Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2015/10.1TDLSB.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: AUSÊNCIA DO ARGUIDO
LEITURA DA SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença;
II - A presença do arguido em várias sessões da audiência de discussão e julgamento, a sua notificação para a sessão designada para leitura do acórdão e a presença neste acto da sua ilustre mandatária, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa;
III - A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor. (Sumariado pelo relator).
Decisão Texto Parcial: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº2015/10.1TDLSB, da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal - Juiz 4, o arguido L., foi julgado, em audiência que decorreu ao longo de várias sessões e que terminou com a leitura do acórdão na sessão de 30Julho12, à qual o recorrente não compareceu, mas a que estava presente a ilustre Defensora, nesse acto tendo sido proferido o seguinte despacho "Dada a falta do arguido L., que se encontrava presente na primeira sessão, nos termos do art.373, nº3, CPP, considera-se notificado do acórdão na pessoa da sua ilustre mandatária".

Posteriormente, o recorrente veio invocar a nulidade, por falta de notificação do acórdão, apreciada por despacho de 23Jan.17, com o seguinte teor:

"...

fls.9312:

Veio o arguido L. arguir a nulidade do art.119, al.c, CPP por falta de falta de notificação do acórdão, e requerer que seja julgado que a norma art.373 , nº3 do C.P.Penal não pode ser aplicada por violação disposto no art.32, nº1 e 6, CRP, sem embargo do principio da especialidade.

E que, se houver alargamento do âmbito do MDE, seja mandado notificar o acórdão pessoalmente ao arguido.

.....

Cumpre apreciar e decidir:

Compulsados os autos verifica-se que o arguido L.não foi julgado na ausência nos termos do art.333 do C.P.Penal, pelo contrário, o arguido que, tendo faltado a partir de certa altura, inclusivamente na sessão de 11-07-2012, na qual foi designada data para leitura do acórdão o dia 30-07-2012, e nesta última, foi sendo sempre das mesmas notificado, designadamente para a sessão de leitura do acórdão, via postal com prova depósito para a morada constante do TIR (fls.2916) como resulta inequivocamente de fls.6497 e prova de depósito junta a fls.6690 - cfr. art.113° nº3 e 196°,2 do C.P. Penal. Assim sendo, o despacho proferido na sessão de audiência de audiência de julgamento e de leitura do acórdão de 30-07-20122 (cfr ata de fls. 6944 e verso) e que considerou o arguido L.notificado do acórdão na pessoa da sua ilustre mandatária, que se encontrava presente, não padeça de qualquer nulidade.

Efetivamente dispõe o art.373°, nº3 do C.P.Penal que "O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído".

Como tem sido o entendimento maioritário da Doutrina e Jurisprudência o art.373, C.P.Penal constitui uma norma complementar do regime notificação previsto no art.113, nº10, 333°, nº1 , 2, e 5, 334, nº2 e 4 , 332, nºl5 e 6 , 325°, nº4 e 5, sendo aplicável nos, designadamente, quando o arguido esteve presente numa das sessões da audiência de julgamento, mas ausente na leitura de sentença, bem como quando consentiu na realização da audiência de julgamento na sua ausência, ou nos casos em que o arguido foi afastado ou se afastou da sala de audiências durante o julgamento de julgamento e não esteve presente na leitura da sentença e/ou o arguido foi dispensado estar presente na leitura de sentença e esteve presente no julgamento.

Todas estas situações pressupõem, obviamente, que a sentença tenha sido lida perante o defensor ou advogado. E, em todos eles o início do prazo para recurso corre desde a notificação ao defensor nomeado ou constituído.

A conformação constitucional desta interpretação decorre garantias de defesa, designadamente, o direito ao recurso, serem asseguradas com a notificação sentença ao defensor, suposto que o arguido sabe, tem obrigação de saber ou podia saber (caso fosse minimamente diligente) do seu julgamento e da publicitação da sua sentença/acórdão, como sucede no caso dos presentes autos, em que o arguido esteve fisicamente presente em audiência de julgamento, embora entretanto se tenha ausentado, casos em tem plena aplicação o disposto no art 373°,3 do C.P.Penal .

Efetivamente tem sido ponderado o facto a impugnação da sentença/acórdão ser essencialmente uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor, pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso são asseguradas com a notificação da sentença/acórdão ao defensor constituído ou nomeado, desde que verificado o aludido pressuposto (aplicabilidade do disposto no art.373°, 3 do C.P.Penai nos moldes já referidos).

