Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8971/20.4T8SNT.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO
MOMENTO DO PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– No contrato de mediação imobiliária o momento do pagamento pode ser distinto do momento em que nasce o direito à remuneração: este apenas ocorre com a celebração do contrato visado no contrato de mediação, in casu, o contrato de compra e venda, ainda que as partes tenham convencionado o seu pagamento antecipado, com o contrato promessa, se existir.

II– Se as partes quiserem atribuir à quantia paga com o contrato promessa a natureza de remuneração específica, uma compensação pelo trabalho desenvolvido pela mediadora, a culminar no contrato promessa, independentemente do seu cumprimento/concretização do negócio visado, impõe-se a alegação e prova dos pertinentes factos – para o que é manifestamente insuficiente a prova do momento do pagamento.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


AP e mulher, MM, intentaram ação declarativa de condenação contra F., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 16.170,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação.

Alegaram, em síntese, a celebração de um contrato de mediação imobiliária com a R.. Nos termos da Cláusula 5.ª do contrato de mediação “pela prestação dos serviços acordados o Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração, uma comissão de 5% (cinco por cento), calculada sobre o preço efetivo da concretização do negócio, acrescida do IVA à taxa legal em vigor nesta data fixada em 23%. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…). A comissão estipulada no número anterior é devida e paga no dia da celebração do contrato promessa de compra e venda, caso exista, ou no dia da escritura de compra e venda”. Com o consentimento dos Autores, o preço de venda do imóvel havia sido reduzido de € 680.000,00 para € 670.000,00. Como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel de € 680.000,00 para € 670.000,00, por proposta da Ré Imobiliária feita aos Autores, a comissão da Imobiliária seria de € 19.520,00, valor que os AA. pagaram após a celebração do contrato promessa de compra e venda. Uma vez que os promitentes compradores não quiseram realizar o contrato prometido, a venda não se concretizou, pelo que a R. deve devolver parte daquele valor, tendo apenas direito a 5% (€ 3.350,00) do valor do sinal recebido pelos AA. (€ 67.000,00).

A R. apresentou contestação, tendo alegado, em síntese, que após vicissitudes e negociações o valor da comissão acordada foi de € 29,520,00, que seria entregue em duas fases distintas: o valor de € 19.520,00 com a conclusão e celebração do contrato de promessa de compra e venda e o valor remanescente de € 10.000,00 seria entregue com a conclusão e celebração da escritura de compra e venda. A Ré nada deve aos Autores, porque inexiste qualquer fundamento legal ou contratual que determine que a remuneração devida à Ré seja calculada sobre o valor do sinal recebido e porque a comissão total acordada entre as partes não correspondia a € 19.520,00, antes € 29.520,00, ficando prejudicado com a desistência do negócio o recebimento remanescente de € 10.000,00, devido com a escritura.

Concluiu pela improcedência da ação e pela condenação dos AA. como litigantes de má fé, a pagar multa a fixar pelo tribunal, custas, honorários e despesas que a ação obrigou a Ré a custear e valor de Indemnização a arbitrar segundo um justo e prudente arbítrio. 

Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
julga-se a acção procedente, por provada e, em conformidade, condena-se a ré a restituir aos autores a quantia de 16.170 € de capital, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal supletiva de 4% (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal), contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
As custas são por conta da ré.
Não se condenam os autores por litigância de má-fé.”

