Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1015/19.0T8CSC.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
FUNDAMENTOS
FACTOS CONCRETOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. Sem prejuízo do amplo poder de gestão da empresa, o empregador, no despedimento por extinção do posto de trabalho, deve indicar e provar fundamentos de facto concretos que levem, numa relação de congruência, de forma razoável, ao despedimento daquele trabalhador. Não o fazendo, o despedimento é ilícito.
II. Não basta indicar para bem fundamentar o despedimento que a R. teve uma quebra de produção e venda de 10% e que eliminou o processo manual até então efetuado pela trabalhadora, quando nada se diz quanto à possibilidade de a afetar a outra atividade e nem por que razão teria de ser necessariamente aquela trabalhadora a ser despedida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

Tendo a A. impugnado o despedimento, e não havendo acordo, a empregadora apresentou o articulado de motivação.
A trabalhadora contestou, tendo excecionado e deduzido reconvenção.
A R. respondeu às exceções e à reconvenção.
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Findos os articulados o Tribunal proferiu sentença nestes termos:
“Declara-se ilícito o despedimento da trabalhadora AAA promovido pela entidade empregadora BBB., e, em consequência:
a) CONDENA-SE a entidade empregadora a reintegrar a trabalhadora no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) CONDENA-SE a entidade empregadora a pagar à trabalhadora as quantias, a liquidar, relativas às retribuições – incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal – devidas desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma dessas prestações e até integral pagamento (descontadas das importâncias que a trabalhadora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído no referido período, a entregar pelo empregador à segurança social);
c) CONDENA-SE a entidade empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 522,38 (quinhentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos);
d) ABSOLVE-SE a entidade empregadora do demais peticionado pela trabalhadora”.
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A R. não se conformou e recorreu, concluindo:
A) Entende a Ré que a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de nu-lidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que a ela presi-diram, conforme prescrevem os art.º 615.º, n.º 1, al. b) e 607.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 49.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho (CPT).
B) O Tribunal a quo não fez constar da motivação da sentença quais os factos que considerou não provados e em que meios de prova se suportou para formar a sua convicção quanto aos factos firmados e infirmados, o que constitui uma violação ao preceituado no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
C) Quanto à condenação da Ré a pagar à A. a quantia de 522,38 €, correspon-dente ao prémio de assiduidade relativo ao ano de 2018, o Tribunal a quo não enunciou as razões pelas quais formou esta convicção e não apreciou os concretos meios probatórios que foram postos à sua disposição e que considerou determinantes para a emissão do juízo decisório, o que prefigura uma violação do disposto do art.º 607/3 do CPC, e constitui causa de anulação da sentença, nos termos do art.º 615/1/b do CPC.
D) O prémio de assiduidade relativo ao ano de 2018 foi pago à Autora no recibo de vencimento de janeiro de 2019.
E) Andou mal o Tribunal a quo na interpretação e aplicação que fez dos art.º 369.º e 384.º, alínea c), do Código do Trabalho (CT) na sentença recorrida.
F) A Ré concretizou de forma clara e transparente, através das comunicações que endereçou à Autora no âmbito do processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, a motivação que conduziu ao seu despedimento.
G) A Ré comunicou à A. as causas objetivas que viu ocorrer na sua estrutura organizativa e que conduziram a que levasse a cabo o despedimento da A., nomeada-mente (1) as quebras de produção e vendas acima dos 10% do açúcar branco de cana, que representa a única atividade produtiva e económica da Ré, em função da abolição das quotas europeias de produção de açúcar de beterraba; (2) a eliminação do processo manual de preparação de faturas a fornecedores, sendo esta uma função única e exclusivamente acautelada pelo desempenho funcional da Autora.
H) A redução de efetivos como consequência das quebras de produção e de vendas foi uma decisão séria e unilateral da gerência da Ré a ser fiscalizada no plano probatório e judicial e que se insere nos processos de redução de pessoal que se têm verificado na Ré e não desconhecidos pela Autora.
I) A A. era a única trabalhadora da Ré com o posto de trabalho de “Payments Assistant”, não existindo qualquer outro posto de trabalho equivalente ao da Autora ou qualquer outro posto de trabalho no seio da empresa no qual a A. pudesse ser integrada, infirmando-se assim a premissa do nº 2 do art.º 368º do CT.
J) O posto de trabalho da A. tornou-se excedentário face à eliminação da totalidade do seu conteúdo funcional - o processo manual de preparação de faturas a fornecedores.