Vide, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário Código de Processo penal, anotação 13, pag.939; Oliveira Mendes em anotação ao art.373 do CPP, in Cod. Proc. Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, pág. 1117.

Na jurisprudência, destacamos, entre outros, pela clareza, assertividade e completude Ac. de 18-06-2013, processo, nº355/04.8TABNV.L1..., onde escreveu, no Sumário: " 1- Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento conforme à nossa constituição (...)" E, na fundamentação: "Com efeito, a presença do arguido na sessão da audiência em que foi produzida parte da prova e do seu ilustre mandatário na sessão em que foi designada data para leitura da sentença, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa".

...

Pelas razões expostas, julga-se improcedente a nulidade/inconstitucionalidade invocada, indeferindo-se todo o requerido, incluindo a notificação pessoal do acórdão ao arguido, acórdão este já transitado em julgado.

Notifique.

.....".

2. Inconformado, o arguido recorreu, concluindo:

2.1 O arguido faltou à sessão de julgamento de 30/07/2012, como antes tinha faltado a algumas outras sessões de julgamento;

2.2 O que significa que o arguido faltou à sessão de julgamento de 30/7/2012 não por ser a de leitura acórdão, mas por outro motivo, sendo certo que estava em liberdade.

2.3 O tribunal em 30/7/2012 fez constar da acta da mesma data que o arguido: "nos termos do art.373º nº 3 do C.P.P. considera-se notificado na pessoa da sua ilustre mandatária."

2.4 A norma do artº 373º nº 3 do CPP tem de ser interpretada de forma  restricta face ao disposto no artº113º nº 10 do CPP, na medida em que esta norma ordena a notificação ao arguido, para além da notificação ao defensor.

2.5 O Tribunal Constitucional no Ac. de 20/5/2003, publicado no DR II Série, de 3/6/2003, julgou que a norma do artº 373 nº 3, do CPP deve ser interpretada no sentido de que consagra a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo enquanto essa notificação não ocorrer, contra o prazo para ser interposto recurso sob pena de inconstitucionalidade por violação dos nºs 1 e 6 do artº 32º da CRP.

2.6 A norma do artº 113 nº10 é muito clara quando estatui que a sentença tem de ser notificada pessoalmente ao arguido, sem estabelecer quaisquer excepções, seja a de ter estado presente no julgamento e se ter ausentado, seja outra.

2.7  Em bom rigor, cumpre procurar na "ratio essendi" do dever de notificação das sentenças, sobretudo das condenatórias, a necessidade da notificação pessoal do arguido.

2.8 O legislador quis apenas assegurar que o principal interessado teve conhecimento da sentença, dos seus termos e dos seus efeitos.

2.9 A mandatária do arguido na data não falou mais com o recorrente e não lhe entregou cópia acórdão.

2.10 A notificação pessoal do arguido é assim uma garantia de que o arguido teve conhecimento acórdão e que tem a liberdade de decidir que seja interposto recurso ou não, se motivos, se fundamento houver para tanto.

2.11 Em anotação ao artº 373 do CPP, na obra Código de Processo Penal, comentado, 2014, Almedina , pág.1164, António Henriques Gaspar e Outros escrevem:

"O artº 113 ao fixar as regras gerais sobre notificações, conquanto estabeleça que as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor, impõe no seu nº 9 que a sentença seja notificada, quer ao arguido quer ao seu defensor. Trata-se de imposição que encontra a sua justificação, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10Maio19, publicado na CJ (STL) XVIII, II, 190, na circunstância de a sentença constituir acto processual através qual conhece a final do objecto do processo. Assim o nº 3  do presente artigo ao estabelecer que o arguido ausente considera-se notificado da sentença depois de esta ser lida perante o seu defensor nomeado ou constituído, entra em colisão com a regra geral".

2.12 Ora, o despacho de 30/7/2012 é ilegal por violação da norma do artº113, nº10 e da norma do art.32º nº 1 e 6 da CRP e artº 6º nº 1 da CEDH.

2.13 Verifica-se pois que não foi feita a notificação da sentença ao arguido o que constitui a nulidade do artº119º al. c) do CPP, o que expressamente se argui.

2.14 O arguido foi detido no âmbito de um MDE emitido pelo Tribunal da Comarca da Guarda, mas o STJ deferiu a Providência de Habeas Corpus, tendo ordenado a libertação do arguido.

2.15 Antes de solto pelo Ac. do STJ de 26/10/2016, Proc. 30/07.5TELSB. S1, da 5ª Secção, Providência de Habeas Corpus , o recorrente foi notificado do acórdão e, por isso,

2.16 Em requerimento de F!s. 9372 arguiu a nulidade do art,119, al.c, CPP por falta de notificação do acórdão e requereu que a norma do artº373, nº3, CPP seja julgada inconstitucional, por violação do artº 32º nº 1 e 6 da CRP, sem embargo do princípio da especialidade, despacho que demorou imenso a ser proferido.

2.17 O despacho recorrido, proferido em 20/1/2017, é ilegal e sofre do vício de inconstitucionalidade - que é uma nulidade atípica como ensina o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa na obra " O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional", no excerto supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

2.18 A interpretação que o tribunal "a quo", no despacho recorrido fez da norma do art.373 nº 3 do CPP é materialmente inconstitucional, e ofende ainda o disposto art.6º nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2.19 O despacho recorrido é ilegal e sofre do vicio de nulidade do art.113 nº10 e 119 al.c) do CPP , sendo que a norma do art.373 nº3 deve ser interpretada no sentido de que consagra a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso sob pena de inconstitucionalidade por violação dos nºs 1 e 6 do art.32, da CRP.

2.20 Devendo pois ser julgado procedente este recurso, julgando-se ilegal o despacho recorrido, e inconstitucional a norma do artº 373º nº 3 CPP, por violação do disposto no artº 32º nº 1 e 6 da CRP, na interpretação perfilhada pelo tribunal a quo no sentido de o acórdão condenatório não ter de ser notificado pessoalmente ao arguido, podendo ser somente notificado ao mandatário.

2.21 O despacho recorrido interpretou a norma do art.373 nº 3 , CPP e os arts.32 nº1 e 6 da CRP e art.6 da CEDH no sentido de ser suficiente a notificação do acórdão ao mandatário e deveria tê-las interpretado no sentido de ser obrigatória a notificação pessoal ao arguido.

3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, o Ministério Público respondeu, invocando a sua intempestividade, alegando que o despacho que devia ter sido impugnado era o de 20Julho12 e, na improcedência dessa questão prévia, concluindo pelo não provimento do recurso.

4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta defendeu o não provimento do recurso.

5. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.

6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se o recorrente se deve considerar correctamente notificado do acórdão proferido em 30/7/2012.


*     *     *

IIº 1. Questão prévia.

Alega o Ministério Público que o recurso é extemporâneo, por a questão ter ficado assente com o despacho de 30Julho12, que decidiu considerar o arguido notificado do acórdão na pessoa da sua ilustre mandatária presente na leitura do acórdão.

Contudo, o arguido não reage contra aquele despacho, mas sim contra o despacho de 23Jan.17, que indeferiu nulidade por ele arguida, razão por que o prazo de recurso terá de ser contado da notificação deste despacho, daí a sua tempestividade.

2. Com interesse para apreciação do recurso, considera-se assente:

-o recorrente foi notificado para o julgamento, que decorreu ao longo de várias sessões, tendo estado presente no inicio da audiência de julgamento (8Fev.12), assim como em várias sessões seguintes, tendo faltado a outras sessões (designadamente 18Abr.12) e à sessão da audiência de discussão e julgamento em que se procedeu à leitura do acórdão (30Julho12), em cuja acta ficou consignado que o acórdão considerava-se notificado na pessoa da sua Ilustre Mandatária.

-o recorrente foi notificado da data designada para leitura do acórdão por carta simples com prova de depósito, dirigida para a morada que indicara no TIR;

3. A questão suscitada, foi apreciada por este mesmo colectivo, no Pº 355/04.8TABNV, por Ac. de 18-06-2013, acessível em www.dgsi.pt, citado no despacho recorrido, onde se decidiu " I - Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento conforme à nossa constituição; II - A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário sido notificado da data da leitura e faltando também, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor. ...".

Como se refere nesse acórdão, o art.113, nº9, do CPP, inserido no capítulo IV, com a epígrafe “Da comunicação dos actos e da convocação para eles”, estatui sobre a regra geral das notificações ao arguido, estabelecendo que as mesmas podem ser feitas ao respectivo defensor, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença.

No que diz respeito ao caso particular da sentença, aqui em discussão, no Título II, do CPP, sob a epígrafe “Da Audiência”, encontramos normas específicas, os arts.333, nº5, 334, nº6 e 373, nº3.

Os dois primeiros preceitos legais citados, relativos a casos de julgamento na ausência do arguido, expressamente consagram a necessidade de notificação pessoal da sentença ao mesmo “...logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”.

Como é sabido, antes da 4ª Revisão Constitucional, era pacífico o entendimento de que a Constituição impedia o processo de ausentes e que essa proibição resultava da necessidade de assegurar ao arguido todos os direitos de defesa.

Os impactos negativos de tal proibição no bom andamento dos processos e a ineficácia que o instituto da contumácia veio a revelar, justificou que ao art.32, da C.R.P. fosse acrescentado o actual nº6 “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.

Assim, aquelas normas relativas à notificação da sentença ao arguido, visaram conciliar a dispensa da presença do arguido ao julgamento, com a garantia dos direitos de defesa, que não obstante têm de ser assegurados, o que impedirá que uma decisão condenatória possa transitar sem se assegurar ao arguido a possibilidade de defesa pessoal.

Com base naqueles princípios, tem o Tribunal Constitucional interpretado as normas do nº1, do art.411 e do nº5, do art.333, do CPP, no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito da secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis[1].

No caso em apreço, porém, não estamos perante julgamento na ausência do arguido. Este, acompanhado por ilustre mandatária, esteve presente a várias sessões da audiência de julgamento, na sessão de 8Fev.12 foi identificado, declarou não desejar prestar declarações, noutras sessões assistiu à produção de prova, acabando por faltar a outras sessões da audiência de julgamento, nomeadamente à de 30Julho12, designada para leitura do acórdão, mas para a qual foi notificado e à qual compareceu a sua ilustra mandatária.

Nestes casos, em que o arguido compareceu a várias sessões da audiência de julgamento, foi notificado para a sessão designada para leitura do acórdão e faltou, estando presente a ilustre mandatária, não se justifica procedimento idêntico ao dos casos em que toda a audiência decorre na ausência do arguido, mas antes que ele se considere notificado da sentença depois desta ser lida perante defensor, como estabelece o nº3, do art.373, do CPP.

A presença do arguido em várias sessões da audiência de discussão e julgamento, a sua notificação para a sessão designada para leitura do acórdão e a presença neste acto da sua ilustre mandatária, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa.

A Constituição consagra que o processo criminal assegura todos os direitos de defesa (art.32), mas não impõe a notificação pessoal da sentença ao arguido, o que apenas se terá de considerar como obrigatório quando tal notificação for necessária à garantia desses direitos.

No caso, sabendo o recorrente que estava a decorrer julgamento em processo onde era arguido, no qual compareceu a várias sessões e tendo sido notificado da data designada para leitura do acórdão, acto a que esteve presente a sua ilustre mandatária, todos os seus direitos de defesa estão assegurados.

O caso dos autos não pode ser equiparado ao que incidiu o Ac. do T.C. nº59/99, em que estava em causa notificação de decisão do tribunal recurso, para o qual o arguido não foi convocado e a que não compareceu o defensor nomeado nos autos, nem ao do Ac. do TC citado pelo recorrente (DR IIª Série de 3Jun.03, Ac. nº274/03, de 28Maio03, no Pº nº7/03, 3ª Secção), em que está em causa a realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido, nos termos do art.334, nºs2 e 3, CPP, enquanto no caso em apreço o recorrente esteve presente. Também não é invocável o Ac. do STJ do STJ de 19Maio10, citado pelo recorrente, em que está em causa processo de revisão de sentença estrangeira, que nada em a ver com o caso em apreço.

O garantismo do processo penal, não pode chegar ao ponto de dar cobertura a atitudes de manifesto alheamento e recusa voluntária do exercício de direitos de defesa.

Se o arguido compareceu a várias sessões da audiência de discussão e julgamento, a sua ilustre mandatária a todas as sessões e ele foi notificado para a sessão de leitura do acórdão, não comparecendo, nem procurando saber o resultado junto do tribunal e se não procurou a sua ilustre mandatária para o mesmo efeito, sibi imputet.

A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário estado presente e ele notificado da data da leitura, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido benefício injustificado do infractor.

Assim, como têm entendido os nossos tribunais superiores, há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença[2], entendimento conforme à nossa constituição[3].

Em conclusão, não ocorreu qualquer nulidade, considerando-se o recorrente notificado do acórdão de 30Julho12, na data da respectiva leitura e depósito, há muito tendo o mesmo transitado em julgado.


*     *     *
IIIº DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em negar provimento ao recurso do arguido L., confirmando o despacho recorrido.

Condena-se o recorrente em três Ucs de taxa de justiça.

Lisboa, 6.6.2017


(Relator: Vieira Lamim)

(Adjunto: Ricardo Cardoso)



[1] Ac. nº312/05, do Tribunal Constitucional, de 8Jun.05 (D.R. IIª Série de 8Ago.05).

[2] Neste sentido, entre outros:

-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20Fev.13, Relator Elsa Paixão, acessível em www.dgsi.pt "Nas situações a que aludem os arts. 333° n°s 2, 3 e 5 e 334° n° 6 do Código de Processo Penal, o arguido está física e processualmente ausente da audiência e, por isso, o legislador não prescindiu da comunicação da sentença ao arguido através da sua notificação pessoal; II – Neste caso, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da data da notificação pessoal da sentença; III – Se o arguido esteve presente no julgamento, mas entretanto ausentou-se (justificada ou injustificadamente) e não assistiu à leitura da sentença, considera-se notificado com a leitura da sentença feita perante o seu defensor, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 373° do Código de Processo Pena. IV – A disposição legal contida no art.373, n°3 do Código de Processo Penal é uma norma especial relativamente à contida no art. 113° n° 9 e, por isso, prevalece sobre esta. V- Aqui, o prazo para o recurso conta-se da data do depósito da sentença mesmo que a secretaria o tenha notificado da sentença pois que tal notificação configura acto inútil que não produz qualquer efeito".

-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24Out.12, Relator Eduarda Lobo, acessível em www.dgsi.pt "I - O facto de o arguido ter comparecido a uma das sessões da audiência de julgamento e de ter sido dispensado de comparecer à seguinte, ocasião em que foi designada a data da leitura da sentença, não o desonera do dever de se informar sobre o estado do processo... ".
-Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20Nov.12, Relator Ana Brito, acessível em www.dgsi.pt "1. A lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença – a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333º, nº 5 do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373º, nº3 do CPP). 2. Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo, para o segundo caso, a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411º, nº1 - al. a) do CPP). 3. Esta diferença de regimes assume que apenas na segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado e sabe que o julgamento terminará com a leitura da sentença. 4. Justifica-se, por isso, a exigência de alguma pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa.  5. Também o TC tem entendido que “a cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade do arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente um notificação pessoal da mesma ao arguido”. 6. Encontrando-se assegurada a cognoscibilidade da decisão condenatória, só podendo “radicar numa grosseira negligência do próprio arguido um eventual e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença”, afigura-se também irrelevante a frustrada tentativa de notificação pessoal da data designada para a leitura da sentença, notificação que, não sendo proibida, também não é exigível no caso presente".
-Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 10-02-2014 (Pº 172/13.4PTSTB-A.E1, Relator ANTÓNIO.M.R.CARDOSO) "Tendo o arguido estado presente na audiência na qual foi marcada data para a leitura da sentença, do que foi notificado, mas falta no dia da leitura à qual apenas compareceu o seu defensor, o arguido considera-se notificado da sentença, contando-se o prazo de recurso da data do depósito da sentença, sendo ineficaz para esse efeito a notificação pessoal do arguido feita pela secretaria em data posterior".

-Ac. da Relação de Lisboa de 16Dez.98, na C.J. ano XXIII, tomo 5, pág.151 e, ainda, o Vive-Presidente da Relação de Évora, por despacho de 22Fev.06 (Reclamação nº506/06, acessível em www.dgsi.pt) “Nas situações em que o julgamento é efectuado na presença do arguido, mas em que este falta... à sessão da audiência designada para a leitura de sentença, o prazo para interpor recurso da sentença conta-se a partir da data do respectivo depósito”.

[3] O Ac. do TC nº489/08, DR nº219, Série II, de 11Nov.08, decidiu "Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado".


Decisão Texto Integral: