa de morada de família da sua mãe falecida e da ofendida.
17.– A arguida contra a vontade da ofendida substituiu a fechadura do 1º andar do imóvel sito na Rua ……………. Lisboa e inutilizando o sistema de alarme aí montado pela “Prossegur”, no âmbito de contrato em tempo celebrado, o que determinou a apresentação em 5 de Novembro de queixa-crime.
18.– A arguida quis substituir a fechadura e o sistema de alarme, como efectivamente fez agindo de forma livre, voluntária e consciente.

Processo nº 11614/10.0TDLSB – acusação pública
19.– A arguida vivia há cerca de 28 anos no Canadá e à data do falecimento da sua mãe residia no Canadá, em ……………………….
20.– Após o falecimento da sua mãe, a arguida resolveu outorgar escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual ficou exarado que residia na Rua ………………, São Jorge de Arroios, e que sendo cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mãe ALS, tinha perfeito conhecimento que a mesma faleceu no dia 13/09/2010, na freguesia da Pena, no estado de viúva, concelho de Lisboa, e teve a sua última residência habitual na Rua …………………….., São Jorge de Arroios, em Lisboa.
21.– Com efeito, no dia 21 de Setembro de 2010, a arguida dirigiu-se ao Cartório Notarial de Lisboa, sito na Avenida Duque D’Ávila, nº 120, 1º andar, em Lisboa, e perante o respectivo Notário, declarou, através de escritura pública de habilitação de herdeiros que:
- “era residente na Rua …………………., São Jorge de Arroios, em Lisboa”,
- “sendo cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mãe ALS (…)”,
- “a mesma faleceu, no dia treze de Setembro do ano de dois mil e dez, na freguesia da Pena, concelho de Lisboa, no estado de viúva; a mesma falecida era natural da freguesia da Pena, concelho de Lisboa, e teve a sua última residência habitual na Rua ………………… em São Jorge de Arroios, Lisboa (…)”.
22.– A arguida sabia que quem morava na residência em causa com a sua mãe ALS em 13 de Setembro de 2010 era a sua irmã L.S.S..
23.– A arguida agiu com o objectivo de obter para si um benefício intitulando-se cabeça de casal.
Da factualidade alegada nos pedidos de indemnização civil deduzidos pela demandante, com relevância para os presentes autos, resultou provado que:
24.– Uma vez que a demandada residia no Canadá, há mais de 28 anos, a demandante foi constituída como sua representante fiscal em Portugal assim como sua procuradora com os bastantes poderes de representação junto de qualquer Repartição ou Serviço de Finanças, tudo conforme Procuração datada de 1 de Agosto de 2005.
25.– A demandante foi, igualmente, detentora de Procuração outorgada pela demandada no que importava à concessão de poderes de disposição genérica sobre quota detida na sociedade “F. – Sociedade, Lda.”, outorgada em 2 de Agosto de 2006.
26.– Dispôs, ainda, a demandante de uma Procuração outorgada em 14 de Janeiro de 1999 em Montreal, no Canadá, pela demandante, envolvendo a concessão de poderes de disposição quanto ao quinhão que viesse a couber àquela por herança aberta por óbito de MNS, JNS, VNS, CSS e ASS.
27.– Após o falecimento da mãe de ambas, a demandante alertou a demandada para a necessidade da outorga da Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros.
28.– A demandante comunicou-lhe que por residir com a mãe há largos anos, ao invés da demandada residente fora do país há 28 anos, assumiria a qualidade de cabeça-de-casal.
29.– A demandante sempre fez da Rua ……………. a sua casa de morada de família, aí residindo, dormindo, jantando, constituindo o seu domicílio fiscal e aí recebendo a sua correspondência.
30.– Era a demandante quem há muito geria o imóvel em apreço como se fosse de facto seu, exercendo um poder de facto sobre o bem.
31.– Era a demandante quem liquidava as contas do imóvel e quem tomava as decisões sobre o mesmo quer quanto a fechaduras, quer quanto a caixas do correio.
32.– Foi a demandante quem diligenciou pela contratação de um alarme.
33.– A demandante actuava como se de facto fosse a dona do prédio em geral e muito especial a dona do 1º andar na Rua ………….
34.– A demandante, na sequência do referido nos pontos 5 e 6, tentou recuperar o acesso à sua casa com a ajuda de entidades policiais, mas em sucesso.
35.– Na sequência do referido nos pontos 5 e 6 a demandante passou a pernoitar em casa de terceiros.
36.– A demandante intentou uma Providência Cautelar, que correu termos sob o nº 447/11.7TVLSB, no âmbito da qual em 24 de Março de 2011 foi proferida sentença que determinou a restituição à exponente da posse provisória do imóvel sito no 1º andar da Rua …………. em Lisboa.
37.– Em cumprimento da referida decisão, em 4 de Abril de 2011, procedeu-se à realização da diligência em apreço tendente à restituição de posse da imóvel, efectuada pela Secretaria Geral do Serviço Externo da Comarca de Lisboa.
38.– Na execução da mesma, efectuada pelo Oficial de Justiça JC e pelo Agente da PSP FS, foi arrombada a porta e mudada a fechadura.
39.– A demandante deparou-se com a inexistência do recheio da casa.
40.– A actuação da demandada supra descrita e dada por provada deixou a demandante preocupada, magoada e com stress.
41.– A demandante sentiu vergonha de ter de expor actos da sua vida própria publicamente.
42.– A demandante para celebrar novo contrato de alarme com a Prossegur despendeu a quantia de 418,20 €.
43.– Na sequência da outorga da escritura pública referida no ponto 20 por parte da demandada, a demandante instaurou o competente processo judicial civil com o intuito de impugnar a validade da referida escritura, o qual veio a ser julgado procedente.
44.– Na sequência do referido em 32 a demandante despendeu com honorários dos seus mandatários o valor de 2.706,00 € e 650,90 € em despesas judiciais.
45.– A demandada usou a escritura pública de habilitação de herdeiros referida em 21 para procurar junto dos inquilinos obter o recebimento de rendas o que determinou à demandante actuação junto de todos para provar o inverso e manter o pagamento das rendas na conta da herança e não da arguida.
46.– A demandante foi confrontada com a missiva da Associação Lisbonense de Proprietários junta aos autos a fls. 352 (processo nº 11614/10.0TDLSB), cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido por questões de economia processual.
47.– A demandante tomou conhecimento da referida missiva porquanto também é arrendatária de um imóvel que integra a herança, mais concretamente do R/C Rua …………….
48.– A demandada conseguiu receber as rendas pagas pela Câmara Municipal de Lisboa no ano de 2011 na quantia de 6.796,00 €.
49.– A demandante contactou quer os inquilinos quer a Associação no sentido de serem mantidos os pagamentos das rendas na conta bancária da herança e não da demandada.

Quanto à situação económico-social da arguida:
50.– Nada se provou uma vez que a mesma reside no Canadá e foi, com o seu consentimento, julgada na ausência.

Relativamente aos antecedentes criminais da arguida provou-se que:
51.– A arguida não tem antecedentes criminais.

Da factualidade constante das acusações públicas e particular deduzidas, e com relevo para a decisão, entendemos não ter resultado provado que:
» No dia 5 de Novembro de 2010 a arguida tenha destruído o alarme e a fechadura existentes na Rua ………… em Lisboa por forma a introduzir-se no interior da aludida residência.
» No referido dia a arguida previu e quis produzir estragos na aludida fechadura e alarme.
» A arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida.
» A arguida tenha retirado da referida residência todos os bens que nela existiam para os levar consigo, fazendo-os coisa sua.
» A arguida tenha entrado na referida habitação partindo e forçando a porta de entrada com o intuito concretizado de fazer seus todos os bens aí existentes sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono.
» A arguida sabia que pertencendo os referidos bens ao acervo da herança não teria direito aos mesmos.
» Na Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros outorgada pela arguida no dia 21 de Setembro de 2010 tenha ficado exarado que a mesma declarou que em 13/09/2010 residia com a sua mãe na Rua ………………. São Jorge de Arroios.
» Ao exarar essa escritura, a arguida sabia que não correspondia à verdade o que tinha declarado.
» A arguida sabia que não lhe incumbia a si o cargo de administração da herança até à sua liquidação e partilha.
» A arguida agiu com o objectivo de prejudicar a sua irmã e de obter para si um benefício que sabia não ter direito ao declarar perante o notário que residia com a sua mãe, à data do seu falecimento, na morada em causa e intitulando-se cabeça de casal.
» A arguida sabia que assim fazia exarar factos falsos na referida escritura pública.
» A arguida tenha agido consciente de que a sua atitude era proibida e punida por lei.
Da factualidade alegada nos pedidos de indemnização civil deduzidos pela demandante, com relevância para os presentes autos, entedemos não ter resultado provado que:
» A demandada tenha declinado o convite para estar presente na Escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada pela demandante dando, não obstante, o seu assentimento para a respectiva celebração.
» A demandada tenha violado a caixa de correio da demandante.
» A demandada tenha danificado e destruído bens de terceiro.
» A demandada impediu o acesso da demandante aos seus bens pessoais.
» No dia 5 de Novembro de 2010 a demandante tenha, em função da actuação da demandada, tido necessidade de chamar um táxi com o fito de pernoitar em casa de terceiros.

Foi a seguinte a motivação da decisão de facto:

Convicção do Tribunal
O Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 127º do CPP).
“A livre apreciação da prova a que alude o artigo 127º do Código de Processo Penal, não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjectivo, sem possibilidade de justificação objectiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória.”(Cfr. o Ac. do STJ de 3/03/1999, in BMJ 485, pág. 248).

Assim, para prova da factualidade dada por provada atendeu o tribunal à conjugação dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento com o conteúdo dos diversos documentos juntos aos autos.

De entre a prova produzida em sede de audiência de julgamento destacaremos, desde logo, as declarações prestadas pela assistente que se mostraram relevantes quer para a prova da factualidade dada por provada quer para parte daquela relativamente à qual entendemos não ter sido feita prova.

A assistente/demandante esclareceu que a mãe faleceu no dia 13/09/2010 e que após ter comunicado o facto à sua irmã, a mesma veio do Canadá ao funeral da mãe pernoitando durante uns dias, como sempre fazia quando vinha a Portugal, na casa sita no 1º andar da Rua ……………

Com efeito, tanto pela assistente como por outras testemunhas foi reconhecido que esta era a residência dos pais da arguida e da ofendida e que tanto uma como outra cresceram e residiram naquela casa sendo que no caso da arguida tal aconteceu de forma permanente até à altura em que foi viver para o Canadá, país onde casou e se encontra há largos anos.

L.S.S. referiu que, aproveitando o facto da irmã se encontrar em Portugal, lhe referiu que iria fazer a escritura de habilitação de herdeiros, dando-lhe nota da data e local onde a mesma seria outorgada e, bem assim, da sua intenção de assumir as funções de cabeça-de-casal, porquanto havia sempre residido e cuidado da mãe de ambas.

Referiu que no dia da escritura a irmã lhe disse que não iria comparecer porque estaria com dor de cabeça termos em que decidiu ir sozinha outorgar a referida escritura. Dias depois a arguida decidiu regressar ao Canadá informando-a de que tinha também outorgado uma escritura de habilitação de herdeiros na qual por residir na Rua ……………. também se tinha intitulado cabeça-de-casal da herança aberta pela morte da mãe de ambas.

Posteriormente, já em Novembro de 2010 recebeu um telefonema da sua irmã a dizer que tinha chegado a Portugal, que queria entrar em casa dos pais mas que não tinha o código do alarme colocado na casa. Deslocou-se à residência, abriu-lhe a porta, mostrou-lhe a casa e quando se encontravam no patamar do prédio a arguida perguntou-lhe se lhe podia abrir a porta novamente uma vez que se tinha esquecido de uma carteira no seu interior. Assim, segundo a assistente, foi quando abriu a porta pela segunda vez à sua irmã e a mesma entrou dentro da residência, para alegadamente ir buscar algo de que se tinha esquecido, que a mesma lhe fechou a porta e se trancou no seu interior não a deixando mais entrar.

Acrescentou que não obstante ter chamado a polícia e referido que residia no interior daquele 1º andar, mostrando até documentos comprovativos do que afirmava, a polícia lhe disse que não poderia fazer nada para tirar a sua irmã de dentro da casa.

Referiu que a partir desse dia e enquanto não voltou a ter a posse do imóvel, o que sucedeu com o desfecho de uma providência cautelar que intentou, foi residir para casa de uma familiar, mais concretamente da sua prima LSR.

Questionada sobre se nunca mais tinha tido acesso à casa, admitiu que a arguida a deixou lá entrar por duas vezes: uma para ir buscar a sua roupa e umas partituras e outra para tirar umas fotografias ao interior da residência.

Apercebeu-se que a sua irmã tinha mudado a fechadura da porta e decidiu ir tirar as referidas fotografias com receio de que a mesma decidisse vender o recheio da casa. Apenas voltou a tomar posse do imóvel na sequência da providência cautelar que intentou, apesar de ter chamado várias vezes a polícia na tentativa de aceder à casa, sucedendo que quando tal aconteceu verificou que a casa se encontrava vazia e que todo o recheio tinha sido retirado. É sua convicção que a irmã/arguida terá vendido o recheio da casa, embora desconheça a quem ou porque preço.

Questionada sobre se a irmã terá eventualmente ficado com os bens ou mesmo até procedido ao seu envio para o Canadá, afirmou desconhecer.

Nunca mais voltou a ter contacto com a irmã, desde que a mesma regressou ao Canadá, o que sabe ter ocorrido em Janeiro de 2011.
Acrescentou, no entanto, ser do seu conhecimento que em Novembro de 2010 e na posse na escritura de habilitação de herdeiros que outorgou a arguida informou os arrendatários dos prédios que faziam parte da herança que era ela quem, na qualidade de cabeça-de-casal, se encontrava a administrar tais bens e que, como tal, era a ela que deveriam ser pagas as rendas.

No que concerne ao valor atribuído ao recheio da casa, refere que o mesmo lhe foi sugerido por uma pessoa entendida nestas matérias e que partiu, também, do valor de 30.000 € que em tempos tinha sido oferecido à sua mãe somente pela compra da mobília de sala.

Diremos, desde já, que uma análise cuidada e rigorosa das declarações prestadas pela própria assistente nos levou a concluir que, ao contrário do alegado em sede de acusação particular, não houve qualquer destruição por parte da arguida da fechadura da porta ou do alarme para poder aceder ao interior da residência sita na Rua ……….. no dia 5 de Novembro de 2010.

Com efeito, foi a própria ofendida quem disse que a sua irmã F.S.S. ao chegar ao prédio e ao ver que não conseguia entrar em casa lhe telefonou a informar que tinha chegado do Canadá e lhe pediu para se deslocar até lá por forma a abrir-lhe a porta de casa dos pais de ambas. Também foi a ofendida que disse que a mesma se introduziu e permaneceu no interior da referida casa após a mesma lhe ter aberto a porta.

É certo que percebemos perfeitamente, até pela sequência dos acontecimentos narrados na explicação apresentada, que a ofendida não pretendia que a irmã pernoitasse na referida residência porquanto a considerava apenas sua (veja-se em abono da conclusão que referimos os factos alegados nos pontos 27 a 31 do pedido de indemnização deduzido a fls. 633), contudo, não ficou foi provado que a mesma tenha acedido ao seu interior através da destruição de qualquer fechadura, até porque relativamente ao alarme nada cumpria apreciar quanto ao seu eventual dano, dado que a própria Prossegur referiu não pretender qualquer procedimento criminal contra a arguida.

Entendemos, igualmente, que em face das declarações prestadas pela própria assistente não resultou de todo provado que a arguida se tenha apropriado ou destruído quaisquer bens pessoais seus, uma vez que a deixou aceder ao interior da residência para ir buscar roupa, partituras e para fotografar o seu interior. O mesmo se diga relativamente à correspondência pessoal da ofendida, dado que não foi feita qualquer prova que a mesma tivesse substituído a fechadura do correio ou se tivesse apropriado da correspondência dirigida a L.S.S..

Relevante para a prova da factualidade dada por provada em 2, 4, 8, 16, 22, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 39 e 40 afigurou-se o depoimento prestados pelas testemunhas CM, PB (inquilinas da falecida ALS e residente no prédio da Rua ,,,,,,,,), MM (empregada doméstica em casa de ALS) e JSS e LSR (primos da ofendida e da arguida).

Todas as identificadas testemunhas foram unânimes ao reconhecerem que a assistente sempre residiu com a sua mãe no 1º andar da Rua ………………. e que era ela quem nos últimos anos ajudava a mãe na administração dos imóveis que a mesma possuía, sendo a ela que se dirigiam quando precisavam de alguma coisa, nomeadamente de tratar de algum assunto relacionado com os imóveis.

Demonstraram conhecer o interior da referida casa, alguns bens que compunham o seu recheio (mobília de sala e existência de uma piano), e não terem dúvidas de as fotografias que se encontram juntas aos autos a fls. 231 a 250 respeitam à mesma.

CM afirmou que até à morte da sua arrendatária ALS não tem ideia de ter visto a arguida. Depois do referido falecimento ouviu dizer que F.S.S. era a filha da D. ALS que residia no Canadá e que a mesma habitou o prédio durante um tempo tendo, inclusivamente, ido ter consigo para a informar que era a cabeça de casal da herança aberta por óbito da sua mãe e que como tal era ela quem agora administrava os prédios da herança devendo a renda ser-lhe paga a si.

Sobre esta concreta questão diz que enquanto a D. ALS foi viva e esteve capaz sempre lhe pagou a renda a ela; posteriormente passou a fazer transferência bancária.

Instada, referiu recordar-se de num determinado dia que não conseguiu precisar ir a descer a escada e ver um móvel a ser retirado do interior do 1º andar.

PB também referiu ser arrendatária de um imóvel na Rua …………, concretizando que primeiro teve um contrato celebrado com a D. ALS e que agora tem um contrato celebrado com a aqui demandante.

Não teve dúvidas em afirmar que a demandante L.S.S. sempre residiu com o mãe no primeiro andar e que apenas conheceu a arguida após o falecimento da mãe de ambas, embora tenha ideia de a ter visto lá no prédio numas férias de Verão juntamente com a demandante e umas crianças.

Sabe que após a morte da D. ALS a arguida viveu no 1º andar durante uns tempos e que lhe bateu à porta um dia, exibindo uma escritura de habilitação de herdeiros, a pedir-lhe a renda. Contudo, como sempre tinha tratado todos os assuntos com a D. L.S.S. telefonou-lhe a contar o sucedido.

MM esclareceu que fazia limpezas no 1º andar da Rua ……………. desde 2005 e que por esse motivo conhecia tanto a demandante como a demandada como filhas da D. ALS. Referiu que antes da morte da senhora apenas tinha visto a F.S.S. umas 3 ou 4 vezes dado que a mesma residia no Canadá e apenas vinha a Portugal de férias; recorda-se que ela costumava vir no início de Agosto, pernoitava ali em casa 2 ou 3 noites e depois ia para a praia, para uma casa que a família tinha no Baleal.

Depois da morte da D. ALS as coisas mudaram porque a testemunha deixou de ter acesso à casa e de lá ir fazer limpeza durante uns tempos, embora continuasse a frequentar o prédio e a fazer a limpeza das escadas e do pátio.

Afirmou conhecer o R/C do prédio onde a demandante tinha um escritório, embora o mesmo não se encontrasse mobiliado. Em termos de configuração referiu que era igual ao 1º andar onde a demandante e a sua mãe viviam, mas que apenas tinha uma divisão mobiliada – o escritório.

Acrescentou que quando voltou a ter acesso à casa a mesma se encontrava despojada de todo o recheio.

LR na qualidade de prima da ofendida e da arguida demonstrou ter um conhecimento mais circunstanciado de alguns factos, embora tenha procurado manter-se distante de alguns deles porquanto afirmou sempre se ter dado bem com ambas.

Afirmou desconhecer que entre as irmãs existisse até à data da morte da mãe algum problema, reiterando que aquando da sua morte ambas pernoitaram na casa dos pais e trataram conjuntamente dos assuntos relacionados com o funeral.

Foi peremptória ao afirmar que a prima L.S.S. sempre residiu com os pais ao passo que a prima F.S.S. apenas tinha residido de forma permanente naquela casa até 1982 altura em que casou e foi residir para o Canadá. Contudo, afirmou que a mesma costumava vir de férias a Portugal e que sempre que o fazia era lá que pernoitava nos dias em que permanecia em Lisboa.

Acrescentou que como a tia tinha uma casa de praia era normal a prima F.S.S. ficar em Lisboa apenas 1 ou 2 dias e depois ir para a praia, regressando a Lisboa na véspera de apanhar o avião.

No dia 5 de Novembro de 2010 recorda-se de receber um telefonema da L.S.S. a dizer-lhe que a F.S.S. lhe tinha ligado a dizer que acabara de chegar do Canadá e estava à porta de casa dos pais para entrar, solicitando-lhe para ir lá ter consigo. Quando lá chegou recorda-se de estar no local a Polícia e de a L.S.S. lhe ter dito que a F.S.S. estava dentro de casa e se recusava a sair da mesma.

Questionada sobre o motivo pelo qual sendo do conhecimento dos presentes que a ofendida residia no 1º andar o prédio e tinha documentos a comprar tal facto a polícia não conseguiu fazer com que a mesma acedesse ao interior do referido andar afirmou que, tanto quanto percebeu, a prima F.S.S. também se arrogava no direito de estar na casa e teria um documento a atestar tal facto.
Sabe que na semana seguinte a esses acontecimentos a L.S.S. foi lá a casa buscar roupa tendo sido a irmã que a deixou entrar. Tem ideia que passados alguns dias a arguida terá também deixado umas malas lá à porta com pertences da ofendida e que a mesma terá ainda lá ido a casa uma outra vez na presença de um primo de ambas.

Afirmou ser também do seu conhecimento directo que quando a demandante voltou a ter acesso à casa a mesma encontrava-se sem móveis e sem o recheio que a compunha.

Não teve dúvidas em afirmar que toda esta situação causou grande stress e sofrimento à demandante estando até convencida que o problema de pele que a mesma desenvolveu terá tido origem nervosa.

Acrescentou, ainda, ser do seu conhecimento que a herança deixada pela sua tia é composta, para além do mais, por diversos imóveis reiterando não ter ideia de até à sua morte ter havido problemas entre as irmãs.

Por seu turno a testemunha JSS confirmou, também, ter conhecimento de parte dos factos em apreço nos presentes autos porquanto na qualidade de primo direito da arguida e da ofendida estava presente na ocasião em que as fotografias que se encontram juntas aos autos foram tiradas pela sua prima L.S.S. em Novembro de 2010.

Esclareceu que se deslocou ao 1º andar da Rua ………. a pedido da sua prima F.S.S. que lhe solicitou que fosse lá ajudá-la porquanto não conseguia ter acesso à internet uma vez que a irmã, aqui demandante, lhe tinha barrado o acesso à mesma.

Na altura recorda-se que levou uma pen e esteve a efectuar a respectiva instalação, enquanto conversavam. Quando se preparava para se ausentar estranhou a prima pedir-lhe para esperar um bocadinho dentro de casa enquanto ela ia à porta ver se ele podia sair. Achou aquela conversa estranha, mas depois percebeu imediatamente o porquê da afirmação quando se apercebeu que estava do outro lado a sua prima L.S.S. a querer entrar em casa.

Apesar da situação constrangedora que se criou tentou mediar uma solução entre as duas, sendo que a L.S.S. queria entrar dentro de casa e a F.S.S. dizia-lhe que não a podia deixar entrar porque se o fizesse a irmã não a deixava lá continuar.

Após conversar com as duas conseguiu alcançar uma situação de compromisso em que a F.S.S. concordou que a irmã entrasse dentro de casa, tirasse as fotografias que entendesse desde que na sua presença. Ao serem-lhe exibidas as fotografias juntas aos autos a fls. 231 a 250 reconhece-as como tendo sido as que foram tiradas no dia que descreveu, reconhecendo-se numa delas. Acrescentou que após tirar as fotografias que quis a L.S.S. saiu, sendo do seu conhecimento que, à data, a mesma estava a residir em casa de uma prima de nome L. Contudo, também foi peremptório ao afirmar que a L.S.S. sempre residiu com os pais naquela casa.

Percorrida, ainda que de forma sumária, a prova produzida em sede de audiência de julgamento diremos que a mesma foi sopesada não só à luz das regras da experiência como também com a análise feita aos diversos documentos juntos aos autos.

Com efeito, os factos dados por provados nos pontos 1, 5, 17, 19, 21, 24, 25, 26, 34, 36, 37, 38, 42 a 48 para além de terem sido referidos por algumas das testemunhas ouvidas, que deles demonstraram ter conhecimento, encontram-se documentalmente comprovados. De entre todos os documentos juntos aos autos assumiram relevância: o teor da participação de fls. 5, cópia do Bilhete de Identidade da arguida F.S.S. (fls. 83), cópia da declaração emitida pela arguida em 1/07/2005 a favor da ofendida a fim de a mesma a poder representar junto de qualquer serviço de finanças (fls. 86), cópia de procuração outorgada pela arguida a favor da ofendida em 2/08/2006 a conceder-lhe poderes de disposição genérica sobre quota detida na sociedade “F. – Sociedade…….,Lda.”(fls. 87 e 88), cópia de procuração outorgada em 14 de Janeiro de 1999 em Montreal, no Canadá, pela arguida, envolvendo a concessão de poderes de disposição quanto ao quinhão que viesse a couber àquela por herança aberta por óbito de MNS, JNS, VNS, CSS e ASS (fls. 89), cópia da escritura de habilitação de herdeiros celebrada pela ofendida L.S.S. em 20/09/2010 (fls. 90 a 92), cópia da escritura de habilitação de herdeiros celebrada pela ofendida F.S.S. em 21/09/2010 (fls. 93 a 95), cópia do assento de nascimento da arguida F.S.S. (fls. 96 e 97), número de identificação fiscal da herança solicitado pela ofendida enquanto cabeça de casal da herança (fls. 99 e 100), factura de táxi, datada de 17/11/2010, no valor de 3,55 em nome da ofendida L.S.S. Silva (fls. 101), fotografias da central de alarme da Prossegur (fls. 135 a 137), declaração da Prossegur a atestar não pretender procedimento criminal por destruição de equipamento (fls. 146), cópia da certidão da sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar nº 447/11.7TVLSB, no âmbito da qual em 24 de Março de 2011 foi proferida sentença que determinou a restituição à exponente da posse provisória do imóvel sito no 1º andar da Rua ……… em Lisboa (fls. 218), auto de entrega do referido imóvel (fls. 230), fotografias do interior da residência tiradas após a ocorrência dos factos descritos em 5 e 6 pela ofendida (fls. 231 a 250), informação da empresa “Securitas” sobre um contrato de colocação de alarme outorgado pela arguida em 2/12/2010 (fls. 284), contrato e factura emitido pela empresa Prossegur relativo a novo contrato para colocação de alarme celebrado pela ofendida em 29/04/2011 (fls. 287), cópia da certidão da sentença, com nota de trânsito em julgado, proferida no âmbito do processo nº 2692/10.3TVLSB no âmbito da qual foi declarada a nulidade da escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela arguida F.S.S. (fls. 498), cópia do contrato de arrendamento outorgado pela ofendida relativamente ao R/C da Rua ………………… (fls. 681) e relatório clínico relativo à mãe da arguida e ofendida (fls. 684).

Assumiram, também, particular relevância os documentos juntos no âmbito do processo nº 11614/10.0TDLSB – incorporado, nomeadamente os de fls. 325 a 350 que atestam a factualidade dada por provada em 44 a 49.

Por último diremos que a ausência de antecedentes criminais por parte da arguida resulta do teor do CRC junto a fls. 865.

No que respeita à factualidade dada por não provada diremos que a mesma resultou da menor consistência ou total ausência que sobre a mesma foi feita.

No que respeita ao valor do táxi pago pela ofendida (cide fls. 101), o mesmo respeita ao dia 17/11/2010 não estando por isso directamente relacionado com os factos ocorridos no dia 5.

Relativamente aos factos potencialmente integradores por parte da arguida da prática do crime de dano escusar-nos-emos de tecer mais considerações porquanto entendemos que os mesmos resultaram contrariados desde logo pelas declarações prestadas pela assistente, nos termos já supra expostos.

Também com base no teor da prova testemunhal efectuada em julgamento diremos não ter resultado provado, em nosso entender, que a arguida tenha levado consigo todo o recheio existente na casa por forma a fazê-lo coisa sua. Veja-se que não é feita qualquer menção às mobílias de quarto (camas, mesinhas de cabeceira) facto, de resto, salientado pela testemunha Jorge Silva quando foi confrontado com as fotografias juntas aos autos.

É certo que a arguida retirou da referida casa grande parte do recheio, nomeadamente os objectos descritos no ponto 8, contudo, aquilo que foi feito do mesmo não resultou provado. Desconhecemos, porque não foi feita prova, se a arguida retirou o recheio que pertencia ao acervo hereditário por forma a que a irmã não usufruísse do mesmo de forma exclusiva, depositando-o em algum local/armazém, dado que era ela quem residia habitualmente na residência; se vendeu o referido recheio ou se levou alguns dos bens consigo para o Canadá.

A verdade é que nenhuma das testemunhas inquiridas, mesmo as que são família das duas intervenientes nos autos, foi capaz de dar resposta a estas questões nem tão pouco explicar o motivo pelo qual as duas não se entenderam; o motivo pelo qual celebraram ambas escrituras de habilitação de herdeiros com um dia de intervalo e as razões que ambas invocavam para exercer as funções de cabeça-de-casal.

Na verdade, ficámos com a convicção que, por motivos distintos, tanto a ofendida como a arguida entendiam ser a pessoa indicada para exercer as funções de cabeça de casal, desconfiando da forma de actuar uma da outra. A ofendida e demandante na qualidade de cuidadora e companhia da mãe, de uma vida inteira, entendia que nos termos da lei era a ela que cabia exercer as funções. Já a arguida entendeu que, na qualidade de filha mais velha, deveria ser ela a exercê-las.

Com efeito, sopesando toda a prova efectuada em julgamento e conjugando a mesma com as regras da experiência diremos que ao contrário do alegado pela demandante a sua iniciativa de proceder à escritura de habilitação de herdeiros na qualidade de cabeça-de-casal da herança não terá merecido o assentimento da arguida. Estamos até em crer, mais uma vez atentas as regras da lógica e da experiência e a sequência dos factos narrados, que foi esse o motivo que acarretou todas as posteriores situações de discórdia.

Veja-se que as escrituras de habilitação foram outorgadas com 1 dia de diferença, sendo certo que após as realizarem ambas deram conhecimento do facto uma à outra.

Também só assim se compreende o motivo pelo qual a arguida que sempre que vinha a Portugal ficava em casa dos pais, situação que aconteceu de resto por ocasião do funeral da mãe, deixa após realizar a referida escritura de conseguir entrar na referida casa. Ou seja, a partir do momento em que quis assumir as funções de cabeça-de-casal a ofendida L.S.S. entendeu que a arguida não teria direito a pernoitar e ficar em casa dos pais, daí nunca lhe ter dado as chaves da residência e o código de acesso do alarme que, como admitiu, decidiu instalar.

Também só por este motivo se compreende que no dia 5 de Novembro de 2010 a ofendida tenha ligado à sua prima a dar conta que a irmã estava em Portugal e queria aceder à casa, como se tal situação fosse um direito que lhe estaria vedado, como essa também é a razão que explica que para poder permanecer na casa a arguida tenha que ter “inventado” um motivo para a irmã lhe abrir a porta da residência por uma segunda vez e se tenha fechado na mesma.

Quanto a esta questão também não poderemos ignorar que a demandante se quisesse não teria que ter forçosamente recorrido à casa de um familiar para pernoitar, uma vez que tal como resultou provado a mesma tinha à sua inteira disponibilidade um apartamento em tudo idêntico à casa dos pais (era arrendatária de um imóvel situado no R/C do mesmo prédio pertença da herança, conforme resulta do contrato junto aos autos). É certo que foi referido pelas testemunhas que o mesmo não se encontrava mobiliado, mas nada impedia que a demandante o tivesse passado a habitar.

Não queremos com o exposto tomar posição sobre a quem, nos termos da lei, cabia ou não desempenhar as funções de cabeça-de-casal da herança aberta por morte da mãe de ambas nem tão pouco avaliar se as decisões que tomaram estavam ou não compreendidas nos poderes conferidos nos termos da lei ao cabeça-de-casal e que, consequentemente, cada uma decidiu exercer. Contudo, aquilo que foi a convicção do tribunal foi que ambas actuaram na convicção que seria a si que caberia desempenhar as funções de cabeça de casal e administrar a herança.

Por outro lado, a leitura atenta da escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada pela arguida F.S.S. no dia 21 de Setembro de 2010 permite desde logo constatar que nunca a arguida declarou que à data da morte da mãe (13/09/2010) residia na Rua ……………... Aquilo que consta da referida escritura é a identificação da arguida, atestada pelo seu documento de identificação, in casu BI, e menção de que declarou nessa data – 21/09/2010 – residir na Rua …………………...

A leitura deste concreto facto não permite, em nosso entender, concluir como parece ter sido feito em sede de acusação pública que a arguida não só declarou que à data da morte da mãe residia com ela na Rua ………….. como era por esse facto a cabeça-de-casal da herança.

Em primeiro lugar para a lei não basta a pessoa encontrar-se a residir à data da morte do autor da herança com este para automaticamente ser cabeça de casal da herança (vide artigo 2080º, nº3 do CC). Por outro lado, tal facto não é relevante para efeitos do acto de outorga da referida escritura pública nem para a qualidade de cabeça de casal que na mesma é atestada.

Caso houvesse acordo entre a arguida e a demandante em ser a primeira a assumir as funções de cabeça-de-casal, na qualidade de filha mais velha, a circunstância da demandante ter residido e cuidado da mãe uma vida inteira não seria motivo para não poder ser outorgada a referida escritura; mais, não cabe ao notário inteirar-se da situação de facto em que se encontrava o autor da herança e os respectivos herdeiros.

Bastará analisar a escritura de habilitação de herdeiros outorgada pela própria ofendida/demandante para se perceber que não consta que a mesma se arrogue da qualidade de cabeça-de-casal por ter sido a cuidadora da mãe ou a pessoa com quem ela residiu de facto no seu último ano de vida.

Por outro lado, se a arguida quisesse invocar o local da sua residência como facto jurídico relevante para a condição de se intitular cabeça-de-casal da herança aberta pelo óbito da mãe não teria certamente procedido à sua identificação com base no Bilhete de Identidade onde expressamente consta que reside no Canadá (vide fls. 83). É verdade que da referida escritura consta que a arguida na data da escritura referiu residir na Rua …………, local onde efectivamente residia sempre que se encontrava em Portugal como era o caso, mas também se refere que exibiu o seu Bilhete de Identidade onde consta expressamente como residente no Canadá.

Deveria o notário não ter aceite a referida declaração; deveria ter feito constar a residência aposta no Bilhete de Identidade ou ter exigido qualquer outro documento complementar que atestasse a residência da arguida na Rua …………. São tudo questões que podem ser colocadas mas que conjugadas com os aspectos salientados nos fazem concluir não ter ficado provado, com a certeza que se impõe em sede criminal, que a arguida declarou que à data da morte da sua mãe residia com a mesma na Rua ……………… ou sequer que, conscientemente, declarou factos que sabia não corresponderem à verdade por forma a alcançar um beneficio a que sabia não ter direito.

Com efeito, entendemos não ter resultado provado que a arguida sabia não lhe poder incumbir a si o cargo de administração da herança até à sua liquidação e partilha. Mais uma vez dizem as regras da experiência comum que se a arguida soubesse que nos termos previstos legalmente apenas poderia desempenhar as funções de cabeça-de-casal a filha que residisse durante o último ano com a mãe à data do seu falecimento não iria, como inequivocamente foi, outorgar uma escritura apresentando documento de identificação pessoal que atestava que era residente no Canadá. Se a residência efectiva à data da morte do autor da herança fosse o critério legal para alguém se poder arrogar como cabeça-de-casal de uma herança tal facto teria que ser obrigatoriamente validado e atestado o que não acontece.

A questão da outorga das escrituras de habilitação de herdeiro feita tanto pela arguida como pela demandante a que acrescem as demais considerações já tecidas levam-nos a concluir que a situação retratada nos autos reveste um carácter manifestamente civil mas não criminal. Estamos perante diferentes interpretações do exercício de direitos, eventuais excessos no seu exercício, mas não de actuações que preencham os elementos subjectivos dos crimes de dano, furto qualificado, violação de domicílio ou de falsificação de documento.

Da análise de toda a prova produzida em audiência de julgamento e constante dos autos, concluímos não ter resultado provado que a arguida tivesse actuado com o propósito de subtrair bens que sabia não lhe pertencerem; que tenha entrado e permanecido na residência sita na Rua ………….. com o propósito de se introduzir da residência pessoal da ofendida.

A arguida nunca negou o acesso à demandante aos seus bens pessoais, nem tão pouco quis subtrair os bens da herança para deles não ter que prestar contas; estamos em crer que se o quisesse fazer não tinha deixado a demandante entrar dentro de casa e fotografar tudo aquilo que quisesse por forma a documentar todo o recheio que se encontrava na referida casa.

Veja-se que a actuação da arguida foi sempre pública e efectuada a coberto daquilo que a mesma, bem ou mal com excessos ou não, voltamos a frisar, entendeu ser o exercício de um direito.

Do acervo da prova documental junta aos autos resulta que, em profundo desacordo acerca da forma como deveria ser administrada a herança deixada pela sua mãe, a divisão dos frutos que a mesma ia gerando ou tinha gerado até à data da sua morte, tanto a ofendida como a arguida chamaram a si a administração da referida herança arrogando-se da qualidade de cabeça-de-casal e omitindo tal facto a terceiros.

Ambas sabiam das escrituras públicas outorgadas respectivamente nos dias 20 e 21 de Setembro de 2010 e ambas omitiram esse facto de terceiros apesar de saberem que se encontravam em desacordo quanto ao exercício de tal cargo.

Veja-se a título de exemplo os factos alegados pela demandante no âmbito da providência cautelar de restituição da posse que correu termos sob o número 447/11.7TVLSB. Em nenhum momento a aqui demandante, aí requerente, menciona o facto de a arguida, aí requerida, ter outorgado a escritura pública de habilitação de habilitação de herdeiros na qualidade de cabeça-de-casal.

A quem nos termos da lei caberia tal função; quais os direitos e deveres que cada uma das intervenientes tinha à data da morte da mãe são tudo questões que obviamente eram motivo de discórdia entre as duas mas que não cumpre ao direito penal tutelar, mas sim ao direito civil.

Relativamente à subsunção jurídica, a sentença recorrido ponderou os seguintes aspectos com pertinência para a apreciação e boa decisão das questões suscitadas pelos Recorrentes:

Do crime de furto qualificado.
Encontra-se, nos termos da acusação deduzida, a arguida  F.S.S. acusada da prática, para além do mais, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203º, nº1 e 204º, nº2 alíneas a) e e) do CP.
Estamos aqui perante a definição pelo legislador de elementos que determinam a qualificação do tipo matricial definido no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Vejamos.
O artigo 203º, nº1 do CP, estabelece que: “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 2º Volume, 1997, pág. 424, esclarecem que o tipo objectivo de ilícito do crime de furto simples é composto por dois elementos:
1– a subtracção
2– que a mesma incida sobre uma coisa móvel alheia.

Por sua vez, José António Barreiros, in “Crimes Contra o Património”, Universidade Lusíada, pág. 22, refere que a subtracção consiste na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou dispor dele e a substituição desse poder pelo do agente.

Quanto à noção de coisa móvel alheia, esclarecem Leal Henriques e Simas Santos que a mesma corresponde, para efeitos penais, a toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, mas juridicamente relevante.

Especificamente a definição de coisa móvel é dada pelo direito civil, preceituando o art. 205º, do CC, que reveste essa natureza a coisa que integre uma situação de exclusão de partes em relação às coisas imóveis, estas elencadas no artigo 204º, do mesmo diploma, como esclarece Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 12ª edição, pág. 616. Por sua vez, Faria Costa, in ob. cit., pág. 41, será alheia toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção.

Dispõe, ainda, o artigo 204º, nº2 alíneas a) e e) que quem furtar coisa móvel alheia de valor elevado e/ou penetrando em habitação, ainda, que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Por sua vez, o artigo 202º alíneas a) e e) do CP prescreve que por valor elevado se entende aquele que ascenda a 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto e que por arrombamento deve entender-se o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente.

Analisados os elementos do tipo de crime de que a arguida vem acusada, cumpre confrontar a factualidade provada com o mesmo.
No caso em apreço, temos como provado que arguida arrogando-se da qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta pelo óbito da sua mãe, outorgou uma escritura pública de habilitação de herdeiros e após se ter introduzido na residência sita na Rua …………. andar, casa onde a sua mãe residiu e a sua irmã residia, dali retirou pelo menos parte do recheio composto pelo acervo da herança, nomeadamente os objectos descritos no ponto 8 da factualidade dada por provada.

Não resultou, contudo, provado que a arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida; ou que tenha retirado da referida residência os bens elencados em 8 para os levar consigo, para se apropriar deles, fazendo-os coisa sua. Desconhece-se o destino dos referidos bens.

Decorre do exposto que estava em causa a eventual apropriação de bens (bens móveis que compunham o recheio da casa de morada de família da falecida mãe da arguida e da ofendida) que fazem parte integrante da herança aberta por óbito de ALS que deixou como herdeiras as duas filhas, a assistente e a arguida.

Não estando em causa que por morte da mãe têm ambas direito ao património da herança aberta pelo referido óbito, há que considerar no entanto que, enquanto a herança se mantiver indivisa, nenhum dos herdeiros detém qualquer direito sobre bens certos ou determinados da herança, ou mesmo sobre qualquer quota-parte de cada um.

A herança, enquanto indivisa, é encarada pela lei como património autónomo de afectação especial (independentemente de se tentar determinar, nesta sede, qual a verdadeira natureza jurídica da herança: património autónomo, universalidade de direito ou situação jurídica complexa), termos em que adquirindo os herdeiros, pela aceitação, o domínio e a posse do conjunto dos bens que integram esse património autónomo, conforme estabelece o artigo 2050°, do Código Civil tal não confere a nenhum dos herdeiros qualquer direito próprio sobre qualquer bem concreto específico que a integre.

Um património autónomo pertence em bloco ao correspondente conjunto das pessoas: individualmente nenhum dos sujeitos tem direito a qualquer quota ou fracção; o direito sobre a massa patrimonial em causa cabe ao grupo no seu conjunto. Daí que nenhum dos membros da colectividade, titular do património colectivo, possa alienar uma quota desse património ou possa requerer a divisão, enquanto não terminar a causa geradora do surgimento do património colectivo (sobre este ponto concreto, cfr., por exemplo, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, págs. 224 a 226, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 235 e seguintes, e Heinrich Ewald Hordster, A Parte Geral do Código Civil Português, págs. 190 a 199).

Voltando ao caso em análise, temos que enquanto titulares de um direito à herança assim entendida, ou seja, enquanto titulares em comunhão do património autónomo que a mesma constitui, o direito que à ofendida L.S.S. e à arguida  F.S.S. assistia era apenas o direito a uma quota hereditária do mesmo, uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção fosse integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar, desconhecendo-se qual a concretização desse direito hereditário, enquanto a universalidade de bens que integra esse património não for partilhada.

Só com a partilha é que os direitos dos herdeiros a uma determinada quota do património hereditário se convertem num direito a uma concreta parcela desse património (cfr. 2119°, do CC), só então os herdeiros podem ficar a ser proprietários ou comproprietários de determinado bem da herança.

De todo o exposto retira-se que enquanto uma herança se mantiver indivisa os herdeiros são apenas titulares de uma quota ideal correspondente ao seu quinhão hereditário e não de qualquer bem concreto ou específico que faça parte do acervo hereditário.
Tal entendimento não deixa qualquer dúvida, sendo acolhido sem controvérsia na doutrina e jurisprudência, sendo disso demonstrativo entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/09, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário, se refere: “…a comunhão hereditária, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

V– Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.
VI– Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas.
VII– Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “.
VIII– Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
IX– Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”.
Assim, no caso de uma sucessão mortis causa, ou seja, de uma herança, é entendimento pacífico que esta, antes da partilha, constitui uma universitas juris, um património autónomo, com conteúdo próprio. Até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança sendo que cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da herança e não a bens certos e determinados.

Como escreveu Rabindranath Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, pág. 185), “nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a realização da partilha, uma vez que até aí a herança indivisa constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota-parte do património hereditário”.

No mesmo sentido, parece ir o pensamento do Prof. Pereira Coelho (Direito das Sucessões, 2ª ed., 1966-1967), quando esclarece que “não se trata de uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens certos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si considerada”.

Desta forma, assentando em que nenhum herdeiro tem na indivisão da herança qualquer direito sobre qualquer bem específico concreto que dela faça parte (os herdeiros, repete-se, enquanto não se proceder à composição e à adjudicação dos quinhões, são apenas titulares de um direito à herança entendida como universalidade de bens ou património autónomo - de que lhes cabe tão só, em abstracto, uma quota parte, uma quota ideal - e não de qualquer direito sobre os bens que em concreto as integram,), ou a fracção de cada um deles correspondente à sua quota (a herança indivisa, repete-se também, constitui um património autónomo onde existe uma comunhão de tipo romano, com repartição da massa patrimonial entre os herdeiros por quotas ideais e em que estes não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários) não podemos - convocando aqui o conceito de coisa alheia, que nos é dado pelos princípios, categorias e normas da lei civil, e a finalidade da norma sancionatória a considerar - deixar de concluir que no caso concreto em apreço, poderíamos estar efectivamente perante uma apropriação de bens alheios por parte da arguida  F.S.S. que preencheria todos os elementos típicos objectivos do crime de furto.

Para o direito civil inclui-se no conceito de coisa alheia - toda a coisa que pertence, pelo menos em parte, a outra pessoa que não o agente.

Coisa alheia para efeito do crime de furto é aquela que não pertence ao agente ou que lhe não pertence em exclusivo, sendo que o bem jurídico protegido no artigo 203°, do CP, é o património, entendido como o complexo de relações jurídicas tituladas pelo(s) sujeito(s), e versa sobre coisas úteis, ou seja, susceptíveis de satisfazer necessidades humanas, materiais ou espirituais.

Tutela-se a disponibilidade da fruição das utilidades das coisas, acautelando-se a sua ilegítima agressão. Ora, “a fruição da utilidade dos bens” que integram a herança indivisa, não cabendo “a um único titular de interesses”, não está adstrita a qualquer dos co-herdeiros.

Tais bens encontram-se “afectos a mais do que um centro de imputação de direitos”, sendo essa afectação feita em termos de quota ideal relativamente à unidade patrimonial autónoma que congrega os bens concretos do de cujus.

Em tais termos consideramos configurar a apropriação por parte do titular/agente a quem nenhum desses bens pertence, (detendo tão só a titularidade de quota ideal do património autónomo que os congrega) mas que deles se aproprie e disponha, fazendo-os seus, crime de furto.

Não obstante, e pese embora o exposto, a verdade é que no caso em apreço apenas resultou provado que a arguida retirou da casa dos pais os bens descritos no ponto 8, não tendo resultado provado que os vendeu ou deles se apropriou no sentido de os sonegar à herança.

Como já referimos ficámos com sérias e inultrapassáveis dúvidas acerca da actuação da arguida, mormente se não teria a mesma querido apenas subtrair da disponibilidade exclusiva da ofendida tais bens. Dúvidas não restam de que era a ofendida quem vivia na casa de morada de família com a mãe de ambas; também não ficámos com dúvidas que não se entendiam relativamente à administração dos bens que compunham a herança e que a ofendida entendia que a referida casa era o seu domicílio pessoal e que, como tal, a irmã já não teria direito a lá pernoitar.

A verdade é que a arguida retirou do interior da referida casa os objectos descritos no ponto 8 após deixar a sua irmã L.S.S., aqui ofendida, aceder ao interior da casa e fotografar todo o seu recheio, termos em que entendemos não ter resultado provado, com a certeza que se impõe, que a mesma se tenha apropriado dos referidos bens ou que os tenha querido sonegar ao património da herança, termos em que irá absolvida da prática do crime de furto.

Do crime de violação de domicílio.
Encontra-se, nos termos da acusação deduzida, a arguida  F.S.S. acusada da prática, para além do mais, de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º nºs 1 e 3 do CP.
Dispõe o referido preceito legal que:
“1– Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2– Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel.
3– Se o crime previsto no n.º 1 for cometido de noite ou em lugar ermo, por meio de violência ou ameaça de violência, com uso de arma ou por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa, ou por três ou mais pessoas, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

A acção típica prevista compreende duas modalidades de conduta: i)- a entrada sem consentimento – pressupondo a entrada física ou corporal do agente na habitação, embora não necessariamente a entrada total, sem o consentimento (e não apenas, mais restritamente, contra a vontade) daquele a quem assiste o domínio e a disposição daquele espaço; ii) a permanência depois de ser intimado a retirar-se – pressupondo uma introdução e permanência em princípio lícitas, que se tornam ilícitas a partir da intimação a retirar-se, que tendo que resultar concludente, não tem de ser necessariamente expressa ou sequer provir do portador concreto do bem jurídico.

Devem aqui tratar-se como habitação todas as divisões pertinentes a uma casa de habitação, como o sejam, por ex., o hall, corredores, casas de banho, casas de máquinas e outras, assim como os espaços fechados a ela associados e nela fisicamente integrados, como o sejam, por ex., garagens, ginásios, saunas.

A concordância do portador do bem jurídico afasta a responsabilidade do agente a título de violação de domicílio, em qual das duas modalidades supra referidas.

Conforme salienta Manuel de Andrade, “Há casos em que a habitação pertence em comum a várias pessoas (v.g. cônjuges, membros da mesma família, dois estudantes que partilham o mesmo quarto, etc.). O princípio é aqui a igualdade tanto no plano interno como externo: o consentimento de qualquer um dos titulares será bastante para – só por si mesmo com a oposição de outro ou outros – legitimar a entrada de terceiro.”, acrescentando que “Só assim não será quando não seja exigível impor aos demais co-titulares do direito que suportem a entrada ou permanência de terceiro”, citando como exemplo o caso de um cônjuge, contra a vontade do outro, impor a entrada no domicílio do amante, e salientando que só deverá considerar-se preenchida a factualidade típica se a oposição à entrada de terceiro (por parte do co-titular do direito) for expressa e exteriormente reconhecível, não bastando a mera falta de consentimento (Cfr. o autor cit. in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, p. 705).

No que ao tipo subjectivo concerne, estamos perante um tipo de ilícito doloso, bastando-se o seu preenchimento com o dolo eventual e reclamando na primeira modalidade o conhecimento pelo agente de que se está a agir sem consentimento e na segunda modalidade o conhecimento da intimação para se retirar.

No n.º 3 do artigo 190.º do Código Penal, prevêem-se circunstâncias que integram a forma qualificada deste ilícito, a qual se preenche quando se verifique que o crime foi cometido: com o uso da violência; com a ameaça de violência; de noite ou em lugar ermo; como uso de arma; por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa; por três ou mais pessoas.

Tendo presente o supra exposto e no seu confronto com a factualidade dada por provada, importa desde logo concluir que a conduta da arguida  F.S.S. não preenche, um dos elementos do tipo base do crime de violação de domicílio, posto que conforme resulta demonstrado a habitação em causa nos autos integra a comunhão hereditária de bens da arguida e da assistente, tendo constituído a casa de morada de família da mãe de ambas, a residência da arguida no passado, constituindo residência da assistente desde sempre.

A decisão da arguida de sair da casa da mãe a dado momento da sua vida, mormente quando casou e foi residir para o Canadá, não significa que tenha abdicado do direito de a habitar ou usufruir, não sendo a mesma uma terceira em relação a tal imóvel.

Afigura-se-nos que no dia 5 de Novembro de 2010 ao chegar a Lisboa e ao pretender aceder à referida residência a fim de lá pernoitar, como de resto fazia habitualmente quando se deslocava a Portugal de férias, a arguida não exerceu um abuso sobre a coisa, mas antes exerceu um direito tão legítimo quanto o que exercia a assistente ao ali residir e ao unilateralmente possuir o código do alarme de intrusão e entender que não poderia a sua irmã ter acesso à residência da mesma forma que a sua.

É certo que após entrar na aludida residência com a anuência da ofendida, que lhe abriu a porta e desligou o alarme, a arguida não permitiu que a ofendida que ali também tinha a sua residência entrasse, antes lhe vedando o acesso com a substituição da fechadura. Não obstante, a verdade é que apenas o fez porquanto a ofendida entendia que não lhe assistia o direito de lá pernoitar.
Mais uma vez reiteramos que, em nosso entender, os comportamentos assumidos pela arguida por todo o contexto de litígio em que ocorreram não assumem dignidade penal mormente porque resulta da prova efectuada em julgamento que a arguida não agiu com o propósito de violar a intimidade ou privacidade da ofendida; não quis invadir o domicílio ou a residência da sua irmã. A arguida quis somente usufruir da casa dos seus pais nos mesmos termos em que sempre o havia feito, sendo certo que tal fruição sempre se mostrou compatível com a circunstância da ofendida ter ali a sua residência permanente.

Do crime de dano.
Dispõe o artigo 212º, nº1 do CP que “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

O bem jurídico tutelado neste crime é, sobretudo, a propriedade plena sobre a coisa danificada (neste sentido, Prof. Costa Andrade, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo II, Coimbra, 1999, pág. 212).

Tal como referido no Acórdão da RC, de 30/11/2005 (disponível in www.dgsi.pt), “A propriedade, enquanto específico bem jurídico-penal (fundado na tutela constitucional do direito de propriedade, inerente ao artigo 62º da CRP), deve ser considerada como uma relação de exclusividade entre a pessoa e a coisa, de que resulta um direito à integridade desta última, abrangendo três dimensões essenciais: substância, utilizabilidade e valor estético, posta em causa pelas condutas previstas no crime de dano.

No dano simples, esta relação entre o proprietário e a coisa é afectada através da intervenção de um terceiro sobre a coisa, que deixa de ter a mesma função instrumental para o seu titular. O proprietário vê coarctados os seus direitos sobre a coisa, sofrendo uma intromissão de estranhos na relação com esta (…). Como se alcança da mera enunciação formal da lei, estamos perante uma figura típica bastante dúctil, que sanciona várias formas (mais ou menos “extremas”:destruição, danificação, desfiguração ou inutilização) de afectação da relação do dominus com a coisa”.

Tal como referido no AC da RC de 19/03/2003 (www.dgsi.pt) são elementos do tipo objectivo deste ilícito: o objecto da acção “coisa alheia”, sendo que deve entender-se a corporeidade (coisificação) no sentido de dever tratar-se de coisa materialmente apreensível ou, de qualquer forma, exposta à acção (destruidora ou modificativa) do homem; a coisa terá que ter algum valor e a conduta lesiva tem de se revestir de algum relevo, para que o facto atinja o limiar da dignidade penal.

Por outro lado, a qualificação da coisa como alheia é determinada pelos princípios da lei civil, excluindo-se as coisas insusceptíveis de apropriação, as rei nullius, as coisas próprias. Do elemento objectivo faz ainda parte a acção de destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável.

Quanto ao elemento subjectivo haverá a destacar o facto de o crime dano só ser punível a título de dolo (sendo bastante o dolo eventual), cfr. o disposto no artigo 13º do CP; a prática deste tipo de ilícito exige, assim, que o agente saiba que a coisa não lhe pertence (nisto se traduzindo o elemento intelectual do dolo), a par da vontade (mais ou menos intensa consoante a modalidade directa, necessária ou eventual do dolo, cfr. artigo 14º do CP), pelo mesmo agente, de praticar conduta conducente a um dos resultados previsto no tipo (elemento volitivo do dolo); acrescendo a óbvia consciência da ilicitude da conduta perpetrada (elemento intelectual do dolo).

No caso em apreço, não tendo resultado que a arguida  F.S.S. no dia 5 de Novembro de 2010 tivesse destruído a fechadura da porta da residência sita no 1º andar da Rua ………………. por forma a conseguir aceder ao seu interior, dúvidas não restam de que não se encontram sequer preenchidos os elementos objectivos do ilícito em análise.

Do crime de falsificação de documento.
Encontra-se a arguida  F.S.S. pronunciada, para além do mais, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1 alínea d) e nº3 do CP, por referência à alínea a) do artigo 255º do mesmo diploma legal.

Segundo o disposto no artigo 256º do CP “1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a)- Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b)- Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c)- Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d)- Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; (sublinhado nosso)
e)- Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f)- Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

Acrescenta o seu n.º 3 que “Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.”

Quanto ao que se deve entender por documento, prevê o artigo 255º alínea a) que se trata de toda a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente, e bem assim, o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.

O crime de falsificação de documento encontra-se previsto no título relativo aos crimes contra a vida em sociedade, sendo considerado um tipo de crime a “meio caminho entre os crimes contra os bens colectivos e os crimes patrimoniais” cfr. Figueiredo Dias, Actas 1993, 297.

O bem jurídico protegido com a criminalização da falsificação de documento é a respectiva fé pública: pretende-se salvaguardar o sentimento geral de confiança que devem revestir os documentos.
O crime de falsificação de documento é um crime formal ou de mera actividade já que não exige a violação do bem jurídico que pretende salvaguardar.

No plano objectivo, o crime de falsificação comporta diversas modalidades de conduta: a) fabricar documento falso; b) falsificar ou alterar documento; c) abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e, por fim, e) usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa Helena Moniz, Comentário conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 682.

No que aos elementos subjectivos do tipo respeita, o crime de falsificação é um crime intencional, pois o arguido tem de agir com o intuito de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.

No caso dos autos, e relativamente à arguida  F.S.S. provou-se que outorgou uma escritura pública de habilitação de herdeiros, declarando outorgar a mesma na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da sua mãe. Fê-lo procedendo à sua identificação através da exibição do seu Bilhete de Identidade, juntando a documentação necessária para o efeito e afirmando residir na Rua ……………….. em Lisboa.

Pelos motivos expostos aquando da fundamentação de facto que, por razões de economia processual nos escusaremos de repetir, entendemos que a conduta da arguida não preenche os elementos objectivos e/ou subjectivos do crime de falsificação de documento.
Na verdade, o facto de a arguida  F.S.S. ter dito, na data em que celebrou a referida escritura (21/09/2010), residir na Rua …………….em Lisboa não constituiu, em nosso entender, um facto juridicamente relevante para efeitos da referida escritura pública.

A arguida apresentou, tal como decorre do referido documento, o seu bilhete de identidade onde expressamente consta que reside no Canadá, termos em que não ficou demonstrado que tenha agido com o propósito de omitir a sua residência habitual e permanente ou de utilizar aquela informação (residência em que pernoita sempre que se encontra em Portugal) ciente de que a mesma era juridicamente relevante para o propósito que pretendia alcançar – outorgar a escritura pública de habilitação de herdeiros da mãe na qualidade de cabeça-de-casal.

Veja-se que caso a arguida tivesse somente apresentado o seu documento de identificação e declarado não o local da sua residência quando se encontra em Portugal, mas a sua residência permanente – a morada no Canadá, tal não obstaria a que a que a escritura pública fosse por si outorgada na qualidade de cabeça-de-casal.

Assim, por falta de preenchimento do elemento subjectivo do ilícito em apreço entendemos que deverá a arguida ser absolvida da prática deste crime.

1.– Violação do dever de fundamentação (nulidade do art. 379º nº 1 al. a), por desrespeito do disposto no art. 374º nº 2 do Código de Processo Penal)
Invocando também o disposto no art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a Recorrente Assistente questiona a existência de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo na fundamentação da decisão recorrida.
Tanto quanto resulta da motivação e das conclusões porque resultou provada a prática, pela arguida da quase integralidade de factos denunciados pela Assistente através da prova produzida em audiência de julgamento e da que foi carreada para os autos durante a investigação “não competindo ao Tribunal aduzir juízos de valor mas aplicar a Lei aos factos” e impondo-se uma decisão diversa da tomada que não se baseasse “essencialmente, nas convicções filosóficas e princípios individuais de apreciação e decisão, e não teve em consideração a própria factualidade perpetrada pela arguida e resultados da sua conduta”.
*

A sentença tem uma dupla função (i) endoprocessual, já que se “...constitui um instrumento de racionalização técnica da actividade decisória do tribunal, com um triplo objectivo: fornecer ao juiz um meio de auto-controlo crítico; «convencer» as partes; e garantir ao tribunal superior, em caso de recurso, um melhor juízo sobre a decisão da primeira instância”; e, (ii) extraprocessual, pois se assume como um “...instrumento para o controlo extraprocessual e geral sobre a justiça, controlo exercido pelo povo, já que é em seu nome que a justiça é administrada”, “...indispensável para o controlo democrático da administração da justiça”[3].

Nessa medida, “o dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação (…) visa justamente tornar possível o controlo (…) da decisão…”[4].

Também a fundamentação insuficiente, gera nulidade da sentença, posto que uma decisão parcialmente fundamentada tem de ser entendida como não fundamentada, consabido que inexiste meia fundamentação, tal como inexiste meia comunicação[5].

Seguindo de perto os ensinamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.1.2014[6], dir-se-á que o dever de fundamentar as decisões judiciais mostra-se plenamente observado quando a decisão recorrida assenta num amplo leque de provas, desde a documental, testemunhal, à pericial e por reconhecimento, a que se associam e conjugam, interagindo, meios de obtenção de prova (enquanto instrumentos técnico-processuais, que em situações específicas, quanto ás escutas, em caso de crimes de catálogo, e segundo critérios de estrita necessidade, proporcionalidade e adequação podem permitir ás autoridades de investigação a informação sobre circunstâncias, factos ou elementos que lhes possibilitem a procura ou a mais fácil descoberta da verdade material, como fontes de prova) deles se servindo para, depois de lhes atribuir o valor que merecem e repudiando, em valoração subsequente, o que não comportam, fixar em definitivo, os factos relevantes à decisão da causa, sem deixar de pôr, portanto a descoberto o processo lógico-racional que norteou o tribunal. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara. Por isso a fundamentação decisória deve reconduzir-se a uma exposição tanto quanto possível completa, porém concisa das razões de facto e de direito -art.º 374.º n.º 2, do CPP - evitando uma alongada reprodução da matéria de facto, exigindo-se só um trabalho de síntese, de selecção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, à exaustão das fontes em que o julgador se ancorou. Nos termos do art.º 374.º n.º 2, do CPP, a exigência de um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção probatória, de valoração livre, porém racional, à margem do capricho do julgador, mas objectivada e apoiada num processo lógico que inteligencia o material recolhido, atentando nas regras da lógica, da experiência comum, ou seja daquilo que comummente sucede, e que, como ser socialmente integrado, aquele deve ter presente, sopesando a valia das provas e opondo-lhe o seu desvalor, face ao que fará a opção final. Esta opção final deverá proporcionar fácil compreensão aos destinatários directos e á comunidade de cidadãos, que espera dos tribunais decisões credíveis e justas.
No momento em que se aprecia a nulidade da fundamentação da sentença por omissão ou insuficiência do exame crítico da prova não se cuida de emitir uma posição de concordância ou discordância com o raciocínio expendido e com a opção final tomada mas, apenas, com a análise da exposição apresentada nas vertentes da sua completude e da compreensibilidade - com suficiência e clareza – do processo lógico-racional seguido. Diversamente, a apreciação da correcção desse juízo fundamentador da convicção do julgador, será efectuado quando se analisar a impugnação da matéria de facto e/ou a existência dos vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal.
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Analisado o exame crítico efectuado e tendo em atenção que esse exame “não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência”[7], afigura-se não ser exigível maior detalhe no sentido dos depoimentos prestados em julgamento do que o constante da motivação.

O acórdão recorrido procede à sumarização dos pontos essenciais das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, analisando-os, apreciando a sua credibilidade e esclarecendo com base em regras de experiência e até com base em partes perfeitamente identificadas da declarações da assistente, porque é que considerou que a conduta da arguida (ausente no estrangeiro e sem acesso directo aos bens da herança) se deveu e terá sido até despoletada pelo comportamento da própria assistente, insistindo em ser cabeça de casal e não lhe permitindo pernoitar na casa que fora da mãe e que fazia parte do acervo de bens da herança de ambas (provocando uma reacção ao que pode ser interpretado como a criação de um impedimento à fruição até do seu quinhão hereditário).

Explica as razões porque é que entende que não se verificam todos os elementos dos tipos de ilícitos de que a arguida vinha acusada, remete ambas as irmãs, assistente e arguida, para os meios cíveis, sendo óbvio o funcionamento do princípio in dubio pro reo na apreciação crítica da prova.

Salvo o devido respeito, aquilo que a Recorrente Assistente considera como a adução de juízos de valor baseados em convicções filosóficas e princípios individuais de apreciação e decisão que não competem ao Tribunal, o qual se devia limitar a aplicar a Lei aos factos corresponde exactamente ao exercício constitucionalmente imposto de apreciação crítica da prova que, aliás, foi efectuado proficientemente.

In casu, é evidente que o tribunal a quo, com base nas regras da experiência e recorrendo a juízos lógico-dedutivos que tomaram em consideração que estava em causa um conjunto de comportamentos imputados à irmã da assistente, por causa de bens de herança jacente de que são as únicas herdeiras, em ambiente de conflitualidade crescente. Por isso, os raciocínios relativos aos contornos do facto e aos seus elementos subjectivos exigiam um especial cuidado e não podiam seguir a linearidade que se poderia aceitar se não ocorresse este complexo relacional envolvendo assistente e arguida.

Ao contrário do alegado, é notória a preocupação de expor de forma clara e completa o raciocínio lógico-dedutivo subjacente à convicção formada pelo tribunal a quo, com base nas provas produzidas, explicando a razão da conclusão a que chegou, com especial enfoque quando interpretou a prova de forma diferente daquela a que uma leitura linear, básica e menos atenta poderia levar.   
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A nulidade arguida teria de resultar da decisão recorrida e não pressupõe a prévia análise da prova produzida. Do exposto resulta que não ocorrem as nulidades arguidas. Questão diversa, que só poderá ser apreciada a propósito da apreciação do recurso sobre a matéria de facto, é a de saber se ocorreu erro de julgamento ou erro notório na apreciação da prova.

2.– Impugnação da matéria de facto.
O Recorrente Ministério Público manifesta o propósito de impugnar a matéria de facto através da sua impugnação ampla, a que se refere o artigo 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, respeitando os requisitos a que deve obedecer a impugnação ampla da matéria de facto (ónus de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e das concretas razões de discordância, com especificação das provas que impõem decisão diversa da recorrida).
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Traçando os contornos gerais do regime de apreciação da impugnação ampla da matéria de facto dir-se-á que “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”[8].

No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme dos Tribunais da Relação: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”[9].

Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se estiver alicerçada apenas na diferente convicção dos Recorrentes sobre a prova produzida. 
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[10].

Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”[11].

Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias[12] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.

É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.

Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.

O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova[13].

Assim, ao tribunal de recurso cumpre verificar se o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum[14], todavia sem esquecer que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.

No que diz respeito à intenção do arguido, conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira[15], se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...

Por isso, importa recorrer a regras de experiência para se aferir ou não da intenção criminosa e da consciência da ilicitude e para extrair os elementos confirmativos da sua verificação da matéria fáctica dada como provada.
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Relembrados estes princípios na análise do recurso sobre a matéria de facto, vejamos, então, a prova produzida[16].
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Estão impugnados pelo Ministério Público alguns factos provados (factos 6, 8, 10, 12, 13, 14 e 23), e quanto a factos não provados, quer na parte em que deu como não provado que a arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida e que se tenha apoderado dos bens descritos em 8 dos factos provados, fazendo-os coisas suas, quer quando dá como não provado que a arguida, ao exarar a escritura de habilitação de herdeiros, soubesse que não correspondia à verdade o que declarou e ainda quando o tribunal dá como não provados os factos atinentes ao elemento subjetivo do crime de furto, do crime de violação de domicílio e do crime de falsificação. 

Vejamos.

O Recorrente limita-se a referir pequenas partes das declarações da Assistente e das testemunhas LR, CM, JC e JS para fundamentar a sua divergência em relação à decisão recorrida.

Porém, como resulta da análise da parte do acórdão designada “convicção do tribunal”, apenas uma análise atenta de todos os depoimentos permite a este tribunal apreciar se a censura efectuada pelo Ministério Público assenta na violação de qualquer dos passos para a formação da convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção ou se o Ministério Público apenas pretende “substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”e se a opção do julgador se baseia numa opção assente na imediação e na oralidade, a qual este tribunal de recurso só pode criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.

A assistente, logo ao minuto 9 deixa claro a existência de uma situação de conflito latente e de desconfiança ao dizer que “eu não confio na minha irmã e já não confiava na altura” justificando essa falta de confiança com episódio da juventude em que a arguida tiraria dinheiro da mala da mãe de ambas. Essa desconfiança e má-vontade também resulta do episódio em que em Novembro vão ambas à casa e em que é claro que a assistente não queria deixar a arguida ter acesso autónomo e ficar na casa precisando para o efeito de consultar os advogados. As dúvidas sobre a existência de propósito da arguida de querer ficar com coisas que soubesse pertencerem à assistente resulta da circunstância de ter permitido que esta levasse coisas de casa, de ter colocado outros pertences à porta do escritório (no r/c do prédio) e muito particularmente de ter afirmado que, na sequência de ter obtido vencimento na providência cautelar que intentou ter deparado com a casa sem muitos dos seus pertences e, “viu que na sala tinha ficado a carpete no chão e os quadros na parede e um móvel de partituras que ela sabia que esse móvel era meu” (minuto 21). A este propósito diga-se que é manifesta a divergência das declarações da assistente com o auto de diligência em que consta que só lá estavam “objectos degradados e algum lixo”, nada susceptível de ser arrolado. A existência de conflito sobre quem devia assumir as funções de cabeça-de-casal e que a arguida entendia ter direito a assumir essas funções também resulta das declarações da assistente quando afirma que já depois da providência cautelar, em Abril de 2011, a arguida veio a Portugal para ir ao tribunal e para “dar-se como cabeça de casal” (ao minuto 25). Também a circunstância da arguida ter vendido as mobílias apenas resulta daquilo que a assistente ouviu dizer (depoimento indirecto). 

Também do depoimento do primo de ambas, a testemunha JS resulta a existência de conflitos desde logo sobre quem devia ser cabeça de casal, logo após o óbito da mãe de ambas e da expressão que a arguida lhe disse quando a assistente foi tirar as fotografias: “não a deixes entrar porque se ela entrar vai-me pôr fora”.
  
O resumo do depoimento das testemunhas CM, LR e JC constante do acórdão recorrido corresponde no essencial ao que resulta da audição dos depoimentos das testemunhas efectuada por este tribunal. Refira-se ainda que CM confirmou que o r/c desse prédio “pertence à Dª L.S.S.” e não é habitado por ninguém, sendo aquele local que a assistente designa por “escritório” ao qual se deslocava todos os dias e que era uma casa fechada, de acordo com o depoimento da testemunha MM mas que a assistente continuou a usar (testemunha LR).
   
Da audição de todos os depoimentos prestados resulta claro que a convicção do tribunal a quo está devidamente suportada nos meios probatórios ao dispor do tribunal, que os analisou com profundidade e seriedade.

É certo que existem elementos objectivos que justificam que se tivesse ponderado a existência dos crimes de furto, violação de domicílio e falsificação.

Porém, quanto ao crime de dano, o Recorrente Ministério Público não põe em causa a convicção do tribunal a quo. Como consta do acórdão recorrido os factos potencialmente integradores da prática do crime de dano resultaram contrariados pelas declarações prestadas pela assistente: não houve arrombamento mas uma entrada com o aproveitamento da abertura da porta.

Relativamente ao crime de furto também está devidamente fundamentada na apreciação crítica da prova a convicção do tribunal a quo de que, com base no teor da prova testemunhal não resultou provado que a arguida tenha levado consigo todo o recheio existente na casa por forma a fazê-lo coisa sua. Efectivamente, não é feita qualquer menção às mobílias de quarto (camas, mesinhas de cabeceira) facto, de resto, salientado pela testemunha JS quando foi confrontado com as fotografias juntas aos autos e, embora a arguida tenha retirado grande parte do recheio, nomeadamente os objectos descritos no ponto 8, contudo, não resultou provado o propósito da arguida e o destino dado a esses bens, desconhecendo-se , porque não foi feita prova, se a arguida retirou o recheio que pertencia ao acervo hereditário por forma a que a irmã não usufruísse do mesmo de forma exclusiva, depositando-o em algum local/armazém, dado que era ela quem residia habitualmente na residência; se vendeu o referido recheio ou se levou alguns dos bens consigo para o Canadá. Como resulta da passagem acima transcrita nota-se o cuidado da arguida em não retirar objectos que sabia que pertenciam à assistente. Por isso, por força do princípio in dubio pro reo, impunha-se, como se impôs ao tribunal a quo, a absolvição da arguida desse crime.

Também no que concerne ao crime de falsificação, tendo em atenção que a morada não é elemento essencial da escritura de habilitação, porquanto a habilitação notarial se destina apenas à declaração de que “os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles” (art. 83º do Código do Notariado), não podemos deixar de concordar com o tribunal a quo na apreciação da prova efectuada nos termos supra transcritos. Efectivamente, tendo em atenção a análise efectuada, nem sequer ficou provado que a arguida sabia não lhe poder incumbir a si o cargo de administração da herança até à sua liquidação e partilha face às regras da experiência comum nos termos explanados.

Sobre a violação de domicílio o acórdão recorrido sustenta que a habitação em causa integra a comunhão hereditária de bens da arguida e da assistente, tendo constituído a casa de morada de família da mãe de ambas, a residência da arguida no passado, constituindo residência da assistente desde sempre e ponderando que a decisão da arguida de sair da casa da mãe a dado momento da sua vida, mormente quando casou e foi residir para o Canadá, não significa que tenha abicado do direito de a habitar ou usufruir, não sendo a mesma uma terceira em relação a tal imóvel pelo que, no dia 5 de Novembro de 2010, ao chegar a Lisboa e ao pretender aceder à referida residência a fim de lá pernoitar, como de resto fazia habitualmente quando se deslocava a Portugal de férias, a arguida não exerceu um abuso sobre a coisa, mas antes exerceu um direito tão legítimo quanto o que exercia a assistente ao ali residir e ao unilateralmente possuir o código do alarme de intrusão e entender que não poderia a sua irmã ter acesso à residência da mesma forma que a sua. Por outro lado, também está baseado na prova produzida a convicção de que a arguida, depois de entrar na aludida residência com a anuência da ofendida, não permitiu que a ofendida ali também entrasse, porque esta entendia que não lhe assistia o direito de lá pernoitar e procurava limitar o seu acesso à casa.

Como resulta do depoimento da testemunha LR, são confrangedoras situações como a presente, especialmente entre irmãs.

Porém, ao contrário do tribunal a quo, apesar da procura insistente em perceber qual o motivo da situação ter chegado a este ponto, conclui-se que relativamente ao crime de violação de domicílio, a questão ultrapassa a mera tutela dos direitos ao quinhão hereditário nos termos do direito civil.  

Efectivamente, neste crime, o valor protegido pela norma é a reserva da vida privada, ou seja, a privacidade/intimidade face a agressões qualificadas pela exigência de violação de uma esfera pessoal especialmente limitada e fisicamente assegurada: a habitação[17]. Ora in casu, é insofismável que a arguida sabia que aquela era a habitação, a morada de família da assistente, em termos permanentes e que com a sua conduta punha inexoravelmente em causa o direito ao acesso ao local onde a mesma fazia a sua vida privada, doméstica.

Não se põe em causa o propósito da arguida de ter acesso a bens que faziam parte do acervo hereditário. Porém, acresce que, com a sua conduta, obviamente sabia e pretendia pôr em causa o direito à privacidade/intimidade da assistente. Sabia que a assistente vivia permanentemente naquela habitação e que com a sua conduta punha em causa o direito desta à reserva da sua intimidade e privacidade, impedindo-a de aceder a tal local.

Pode-se questionar, tal como a decisão recorrida faz, se a arguida não teria também direito a aceder àquela habitação, porquanto fazia parte do acervo de bens da herança e porque, como se afirma no acórdão recorrido, pretendia aceder à referida residência a fim de lá pernoitar, como de resto fazia habitualmente quando se deslocava a Portugal de férias, pelo que não exerceu um abuso sobre a coisa, mas antes exerceu um direito tão legítimo quanto o que exercia a assistente ao ali residir e ao unilateralmente possuir o código do alarme de intrusão e entender que não poderia a sua irmã ter acesso à residência da mesma forma que a sua.   

Porém, a resposta a tais questões tem que ser negativa. Na realidade, o bem jurídico protegido pela norma transcende o direito de propriedade, a compropriedade ou qualquer direito a um quinhão hereditário e respeita, tão somente, à reserva da intimidade no domicílio.

Pode-se afirmar que a arguida tinha um direito igual ou semelhante ao da assistente, quanto ao acesso aos bens que faziam parte do acervo dos direitos e obrigações sobre a herança. Mas no que respeito àquele local em concreto e à inviolabilidade do lar da assistente, é manifesto que a assistente tinha um direito tutelado constitucional e penalmente que não foi respeitado pela arguida.  
 
A circunstância de posteriormente a arguida ter permitido o acesso da irmã, ora assistente à sua habitação e domicílio não infirma a convicção de que a arguida violou o direito da assistente à inviolabilidade do seu lar, na medida em que esse acesso foi condicionado, limitado e vigiado, com decorre das declarações da assistente e da testemunha JS.

Para efeitos do crime em apreço é absolutamente indiferente que a arguida também tivesse um direito ao acesso aos bens que faziam parte do acervo de direitos e obrigações sobre a herança porquanto o que está em causa é um crime contra as pessoas (título I da parte especial do Código Penal) que prevalece sobre qualquer direito sobre direitos patrimoniais que estivessem em causa.

Em circunstâncias como a dos autos decorre das regras da experiência (insofismavelmente, dir-se-ia) o respeito devido ao direito à reserva da vida privada, à privacidade e intimidade e a prevalência desses direitos sobre um (mero) direito sobre direitos patrimoniais ou … um direito a uma ocupação temporário de determinada habitação. É inaceitável privar alguém do direito à sua privacidade e intimidade com base em direitos patrimoniais em relação aos quais o violador está em plano de igualdade com aquele a quem é vedado o direito à reserva da vida privada.

Adiante se esclarecerá porque é que a circunstância da arguida ter um direito semelhante ao da assistente em relação à propriedade daquele bem não exclui a ilicitude da conduta e o dolo com que actuou, não sendo invocável um direito ou estado de necessidade. 
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Do supra exposto e com a fundamentação que antecede, impõe-se uma alteração da matéria de facto provada e não provada, ficando os factos provados nºs 6 e 13 com a seguinte redacção:
6.– Aí chegada, depois de entrar no interior da referida residência, cuja entrada lhe foi facultada pela ofendida L.S.S.  , a arguida fechou a porta de entrada, ficando dentro da residência e impedindo a ofendida de ali permanecer e/ou pernoitar.
13.– A arguida previu e quis, agir do modo acima descrito entrando e permanecendo no interior da referida habitação, o que fez, com o intuito concretizado de impedir que a ofendida ali residisse, como conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida.

3.– Vícios do art. 410º do Código de Processo Penal.
A Recorrente Assistente invoca a violação do disposto no art. 410º nº 2 al.s a), b) e c) do Código de Processo Penal, enquanto o Recorrente Ministério Público invoca a existência de contradição “entre o não dar como provada a apropriação dos bens pela arguida e os factos dados como provados em 1. a 8., 12, 13, 14, 15, 36,37, 38 e 39 (conclusão 11ª).

Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.

Decorre da própria letra da lei que o vício deve resultar “do texto de decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Assim, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[18].

Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas[19]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão[20].

Existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão[21].

Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[22]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
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Vejamos.

Entende a Recorrente Assistente que existe o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porquanto, ao invés, a matéria de facto é suficiente para a condenação, não havendo qualquer meio de prova que invalide os depoimentos das testemunhas apresentadas que foram só pela acusação e consequentemente, resultou provada a prática, pela arguida, da quase integralidade de factos denunciados pela Assistente pelo que se impunha uma decisão diversa da tomada.

Trata-se de um manifesto equívoco que a Recorrente Assistente retoma ao invocar os demais vícios, designadamente a existência de erro notório na apreciação da prova por, de acordo com o que alega, não existirem dúvidas e resultar dos factos provados que a arguida, sem consentimento da ofendida, se introduziu na habitação desta e nela permaneceu depois de intimado a retirar-se, impedindo o acesso da Assistente a sua casa e bens; com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtraiu todo o recheio da residência da ofendida; retirou a fechadura de casa da ofendida, assim danificando o bem; mentiu na celebração de uma escritura pública.

Será que ocorre erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto como pretende a Recorrente Assistente, erro esse que consistiria em o tribunal a quo ter considerado não provados factos, com base nos elementos probatórios que considera bastantes e capazes de fundamentar a condenação. O que está em causa nessa parte é o erro de julgamento cuja verificação só é admissível em caso de impugnação ampla da matéria de facto.

Trata-se de confusão reiterada que importa esclarecer. Efectivamente:
“O erro de julgamento (…) não se confunde com o vício da decisão. O erro de julgamento da matéria de facto tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP, e existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso.

Já os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime  João Antunes (in RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).

O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto”[23].

A questão do erro de julgamento já foi apreciada, relativamente ao recurso de impugnação da matéria de facto.

No caso dos autos, da leitura do texto da sentença, por si só ou conjugada com o senso comum, não resulta nem a insuficiência da matéria de facto para a decisão nem nenhum erro notório na apreciação da prova para o homem médio. Assim, não se verificam os invocados vícios.

No que respeita ao vício da contradição insanável entre os factos provados 1 a 8, 12 a 15 e 36 a 39 e os factos não provados da apropriação dos bens pela arguida, importa esclarecer que nos factos provados em referência se julgou assente que a arguida retirou o recheio, composto pelo acervo da herança designadamente os bens referidos no facto provado 8, impedindo a ofendida de dispor das utilidades dos bens, com o intuito concretizado de aceder a todos aqueles bens, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida, sabendo que aqueles bens constituíam acervo da herança e que agia contra a vontade da ofendida que se deparou com a inexistência do recheio da casa na diligência de restituição de posse da imóvel.

Enquanto os factos não provados atinentes à apropriação são os seguintes:
A arguida tenha subtraído da referida habitação bens pessoais da ofendida.
A arguida tenha retirado da referida residência todos os bens que nela existiam para os levar consigo, fazendo-os coisa sua.
A arguida tenha entrado na referida habitação partindo e forçando a porta de entrada com o intuito concretizado de fazer seus todos os bens aí existentes sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono.
A arguida sabia que pertencendo os referidos bens ao acervo da herança não teria direito aos mesmos.

A inexistência de contradição é manifesta, especialmente se considerarmos o acórdão recorrido como um todo e analisarmos a fundamentação da convicção do tribunal.

O que está patente no acórdão recorrido é que a arguida retirou os referidos objectos (mas não bens pessoais da ofendida) do acervo hereditário para ter acesso aos mesmos e apesar da vontade contrária da assistente; porém, não ficou assente que tenha actuado da forma descrita com o propósito de fazer seus aqueles objectos, sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do legítimo dono e sabendo também que não teria direito aos mesmos.

Não há, assim, contradição entre os referidos factos provados e não provados.

Conclui-se, assim, que da leitura do texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência e o senso comum, não resulta nenhum dos invocados erros. A decisão da matéria de facto provada, aparece fundamentada em elementos probatórios bastantes, permitindo a correcta formação de um juízo fundamentador da decisão de direito, não se vislumbrando qualquer contradição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a factualidade e a motivação, nem ocorrendo qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas. Dito de outro modo, da análise da sentença recorrida resulta uma apreciação livre da prova, “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[24], não se vislumbrando qualquer ilogicidade na convicção do tribunal a quo nem qualquer violação das regras da experiência: Os factos provados e não provados não conflituam entre si, nem com a motivação e com a decisão e são bastantes para fundamentar a qualificação jurídica dos factos e a decisão e a motivação aparece na sequência lógica da factualidade provada e não provada, clarificando e esclarecendo a convicção do tribunal de acordo com as regras da experiência.

4.– Elementos do tipo dos crimes - actuação dolosa
Importa apreciar, do ponto de vista da subsunção jurídico-penal os factos apurados, apreciando em último lugar as consequências penais e cíveis da alteração de factos quanto ao crime de violação de domicílio.
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Relativamente ao crime de dano, sustenta a Assistente que a arguida substituiu a fechadura, ou seja, retirou a ali existente, pelo que praticou um crime de dano ao inutilizar a aí existente.

Recorde-se que não ficou provado, tendo em atenção as declarações da assistente que a arguida no dia 5 de Novembro de 2010 tenha destruído o alarme e a fechadura existentes na Rua Passos Manuel 87, 1º andar em Lisboa por forma a introduzir-se no interior da aludida residência, querendo produzir estragos na aludida fechadura e alarme.

A circunstância de, posteriormente ter alterado a fechadura não integra a factualidade típica do crime de dano que era imputado à arguida que visava apenas a sua conduta em 5 de Novembro de 2010.

Aliás, uma alteração posterior, feita com o propósito de aceder aos bens da herança que se encontravam no interior da casa, não corresponde a um acto de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização, pelo que não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do crime em apreço.
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Quanto ao crime de furto, ficou provado que a arguida retirou os bens que estavam no interior da casa, contudo não ficou assente que o tivesse feito com intuito apropriativo nos termos claramente explicitados no acórdão recorrido.

Sustenta a Assistente que competia à arguida esclarecer o que fez desse património e onde o localizou e, ao não o fazer incorreu na prática do crime de furto, que o facto de se desconhecer o destino dos bens não constitui uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa e que é patente que a arguida dissipou património.

O que o agente do crime faz com os bens de que se apropriou corresponde a comportamentos posteriores à consumação do crime. O desconhecimento sobre esse destino é irrelevante e não constitui – nem o tribunal sustenta essa tese – causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

É certo que a arguida poderia ter esclarecido o que fez a esses bens. Porém, não existe qualquer verdadeiro ónus da prova que recaia sobre o acusador ou o arguido[25]. Ao invés, todos os intervenientes estão adstritos ao dever de concorrerem para a descoberta da verdade material, nos termos do art. 340.º do Código de Processo Penal, assumindo plena relevância o princípio in dubio pro reo[26].

É certo que se tivesse ficado demonstrado que a arguida tinha procedido à venda dos bens que retirou da casa, decorreria das regras da experiência a actuação com intuito apropriativo. Porém, como se referiu supra, não ficou demonstrada essa venda posterior e o tribunal a quo com base no princípio in dubio pro reo ficou com dúvidas inultrapassáveis sobre o propósito da arguida ao retirar os bens. Na fundamentação do acórdão recorrido que corresponde a uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova essa ideia está patente e devidamente fundamentada:
Não obstante, e pese embora o exposto, a verdade é que no caso em apreço apenas resultou provado que a arguida retirou da casa dos pais os bens descritos no ponto 8, não tendo resultado provado que os vendeu ou deles se apropriou no sentido de os sonegar à herança.

Como já referimos ficámos com sérias e inultrapassáveis dúvidas acerca da actuação da arguida, mormente se não teria a mesma querido apenas subtrair da disponibilidade exclusiva da ofendida tais bens. Dúvidas não restam de que era a ofendida quem vivia na casa de morada de família com a mãe de ambas; também não ficámos com dúvidas que não se entendiam relativamente à administração dos bens que compunham a herança e que a ofendida entendia que a referida casa era o seu domicílio pessoal e que, como tal, a irmã já não teria direito a lá pernoitar.

A verdade é que a arguida retirou do interior da referida casa os objectos descritos no ponto 8 após deixar a sua irmã L.S.S., aqui ofendida, aceder ao interior da casa e fotografar todo o seu recheio, termos em que entendemos não ter resultado provado, com a certeza que se impõe, que a mesma se tenha apropriado dos referidos bens ou que os tenha querido sonegar ao património da herança, termos em que irá absolvida da prática do crime de furto.
Sustenta o Ministério Público, citando jurisprudência pertinente para a sua tese, que a apropriação por parte do titular/agente a quem nenhum desses bens pertence, (detendo tão só a titularidade de quota ideal do património autónomo que os congrega) mas que deles se aproprie e disponha, fazendo-os seus, configura crime de furto.

Certo, porém, é que, in casu, ficou por demonstrar o propósito apropriativo como, aliás, salienta a arguida na sua resposta.

Importa referir que às instâncias criminais não cumpria apreciar a existência de uma sonegação de bens, nos termos do art. 2096º do Código Civil, pelo que este non liquet em relação à questão não impede a sua apreciação em instância cível, aí sim, sujeita às regras do ónus da prova.
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Sobre o crime de falsificação não pode deixar de se concordar com a fundamentação da decisão recorrida.

Efectivamente, o facto de a arguida ter declarado, na escritura (21/09/2010), residir na Rua …………… em Lisboa não constituiu um facto juridicamente relevante para efeitos da referida escritura pública e, tendo em atenção que apresentou o seu bilhete de identidade onde expressamente consta que reside no Canadá, não ficou demonstrado que tenha agido com o propósito de omitir a sua residência habitual e permanente ou de utilizar aquela informação (residência em que pernoita sempre que se encontra em Portugal) ciente de que a mesma era juridicamente relevante para o propósito que pretendia alcançar – outorgar a escritura pública de habilitação de herdeiros da mãe na qualidade de cabeça-de-casal. O argumento de que “caso a arguida tivesse somente apresentado o seu documento de identificação e declarado não o local da sua residência quando se encontra em Portugal, mas a sua residência permanente – a morada no Canadá, tal não obstaria a que a que a escritura pública fosse por si outorgada na qualidade de cabeça-de-casal” afigura-se irrefutável.

Como se disse supra, esse não é elemento essencial da escritura de habilitação, porquanto a habilitação notarial se destina apenas à declaração de que “os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles” (art. 83º do Código do Notariado).

Contudo, importa salientar a diferença entre a falsificação intelectual e a simulação. Há falsidade intelectual quando o documento é genuíno, não foi alterado, mas contudo não traduz a verdade. A falsidade há-de resultar de uma desconformidade entre o documento e a declaração. Se o documento está de harmonia com a declaração, mas, no entanto, não está de harmonia com a realidade, não pode haver falsidade intelectual, mas somente simulação, se se verificarem os pressupostos desta última. E desde a alteração do Código Penal, com a revisão operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15.3 é consensual que “não existe, pois, atualmente, no sistema jurídico português, nenhum tipo legal de crime que puna o terceiro que se serve do funcionário de boa-fé para inserir no documento elementos inexatos ou falsos. E quanto a nós corretamente, visto que a atividade de falsificação irá ser integrada no tipo legal de crime que temos vindo a analisar, e apenas a indução em erro parece não ser punida, sendo certo que irá ficar sujeita aos mecanismos de invalidação dos actos jurídicos do direito civil”[27].

Só com o aditamento do art. 348º-A do Código Penal pela Lei 19/2013, de 21.2, sob a epígrafe de “falsas declarações” – posterior à data dos factos e, por isso inaplicável (art. 2º nº 4 do Código Penal) – se prevê agora (ou novamente, tendo em atenção o disposto no art. 233º da redação originária do Código Penal de 1982 que teve como objetivo principal incriminar a simulação[28]) a punibilidade criminal de quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios (nº 1), sendo a punição mais grave se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico (nº 2)[29].

Ou seja, a conduta da arguida não tinha, na data da prática dos factos, qualquer relevância penal.
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Face à exposta alteração da factualidade provada importa saber se a arguida cometeu o crime de violação de domicílio p. e p. no art. 190º nº 1 do Código Penal e, concluindo-se que cometeu tal crime, qual a pena adequada tendo em atenção que constitui jurisprudência fixada que “em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal”[30].

Bem assim, importa fixar a eventual indemnização devida pela prática de tal crime.

No que se refere ao crime de violação de domicílio, a Assistente, recordando que a inviolabilidade do domicílio tem garantia constitucional (art. 34° da Constituição da República Portuguesa) e está relacionado com o direito à intimidade pessoal (garantido pelo art. 20° da Constituição da República Portuguesa), sustenta que a arguida não vivia ali e sabia que quem lá residia era a ofendida e não quis usufruir de nada mas colocar a irmã e ora ofendida a dormir na rua e que quanto a impede de entrar e pernoitar em sua própria casa, é manifesta a prática do ilícito penal. Bem assim, o Ministério Público segue a mesma linha de raciocínio.

Na sua resposta a arguida argumenta que só se pode violar um domicílio que é alheio, sendo exacto que, ao tempus delicti, a arguida entrou na habitação que também lhe pertencia, na qualidade de herdeira porquanto o domicílio em causa integrava a massa hereditária por partilhar, pelo que não era propriedade exclusiva da ora recorrente assistente, nem esta sequer detinha sobre ela uma qualquer quota-ideal, não sendo nenhuma delas proprietária do domicílio em causa, mas a herança, massa de bens sem personalidade jurídica, mas com personalidade e capacidade judiciária e que, por isso, actua no tráfego jurídico de modo independente e autónomo.

Sustenta ainda que a arguida deixou a assistente entrar na habitação por duas vezes e que não entrou ilegitimamente em habitação que lhe não pertencia, concordando com o acórdão recorrido quando afirma que não é crível, atendendo às regras da experiência que o elemento subjectivo do ilícito, o dolo, tenha sido actualizado pela recorrente, caso contrário não mais deixaria entrar a sua irmã no imóvel, tendo-o feito não só aquando da recolha das fotografias, mas também para que esta aí fosse buscar roupa que lhe pertencia, concluindo pela inexistência de dolo porque, quanto muito, se pode conjecturar que a mesma deveria estar mais bem informada sobre a especial afectação de bens em caso de herança indivisa, o que poderia em abstracto configurar quanto muito, uma hipótese de erro do art. 16.°, n.º 1, do Código Penal, não punível atenta a conjugação do n.º 3 do mesmo inciso e do art. 13°, ambos do Código Penal.

Como decorre do afloramento já efectuado ao tipo em apreço, a violação do domicílio não é um crime contra direitos patrimoniais mas contra as pessoas, em concreto, contra a reserva da vida privada. Por isso, “não tem de haver correspondência entre o portador do bem jurídico-penal … e o detentor de posições jurídico-civilmente protegidas (como proprietário, possuidor, etc) sobre o espaço da habitação” devendo todas as situações de desfasamento provocadoras de conflitos ser invariável e univocamente solucionadas a favor do habitante[31]. Consequentemente, a circunstância da arguida também ter direitos patrimoniais que incidem sobre o acervo hereditário não impede a sua punibilidade.

A circunstância da arguida ter deixado a assistente entrar na habitação por duas vezes (aliás, com as limitações que as declarações da assistente e o depoimento das testemunhas Jorge Silva e Laurinda Rocha deixaram patentes) não afasta a consumação do crime logo no momento (em 5.11.2011) em que a arguida entra na casa e impede o acesso à mesma pela assistente. Ainda assim, a circunstância da arguida ter permitido o acesso limitado da assistente à sua habitação por duas vezes não impede que a arguida tenha persistido no seu propósito até Abril de 2011, quando a habitação foi restituída à assistente.

Sobre a invocada existência de um erro sobre as circunstâncias de facto excludente do dolo nos termos do art. 16º nº 1 do Código Penal importa referir que a inviolabilidade do domicílio é um valor constitucionalmente consagrado e civilizacionalmente aceite e, por isso, nem a circunstância da arguida residir habitualmente no Canadá permite que se questione o conhecimento de tais regras. Da matéria de facto assente e também da prova produzida, apreciada com a razoabilidade exigida pelo art. 127º do Código de Processo Penal não resulta qualquer elemento que permita questionar o conhecimento sobre os elementos de facto ou de direito do crime em apreço.

Ao contrário do que o acórdão recorrido parece sustentar, também não se pode configurar o exercício de um direito de necessidade, porquanto o interesse sacrificado (o direito à inviolabilidade do domicílio) é sensivelmente superior ao interesse que a arguida pretendia salvaguardar (acesso aos bens da herança), não se afigurando como razoável impor à assistente o sacrifício do seu direito (art. 34º do Código Penal). Bem assim, também não é de conjectuar que a arguida tenha actuado num estado de necessidade desculpante, na medida em que não está em causa uma ameaça contra a sua vida, integridade física, honra ou liberdade (art. 35º do Código Penal).

Resulta da factualidade assente que a arguida em 5 de Novembro de 2010 dirigiu-se à residência sita na Rua ……………. em Lisboa (5), aí chegada, depois de entrar no interior da referida residência, cuja entrada lhe foi facultada pela ofendida L.S.S.  , fechou a porta de entrada, ficando dentro da residência e impedindo a ofendida de ali permanecer e/ou pernoitar (6), prevendo e querendo, agir do modo acima descrito entrando e permanecendo no interior da referida habitação, o que fez, com o intuito concretizado de impedir que a ofendida ali residisse, como conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida (13), prevendo e querendo entrar no interior da aludida residência, o que fez, pese embora soubesse que aquela constituía, também, residência pessoal de L.S.S.  e que agia contra a vontade e sem autorização desta e sabendo que quem morava na residência em causa com a sua mãe ALS em 13 de Setembro de 2010 era a sua irmã L.S.S., a qual sempre fez da Rua ………….. a sua casa de morada de família, aí residindo, dormindo, jantando, constituindo o seu domicílio fiscal e aí recebendo a sua correspondência. Na sequência do descrito a demandante passou a pernoitar em casa de terceiros e tentou recuperar o acesso à sua casa com a ajuda de entidades policiais, mas em sucesso.
Consequentemente, praticou a arguida, com a descrita conduta, o crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190º nº 1 do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias.
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Na escolha da pena nos termos do art. 70º do Código Penal, impõe-se a opção pela pena não privativa de liberdade, porquanto, atendendo à ausência de antecedentes criminais e à especificidade da situação as necessidades de protecção de bens jurídicos e de reintegração (art. 40º do Código Penal) se afiguram diminutas.

Na determinação da medida da pena ponderar-se-ão as finalidades da punição e as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do Código Penal, na ponderação das necessidades de prevenção geral (considerando a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), na avaliação da premência das exigências de prevenção especial (observando designadamente as circunstâncias pessoais do agente e a idade) e das indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente[32].

Tendo em atenção o modo de execução dos factos, a gravidade das suas consequências e os motivos determinantes, o grau de ilicitude dos factos não pode deixar de se considerar mediano. Efectivamente, a ilicitude é agravada pela circunstância da arguida ter procurado fazer justiça por conta própria de uma forma que não pode ser socialmente tolerada, embora as razões determinantes temperem o juízo de censura que deve ser efectuado. O modo de execução não é particularmente elaborado. As consequências, tendo vedado o acesso da assistente ao seu domicílio por um longo período de tempo, são sérias. O dolo na sua forma directa, é mediano.

A idade da arguida (actualmente com 60 anos), sem antecedentes criminais tem valor atenuante que deverá ser devidamente ponderada, bem como as circunstâncias determinantes (conflito hereditário entre irmãs).    

  
A existência de bens patrimoniais na herança por óbito da mãe, patente nos factos provados, não permite estabelecer a existência de condições económicas e financeiras favoráveis, o que terá de se reflectir na fixação do quantitativo diário da multa no mínimo legal (art. 47º nº 2 do Código Penal).

Tudo visto, mostra-se adequada a pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5 €.
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Nos termos do artigo 129º do Código Penal “A indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Dispõe o artigo 483º do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Constituem pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: o facto voluntário, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante (ou a conduta culposa), os prejuízos e o nexo de causalidade entre o evento e os prejuízos.

O facto voluntário é o facto ou ato dominável ou controlável pela vontade do agente.

A ilicitude consiste na ofensa de interesses que a lei tutela, na contrariedade às normas da ordem jurídica.

O nexo de imputação do facto ao lesante (ou a conduta culposa) consiste na ligação, em termos de causalidade adequada entre o facto e uma conduta do agente merecedora de reprovação ou censura do direito. Consiste no agir de certo modo, que atenta a sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

Esse juízo de censura pode assumir as formas de dolo ou mera culpa.

Os prejuízos traduzem-se no prejuízo in natura que o lesado sofre nos interesses materiais ou espirituais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

O nexo de causalidade do facto para produzir o evento danoso existe quando este é consequência normal e necessária daquele.

No que concerne à culpa, há que recorrer ao critério do bonus paeter familiae consagrado no artigo 487.º n.º 2 do Código Civil, cabendo, in casu, ao lesado provar a culpa do autor da lesão, nos termos do n.º 1 do referido preceito legal.

Dada a dificuldade com que muitas vezes se depara o lesado em provar a culpa do lesante, sobretudo nos casos de responsabilidade civil extracontratual, segundo Vaz Serra, in BMJ n.º 68, página 87 “Basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem verosímil a culpa (…)”.

In casu, os factos provados, relativamente à violação de domicílio, permitem estabelecer a existência de um facto ilícito traduzida na violação de um direito subjectivo de outrem ou de normas destinadas a tutelar interesses privados, do nexo de imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou mera culpa, do dano, consubstanciado na lesão de um bem juridicamente tutelado e do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.

Atenta a limitação da indemnização aos prejuízos decorrentes da violação de domicílio, apenas se configuram como indemnizáveis os danos morais.

Em face do quadro fáctico dado como provado, resulta incontestável que a actuação da arguida/demandada foi ilícita e culposa (dolosa), o que para além de ter consubstanciado a prática do crime, ocasionou prejuízos decorrentes da indisponibilidade do seu domicílio.

Nesta sede, há que ter presente o disposto no artigo 496.º n.º 1 do Código Civil que estabelece que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, estabelecendo o n.º 3 do mesmo preceito legal que o montante de indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Igualmente, se tem entendido que dever-se-á atender aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela “(…) o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critério de equidade, atendendo, entre outras cousas, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, tomando-se em conta na fixação todas as regras da boa prudência, da justa medida das coisas, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.” (Cfr. in “Código Civil Anotado, Volume I”, 3.ª Edição, página 474). .
“O S.T.J., em acórdão de 23 de Outubro de 1979, reconhecendo a dificuldade da avaliação da compensação por danos não patrimoniais, aponta como critério a comparação de situações análogas aprovadas noutras decisões jurisprudenciais”, sendo que “em anotação a este arresto, Vaz Serra faz notar que este critério não é o único elemento a ter em conta, não sendo senão um dos que podem contribuir para uma equitativa avaliação da indemnização, devendo ter-se em conta além da natureza e da intensidade do dano, outras circunstâncias e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.04.2005, in www.dgsi.pt).

Refere Maya de Lucena que “o grau de culpa do agente é determinante para se estabelecer a amplitude da respectiva indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo.” (Cfr. in “Danos Não Patrimoniais”, página 21).

Por último, importa ter presente que “(…) a indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista: visa por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.04.2005, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.01.1996, in www.dgsi.pt, que “(…) a indemnização em apreço não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a sua conduta.”).

Ora, no caso dos autos, em face do quadro fáctico dado como provado, resulta incontestável que a actuação da arguida e demandada e ocasionou prejuízos à mesma consubstanciados na indisponibilidade do seu domicílio cerca de 5 meses, na circunstância de ter passado a pernoitar em casa de terceiros, na vergonha por ter de expor actos da sua vida própria publicamente, preocupada, magoada e com stress (factos 35, 40 e 41).

Face ao exposto, e considerando todos os circunstancialismos enunciados, bem como o facto de que “(…) tem-se entendido que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais,… não devendo os tribunais na sua fixação nortearem-se por critérios miserabilistas.” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.04.2005, in www.dgsi,pt), revela-se justo e adequado fixar a quantia de € 2.000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, porque peticionados, contabilizados à taxa de 4% nos termos da Portaria 291/2003 de 8.4, desde a data da notificação para contestar o aludido pedido, até integral pagamento.

É jurisprudência pacífica que os honorários do mandatário da parte que obtém ganho de causa são recuperados (total ou parcialmente) através das custas de parte (artigos 533º nº 2, al. d) do novo Código de Processo Civil e 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais), não sendo atendível a consideração desse valor através da formulação de um pedido indemnizatório específico dirigido a esse valor.
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Assim, profere-se a seguinte

III–DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela assistente L.S.S., e, consequentemente, mantendo no mais a decisão recorrida, alterar a matéria de facto provada (factos 6 e 13) nos termos referidos que aqui se dão por reproduzidos, consequentemente revogar a sentença absolutória proferida no que respeita à prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190º nº 1 do Código Penal e:
1.– Condenar a arguida  F.S.S., pela prática de tal crime, na pena de noventa dias de multa à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o total de 450 €.
2.– Julgar parcialmente provado e procedente o pedido de indemnização deduzido pela assistente L.S.S.  e condenar a arguida e demandada ao pagamento de dois mil euros de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora peticionados, contabilizados à taxa de 4% nos termos da Portaria 291/2003 de 8.4, desde a data da notificação para contestar o aludido pedido, até integral pagamento, absolvendo-a do remanescente pedido.
A arguida é condenada em custas criminais devidas em 1ª instância, com taxa de justiça normal (art.s 513º a 515º do Código de Processo Penal e art. 8º nº 10 do Regulamento das Custas Processuais) e em custas cíveis na proporção do decaimento.
Recurso sem custas.


Lisboa, 8 de Novembro de 2017



(elaborado, rubricado e revisto pelo relator e assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)



(Jorge Raposo)
(Margarida Ramos de Almeida)



[1]Com a excepção de um parágrafo, as conclusões mais não são do que a total repetição da motivação, em violação do disposto no art. 412º nº 1 do Código de Processo Penal que determina que nelas o Recorrente resume as razões do pedido. Porém, face ao disposto no art. 417º nº 3 do Código de Processo Penal, ponderando que é perceptível o que o recorrente pretende “em vez de um pretenso convite à correcção, pouco compatível com o respeito devido à actuação técnica do subscritor, opta o (…) Tribunal (…) por conhecer, assim mesmo, do recurso, ‘responsabilizando’ quem o deve ser pela apontada deficiência, ao respectivo recorrente devendo ser imputadas as eventuais nefastas consequências de a sua pretensão não ser entendida nas melhores condições, que seriam propiciadas acaso a lei processual tivesse sido inteiramente respeitada, nomeadamente na formulação dessas conclusões” como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.05, no proc. 2431/05-5, em www,dgsi.pt.     
[2]Como bem refere o recorrente citando Paulo Saragoça da Mata, in Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudos e Casos, pág.647, 648. Coimbra Editora «…Merece tanto reação criminal a conduta daquele terceiro que impede o legítimo fruidor da coisa de se aproveitar das utilidades da mesma, como a conduta daquele co-fruidor da coisa que impede os demais co-fruidores de beneficiarem das utilidades dela…»  
[3]Michele Taruffo, Revista do Ministério Público, nº 78, “Motivação da matéria de facto da sentença penal/Anotação”, págs. 147-157.
[4]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.08, no proc. 08P1964, em www.dgsi.pt.
[5]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.05, na CJ (STJ), XIII, III, pg. 210; cfr. Paulo Saragoça da Mata, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais (2004), pg. 265.
[6]No proc. 7/10.0TELSB.L1.S1, disponível no site dgsi.pt
[7]Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.1.2012, no proc. 392/10.3PCCBR.C1, disponível no site dgsi.pt; Sérgio Poças, Da sentença penal – fundamentação de facto, em Julgar nº 3, pg. 42
[8]Acórdão do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24.03.2004, IIª Série do DR de 2.6.2004
[9]Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44; no mesmo sentido, os acórdãos do mesmo Tribunal de 19.6.2002 e de 4.2.2004, nos proc.s 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, no proc. 1580/02; 16.11.05, no proc. 1793/05, em www.dgsi.pt.    
[10]Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
[11]Rev. Min. Públ., 19°,40.
[12]Direito Processual Penal I, 202.
[13]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt.
[14]Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pg. 294
[15]Direito Penal Português - Parte Geral -I Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
[16]Para o efeito procedeu-se à audição integral do CD com a reprodução da prova, incluindo as testemunhas PB, MM e FS por tal se afigurar necessário para a apreciação da prova posta em causa e de todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos.
[17]Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, em anotação ao art. 190º, pg. 701.
[18]Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg.s 77 e ss.
[19]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[20]Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[21]Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[22]Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.
[23]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.4.09, no proc. 303.06.0GEVFX, em www,dgsi.pt. 
[24]Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
[25]Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol, 1974, pg.s 211 e 212
[26]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.5.2011, no proc. 420/06.7GAPVZ.S1, disponível no site dgsi.pt
[27]Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, em anotação ao art. 256º. No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.4.2010 e 2.7.2014, nos proc.s 5316/04.4TDPRT.P1 e 4741/10.6T3SNT.P1, disponíveis no site dgsi.pt.
[28]Actas da Comissão Revisora, pg. 242.
[29]Neste sentido Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários, Almedina, 2014, nota 8 ao artigo 348º-A, pg. 1178, embora se exija, no âmbito do tipo subjetivo a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, a consumação não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando que se detete, ao nível do tipo objetivo, o empobrecimento da vítima.
[30]Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2016, publicado Iª série do DR de 22.2.2016.
[31]Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, em anotação ao art. 190º, pg. 704. No sentido de que a propriedade, compropriedade ou a existência de direitos patrimoniais sobre a coisa não impede a autoria do crime é profusa a jurisprudência (entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 23.10.2013 e 25.3.2015, nos proc.s 120/11.6GCVFR.P1 e 270/12.1GAILH.P1, disponíveis no site dgsi.pt
[32]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.08, no proc. 08P1964, em www.dgsi.pt.