K) Tal motivação mostra-se de tal modo objetiva e concreta que a A. exerceu o seu direito ao contraditório, ao ter emitido o seu parecer nos termos do disposto no art.º 370.º do Código do Trabalho e ao ter contestado nos autos.
L) O preenchimento da alínea c) do artigo 384.º, do CT e que conduz inevitavelmente à consagração da ilicitude do despedimento, somente tem lugar quando o empregador despeça o trabalhador sem justificação ou mediante uma parca remissão para os artigos legais.
M) In casu, a Autora não viu o seu direito ao exercício do contraditório coartado pela inexistência ou deficiência de motivação concreta mencionada nas comunicações tendentes ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho.
N) Encontrando-se vertidos nas comunicações e nos próprios articulados da Ré, a motivação tendente ao despedimento e nunca tendo a A. mencionado desconhecer ou estar impossibilitada de compreender a motivação invocada pela Ré, restava ao Tribunal a quo fiscalizar a veracidade dos motivos invocados e o seu nexo causal com o despedimento, o que somente poderia ser feito se fosse oferecido às partes o direito de provar em juízo o por si alegado.
Remata pedindo a revogação da sentença e a prossecução da ação.
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A A. contra-alegou, pedindo a improcedência da ação e concluindo:
A. Como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação - e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade - integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615 do CPC.
B. É por demais evidente que a decisão recorrida não padece do vício de falta de fundamentação alegado pela Recorrente.
C. O Meritíssimo Juiz a quo enunciou a factualidade assente, com pertinên-cia, face à posição assumida pelas partes e os elementos documentais carreados para os autos, referindo expressamente os artigos dos articulados das partes e respetivo suporte documental em que baseou o seu entendimento de que a matéria em questão se encontrava assente.
D. Carece, assim, de fundamento a pretensa nulidade da sentença por suposta ausência de indicação dos factos considerados não provados e de indicação dos meios de prova em que o Mmo Juiz a quo se suportou para formar a sua convicção.
E. Também no que respeita à alegada nulidade da sentença por supostamente não enunciar as razões pelas quais foi condenada a R. a proceder ao pagamento à trabalhadora da quantia de € 522,38, correspondente ao prémio de assiduidade relativo ao ano de 2018, carece de fundamento a pretensão da Recorrente.
F. Sendo certo, sempre se diga, que é a própria R. que expressamente reconhece na carta remetida à A. em 31 de janeiro de 2019, que precedeu ao desconto no montante da compensação de 522,38 € referentes ao prémio de assiduidade que havia sido pago nesse mesmo mês de janeiro (cfr. Docs. 1 e 8 juntos com o articulado de motivação de despedimento da R.).
G. Também quanto ao pretenso erro de julgamento alegado pela Recorrente, não é a decisão recorrida merecedora de qualquer censura.
H. Conforme salientado em sede de contestação à motivação de despedimen-to e bem concluiu o Mmo. Juiz a quo, compulsada a comunicação enviada pela R. à A. nos termos e para os efeitos previstos no art.º 369 do CT, é evidente que da mesma não constam no que concerne aos invocados motivos de mercado, os motivos concretos que justificam a necessidade de extinguir o posto de trabalho da A.
I. Com efeito, conforme bem salientado na decisão recorrida, para além da circunstância de a alegada quebra "acima dos 10%" em termos de produção e vendas não se encontrar minimamente concretizada (o que inviabiliza a sua sindicância),
J. Da leitura da referida comunicação não decorre por que razão a invocada quebra conduziu à necessidade de extinção do posto de trabalho da A. e por que razão foi esse posto de trabalho - e não outro dentro da mesma estrutura ou secção - a ser considerado excedentário (face a tal alegado motivo estrutural).
K. Também como bem concluiu o Mmo Juiz a quo, sem conceder, ainda que a comunicação da Recorrente seja mais detalhada quanto aos motivos tecnológicos, não concretiza nem permite esclarecer desde quando foi implementada tal informatização dos serviços e qual a medida da alegada “quebra do volume de expediente diário de documentação contabilística a ser alvo de tratamento”.
L. Sendo certo que da comunicação não constam também os motivos que conduziram à necessidade de despedir a A., tendo presente que a sua categoria profissional era a de “escriturária principal” e que apenas se considera que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando, uma vez extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
M. Acresce, finalmente, que a comunicação da R. na qual (não) fundamenta a extinção do posto de trabalho da A., é igualmente omissa relativamente à ponderação da escolha da R. face aos demais trabalhadores da estrutura ou secção em que a mesma se encontrava,
N. Ignorando-se, e consequentemente não permitindo ao próprio tribunal que fiscalize a legalidade, por completo quantos trabalhadores existiam no departamento financeiro, quais as suas categorias profissionais e quais os conteúdos funcionais dos demais trabalhadores.
O. Elementos de facto concretos que permitiriam apurar se havia lugar à aplicação e se existiu ou não lugar à observância dos critérios de seleção previstos no art.º 368.º, n.º 2, do CT e, na afirmativa, permitir à A. deduzir oposição à aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a extinguir.
P. Como salientado em sede de oposição à motivação do despedimento e bem entendeu o Mmo. Juiz a quo, tais omissões para além de dificultarem gravemente ou inviabilizarem, na prática, o exercício por parte da trabalhadora das faculdades previstas no art.º 370.º, n.º 1 e 2 do CT, não podem deixar de ser cominadas com a ilicitude do despedimento, por força do disposto no art.º 384.º, alínea c), CT.
Q. Impondo-se, assim, a improcedência do recurso da R. e a manutenção integral da decisão recorrida.
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O DM do Ministério Público teve vista e defendeu a confirmação da sentença.
A R. respondeu ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
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II
A) É sabido e é jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC.
Deste modo o objeto do recurso consiste em saber se foram cumpridas as le-gais formalidades necessárias para a licitude do despedimento da A. e, eventualmente, se há algum vício de nulidade na sentença.
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São os seguintes os factos tidos por assentes (com fundamento em acordo das partes e em prova documental, sendo que o contido no n.º 9 corresponde a um aditamento ordenado infra):
1. A BBB., tem como atividade principal a refinação de açúcar branco de cana, sendo uma das principais empresas da indústria nacional de refinadores de açúcar.
2. A trabalhadora AAA encontra-se ao serviço, sob as ordens e direção da empregadora, desde 2002, embora com antiguida-de reportada a 13-03-1991, data em que foi admitida ao serviço da Sidul Participações SGPS, Lda.
3. A trabalhadora detinha a categoria profissional de “escriturária principal”.
4. A trabalhadora estava adstrita, pelo menos desde janeiro de 2017, à estrutu-ra orgânica denominada “Finance Accounting” (Direção Financeira/Departamento Financeiro), desempenhando as funções de “Payments Assistant”/”Payments Opera-tor”.
5. A empregadora remeteu à trabalhadora a comunicação intitulada “Comunicação da Necessidade de Despedimento por Extinção de Posto de Trabalho”, datada de 25-10-2018, cuja cópia faz fls. 38 e 39 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida, rececionada pela trabalhadora em 06-11-2018.
6. A trabalhadora respondeu à carta em 15-11-2018, nos termos que melhor constam da carta cuja cópia faz fls. 41 a 45 dos autos.
7. A empregadora remeteu à trabalhadora a comunicação intitulada “Comunicação da Decisão de Despedimento por Extinção de Posto de Trabalho”, cuja cópia faz fls. 46 a 49 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida, rececionada pela trabalhadora em 19-12-2018.
8. À data da decisão de despedimento a trabalhadora auferia a título de vencimento base e de diuturnidades a quantia mensal ilíquida de 1.414,80.
9. O prémio de assiduidade, referente ao ano de 2018, foi inicialmente pago à A. e depois descontado pela empregadora [1].
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C) De Direito
i. Da nulidade
A R. considera que a sentença é nula porquanto (A) enferma de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que a ela presidiram, conforme prescrevem os art.º 615.º, n.º 1, al. b) e 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi artigo 49.º, n.º 2 do CPT; (B) o Tribunal a quo não fez constar da motivação da sentença quais os factos que considerou não provados e em que meios de prova se suportou para formar a sua convicção quanto aos factos firmados e infirmados, o que constitui uma violação ao preceituado no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil; (C) não enunciou as razões pelas quais formou a convicção quanto à condenação da Ré a pagar à A. 522,38 €, correspondentes ao prémio de assiduidade relativo ao ano de 2018, e não apreciou os concretos meios probatórios que foram postos à sua disposição e que considerou determinantes para a emissão do juízo decisório, o que prefigura uma violação do disposto no art.º 607/3 do CPC, e constitui causa de anulação da sentença, nos termos do art.º 615/1/b do CPC.
Responde a A. que só a absoluta falta de fundamentação - e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade - integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615 do CPC.
Tem razão a A.: é consabido que só a absoluta falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615/1/b, do CPC. Neste sentido, por todos, cfr. Código de Processo Civil Anotado, Geraldes, Pimenta e Sousa, 737, nota 8 ao art.º 615, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.19 (disponível, como todos citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt): “A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito gera a nulidade, sendo que a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Ora, manifestamente não se verifica total falta de fundamentação: a sentença motiva-se de facto (invocando a posição das partes e a prova documental) e de direito (despendendo a sentença uma página e meia a fundar a conclusão da ilicitude da cessação e duas com as consequências). E nem se diga que falta a indicação dos factos não provados, já que não é o disposto no n.º 4 do art.º 607 do CPC que rege as nulidades.
Destarte se conclui que inexiste a dita nulidade da sentença.
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Refere ainda a R. que a sentença condena-a no pagamento de 522,38 € sem indicar as razões de facto da convicção, e que, para mais, tal até já está pago.
Responde a A. que a própria R. indica, nos documentos 1 e 8, juntos com o articulado motivador do despedimento, que depois de pagar tal quantia a deduziu no valor da compensação.
Apreciando e decidindo, duas notas cumpre retirar: que o Tribunal a quo não decidiu mal de fundo, já que efetivamente dos documentos 1 e 8 juntos pela R. resulta que depois de um cumprimento inicial, a empregadora retirou tal valor, que era devido à trabalhadora; e que, no elenco dos factos provados não consta esta factualidade, não obstante a questão ter sido conhecida.
Neste enquadramento, há que concluir que, além da questão ter sido conhecida de facto e de direito (referindo a sentença que o dito prémio de assiduidade, referente ao ano de 2018, foi inicialmente pago e depois descontado pela empregadora), não há nem pode haver nulidade por falta de fundamentação. O que há é uma falta de indicação da factualidade pertinente na sede própria, a saber, no elenco dos factos provados, deslocada para a discussão de direito.
Assim sendo, não há lugar a juízo de censura, seja por nulidade, seja por falta de decisão; há apenas uma forma menos feliz de indicar a factualidade, só por si irrelevante.
De todo o modo, ao abrigo do disposto nos art.º 662/2/c, a contrario, 663/2 e 607, todos do Código de Processo Civil, sendo ainda de notar que a regra da substituição determina que o Tribunal superior supra os vícios sempre que, como é o caso, o processo contenha os elementos necessários, adita-se à matéria de facto, de modo a passar a constar sob o n.º 9 da matéria de facto, o seguinte:
O prémio de assiduidade, referente ao ano de 2018, foi inicialmente pago à A. e depois descontado pela empregadora [2].
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a) do despedimento
Se o despedimento individual fundado em justa causa subjetiva, que assenta no comportamento culposo do trabalhador, é a forma paradigmática de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, outras existem, fundadas em motivos objetivos – o despedimento coletivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho – e fundados em causas mistas, predominantemente objetivas mas também subjetivas por imputáveis ao trabalhador embora não culposamente – o despedimento por inadaptação.
Nestas formas o cumprimento das formalidades legais é essencial e as incompleições procedimentais fundamentais acarretam a ilicitude do despedimento (cfr., em especial quanto à extinção do posto de trabalho, o disposto no art.º 384, CT). Como escreveu o acórdão da Relação do Porto, de 04-06-2007, “o despedimento por extinção do posto de trabalho deve fundamentar-se em razões objetivas, ligadas à empresa, apuradas num procedimento em que se observe um conjunto de requisitos e pressupostos, sob pena de ilicitude”.
Deste modo, o empregador tem de colocar à disposição do trabalhador a compensação até ao termo do aviso prévio, sendo a falta sancionada de igual modo.
Por secção ou estrutura equivalente entende-se uma unidade funcional dentro do organigrama da empresa (art.º 368, n.º 2). A omissão do cumprimento dos legais critérios tem como corolário a inverificação de que é “praticamente impossível” a subsistência da relação de trabalho (art.º 368, n.º 2 e 4).
O despedimento por extinção de posto de trabalho (art.º 367 a 372) fundamenta-se e tem por efeito a extinção do posto de trabalho, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa (art.º 367 e 359/2), a saber:
a) Motivos de mercado – redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade supervenien-te, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação (art.º 359, n.º 2 e 367, n.º 2)
Só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento coletivo.
2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:
a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
d) Menor experiência na função;
e) Menor antiguidade na empresa.
3 - O trabalhador que, nos três meses anteriores ao início do procedimento para despedimento, tenha sido transferido para posto de trabalho que venha a ser extinto, tem direito a ser reafectado ao posto de trabalho anterior caso ainda exista, com a mesma retribuição base.
4 - Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
5 - O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho. (art.º 368, CT)
O empregador comunica previamente, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, à associação sindical respetiva:
a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita;
b) A necessidade de despedir o trabalhador afeto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional (369, n.º 1).
c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir (art.º 369).
Acrescem informações e consultas (370, n.º 1): nos 15 dias posteriores à comunicação prevista no artigo anterior, a estrutura representativa dos trabalhadores, o trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, a associação sindical respetiva podem transmitir ao empregador o seu parecer fundamentado, nomeadamente sobre os motivos invocados, os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º ou os critérios a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, e as alternativas que permitam atenuar os efeitos do despedimento.
Cabe, por fim, ao empregador comunicar a decisão de despedimento, proferida por escrito, com cópia ou transcrição, ao trabalhador, aos seus representantes e à Autoridade para as Condições do Trabalho com antecedência mínima, relativamente à data da cessação, constando da decisão: 
a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º;
c) Prova da aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a extinguir, caso se tenha verificado oposição a esta;
d) Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho;
e) Data da cessação do contrato. (art.º 371, n.º 2 e 3).
A antecedência mínima (período de aviso prévio), relativamente à data da cessação, é de:
a) 15 dias, no caso de trabalhador com antiguidade inferior a um ano;
b) 30 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos;
c) 60 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a cinco anos e inferior a 10 anos;
d) 75 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a 10 anos. (art.º 363, n.º 1, 371, n.º 3, 378, n.º 2).
Durante este procedimento o trabalhador tem certos direitos:
- Não sendo observado o prazo mínimo de aviso prévio, o contrato cessa decorrido o período de aviso prévio em falta a contar da comunicação de despedimento, devendo o empregador pagar a retribuição correspondente a este período. (art.º 363, n.º 4)
- Durante o prazo de aviso prévio, o trabalhador tem direito a um crédito de horas correspondente a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo da retribuição. O crédito de horas pode ser dividido por alguns ou todos os dias da semana, por iniciativa do trabalhador (artigo 364.º, n.º 1 e 2)
- Durante o prazo de aviso prévio, o trabalhador pode denunciar o contrato de trabalho, mediante declaração com a antecedência mínima de três dias úteis, mantendo o direito a compensação (art.º 365.º)
- a receber a compensação correspondente a doze dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. Em caso de fração de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.
- Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo, mas a presunção pode ser elidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida (art.º 366, n.º 4 e 5). Cfr. ainda art.º 372 e 379.
O despedimento será ilícito, além das situações comuns às demais formas de resolução da iniciativa do empregador previstos no art.º 381, que se reconduzem a falta do procedimento, inexistência da causa de justificação invocada, descriminação e falta de parecer prévio no caso de puérperas, grávidas ou lactantes, quando o empregador:
a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;
b) Não respeitar os critérios de concretização de postos de trabalho a extinguir referidos no n.º 2 do artigo 368.º;
c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;
d) Não tiver colocado à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º por remissão do artigo 372.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho (artigo 384.º).
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No caso, a sentença recorrida estribou-se na seguinte ordem de razões:
“Compulsada a comunicação enviada pela empregadora à trabalhadora nos termos e para os efeitos previstos no artigo 369 do CT afigura-se-nos que, tal como sustenta a trabalhadora, da mesma não constam [no que concerne aos invocados motivos de mercado] os motivos concretos que justificam a necessidade de extinguir o posto de trabalho da aqui trabalhadora (artigo 369, n.º 1, alínea a), do CT).
Com efeito, para além da circunstância de a alegada quebra “acima dos 10 %” em termos de produção e vendas não se encontrar minimamente concretizada (o que inviabiliza a sua sindicância), da leitura da comunicação não decorre por que razão a invocada quebra conduziu à necessidade de extinção do posto de trabalho da trabalhadora e por que razão foi esse posto de trabalho – e não outro dentro da mesma estrutura ou secção – a ser considerado excedentário (face a tal alegado motivo estrutural).
Por outro lado, ainda que [quanto aos invocados motivos tecnológicos], a comunicação da empregadora seja mais detalhada (especificando que foi eliminado, mediante a informatização dos serviços, o processo manual de preparação e pagamento de faturas a fornecedores), deixando ainda assim por esclarecer desde quando foi implementada tal informatização dos serviços e qual a medida da alegada “quebra do volume de expediente diário de documentação contabilística a ser alvo de tratamento”, da comunicação não constam também os motivos que conduziram à necessidade de despedir a aqui trabalhadora (artigo 369, n.º 1, alínea b), do CT), tendo presente que a sua categoria profissional era a de “escriturária principal” e que apenas se considera que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando, uma vez extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador (artigo 368, n.º 4, do CT).
A comunicação é igualmente omissa relativamente à ponderação da escolha da trabalhadora face aos demais trabalhadores da estrutura ou secção em que a mesma se encontra, ignorando-se por completo quantos trabalhadores existem no departamento financeiro, quais as suas categorias profissionais e quais os conteúdos funcionais dos demais trabalhadores (apenas assim seria possível apurar se existe ou não lugar à observância dos critérios de seleção previstos no artigo 368, n.º 2, do CT e, na afirmativa, permitir à trabalhadora deduzir oposição à aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a extinguir (artigo 371, n.º 2, alínea c), do CT).
Tais omissões – na medida em que consubstanciam um cumprimento meramente aparente do disposto no artigo 369 do CT –, para além de dificultarem gravemente ou inviabilizarem, na prática, o exercício por parte da trabalhadora das faculdades previstas no artigo 370, n.º 1 e 2, do CT, não podem deixar de ser cominadas com a ilicitude do despedimento, por força do disposto no artigo 384, alínea c), do CT”.
*
Insurge-se a R., esgrimindo que concretizou suficientemente o que lhe cabia indicar. Isto porque (art.º 7º das alegações de recurso),
“concretizou de forma clara e transparente que as únicas razões que conduziram ao despedimento por extinção do posto de trabalho da Autora foram:
a. As quebras de produção e vendas acima dos 10% do açúcar branco de cana, que representa a única atividade produtiva e económica da Ré, em função da abolição das quotas europeias de produção de açúcar de beterraba;
b. A eliminação do processo manual de preparação de faturas a fornecedores, sendo esta uma função única e exclusivamente acautelada pelo desempenho funcional da Autora”.
Responde a A. que:
“para além da alegada quebra “acima dos 10%” em termos de produção e vendas não se encontrar minimamente concretizada (o que inviabiliza a sua sindicância), da leitura da comunicação não decorre por que razão a invocada quebra conduziu à necessidade de extinção do posto de trabalho da A. e por que razão foi esse posto de trabalho – e não outro dentro da mesma estrutura ou secção – a ser considerado excedentário (face a tal alegado motivo estrutural).
Mesmo que comunicação da R. seja mais detalhada quanto aos motivos tecnológicos, não concretiza nem permite esclarecer desde quando foi implementada tal informatização dos serviços e qual a medida da alegada “quebra do volume de expediente diário de documentação contabilística a ser alvo de tratamento”.
Da comunicação não constam também os motivos que conduziram à necessidade de despedir a A., tendo presente que a sua categoria profissional era de “escriturária principal” e que apenas se considera que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando, uma vez extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
Finalmente, a comunicação da R. é igualmente omissa relativamente à ponderação da escolha da A. face aos demais trabalhadores da estrutura ou secção em que a mesma se encontrava, ignorando-se - e consequentemente não permitindo ao próprio tribunal que fiscalize a legalidade -, por completo quantos trabalhadores existiam no departamento financeiro, quais as suas categorias profissionais e quais os conteúdos funcionais dos demais trabalhadores”.
Vejamos.
É sabido que nesta forma de cessação do contrato de trabalho avultam as razões de gestão do empregador, que relevam até ao ponto máximo em que se entende que se pode ir face à proibição constitucional de despedimentos ad nutum (art.º 53 da Constituição) (convergindo no sentido da ampla margem do empregador, notando mesmo – e as razões relativas ao despedimento por extinção do posto de trabalho são as mesmas, variando basicamente o numero de trabalhadores envolvidos, como é sabido, cfr. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., 272: “um despedimento coletivo poderá existir por racionalidade económica [mesmo para incremento dos lucros], e não só para salvar a empresa de situações desesperadas”). A sua apreciação, em face dos respetivos pressupostos, está, pois, muito limitada.
Contudo, como exarou o Supremo Tribunal de Justiça, no ac. 22.9.15 (que decidiu que “é de reputar lícito o despedimento por extinção de um posto de trabalho que se mostra economicamente justificada em motivos de mercado, quando, para além de outras medidas adotadas, ficou demonstrada a necessidade de reduzir custos perante o sucessivo decréscimo das vendas”), transcrevendo-se com a devida vénia:
“(…) Esta modalidade de despedimento (…) foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo art. 26.º e seguintes da LCCT/Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro (…), visando cobrir as situações de inexigibilidade do vínculo ao empregador por razões atinentes ao funcionamento da empresa. A sua configuração originária, constitucionalmente legitimada, manteve-se na estrutura do Código do Trabalho de 2003 (…). A extinção do posto de trabalho determina o despedimento justificado por motivos económicos que, consoante a noção do art. 402.º, tanto podem ser de mercado, como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento coletivo, e será a alternativa a seguir quando se não verifique o regime definido para aplicação deste – art. 403.º, n.º 1, d)” (o ac. refere-se ao Código do Trabalho na versão original de 2003, mantendo-se apesar disso pertinentes as suas considerações). “(…) O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, cumulativamente, se verifiquem os requisitos elencados no art. 403.º, e será ilícito, v.g., nas situações previstas nos arts. 429.º, alínea c) e 432.º, alínea a), reportada ao n.º 1, b) e n.º 3 do art. 403.º, maxime se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento e se não for praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, impossibilidade só havida como tal se/desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador. (…) Aquando da apreciação acerca da verificação ou não do motivo justificativo invocado para a cessação, as decisões técnico-económicas ou gestionárias, a montante da extinção do posto de trabalho, estão cobertas pela liberdade de iniciativa dos órgãos dirigentes da empresa. (…) Nas palavras exatas de Monteiro Fernandes: ‘O “momento” decisivo, sob o ponto de vista do regime do despedimento – isto é, da sua motivação relevante – parece localizar-se, não no feixe de ponderações técnico económicas ou gestionárias a que alude o art. 397.º/2 (e que são cobertas pela liberdade de iniciativa do titular da empresa), mas a jusante daquele, no facto da extinção do posto de trabalho, produto de uma decisão do empregador, e nesse outro facto que é a constatação da inexistência de função alternativa para o trabalhador que o ocupava – constatação essa também suportada, em certa medida, pelo critério organizacional do empregador. Está-se, pois, perante uma forma de despedimento que culmina uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a da extinção do posto) e uma decisão ‘contratual’ terminal, a do despedimento]. Cuidando-se … de ajuizar acerca do despedimento por extinção do posto de trabalho, a operação centrar-se-á na apreciação da genuinidade dos motivos alegadamente determinantes, na falada dimensão, ou seja, não tanto – nem decisivamente – na perspetiva da bondade/oportunidade da decisão gestionária do empregador, mas fundamentalmente na análise do juízo de consequencialidade entre os motivos pretextados pelo empregador para o despedimento e a decisão de fazer cessar, concretamente, o posto de trabalho em causa, juízo esse que sempre implícita, naturalmente, uma atuação empresarial razoável e séria. Com efeito, se é certo… que, numa economia aberta ou de mercado, a redução/eliminação de emprego inere ao direito de livre iniciativa económica – … não sendo o despedimento (coletivo ou por extinção do posto de trabalho) solução apenas equacionável para situações terminais de iminente inviabilidade económica/insolvência, como flui da heterogeneidade dos motivos legitimadores –, igualmente seguro é que se exige que os motivos adrede invocados pelo empregador sejam reais e congruentes, sobre si impendendo a respetiva alegação e demonstração. A razão de ser desta exigência é óbvia: (…) a mesma prende-se – … sabido que não são legalmente consentidos os despedimentos imotivados/‘ad nutum’ ou fundados na mera oportunidade ou conveniência empresarial – com a necessidade de assegurar a possibilidade de ‘verificação externa’ de que não se pretende encapotar, sob a aparência de um expediente legalmente admitido, um despedimento irregular” (sublinhados nossos).
Do exposto resulta – e nem de outro modo seria possível, sob pena de se inviabilizar toda e qualquer sindicância externa, nomeadamente judicial – que hão ser alegados e provados factos concretos de onde se extraia que, sem prejuízo da liberdade de gestão normal, aliás também reconhecida pela Constituição (cfr. art.º 61/1), num juízo de congruência, não é possível a manutenção daquele posto de trabalho e da situação laboral de certo trabalhador”.
É, pois, necessário, que a factualidade invocada e demonstrada evidencie a racionalidade daquela medida, racionalidade essa que há de ser atendível à luz do ordenamento jurídico, isto é, de ser portadora de valores aceites pelo direito do trabalho.
Ficam excluídas, portanto, cessações do vínculo sem qualquer motivo (apenas porque assim entendeu o empregador), que, naturalmente, redundam em pura e simples violação da proibição de despedimentos ad nutum; e outrossim aquelas cuja racionalidade desafia os valores da ordem jurídica (imagine-se um despedimento dos trabalhadores mais velhos ou com handicaps, e exatamente por esses motivos, cuja racionalidade perversa não pode ser acolhida).
É claro que a sindicância da congruência da decisão exige a indicação e prova de factos concretos.
Neste sentido, e por todos, veja-se os acórdãos do mais alto Tribunal de 11/12/2019:I - Na apreciação da procedência dos fundamentos invocados para o despedimento coletivo, o tribunal deve proceder, à luz dos factos provados e com respeito pelos critérios de gestão da empresa, não só ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados, mas também à verificação da existência de uma relação de congruência entre aqueles fundamentos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, tais fundamentos sejam aptos e proporcionalmente adequa-dos a justificar a decisão de redução de pessoal através do despedimento coletivo. II – Operando a empregadora num concreto mercado através de várias lojas comerciais, a mera redução de custos inerentes ao funcionamento de uma concreta loja, potenciada pelo encerramento da mesma, motivada na redução do volume de vendas dessa loja em dois anos sucessivos, não pode ser entendido como motivo proporcionalmente adequado ao encerramento da mesma loja e ao despedimento coletivo dos respetivos trabalhadores, quando não se tenha demonstrado sequer a existência de prejuízos decorrentes do funcionamento dessa loja, na operação global no mercado onde a mesma se situa”; e de 4.4.18: “A aplicação do artigo 368º, n.º 2, do CT, requer a demonstração fáctica prévia da identidade dos conteúdos funcionais da pluralidade de postos de trabalho existentes na secção ou estrutura equivalente” (sublinhados nossos). Em ambos o Supremo Tribunal de Justiça salientou a necessidade de indicação concreta de factos para a sindicância dos fundamentos. Necessidade óbvia: de outro modo bastaria citar fórmulas legais, e não existiria controlo algum.
Pois bem. Atento o exposto, afigura-se-nos que os motivos invocados pela R. – as quebras de produção de 10% e a eliminação do processo manual de preparação de faturas a fornecedores, função única e exclusivamente acautelada pelo desempenho funcional da A. -, são, efetivamente, insuficientes para fundar a extinção do posto de trabalho da A.
O primeiro é genérico, e visto só por si poderia ser invocado para a cessação de qualquer vinculo laboral no seio da R. Porquê só para a A. e agora?
Importa dar maior relevo, pois, por si ou conjuntamente com o anterior, à dita eliminação do processo manual ao qual a A. estava votada.
Em dado momento – que se ignora – terá sido implementada esta alteração tecnológica (art.º 359/2/c, CT), que afeta a atividade da trabalhadora. Mas quantos mais trabalhadores existem em atividades próximas ou que a A. possa também desempenhar? O que impede a sua reconversão? Qual a antiguidade/habilitações da A. e dos demais? Tudo isto é desconhecido e é relevante para se apurar por que é que a R. selecionou esta trabalhadora para a cessação do contrato. 
E desconhece-se ainda em que é que a eliminação da A. do universo de pres-tadores de atividade subordinada (cujo numero, mesmo que aproximado, se ignora) contribui para o equilíbrio das contas, ou ao menos, para a racionalidade da gestão.
Repare-se que, deste modo genérico, quase que se poderia pretender o despedimento de qualquer trabalhador: a existência de contas deficitárias será algo a que ninguém poderá alhear-se; bastaria uma qualquer mudança ou alteração na área em que alguém labora para o seu afastamento da empresa, mesmo que depois se tornasse necessário admitir outros trabalhadores.
Agindo assim, porém, desconhece-se se estão a ser despedidos aqueles cujo vínculo não é possível manter (art.º 368/1/b), ou – o que é grave - quaisquer outros.
Ou seja, não é possível, nestes termos, sindicar, efetivamente, a licitude do despedimento.
Destarte, e ainda conforme o referido na sentença recorrida, entendemos que não se mostram preenchidos os pressupostos para o despedimento em causa, sendo pois, ilícito o despedimento.
Destarte, a valoração da sentença recorrida é razoável e não merece censura.
O que implica a improcedência do recurso.
*
III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2020
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
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[1] Aditamento inserido nos termos determinados a pág. 10.
[2] A alteração ficou inserida acima, na enumeração da factualidade assente, a pág. 8.