A R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.–O presente Recurso tem por objecto a matéria de Direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos, já que, salvo o devido respeito, e que é muito, o Tribunal a quo não proferiu uma Sentença Justa.
2.–A Douta Sentença em causa, julgando provados os factos que enumera, julgou a ação procedente, por provada e, em conformidade, condenou a Recorrente a restituir aos Recorridos a quantia de € 16.170,00 de capital, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal supletiva de 4% (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal), contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
3.–O Tribunal a quo formou a sua convicção acerca de cada facto, com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de julgamento, na análise da prova documental, testemunhal, assim como da prova resultante das declarações de parte e concluiu, erradamente, pela condenação da Recorrente porque, salvo o devido respeito, e que é muito, o Tribunal a quo, não fez a mais justa e criteriosa interpretação e articulação dos factos assentes na Lei e desrespeitou um “Acordo de Contrapartida” negociado e aceite entre as partes considerado provado, valido e eficaz, apesar de verbal, cujo cumprimento cabia apreciar.
4.–Contrariamente ao que lhe era exigido e em total desarticulação com a prova que foi produzida e considerada provada, o Tribunal quo, interpretou e enquadrou erradamente esse “acordo “no regime legal dos Contratos de mediação imobiliária como se nenhuma particularidade o distinguisse dos restantes.
5.–A Recorrente, controverte a Douta Decisão condenatória ora recorrida por considerar que alberga uma inequívoca violação legal que desrespeita a liberdade contratual das partes por via da qual, acertaram posterior e verbalmente um pacto que consubstancia um desvio ao regime legal dos contratos de mediação imobiliária.
6.–A douta Sentença proferida representa para a F., Lda., uma ilegalidade e uma injustiça já que a condena a restituir aos Recorridos uma importância que estes na sua P.I reconheceram-lhe dever, embora de valor inferior àquele que foi fixado por acordo e ainda que não se tivesse concluído o projetado negócio de compra e venda.
7.–Constando da factualidade provada um Acordo de contrapartida aceite entre as partes, ao tribunal a quo cumpria apreciar, a sua validade, conteúdo, eficácia e cumprimento, como cabia fundamentar se os recorridos no âmbito desse acordo particular de “contrapartida“ podiam alterar o seu valor unilateralmente, reduzindo-o de acordo com o seu LIVRE ARBITRIO.
8.–Mas, mais grave ainda, foi o Julgador em nossa modesta opinião ter excedido o próprio pedido dos Recorridos, que aceitaram que a Apelante tinha direito a uma remuneração aquando da celebração do CPCV ainda que de montante diferente, razão pela qual vieram aos autos pedirem uma restituição parcial da remuneração entregue á Imobiliária, tendo o Tribunal a quo decidido que a Apelante, pura e simplesmente NÃO TEM DIREITO A QUALQUER REMUNERAÇÃO pela circunstância dos promitentes-compradores terem desistido da compra conforme alínea m) da matéria considerada provada.
9.–O enquadramento legal dos factos provados assim como a reavaliação da dinâmica negocial assente entre as partes, abalará seguramente o sentido da Sentença proferida adequando-a aos nobres Princípios da Autonomia Privada e Liberdade Contratual, á Doutrina, Jurisprudência, às regras da prática habitual das imobiliárias, experiência comum, ao bom senso, raciocínio lógico e JUSTIÇA.
10.–A douta sentença proferida por evidenciar um manifesto desrespeito pela Lei e vontade das partes, deve por elementar Justiça, ser declarada Nula e revogada, absolvendo-se a Apelante.
11.–Em síntese, na sua motivação, o Tribunal a quo que, refere que os factos provados em (a) a (f) e em (h) a (m) resultaram da posição assumida pelas partes nos seus articulados, o facto provado em (g), aquele que no presente Recurso mais nos interessa resultou, das próprias declarações dos autores em audiência em total conformidade com as palavras do legal representante da ré, o senhor LS, e da senhora MC, a agente imobiliária que ali interveio, e a menção aposta na mensagem de correio electrónico de 2 de Setembro de 2017 e no que concerne á fundamentação de Direito, face à matéria provada, o Meritíssimo Julgador julgou procedente o pedido de restituição da remuneração entregue á Apelante, porque face ao Regime geral em vigor para os contratos de mediação imobiliária, a remuneração devida á Apelante apenas «é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação» e não tendo sido concretizado a escritura de compra e venda, esta não tem direito a remuneração.
12.–Manda a verdade dizer, que a Recorrente entende que a douta sentença proferida nestes autos procedeu a um justo, adequado e rigoroso julgamento da matéria de facto, todavia, a conclusão de direito extraída dos factos provados é manifestamente desrespeitadora do Imperativo Legal da Liberdade Contratual.
13.–A douta Sentença recorrida, julgando provada e válida a “CONTRAPARTIDA “assente na Alínea g) que consubstancia um Acordo fixado pela vontade das partes que atribuí uma particularidade que desvia o contrato inicial do regime dos contratos de mediação imobiliária em geral, cometeu um erro de interpretação e articulação, quando inadequadamente integrou-o no Regime Geral dos Contratos de Mediação Imobiliária previsto na Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro.
14.–Como resultou da produção de prova e o Julgador o reconheceu, as partes confirmaram em juízo que em virtude da dinâmica das negociações do preço de venda do imóvel, ocorreram alterações supervenientes determinantes nos termos e condições inicialmente acordadas no contrato de mediação imobiliária: designadamente no preço de venda do Imóvel, no valor da remuneração, na aceitação de “ uma contrapartida” por forma a equilibrar o risco negocial entre as partes, já que por acordo, era a Apelante que ia sacrificar a sua remuneração inicialmente fixada, no montante diferencial e total da venda do imóvel em € 10.000.00, sem que os recorridos sofressem qualquer prejuízo em resultado da redução do preço de venda do imóvel.
15.–Esta contrapartida consubstanciou-se num Pacto Superveniente, legal, valido, eficaz e aceite de boa-fé que introduziu um desvio aceite pelas partes ao paradigma normal dos contratos de mediação em geral.
16.–Consequentemente a alegada “CONTRAPARTIDA DA REDUÇÃO DO PREÇO DA VENDA“ da Alínea g) tinha de ser obrigatoriamente respeitada pelo Tribunal a quo na douta decisão proferida.
17.–Se as partes aceitaram que, como contrapartida da imobiliária sacrificar exclusivamente a sua remuneração em beneficio dos Recorridos, que não obstante a redução do preço do seu imóvel não seriam prejudicados por aquela redução e que por isso em compensação, aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda tinham que entregar a importância de € 19.520,00 e apenas € 10,000,00 aquando da celebração da escritura de compra e venda, nada na Lei obrigava o Tribunal a quo decidir de outra forma que não fosse a de respeitar esta contrapartida e decidir em conformidade em função do cumprimento ou incumprimento de cada uma das partes.
18.–Saliente ainda que, facto assente em total consonância com este entendimento, resultou provado na mesma alínea que os Recorridos aceitaram remunerar a Apelante pela celebração do CPCV e recebimento do respectivo sinal, apenas o pagamento da importância € 10 000,00 era devido aquando da celebração da escritura.
19.–O Único ponto divergente entre as partes resume-se ao valor dessa remuneração, que os recorridos consideraram ser de € 3. 350,00, /correspondente a 5% do valor do sinal que receberam) e não os € 19.520,00 previamente acordados entre as partes.
20.–Pese embora não tenha escapado á apreciação do Meritíssimo Julgador, a aludida contrapartida estabelecida por acordo verbal, que admitiu ser valida e eficaz por não ter sido arguida pelos Recorridos a sua nulidade por falta de forma escrita, erradamente, não se prenunciou como era a sua obrigação sobre o respectivo cumprimento integral em articulação com os princípios legais em vigor.
21.–No nosso modesto entendimento, o Julgador proferiu uma decisão ilegal porque atropelou a liberdade contratual das partes que acordaram uma particular contrapartida que afastava o contrato dos presentes autos do regime legal aplicável aos contratos desta natureza em geral.
22.–Salvo o devido respeito, mal andou o meritíssimo Julgador quando julgou irrelevante e sem interesse esse acordo para o diferenciar dos restantes contratos e alterar o respectivo paradigma típico.
23.–Se duvidas se suscitassem no espirito do julgador sobre a natureza particular deste acordo, importa ter presente que entre os SINÓNIMOS da palavra CONTRAPARTIDA, encontramos palavras como, compensação, indemnização, recompensa ou troca, pelo que o tribunal a quo não podia desconsiderar a natureza específica e particular deste acordo como “compensação do sacrifício financeiro da Apelante em claro beneficio dos Recorridos.”
24.–Como bem esclarece a alínea g) da matéria provada: “Como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel, e sempre verbalmente, a ré comunicou aos autores que aceitaria reduzir a sua comissão para o valor de 24.000€, acrescido de IVA, mediante o pagamento de 19.520,00 € com a conclusão e celebração do contrato-promessa e de 10.000 € com a celebração da escritura, o que estes aceitaram. “.
25.–Não tendo os Recorridos alegado ou sequer comprovado, como resulta da matéria assente que o pagamento da quantia de € 19.520,00, não tinha a natureza de contrapartida ou compensação mas antes uma antecipação de pagamento com a perfeição do negocio, não podia o julgador decidir condenar a Apelante na sua restituição, porque como resulta provado foi celebrado o CPCV e apenas a importância de € 10 000,00 estava dependente da celebração da escritura de compra e venda, NEM PODIA DECIDIR que a Apelante apenas tinha direito À REMUNERAÇÃO TOTAL com a celebração da escritura de compra e venda.
26.–Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo sobrepôs-se claramente ao Acordo de contrapartida assente na matéria de facto, à Liberdade Contratual das partes e ao pedido dos Recorridos que, contrariamente ao Julgador, reconheceram á Apelante o legítimo direito a uma remuneração aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda ainda que em montante diferente, razão pela qual, pediram a sua condenação numa restituição parcial e não integral.
27.–Não obstante o notório rigor e cuidado tido pelo tribunal a quo na prolação da Sentença em crise, crê-se que a decisão recorrida encerra em si uma interpretação e articulação da factualidade provada que urge ser corrigida por este venerando tribunal.
28.–A Recorrente não se conforma que o Tribunal a quo depois de apreciar a validade desse acordo, não obstante não ter sido reduzido a escrito e dado estar impedido de declarar a sua nulidade oficiosamente, ainda assim, profere uma sentença em total contradição com a matéria que julga assente e com o pedido dos Recorridos.
29.–Reconhecida a validade e eficácia do referido pacto, salvo melhor opinião, o Meritíssimo Julgador estava obrigado a pronunciar-se sobre o respectivo cumprimento na presente causa.
30.–Acresce ainda que, se as partes entenderam atribuir a natureza de “contrapartida ou compensação“ a esse acordo, não podia o Julgador atribuir natureza diversa, como “antecipação ou adiantamento “COMO SE DE UM CONTRATO NORMAL SE TRATASSE.
31.–Em abono da verdade, conclui-se que em rigor, os Recorridos conseguiram ser mais coerentes com o ACORDO de CONTRAPARTIDA que o próprio tribunal a quo, já que LIMITARAM-SE A PEDIR A RESTITUIÇÃO PARCIAL de €16.170,00 em vez dos € 19, 520,00 entregue quando da celebração do contrato de promessa.
32.–Sobre as questões que tinha que apreciar em conformidade com factualidade considerado provada na alínea g), designadamente cumprimento ou incumprimento das partes dessa contrapartida, se os Recorridos podiam ou não reduzir sem prévio acordo a remuneração acordada, o Julgador não se prenunciou e conseguiu ainda mais surpreender a Apelante, quando não obstante os autores reconhecem que a Apelante tem direito a uma remuneração, decide que afinal, no caso em concreto, a Imobiliária só tinha direito a uma remuneração com a celebração da escritura que não ocorreu.
33.–Salvo o devido Respeito e melhor opinião, além de ilegal, a douta Sentença Recorrida é NULA ao abrigo do Artigo 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C.
34.–Ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, o sentido da douta decisão contraria a doutrina e a atual Jurisprudência dos nossos Tribunais sobre a possibilidade das partes poderem por acordo, alterarem os contornos habituais dos Contrato de Mediação Imobiliária, designadamente no que concerne ao vencimento da Remuneração das imobiliárias.
35.–É certo que é entendimento pacífico, que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua atividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito, salvo acordo em sentido contrário.
36.–“As partes outorgantes são livres de acordar”, e tanto podem acordar que a remuneração é devida com a celebração de contratos distintos, com ou sem exclusividade, como adiantamento ou não da remuneração devida com a conclusão e perfeição do negócio visado.
37.–Ponto inequívoco é que nos contratos de mediação imobiliária, também domina a liberdade contratual, que foi inequivocamente atropelada com a douta decisão proferida.
38.–Da análise rigorosa dos factos provados, não consta porque tal facto não foi alegado pelos Autores na sua Petição inicial, que a remuneração entregue á Apelante correspondeu a “uma antecipação do pagamento final com a celebração da escritura de compra e venda.”
39.–O que resulta da matéria provada é que, por acordo das partes, foi atribuída á remuneração uma natureza peculiar de “contrapartida“ devida com a celebração do CPV e que com a celebração da escritura pública de compra e venda, seria devida a remuneração de € 10.000.00.
40.–Por isso, conscientes e de boa-fé, vieram os Recorridos na presente ação reclamar uma restituição “PARCIAL E NÃO INTEGRAL”.
41.–Salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo sobrepor-se a este pacto particular, nos precisos termos que foram renegociados e aceites pelas partes definidos na aliena g.
42.–Entendemos por isso, que cabia apenas ao julgador apreciar os contornos desse pacto, a sua validade, eficácia e respectivo cumprimento, para decidir se podiam os recorridos reduzir ou não o valor a remuneração entregue em função da percentagem acordada de 5% mas sobre o valor do sinal.
43.–No que respeita á validade e eficácia do Acordo Verbal em discussão, numa interpretação literal somos tentados a aceitar que a aludida “contrapartida verbal “como o determina o Artigo 16º da Lei 15/2013 tinha de ser obrigatória e NECESSÁRIAMENTE reduzida a ESCRITO, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e declarada oficiosamente pelo tribunal.
44.–Todavia, nesta matéria em concreto, a lei prevê, como único desvio à aplicação do Regime Geral do Código Civil que, para o negócio jurídico ou acordo não reduzido a escrito ser declarado nulo, a nulidade só pode ser invocada pelos clientes, excluído também a possibilidade do próprio tribunal (ex. officio) a declarar.
45.–Nesta senda, por os Recorridos não terem arguida a nulidade desse acordo de contrapartida verbal, somos da opinião que o tribunal superior é obrigado a reconhecer a validade dessa compensação pela redução da remuneração da Apelante nos presentes autos, a qual foi aceite pelos Recorridos de forma esclarecida e de boa-fé, razão vieram reclamar no presente processo, APENAS uma restituição parcial da remuneração entregue aquando da celebração do CPCV ainda que não se tivesse concluído o negócio final.
46.–Comprovada e reconhecida pelo Julgador na sua fundamentação como valida e eficaz, entendemos que por elementar Justiça, o Julgador não podia ter decidido á sua total revelia julgando sem qualquer interesse para alterar o paradigma deste contrato de mediação.
47.–Provada e reconhecida a sua validade, a questão que cabia ao julgador apreciar e decidir prendia-se com o respectivo cumprimento das partes e saber decidir se os Recorridos podiam reduzir unilateralmente o valor da remuneração que eles reconhecem á apelante.
48.–A divergência a considerar neste processo, não se prende com a questão de saber se a Apelante tem ou não direito á remuneração aquando da celebração do CPCV, mas apenas devia incidir sobre o seu montante divergente, ou seja € 3.350,00 ou € 19.520,00.
49.–Se dúvidas surgissem ao julgador na apreciação da génese particular e respectiva legalidade deste acordo, nessa avaliação não podia abstrair-se da prática corrente das imobiliárias, das regras da experiência comum neste domínio e do raciocínio lógico e coerente.
50.–Como é sabido, na prática corrente da atividade imobiliária, quando existe uma redução do valor da venda dos imóveis, é habitual um ajustamento proporcional da remuneração das Imobiliárias, que se traduz sempre numa percentagem acordada sobre o valor efetivo da venda.
51.–Se o preço da venda dos imóveis é reduzido, a remuneração das Imobiliárias, salvo acordo em contrário, reduz-se na mesma proporcionalidade, o que não sucedeu no caso dos presentes autos, já que, duvidas não subsistem que os Recorridos não pretendiam abdicar do valor da venda do seu imóvel, apesar da proposta de compra ser de valor inferior.
52.–Ora, foi neste contexto inabitual que a Apelante contrariamente á prática habitual das imobiliárias, aceitou reduzir a remuneração inicialmente estabelecida, não na proporcionalidade da sua comissão sobre o valor da venda, MAS NO VALOR INTEGRAL DA REDUÇÃO DO PREÇO DE VENDA DO IMOVÉL, na importância de € 10 000,00.
53.–Salvo o devido respeito, julgamos que o Julgador não alcançou o verdadeiro sentido da contrapartida acordada no confronto com as práticas habituais das empresas imobiliárias, motivo pelo qual houve a necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio do risco negocial entre duas partes, até porque a Apelante não beneficiava de um regime de venda de “exclusividade “.
54.–Neste cenário peculiar, a Apelante só revelaria a identidade dos interessados aos Recorridos, se estes lhe garantissem o pagamento da remuneração de € 19.520,00 como contrapartida da redução excecional da remuneração inicialmente acordada, fora dos parâmetros normais do regime legal dos contratos de mediação imobiliária e com o recebimento do sinal e com a celebração do CPCV.
55.–O sentido da douta Sentença proferida, apagou por completo a dinâmica negocial supra descrita e que resultou provada, e por erro integrou o caso dos presentes autos no regime geral como se de um acordo normal se tratasse.
56.–Não existisse entre as partes um “acordo superveniente“ que o afastasse do paradigma dos contratos de mediação em geral e do respectivo regime legal, por que razão os Recorridos aceitariam como o confessam na sua P.I remunerar a Apelante sem a realização da escritura de compra e venda? Por que razão ainda, no seu pedido não reclamaram a totalidade da importância entregue á Apelante?
57.–Totalmente alheio á prática habitual da atividade, o Julgador proferiu uma Sentença igualmente incoerente com o pedido dos Recorridos e regras do raciocínio lógico.
58.–Da articulação de toda a factualidade provada, nas alíneas, g, j e k, o Tribunal a quo só podia ter concluído que, por acordo das partes, a remuneração devida á Apelante com a perfeição do negócio visado correspondia excecionalmente á € 10 000.00 enquanto com a celebração do CPCV a remuneração acordada entre as partes correspondia a € 19.520,00.
59.–Impunha-se um Juízo probatório que incidisse sobre o cumprimento ou incumprimento desse acordo pelas partes, distante do regime Geral dos contratos de mediação imobiliária.
60.–Em nossa modesta opinião, inexiste doutrina ou jurisprudência que não reconheça a liberdade contratual das partes no domínio dos contratos de mediação imobiliária, como inexiste fundamento convencional que justificasse a redução unilateral da remuneração devida aquando da celebração do CPCV.
61.–Importa ainda salientar que aquando das negociações supervenientes de alteração do contrato inicial de mediação, nenhuma das partes tinha a mais pequena previsão que os promitentes-compradores desistissem do negócio depois de terem entregado aos Recorridos um sinal significativo de € 67 000.00.
62.–A desistência da realização da celebração da escritura pública, por ato de vontade exclusiva dos promitentes-compradores corresponde a um “risco do negócio“, por via do qual, os Recorridos aceitaram dividir porque depois de apresentados os interessados receberiam com total garantia € 67.000,00 de sinal, que fizeram seu seus sem recorrer aos mecanismos da execução específica do contrato, á custa do árduo trabalho da Apelante, que relembramos não beneficiava de Exclusividade na venda do imóvel.
63.–O pagamento á Apelante da quantia de € 19.520,00 aquando da celebração do CPCV e não na escritura da compra e venda correspondeu á contrapartida/ compensação dos Recorridos não perderem € 10.000.00 no preço da venda do seu imóvel e por isso não tinha a natureza uma antecipação ou adiantamento do pagamento remuneração com a perfeição do negócio projectado, típico dos contratos normais.
64.–Não fosse o acordo moldado nestes termos definidos nessa alínea g, os Recorridos limitavam-se exclusivamente á receberam as “vantagens” do negócio numa evidente posição de desigualdade e injusta situação de abuso de direito.
65.–A douta Sentença proferida para além de evidenciar um evidente atropelo ao Princípio Imperativo da Liberdade Negocial, da Boa-Fé e Bons Costumes, sobrepondo-se á vontade das partes, contraria as regras da experiência nesta área, da lógica e bom senso, como traduz uma inadmissível situação de Abuso de Direito.
66.–Por isso concluímos que, os próprios Recorridos no seu pedido conseguiram ser, em abono da verdade, mais “Justos“ que o tribunal a quo, exigindo somente a restituição da remuneração entregue, no valor de €16.170,00 em vez dos € 19, 520,00.
67.–Deve ainda realçar-se que no âmbito do contrato de mediação inicial sem exclusividade, a contrapartida acordada traduziu-se numa autentica condição “sinae qua non” da Apelante para apresentar aos Recorridos os seus interessados num contexto inabitual e peculiar em que estes não abdicavam da redução do preço de venda do seu imóvel, não aceitavam sequer reduzir a remuneração na proporcionalidade da comissão acordada sobre o valor da venda do seu imóvel, impondo, antes á Apelante o sacrifício exclusivo no valor da sua remuneração do valor correspondente á redução do preço da venda do seu imóvel.
68.–Atento esta particularidade não tem a Apelante de restituir qualquer quantia aos Recorridos ao abrigo do previsto no Artigo 440º do Código Civil.
69.–Além do mais, importa referir que parte da Doutrina e da Jurisprudência considera que não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato, já que sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio que ele próprio, raramente concluiu, como há quem considere que é indiferente que este intervenha na fase final do negócio, como os Professores ANTUNES VARELA, PINTO MONTEIRO ou ENGRÁCIA ANTUNES que para além de confirmarem que nestes contratos também impera o princípio da Liberdade contratual e salvo acordo especial, como no caso dos presentes autos, por norma, o regime legal aponta para que o contrato previsto seja levado a bom termo, contudo o contrato visado pode não ser integralmente cumprido, por vontade alheia á mediadora que tem direito a receber a comissão acordada.
70.–No presente recurso, poderíamos indicar inúmera Jurisprudência que tem proferido Decisões judiciais neste sentido e em sentido contrario, contudo cada caso é um caso, e no caso particular dos autos, havendo estipulação com natureza de contrapartida que prevê uma retribuição determinada não apenas com à conclusão do contrato promovido pela intervenção da mediadora, não podia o julgador proferir decisão contraria a mesma.
71.–Registamos ainda como pertinentes, as observações tecidas por HIGINA ORVALHO CASTELO sobre muita da imensa jurisprudência produzida pelos nossos Tribunais Superiores sobre o tema destes contratos, referindo e bem que, cada caso é um caso que não deve perder de vista a proibição do abuso de direito e a proibição de ofensa á liberdade contratual das partes, desde que não sejam ofendidos os limites da boa-fé e bons costumes.
72.–Não existe um regime intransponível e inflexível nesta matéria, pois aqui domina, A VONTADE DAS PARTES tal como ela resulta da factualidade provada na alínea g.
73.–Salvo o devido respeito e que é muito, o Tribunal a quo face á factualidade considerada provada e não provada violou o nobre princípio da LIBERDADE CONTRATUAL transportado para o nosso ordenamento jurídico nos artigos 405º e 406º do Código Civil
74.–Resulta da matéria considerada provada das alíneas a) a f), que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária que supervenientemente, as partes aceitaram alterar por ACORDO VERBAL atribuído á remuneração entregue no CPCV expressamente uma natureza de CONTRAPARTIDA pela redução da comissão da Apelante em € 10 000,00 da comissão inicial acordada, afastando-se por isso do regime legal geral dos contratos de mediação imobiliária.
75.–Dúvidas não se suscitam que, as partes aceitaram de boa-fé este acordo verbal, consideraram-no válidos e eficazes para todos os efeitos legais apesar de não ter sido reduzido a escrito.
76.–Igualmente compreenderam, aceitaram os seus contornos concretos e particulares e que o que representariam relativamente aos contratos de mediação imobiliária em geral, motivo pelo qual nesta perceptiva lógica e coerente, os Recorridos, ainda que não se tivessem concretizado e celebrado a escritura de compra e venda, vieram pedir a restituição parcial da remuneração entregue aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda, conforme decorre da matéria assente nas alínea g) h) J) e I.
77.–A circunstância de resultar provado na alínea i) que os “Recorridos estavam convencidos de que a escritura de compra e venda iria realizar-se“ não pôs em crise a sua obrigação de remunerar a Apelante, pois também a ela tinha a mesma convicção até pela entrega do sinal em quantia avultada e tendo o risco negocial sido repartido através do acordo de contrapartida, têm as partes que o assumir integralmente.
78.–Cabia ao Tribunal a quo avaliar e apreciar o cumprimento ou incumprimento deste acordo e aqui mal andou o Meritíssimo julgador que desrespeitou a sua força vinculativa apesar de o reconhecer como válido e eficaz.
79.–Se nesse acordo, as partes aceitaram que aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda, os Recorridos tinham de remunerar a Apelante em € 19,520,00, o tribunal a quo não só desrespeitou o disposto contido no Artigo 405º, mas igualmente o Artigo 406º do Código Civil que obriga as partes a cumprirem “pontualmente“ o estipulado salvo modificação ou extinção por mútuo acordo das partes.
80.–Da matéria provada, não resulta em qualquer alínea, nem tão pouco foi alegado pelos Recorridos que o acordo tenha sofrido alguma alteração ou extinção por mútuo acordo, seja no sentido de devolver a remuneração entregue como contrapartida, seja reduzi-la.
81.–Em suma, tendo sido reconhecido judicialmente como valido e eficaz o Acordo descrito na alínea g) como “contrapartida” e não como adiantamento ou antecipação do pagamento da remuneração, o tribunal a quo tinha que ter proferido decisão diversa da recorrida, já que entre as partes foi criado um instrumento jurídico vinculativo com força obrigatória.
82.–Trata-se assim de um pacto objectivo, que uma vez concluído em obediência aos princípios da boa-fé negocial, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar (unilateralmente) dele – Pacta sunt servanda.
83.–Como nega ao julgador a possibilidade de o modificar ou de o interpretar diferentemente daquela que foi estabelecido pelas Partes.
84.–Concluindo, ao julgar procedente a presente ação, o Tribunal a quo, proferiu uma decisão ilegal que fere o Principio da Liberdade Contratual contido nos Artigos 405º e 406º do Código Civil que após reexame do Tribunal Superior aos factos considerados Provados, reverterá o sentido da mesma, julgando totalmente improcedente o pedido dos Recorridos.
85.–Em nossa modesta opinião, o arbítrio judicial também excedeu-se, uma vez que proferiu um Sentença cujas fronteiras naturais e jurídicas da AUTONOMIA PRIVADA foram claramente ultrapassadas.
86.–A douta sentença proferida desrespeita ainda outro Principio basilar do nosso direito que é a Proibição do abuso de direito contido no Artigo 334º do Código Civil.
87.–Finalmente e salvo melhor opinião, entendemos que o tribunal a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento e não se pronunciou sobre o incumprimento do acordo estabelecido entre as partes considerado assente na alínea g) reconhecido como valido e eficaz.
88.–Se as partes, como contrapartida da redução da remuneração da Apelante acordaram uma particularidade deste contrato ao regime geral dos contratos, não tinha o tribunal a quo que proferir decisão como se de um contrato normal se tratasse, integrando, erradamente, no regime geral e contrariando o pedido dos recorridos, concluindo que a Apelante não tinha direito a qualquer remuneração por não se ter concluído o negócio.
89.–Ou seja, o tribunal a quo prenunciou se sobre uma questão que não lhe cabia apreciar, uma vez que as partes aceitaram que a Apelante tinha direito a uma remuneração como contrapartida desse acordo ainda que não fosse concluído com sucesso o negócio, e sobre o cumprimento ou incumprimento das partes desse acordo, sobre a possibilidade dos recorridos alterarem unilateralmente o valor estipulado, não se prenunciou como era a sua obrigação.
90.–Por isso, a Douta Sentença proferida está assim ferida de Nulidade em conformidade com o disposto contido no Artigo 615º n.º 1 alínea d) do C.P.Civil.
Consequentemente V. Excelências, por ELEMENTAR JUSTIÇA não deixarão de julgar nula e improcedente a presente demanda, fazendo a Costumada JUSTIÇA!”

Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
a.-Em 3 de Janeiro de 2017, no âmbito da sua actividade comercial, a ré assinou com os autores um escrito denominado «contrato de mediação imobiliária», através do qual a primeira se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel melhor descrito na Conservatória do Registo Predial de S. sob o n.º 0000, em regime de não exclusividade, cujo conteúdo, com a petição, se dá por integralmente reproduzido em razão da sua extensão.
b.-Mais acordaram que a «a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (…) pelo preço mínimo de 680.000 €, desenvolvendo, para o efeito, acções de promoção e divulgação que entender mais adequadas a atingir o objectivo pretendido, ficando sempre obrigada a informar periodicamente (…) sobre quais as actividades entretanto desenvolvidas»,
c.-«Pela prestação dos serviços acordados», os autores se obrigavam «a pagar» à ré, «a título de remuneração, uma comissão de 5%, calculada sobre o preço efectivo da concretização do negócio, acrescida do IVA à taxa legal em vigor»,
d.-«A remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato»,
e.-E «a comissão (…) é devida e paga no dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda, caso exista, ou no dia da escritura de compra e venda».
f.-Com o consentimento dos autores, o preço de venda do imóvel foi reduzido para a quantia de 670.000 €.
g.-Como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel, e sempre verbalmente, a ré comunicou aos autores que aceitaria reduzir a sua comissão para o valor de 24.000€, acrescido de IVA, mediante o pagamento de 19.520 € com a conclusão e celebração do contrato-promessa e de 10.000 € com a celebração da escritura, o que estes aceitaram.
h.-Por escrito datado de 21 de Setembro de 2017, sob a epígrafe «contrato-promessa de compra e venda», os autores declararam prometer vender, e a senhora GC e o senhor HH declararam prometer comprar, pelo preço de 670.000 €, o referido prédio.
i.-Mais declararam que a escritura de compra e venda seria outorgada até ao dia 29 de Junho de 2018.
j.-A título de sinal e de princípio de pagamento, os autores receberam daquele casal a quantia de 67.000 €, logo nesse dia.
k.-Também nesse dia, os autores entregaram à ré, a título de comissão, a quantia de 19.520 €.
l.-Estavam, então, convencidos de que a escritura de compra e venda iria realizar-se.
m.-Porém, por carta de 29 de Maio de 2018, a senhora GC e o senhor HH declararam aos autores que «estamos impossibilitados de cumprir o contrato-promessa de compra e venda (…) por razões estranhas à nossa vontade, não dispomos de meios para pagar o remanescente do preço do imóvel (…) lamentamos e solicitamos a v/ compreensão para esta situação».

***

A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
1.–Como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel, por proposta da ré aos autores a comissão seria de 19.520 €.”

***

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1.- Da nulidade da decisão
2.- Da obrigação de pagamento da remuneração

1.–Da nulidade da decisão
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º, nº 1 do C.P.C. que estabelece:
“É nula a sentença quando:
a)- Não contenha a assinatura do juiz;
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e)- O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

A nulidade por omissão e por excesso de pronúncia está diretamente relacionada com o disposto no artº 608º, nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve apreciar todas as questões que lhe são colocadas, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão daquelas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

A nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o Tribunal deixe por decidir qualquer questão temática principal, para o que relevam as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir - realidade bem diversa da não consideração de alguns dos meros argumentos, motivos ou razões invocados perante o Tribunal e que, de modo algum, se reporta a meros factos, não se confundindo também com o erro de julgamento.

Como é unânime na jurisprudência, de que é exemplo o Ac. STJ de 03-10-2017, disponível em in www.dgsi.pt:
“As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.
A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.
Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.”
“(…) o excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes. Em termos breves, “a causa do julgado não se identifi[ca] com causa de pedir ou o julgado não coincid[e] com pedido” (TCAS 11-1-2018/Proc 338/17.8BESNT (JOAQUIM CONDESSO)).

A saber, e respetivamente:
a)-o juiz “conhe[cer] de questões de que não podia tomar conhecimento” (segunda parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º), (i) seja por violação da segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º (por força do qual, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”), (ii) seja por já ter esgotado o seu poder jurisdicional, por efeito do disposto no artigo 613.º, n.º 1, (iii) seja por violar caso julgado anterior, o que a força obrigatória o impede, enquanto proibição de repetição decisória (cf. artigos 619.º e 620.º), mesmo se o tribunal que decidiu fora outro.”- Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Julgar Online, maio de 2020, pág. 27.

Pugna a apelante pela verificação da nulidade por a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre o (in)cumprimento do acordo verbal posterior ao contrato (omissão) e por não ter respeitado os contornos do acordo estabelecido entre as partes, concretamente a contrapartida devida, procurando dar-lhe outra natureza, julgando a entrega da remuneração à apelante uma antecipação ou provisão do pagamento final pela celebração da escritura de compra e venda, quando as partes acordaram que esta era devida aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda, o que os próprios recorridos aceitam, ainda que em montante inferior (excesso).

Não ter a sentença concluído no mesmo sentido que a apelante não constitui qualquer omissão de pronúncia. A decisão recorrida não deixou de conhecer qualquer questão, na aceção ora exposta, que se lhe impusesse.

A remuneração devida (e o acordo firmado posteriormente ao contrato) não constitui questão não apreciada pelo tribunal, nem a interpretação dos factos provados e a aplicação do direito aos mesmos constitui excesso de pronúncia, antes revelando discordância com o decidido, reconduzindo-se a eventual erro de julgamento – o que acaba por ser reconhecido pela própria apelante quando alega que o tribunal “interpretou e enquadrou erradamente esse “acordo“ no regime legal dos contratos de mediação imobiliária como se nenhuma particularidade o distinguisse dos restantes.”

Acresce que nos termos do disposto no artº 5º, nº 3 do CPC o juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Improcedem, pois, as imputadas nulidades.

2.- Da obrigação de pagamento da remuneração
Não vem questionada a qualificação jurídica da relação negocial estabelecida entre as partes como sendo um contrato de mediação imobiliária – com o que se concorda.
Este contrato está previsto e regulado na Lei 15/2013, de 08/02.
O artigo 2.º, nº 1 da referida Lei, define a atividade de mediação imobiliária como a consistente na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
O contrato de mediação é, assim, um contrato de prestação de serviços, típico, formal, em que uma das partes (a empresa de mediação) se obriga perante a outra (o cliente), mediante retribuição, a procurar interessados para negócio que o cliente pretende celebrar, ou seja, a promover o encontro de contraentes com o cliente com vista à celebração do negócio que este pretende realizar.
A obrigação da mediadora é uma obrigação de meios, assumindo o resultado (realização do contrato visado) uma condição de pagamento da remuneração.
“No contrato de mediação imobiliária, a obrigação do mediador é comummente classificada como uma obrigação de meios, pois a sua actividade é orientada para conseguir, como resultado, pessoa interessada em outorgar como contraparte do cliente no desejado contrato, mas este resultado/acontecimento não consubstancia a obrigação do mediador, uma vez que está fora da sua disponibilidade, dependendo antes do conjunto de vontades do cliente e do terceiro angariado.
Contudo, o resultado alcançado é condição para o direito do mediador à remuneração, já que que esta é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.” – Ac. RC de 18/02/2020 (no mesmo sentido, v. entre outros, Ac. RL de 15/04/2021, Ac. RG de 14/01/2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Estabelece o artº 19º deste diploma legal que:
1-A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2-É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel (…)”

Em 3 de janeiro de 2017 foi formalizado acordo entre os AA. e a R., mediante o qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel melhor descrito na Conservatória do Registo Predial de S. sob o n.º 0000, em regime de não exclusividade. Mais acordaram que “a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (…) pelo preço mínimo de 680.000 €, desenvolvendo, para o efeito, ações de promoção e divulgação que entender mais adequadas a atingir o objetivo pretendido, ficando sempre obrigada a informar periodicamente (…) sobre quais as atividades entretanto desenvolvidas”. Foi, ainda, acordada a remuneração da R., uma comissão de 5%, calculada sobre o preço efetivo da concretização do negócio, acrescida do IVA à taxa legal em vigor, a qual só seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato, e que seria paga no dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda, caso existisse, ou no dia da escritura de compra e venda.

Com o consentimento dos autores, o preço de venda do imóvel foi reduzido para a quantia de 670.000 €. Como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel, e sempre verbalmente, a ré comunicou aos autores que aceitaria reduzir a sua comissão para o valor de 24.000€, acrescido de IVA, mediante o pagamento de 19.520 € com a conclusão e celebração do contrato-promessa e de 10.000 € com a celebração da escritura, o que estes aceitaram.

Em 21 de setembro de 2017 foi celebrado contrato promessa, mediante o qual os AA. prometeram vender e GC e HH prometeram comprar o referido imóvel, pelo valor de € 670.000,00. Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, os AA. pagaram à R. a quantia de € 19.520,00. O contrato de compra e venda não foi celebrado uma vez que os promitentes compradores comunicaram não lhes ser possível pagar o remanescente do preço.

A apelante sustenta que tem direito à remuneração que lhe foi paga (€ 19.520,00) com a celebração do contrato promessa, independentemente de não ter sido firmado o contrato de compra e venda, uma vez que as partes acordaram, verbalmente, em momento posterior à celebração daquele, o pagamento de parte da comissão aquando do contrato promessa e o restante com o contrato de compra e venda, como contrapartida da redução da comissão. É, pois, entendimento da apelante que o seu direito à remuneração nasce com a celebração do contrato promessa, na parte relativa ao montante de € 19.520,00; e com a celebração do contrato de compra e venda, na parte restante, ou seja, de € 10.000. E como este não se realizou, tendo recebido a quantia de € 19.520,00, nada tem a devolver aos apelados.

O Tribunal a quo não declarou a nulidade do acordo verbal efetuado pelas partes, com fundamento na falta de arguição pelos AA..

É controvertido que a nulidade por falta da forma legalmente exigida do contrato de mediação seja de conhecimento oficioso, atento o disposto no artº 16º, nº 5 da Lei 15/2013.

O único desvio ao regime da nulidade expressamente previsto no diploma que regula o contrato em causa, apenas tem por objeto a arguição pela empresa mediadora, vedando-lhe tal faculdade. Assim, indubitável é que essa faculdade assista aos outros interessados. Cremos também que o seu conhecimento oficioso não está vedado ao Tribunal.

Neste sentido v. Higina Castelo, Contrato de Mediação Imobiliária, Verbo Jurídico, pág. 18: “o teor literal da norma e a sua conjugação com a regra do art. 286 do CC conduzem a que a nulidade possa ser invocada por qualquer interessado, com exceção da empresa de mediação, e a que deva também ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. As decisões judiciais, porém, têm sido no sentido de apenas o cliente poder invocar a invalidade.

O que, em qualquer caso, não se deverá permitir é que o conhecimento oficioso do tribunal ou o conhecimento por invocação de terceiros conduzam ao aproveitamento do vício pela empresa de mediação, situação que a lei quis claramente afastar.”
Esta nulidade, atípica, visa essencialmente a proteção do comitente.

Nos presentes autos não está em causa a validade do contrato celebrado entre as partes em 03/01/2017, dado que o mesmo foi reduzido a escrito.

A questão da nulidade coloca-se relativamente às estipulações posteriores acordadas, o que importa trazer à colação o disposto no artº 221º, nº 2 do CC, que estabelece que “as estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.”

As estipulações em causa versam sobre a remuneração da R. e forma do seu pagamento.

Na petição inicial os AA. alegaram o mencionado acordo – sem arguir a sua nulidade -, acordo que foi parcialmente corroborado pela R., e que veio a ser considerado provado, ainda que em termos não exatamente coincidentes com os narrados na petição inicial e contestação. O Tribunal a quo considerou, além do mais, para prova desses factos as posições expressas nos articulados e as declarações de parte do representante legal da R. e dos AA. – tendo estes confessado designadamente o montante global da remuneração acordado com a R., em moldes diversos dos consignados na petição inicial (e tal como foram considerados provados).

No que concerne a validade das estipulações posteriores (ainda que aplicado a contrato de compra e venda), pode ler-se no Ac. do STJ de 14/09/2010, in www.dgsi.pt, que “ Mota Pinto referia que a aplicação deste critério - de as razões especiais da lei serem aplicáveis às estipulações posteriores ao documento - “será segura nalguns casos. Vaz Serra considerava que os pactos pelos quais se altera a área do prédio vendido, ou aumenta ou se agrava as obrigações (p. ex. fiança), cuja constituição a lei sujeita a forma, devem considerar-se abrangidos pela exigência de forma legal; mas já não quando o pacto cancele ou reduza as obrigações de alguma ou de ambas as partes (sujeição a um prazo da obrigação de pagar o preço, remissão do preço, limitação da obrigação do fiador, etc. Noutras hipóteses pode haver lugar a dúvidas” ( loc. cit., pág. 433). Com efeito, Vaz Serra (Provas. Direito Probatório Material”, 1962, B.M.J. 112, pág. 183) referiu a este propósito o seguinte:
Pode, todavia, acontecer que a razão da exigência da forma não abranja as estipulações acessórias. Se, por exemplo, a forma é exigida em atenção apenas às estipulações essenciais do contrato (trata-se, v.g., de forma exigida somente para fins de publicidade dessas estipulações) ou ela é exigida para garantir a ponderação das partes, ao assumirem as obrigações contratuais, a razão da forma não é aplicável às estipulações acessórias, no primeiro caso, nem às estipulações que cancelem ou reduzam as obrigações, no segundo caso ( uma vez que a forma é exigida para evitar que as partes contraiam levianamente obrigações, ela não é aplicável às estipulações que excluam ou atenuem essas obrigações).
Parece de presumir, dado que a forma visa, em regra, assegurar a ponderação das partes, que ela não é aplicável às convenções que excluam ou reduzem as obrigações derivadas do contrato ou da declaração negocial” (sublinhado nosso).

Considerando que, em contrapartida da redução do preço da venda do imóvel (que não constitui obrigação das partes no contrato de mediação), o valor da remuneração da R. foi reduzido e o respetivo pagamento deveria ocorrer em dois momentos, forçoso é concluir que tais estipulações, relativamente às quais a exigência de forma se prende essencialmente com a ponderação das partes,  não constituem um agravamento das obrigações assumidas pelos AA., sendo certo que a remuneração é, para os incumbentes, a principal obrigação que decorre do contrato de mediação, pelo que não se justifica declarar a sua nulidade.

Acresce que no caso dos presentes autos sempre seria de desconsiderar a nulidade, atento o princípio da boa fé, uma vez que as partes negociaram e acordaram alterar o contrato, atuaram na convicção de que não se suscitaria a nulidade de tal cláusula, gerando reciprocamente confiança na sua atuação, nulidade que não foi efetivamente arguida por qualquer das partes, mormente pelos AA., que antes fundaram a ação na sua validade e respetivos efeitos, sobrepondo-se à nulidade a proteção da tutela da confiança. Em suma, não deve o tribunal declarar a nulidade de cláusulas posteriores se o contraente a favor de quem a nulidade foi instituída não a invoca por ocorrer um circunstancialismo concreto em que essa arguição constituiria abuso de direito.

A interpretação do contrato e da alteração contratual deve ser efetuada em consonância com o disposto nos artºs 236º e ss. do CC.

Da cláusula 5ª do contrato (escrito) consta que a R. tinha direito a uma remuneração, correspondente a 5% do preço efetivo da concretização do negócio, acrescida de IVA (nº 1), a qual apenas seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato de mediação, nos termos do disposto no artº 19º da Lei 15/2013, de 08/02 (nº 2), e devia ser paga ser paga no dia da celebração do contrato promessa, caso existisse, ou no dia da escritura de compra e venda (nº 3).

O momento do pagamento é distinto do momento em que nasce o direito à remuneração: este apenas ocorre com a celebração do contrato visado no contrato de mediação, in casu, o contrato de compra e venda, ainda que as partes tenham convencionado o seu pagamento antecipado, com o contrato promessa, se existir. O que significa que, celebrado o contrato promessa e paga a remuneração, se o contrato visado com a mediação não se viesse a concretizar devia a mediadora, ora R., devolver aos AA. a comissão recebida – entendimento que a apelante também subscreve. Defende, contudo, que o acordo superveniente consignou o direito a parte da remuneração com a celebração do contrato promessa, independentemente da concretização do contrato visado, e o restante com o contrato prometido.

Ora, a alteração contratual efetuada em nada belisca aquele entendimento, seguido pelo tribunal recorrido.

Para um declaratário normal o facto provado sob a al. g) tem o sentido de as partes terem introduzido uma alteração ao valor da comissão e ao momento do seu pagamento, reduzindo a comissão ao valor global de € 24.000, acrescido de IVA, a ser pago em duas “tranches” – alteração que tem por objeto apenas os nºs 1 e 3 da cláusula 5ª -,  deixando intocado o momento da constituição do direito à remuneração, que continuou a ser o da celebração do contrato visado com a mediação, em conformidade com o nº 2 da clausula 5ª, ficando esta inalterada. Não tendo este sido concretizado têm os AA. direito à devolução da quantia paga, que em obediência à proibição estatuída no artº 609º do CPC, é no montante peticionado de € 16.170,00.  Este sentido é o que tem correspondência na alteração acordada e nos demais factos provados.

A apelante insiste no aspeto de a alteração do valor da comissão e da obrigação do seu pagamento resultar de uma contrapartida para si, pela redução do valor da comissão.

Não lhe assiste razão.

É que a contrapartida refere-se à redução do preço para os AA, como decorre de forma cristalina do teor do facto provado sob a alínea g): “como contrapartida da redução do preço de venda do imóvel, e sempre verbalmente, a ré comunicou aos autores que aceitaria reduzir a sua comissão para o valor de 24.000€, acrescido de IVA, mediante o pagamento de 19.520 € com a conclusão e celebração do contrato-promessa e de 10.000 € com a celebração da escritura, o que estes aceitaram” – conjugado com os demais factos provados. Da sua interligação, mormente do facto elencado na alínea antecedente, resulta que os AA. aceitaram a redução do preço de venda do imóvel em € 10.000, porque a R. aceitou suportar essa diferença, reduzindo a sua comissão em idêntico valor, bem como aceitando receber o respetivo pagamento em duas tranches.

Na clausula 5ª usa-se a expressão “devida” para se regular o momento em que o pagamento da remuneração deve ser efetuado. Tal expressão não contende com a constituição do direito à remuneração apenas com a concretização do contrato visado com a mediação. Salienta-se que não é por ter sido utilizado esse termo que a apelante entende que, na versão escrita do contrato, tinha direito à remuneração ainda que o contrato visado não se concretizasse. Não há qualquer diferença na estipulação posterior, em que apenas se fixa que uma parte da remuneração deve ser paga com o contrato promessa e o restante com o contrato prometido, sem que tenha sido provado qualquer outro facto que permita sequer indiciar que a parte da remuneração paga com o contrato promessa revista natureza específica. O que as partes acordaram foi um momento diferente para a entrega de parte da remuneração, o que configura antecipação do cumprimento (artº 440º do CC).

Se as partes quisessem atribuir à quantia de € 19.520,00 a natureza de compensação pelo trabalho desenvolvido pela R. a culminar no contrato promessa, independentemente do seu cumprimento/concretização do negócio visado, impunha-se que a R. tivesse logrado provar isto mesmo, ou seja, que as partes quiseram alterar a clausula 5ª, nº 2 do contrato, naqueles precisos termos – o que não ocorre (neste sentido, v. entre outros, Ac. RL de 20/02/2020, Ac. RG de 04/02/2021, ambos em www.dgsi.pt).

Nada mais se provou quanto à vontade das partes. Na p.i., os AA. afirmaram que pagaram a quantia de € 19.520,00, convencidos de que a escritura de compra e venda iria realizar-se e caso soubessem que os promitentes-compradores iam desistir do negócio, apenas teriam pago à Ré Imobiliária a quantia de € 3.350,00, correspondente a 5% do sinal recebido de € 67.000,00. Esta posição tem subjacente o entendimento de que a comissão era devida com a realização do contrato prometido, mas uma vez que tal não ocorreu e apenas receberam o sinal, entendem que a R. tem direito a 5% desse valor.

Como já afirmámos o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Acresce que, para além do alegado na p.i., o tribunal apurou outros factos relativamente ao acordo superveniente, como o valor global da comissão (€ 24.520,00) e o seu pagamento em duas tranches.

A apelante defende que ao abrigo do princípio da liberdade contratual, as partes estipularam uma remuneração diferente da prevista no regime geral do contrato de mediação imobiliária.

Nos contratos de mediação a regra (imperativa) é a de a remuneração ser devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (artº 19º, nº 1, 1ª parte).

Para que a remuneração da mediadora assuma diferente enquadramento, nos termos da 2ª parte do citado preceito legal, designadamente uma retribuição específica pelo serviço prestado e sua evolução determinante da celebração do contrato promessa – em alternativa à situação regra, que faz depender da realização do contrato visado o direito à remuneração, é mister que fique claramente consignado no contrato essa alternativa.

Como se refere no Ac. RG de 09/07/2020, in www.dgsi.pt,  “com a redacção dada (em matéria de direito à remuneração) à norma do nº 1, do artº 19º, da referida Lei (diversa, na forma e nos elementos normativos, do precedente artº 18º, nº 1, e respectiva alínea b), do Decreto-Lei nº 211/2004, alterado pelo Decreto-Lei nº 69/2011), o legislador quis, no seu primeiro segmento, estabelecer como imperativa a regra de que a remuneração típica desta espécie contratual é devida apenas (ou seja, só se constitui) com a conclusão e perfeição do negócio visadosem prejuízo da possibilidade de as partes acordarem o seu pagamento/vencimento em momento antecipado (artº 440º, CC), como é o da celebração do contrato-promessa.
Mas admitiu também, no segundo segmento, a possibilidade de as partes convencionarem uma outra remuneração específica, devida designadamente com a celebração do contrato promessa, que não se identifica com aquela, nem portanto, se conexiona com a conclusão e perfeição do negócio visado antes se constitui como uma justa contrapartida sinalagmática da satisfação proporcionada ao cliente obrigado a pagá-la pela celebração daquele e compensa especialmente a mediadora pelo seu desempenho, até aí, sendo, portanto, logo devida em função do estado de evolução do negócio mediado traduzida na outorga da promessa.(sublinhados nossos)

E, como assinalado, incumbia à apelante alegar e provar que o pagamento da quantia de € 19.520,00, tinha a natureza de remuneração específica – e não aos AA. provar que se tratava de antecipação de pagamento com a perfeição do negócio.

“Concluindo-se, porém, em face do teor literal da cláusula, das regras de interpretação dos contratos e das circunstâncias fácticas apuradas, que as partes não quiseram convencionar, além da que seria devida pela concretização, concluída e perfeita, do negócio visado (1ª parte do nº 1 do artº 19º) uma outra e diversa remuneração específica (2ª parte da mesma norma) conexa com a outorga do contrato-promessa realizado, a consequência a daí retirar é que quiseram apenas antecipar para este momento o prazo de vencimento. Tendo, por isso, a remuneração acordada sido paga mas não se tendo concretizado o negócio prometido porque os promitentes decidiram dá-lo sem efeito, deve a mediadora restituir à cliente a remuneração antecipadamente recebida.” – Ac. RG de 09/07/2020, www.dgsi.pt.

A estipulação de remuneração em desvio ao disposto no artº 19º, nº 1 gera nulidade da respetiva cláusula – neste sentido cfr. Ac. RG de 09/07/2020 e de 04/02/2021, www.dgsi.pt.

Assim, face aos factos provados, ao abrigo do disposto no artº 19º, nº 1, 1ª parte da Lei 15/2013, de 8/02, a apelante apenas teria direito à remuneração acordada, caso se tivesse celebrado de forma perfeita o contrato de compra e venda. Uma vez que tal não ocorreu e que os AA. pagaram à R. a quantia de € 19.520,00, com a celebração do contrato prometido, por tal ter sido acordado nesse momento, o que constitui antecipação do cumprimento (artº 440º do CC), deve a apelante restituir aos AA. a quantia de € 16.170,00, por corresponder ao valor peticionado.-

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.


Lisboa, 25 de novembro de 2021


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço