Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
185221/14.6YIPRT.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EMPREITADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Nos quadros do artº. 640º, nºs. 1, alín. b) e 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, o ónus a cargo do Recorrente, no que concerne aos meios de prova devidamente registados ou gravados, cumpre-se com a indicação, com exactidão, na motivação apresentada, das passagens da gravação relevantes e, caso assim o entenda, através da transcrição dos excertos que considere oportunos ou relevantes ;
Pelo que, tendo a Apelante indicado, com precisão, as passagens da gravação fundantes do seu recurso, com indicação dos minutos e segundos em que foram proferidas (por referência à gravação efectuada) que parcialmente transcreveu, considera-se preenchida a legal exigência, que impõe o consequente e necessário conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ;
Não é assim exigível à Apelante/Recorrente a alusão a quaisquer números de registo a que se reportam tais passagens ou excertos, pois estes não elencam requisito ou exigência autónoma legalmente prescrita (podendo, inclusive, nem sequer existir, o que sucede no caso sub júdice) ;
constituindo-se o contrato de empreitada como um contrato consensual, ou seja, cuja validade não depende da observância de forma especial – cf., artº. 219º, do Cód. Civil -, a sua concreta adjudicação não tem que ser provada documentalmente ;
igualmente não se descortina qualquer exigência legal (ou seja, não estamos perante prova vinculada ou legal) para que a tentativa ou tentativas de instalação das estruturas objecto do contrato de empreitada apenas pudesse, e devesse, ser provada por forma documental ;
viola as mais básicas regras da experiência comum concluir que a Autora/Apelante, enquanto sociedade comercial, tendo produzido/fabricado estruturas feitas por medida, adaptadas às necessidades indicadas pelo Réu/Apelado, e que, provadamente, não revelam qualquer utilidade fora da obra para a qual foram concebidas, não tenha procurado instalá-las ou montá-las, de forma a receber a parcela do preço em falta, ora reclamada.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte:


              
IRELATÓRIO.


1–S., com sede na ….., intentou a presente acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que se transmutou a providência de injunção que requereu contra J., ora residente no ………, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 13.084,74 (treze mil e oitenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), correspondente às seguintes quantias parcelares:
€ 11.367,00 de capital ;
€ 1.595,74 de juros moratórios ;
€ 20,00 € de outras quantias ;
€ 102,00 de taxa de justiça paga,
acrescidas de juros moratórios vincendos, às taxas legais, desde a propositura do requerimento de injunção até ao integral pagamento do valor em dívida.

Para tanto, alegou o seguinte:
Contrato de: Compra e venda Data do contrato: 05-03-2014 Período a que se refere: 05-03-2014 a 26-11-2014 Factura B 8145 emitida em 12-11-2011 no valor de 10.333,50 € + juros entre 17-05- 2011 e 17-11-2014 (1.450,65 € (1281 dias a 4,00%))
Factura B 8145 emitida em 12-11-2011 no valor de 1.033,50 € + juros entre 17-05- 2011 e 17-11-2014 (145,09 € (1281 dias a 4,00%)) A Requerente tem como objecto a serralharia técnica civil, no âmbito do qual se dedica ao fabrico comercialização e montagem de estruturas em alumínio, portas, janelas e estores. O Requerido, ………… de profissão, solicitou à requerente a elaboração de um orçamento (proposta) para a execução de uma obra na sua num imóvel que adquirira para remodelação, sito na morada supra. Orçamento que a requerente apresentou como Orçamento n.º 1162-10 AP, datado 04- 10-2010, (fls. 121, documento 3 junto com a resposta) no qual se propôs a executar o trabalho, solicitado pela requerida, pelo valor de 8.268,00€, mediante o pagamento antecipado de 30%, ou seja o valor de 2.480,00€, e o remanescente a pagar, 4.000,000€ com, o inicio da montagem e 1.788,00€ com a conclusão da obra.
Em 29 de Outubro de 2010 o requerido aceitou o referido orçamento, adjudicando a obra pelo valor e condições nele propostas, à qual foi dado o n.º31030. Nessa mesma data, acto continuo o Requerido pagou à Requerente 30% do seu valor, através de cheque, conforme a proposta apresentada, ou seja 2.480,00€, ficando por pagar o valor de 5.788,00€, a pagar, como supra se referiu, 4.000,000€ com, o inicio da montagem e 1.788,00€ com a conclusão da obra.
Em 10 de Novembro de 2010, o requerido solicitou requerente a elaboração de um adicional ao orçamento (proposta) orçamento que a Requerente apresentou como Orçamento n.º 1525-10 AP, no valor de 1.033,50€, a pagar com a conclusão total da obra, que o mesmo adjudicou à Requerente em 12 de Novembro de 2010, data em que, a pedido do requerido, foram emitidas em entregues ao mesmo as facturas B 8135 e B 8145, correspondentes, respectivamente, ao valor total de cada um dos orçamentos.
A Requerente procedeu à fabricação das estruturas encomendadas, tendo procurado, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o Requerido a montagem das mesmas no seu imóvel. Em 17-05-2011 a Requerente deslocou-se ao imóvel do Requerido para a instalação e montagem das estruturas, sem que este lhe tenha permitido o acesso.
A requerente fabricou e colocou á disposição do Requerida, todo o material por ele encomendado. Por se tratar de material feito por medida, adaptado às necessidades e com as características encomendadas pelo requerido, o mesmo não reveste qualquer utilidade fora da obra para que fora concebido, sendo, por essa razão, o prejuízo indemnizável da requerente equivalente ao valor do orçamento.
Ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese de raciocínio se nos coloca, nos termos da proposta aceite pelo Requerido, o cancelamento da encomenda por parte do cliente, quando ocorre em fase de fabrico, ocasiona o pagamento de 90% do valor total da obra.
Pese embora o material posto à disposição do requerido e facturado pela requerente corresponda ao encomendado pelo requerido e sendo a obra executada conforme à obra por si adjudicada, este nunca autorizou a respectiva montagem nem procedeu ao seu pagamento, ainda que várias vezes interpelada, pessoalmente, para o fazer.
Ao valor em divida deverão assim acrescer juros vencidos às taxas legais para desde a data de fabrico das estruturas encomendadas.
Mais deve o requerido ser condenada no pagamento de juros vincendos, às taxas legais, desde a propositura do presente requerimento de injunção até ao integral pagamento do valor da divida.
Em virtude da actuação do requerido a requerente tem sido forçada a suportar inúmeras despesas com interpelação do ora Requerido e com as diligências necessárias para a cobrança da quantia em divida que se cifram na quantia acima assinalada.
O lugar do cumprimento das compras acima descriminadas é a sede da Requerente, sita em..”.
2 –Notificado o Requerido/Réu, veio o mesmo deduzir oposição, alegando, em súmula, o seguinte:
É parte ilegítima nos presentes autos, pois o alegado fornecimento terá, parcialmente, “sido efectuado para instalação na residência dos pais do Requerido, sendo este apenas o interlocutor dos mesmos” ;
Pelo que “são estes e não o Requerido, quem deveria ter sido demando no presente requerimento de injunção” ;
Perante a decisão do condomínio de não permitir o uso exclusivo do sótão do prédio, que era parte comum, por parte das fracções dos pais do Réu e da Sra. S. (respectivamente 3º andar direito e esquerdo), conversou com a ora Requerente, tendo esta aceite “que o trabalho que seria entretanto encomendado, conforme inicialmente previsto, o não fosse” ;
Não se recorda de, “em algum momento, lhe ter sido fornecido um orçamento para a montagem das caixilharias inicialmente projectadas” ;
Acresce que “nunca até ao momento da notificação da presente injunção, a aqui Requerente contactou por qualquer meio os pais do Requerido ou o próprio, para marcar ou diligenciar pela alegada instalação ou montagem daquelas janelas/caixilharias” ;
Pelo que pretenderá apenas a Autora extorquir dinheiro ao contestante ou aos seus pais, “tudo com base num alegado incumprimento dos mesmos, quando a verdade é que nunca tais caixilharias terão sido efectuadas e nunca foi sequer tentada a sua montagem no local em referência” ;

Conclui, no sentido de:
- declarar-se procedente a excepção de ilegitimidade arguida ;
- caso assim não se entenda, deverá a presente injunção improceder, por não provada, com as legais consequências.
3 No prosseguimento dos ulteriores termos da forma de acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foi designada data para a realização de audiência final, que veio a concretizar-se conforme actas de fls. 143, 144, 152 e 153 (não constam do processo físico a totalidade das actas de audiência final, nomeadamente as sessões realizadas em 07 e 10 de Outubro de 2016).
4 Posteriormente, em 23/10/2016, foi proferida sentença – cf., fls. 154 a 181 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:

Pelo exposto:
VI.1Julgo parcialmente extinto o pedido, em razão da sua redução pelo A., quanto ao montante de € 4.545,5 (quatro mil quinhentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de capital;
VI.2Julgo improcedente a exceção da ilegitimidade passiva do R.;
VI.3Julgo improcedente a exceção material da revogação verbal do contrato;
VI.4Julgo procedente a exceção de não cumprimento, improcedente a ação e, em consequência, absolvo o R. do pedido formulado pelo A.;
VI.5Julgo improcedente o pedido de condenação do R. como litigante de má-fé.
Custas pela A. (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Valor da ação e da causa: o supra decidido em III.1.
Registe.
Notifique”.

5 Inconformado com o decidido, a Requerente/Autora interpôs recurso de apelação, em 12/12/2016, por referência à sentença prolatada.

Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se resumem ou condensam, atendendo a que, grande parte das mesmas não se traduzem em verdadeiras conclusões, mas antes mera repetição, por decalque, das alegações apresentadas, atenta a inobservância da síntese imposta pelo nº. 1 do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil):
Impugna a decisão relativa à matéria de facto, “designadamente a dos factos não provados, com interesse para a decisão da causa, ponto ii. (O R. adjudicou o orçamento adicional a 12 de Novembro de 2010) e ponto iii. (A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010)” ;
No seu entender, a “prova produzida em audiência, especialmente dos depoimentos das testemunhas S. e A., bem como os restantes elementos do processo, designadamente a prova documental e do alegado pelo Réu, apreciados à luz das regras da experiência comum impunham que tal factualidade fosse julgada provada e consequentemente a condenar-se o Réu no pedido” ;
Não se conforma com a justificação apresentada pelo Tribunal a quo, pois a mesma “reflecte errónea apreciação da prova produzida, que conjugada com os restantes elementos do processo e apreciada à luz das regras da experiência comum impunha decisão contraria, como passaremos a evidenciar” ;
Decorre que a “fundamentação vertida pela Douta Sentença para justificar a sua decisão quanto ao ponto iii. não atende à relação de proximidade, de amizade e de vizinhança entre a então directora financeira da Autora, Dra. S.  o Réu e até a sua mãe Sra. D.ª L., que conforme nos é relatado nos depoimentos supra, condicionou desse sempre a actuação da Autora, desrespeitando procedimentos, por si mesma, impostos na relação com o cliente” ;
Bem como faz ainda tábua rasa dos depoimentos prestados pelas testemunhas A. e S., nos termos que se especificam ;
Resultando claro, e de forma insofismável, que “a Autora, quer através da então Funcionaria S., quer através do responsável de obra e director Comercial A., informaram o Réu que a obra estava concluída, pronta a instalar e que este terá recusado a sua instalação e correspondente pagamento” ;
sendo certo que atentas as relações de proximidade entre a testemunha S. e o Réu, até mesmo os Pais deste, houve um cuidado por parte quer da testemunha S. quer da testemunha A. em evitar o contencioso e o desencadear dos mecanismos normais nesse sentido” ;
Pelo que resulta ser “incongruente qualquer outra interpretação, ora se a A, fabricou a obra, conforme se dá como provado sob o ponto 6, que conforme se dá como provado no Ponto 7 por se tratar de material feito por medida, adaptado às necessidades e com as características encomendadas pelo R. o mesmo não reveste de qualquer utilidade fora da obra para que fora concebido, não faria sentido que não tivesse procurado proceder à instalação da mesma para poder receber quer a remuneração do trabalho realizado, quer o custo do investimento em material nele incorporado e ao invés tivesse procurado a presente via” ;
Não se olvide, ainda, ser o “próprio Réu que assume na sua contestação que contactou a Autora para cancelar o trabalho, vide artigo 26.º , a questão é que, contrariamente ao que ele nos diz, Autora, conforme ficou patente do depoimento das testemunhas, não aceitou esse cancelamento, porquanto a obra já se encontrava pronta a instalar e dadas as suas características não era susceptível de ser aplicada em outro lugar” ;
Não se configurando assim coerente a justificação “dada pelo Réu sob o artigo 19.º, 20.ª e 26 sua contestação a fundamentar a sua vontade de cancelar a obra, visto que, o embargo ocorreu apenas no 3.º Esquerdo Propriedade da Testemunha S. e como se prova do documento por si junto de fls. 53 e 54, as obras ilegais que conjuntamente com a testemunha S. levou a cabo ao nível do sótão e do telhado, já estavam concluídas, em nada tendo afectado o 3 Direito propriedade dos pais do Réu, sendo que, a obra encomendada à Autora, peticionada nos presentes autos, destinava-se a substituir uma marquise já existente naquele o 3 Direito, o que nada tem de ilegal” ;
Pelo que “os elementos factuais supra indicados, a prova produzida, os documentos que instruem os autos, conjugados com as regras da experiência comum, imperavam que a decisão quanto ao facto “A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010” tivesse sido no sentido de que ficou provado tal diligência por parte da Autora, o que se impõe da reapreciação da prova nos termos supra indicados, e em consequência julgar-se improcedente a excepção de não cumprimento deduzida pelo Réu, procedente a acção e, em consequência, condenar-se o R. do pedido formulado pelo A.” ;
Relativamente ao ponto ii. dos não provados, igualmente mal andou o Tribunal a quo ao não considerar tal facto provado ;
Tendo o responsável da obra, testemunha A., explicado ao Tribunal “em que consistiu aquele complemento de obra, como surgiu a sua necessidade. O Réu, face á reacção do condomínio com as obras executadas no telhado do prédio, desistiu da ideia de construir uma escada de acesso ao sótão que tencionava colocar num dos extremos da marquise e que a ter sido feito levaria um muro de alvenaria no local, suprimindo-se um dos painéis da marquise existente” ;
Referindo a mesma que “este é o complemento desta mesma obra, é a tal situação do espaço que estava previsto ser construída a escada de acesso ao 4ª andar…. Afirmando quanto à adjudicação foi feita comigo e foi adjudicada por email pelo Senhor ……, referindo que se entendeu ser desnecessário exigir adjudicação para o mesmo atendendo ao volume de obra já adjudicado e à especial ligação que o senhor …….. tinha com a Dra. S.” ;
Pelo que, “quer quanto às relações estabelecidas com o Réu, quanto aos elementos de prova constantes do autos e especialmente dos excertos do depoimento que aludidos, salvo o devido respeito por diferente opinião, também quanto a este facto, da reapreciação da prova nos termos supra indicados, impõem-se que o mesmo seja julgado como provado” ;
O que determinará a total procedência da acção, com a condenação do Réu na integralidade do pedido formulado pela Autora.
Em conformidade, pugna o Apelante no sentido de ser dado provimento ao recurso e, “consequentemente seja parcialmente revogada decisão recorrida, alterando-se a matéria de facto no sentido expendido no recurso, considerando provados os factos vertidos sob os pontos ii. (O R. adjudicou o orçamento adicional a 12 de Novembro de 2010) e ponto iii. (A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010) dos factos não provados, com interesse para a decisão da causa, por efeito julgar-se improcedente a excepção de não cumprimento deduzida pelo Réu, procedente a acção e, em consequência, condenar-se o R. do pedido formulado pelo A. (…)”.

6– O Apelado/Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
Deve ser liminarmente indeferida a interposição do recurso de apelação, pois na data em que foi interposto – 12/12/2016 -, já havia decorrido o prazo de 40 dias, acrescido de 3 dias, para a prática do acto ;
Por outro lado, a Apelante remete para declarações proferidas pelas testemunhas, que identifica, sem “indicar o número do registo a que reportam tais excertos nos depoimentos”, o que contradiz o estatuído no artº. 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil ;
Pelo que “sempre terá que ser rejeitado nesta parte, porque a Apelante não identifica, a que registo em concreto da gravação, se extraem os depoimentos transcritos” ;
Mesmo que assim não se entenda, sempre deverá improceder o recurso interposto, pois, relativamente ao facto ii) dos não provados, “a Apelante não juntou qualquer documento que demonstre que efectivamente o Apelado adjudicou o referido orçamento àquela”, o que não fez porque tal adjudicação não existe ;
Pelo que não se “compreende pois, como pretende o Apelante fazer prova de adjudicação de um contrato de empreitada por depoimento de testemunhas que invocam que o orçamento foi adjudicado por mensagem de correio electrónico, que não existe, efectivamente” ;
No que concerne ao facto não provado sob a alínea iii), “o alegado contacto da Apelante com o Apelado, teria forçosamente que tratar-se uma evidência nos registos elaborados pela Apelante, nomeadamente, por registos escritos, o que também não foi demonstrado” ;
Pelo que, “face à contradição dos depoimentos das testemunhas, e atendendo a que este facto – tentativa de contacto para instalação da caixilharia – teria que ter sido provado pela Apelante, a ausência de qualquer registo escrito que assim o confirme, determina de imediato, que o facto em referência não pudesse ter sido considerado provado”.
Conclui no sentido de manutenção da sentença recorrida, que qualifica de irrepreensível.

7–Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
***

IIÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 –o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 –Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)-As normas jurídicas violadas ;
b)-O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)-Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1.DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência aos indicados pontos ii. e iii. da matéria factual dada como não provada, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ;
2.Seguidamente, caso se conclua pela requerida modificação (total ou parcial) da matéria de facto fixada, determinar quais os efeitos daí decorrentes para a SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
***

Aprioristicamente, e tendo em atenção o teor das contra-alegações aduzidas pelo Apelado/Recorrido, urge, ainda, conhecer acerca das seguintes questões:
Tempestividade do recurso interposto ;
Do invocado incumprimento do disposto no artº. 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição do recurso interposto.
 
QUESTÃO PRÉVIA: da intempestividade

Já por requerimento apresentado em 13/12/2016, veio o ora Apelado invocar a intempestividade do recurso interposto, pugnando pelo seu indeferimento liminar, pois à data da interposição – 12/12/2016 – já havia decorrido o prazo de 40 dias, acrescido de 3 dias, para a prática do acto, o qual teria terminado em 09/12/2016 – cf., fls. 209 e 210. O que reafirmou nas contra-alegações apresentadas.

A Exma. Juíza a quo, por despacho de 30/05/2017 – cf., fls. 224 -, considerou tempestivo o recurso interposto, justificando-o pelo facto de, contrariamente ao aduzido pelo Apelado, o dia 08 de Dezembro foi feriado nacional.

Vejamos.

Conforme decorre de fls. 182 e 183, a decisão apelada foi notificada no dia 24/10/2016, presumindo-se produzidos os efeitos da notificação no dia 27/10/2016 – cf., artº. 248º do Cód. de Processo Civil e 25º da Portaria nº. 280/2013, de 26/08.

O prazo de 40 dias decorrente do plasmado no artº. 638º, nºs. 1 e 7, do Cód. de Processo Civil, com início de cômputo em 28/10/2016, terminou no dia 06/12/2016, prorrogando-se, nos quadros do nº. 5 do artº. 139º do Cód. de Processo Civil (e não artº. 149º, conforme erradamente invocado), por 3 dias úteis, sob condição de pagamento de multa, até ao dia 12/12/2016 (e este efectivamente o 3º dia útil, pois o não é o dia 08/12, feriado nacional).

O recurso foi interposto pela Autora/Apelante no dia 12/12/2016, tendo sido devidamente paga a multa prevista, conforme decorre de fls. 206 vº. e 207 vº..

Donde, sem outras delongas, urge concluir pela tempestividade do recurso interposto.
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QUESTÃO PRÉVIA: do alegado incumprimento do disposto no artº. 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição do recurso interposto
              
Invoca o Apelado que a Apelante, nas alegações apresentadas, remete para declarações proferidas pelas testemunhas, que identifica, sem “indicar o número do registo a que reportam tais excertos nos depoimentos”, o que contradiz o estatuído no artº. 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil. Pelo que, acrescenta, “sempre terá que ser rejeitado nesta parte, porque a Apelante não identifica, a que registo em concreto da gravação, se extraem os depoimentos transcritos”.

Decidindo:
Prevendo acerca do ónus a cargo do recorrente na impugnação da matéria de facto, a alínea b), do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, enuncia, entre outras, e sob pena de rejeição, a obrigatoriedade de especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Acrescenta a alínea a), do nº. 2, do mesmo normativo que na situação prevista na alínea b) observa-se o seguinte: “a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Ora, alega o Recorrido ser impossível a reapreciação da prova gravada devido ao facto da Apelante não identificar, a que registo em concreto da gravação, se extraem os depoimentos transcritos.
Escalpelizadas as alegações, quer quanto à sua motivação, quer quanto às conclusões, constata-se que a Recorrente indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (os pontos ii) e iii) dos não provados), a decisão que deve ser proferida sobre tais concretos pontos de facto (que devem passar a figurar como factos provados) e quais os meios de prova, quer de natureza documental, quer de natureza testemunhal (estes devidamente registados) que impõem ou determinam decisão diversa quanto àqueles mesmos factos.

A questão em análise cinge-se, assim, relativamente a estes meios de prova devidamente registados ou gravados, sobre os quais incumbe ainda à Recorrente indicar ainda, com exactidão, na motivação apresentada, as passagens da gravação relevantes e, caso assim o entenda, proceder à transcrição dos excertos que considere oportunos ou relevantes.

Relativamente a tais excertos dos depoimentos, que a Recorrente transcreveu, alega o Recorrido não ter sido indicado o número do registo a que se reportam os mesmos excertos.

Se bem entendemos o invocado, imputa o Recorrido a ausência de indicação dos registos por referência ao alegadamente assinalado nas actas.

Ora, da análise das alegações apresentadas, quer no que concerne à motivação,quer no que respeita às conclusões,constata-se que a Apelante indicou as passagens da gravação fundantes do seu recurso, com indicação dos minutos e segundos em que foram proferidas (por referência à gravação efectuada) que parcialmente transcreveu, ainda que sem aludir aos alegados números de registo.

Todavia, não só tais números de registo não elencam requisito ou exigência autónoma legalmente prescrita, como se verifica facilmente não constar das actas elaboradas (quer as que figuram no processo físico, quer as consultadas no processo electrónico) qualquer número concreto de registo das gravações que iam sendo efectuadas, pois apenas aí é mencionado ter ficado o depoimento “registado no sistema habilus media studio player”.

A recorrente indica as passagens da gravação que considera pertinentes e idóneas á requerida alteração da matéria de facto, fá-lo por referência aos minutos da gravação em que as mesmas foram produzidas e procede parcialmente à transcrição das declarações por referência aos mesmos minutos da gravação. O que se nos afigura, sem equívoco, como plenamente cumpridor da citada alínea a), do nº. 2, do artº. 640º do Cód. de Processo Civil.

Efectivamente, ainda que se reconheça dever interpretar-se tais exigências legais à luz de um necessário critério de rigor, refere Abrantes Geraldes [1], acerca de tal imposição legal, que se “em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão da matéria de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido  o ónus de alegação neste campo. A indicação exacta das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência legal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos”.

O que entronca na consideração de que “os aspectos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido[2].

Pelo que, pode-se questionar, in casu, a forma de exposição adoptada pela Apelante, por vezes pouco escorreita e mesma atabalhoada, que dificulta a total percepção e apreensão do aduzido, pois efectua saltos na análise dos depoimentos citados, sem perfilhar um método expositivo de fácil entendimento [3].

Todavia, tal está longe da apontada deficiência, e ainda mais distante dos efeitos que o Apelado pretende daí extrair, inexistindo, assim, qualquer razão para a rejeição, total ou parcial, do apresentado recurso de impugnação da matéria de facto, o que se decide.
***

IIIFUNDAMENTAÇÃO

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte:

1.A A. dedica-se ao fabrico, comercialização e montagem de estruturas em alumínio, portas, janelas e estores ;
2.O R. solicitou à A. a elaboração de um orçamento para obra a instalar na fracção sita na …………….. ;
3.Na sequência, a A. apresentou-lhe orçamento datado 04-10-2010, com descritivo “Alumínio lacado a branco mate BXI com vidro duplo Cool LTE”, no valor global de 8.268,00€, com os seguintes prazos de pagamento:
 a.- 2.480,00€, com a adjudicação;
 b.- 4.000,000€, com o início da montagem; e
 c.- 1.788,00€, com a conclusão da obra, a ocorrer no prazo de 30 dias após adjudicação, documentos de fls. 124 e 125, vº do processo em papel, que se dão por reproduzidos ;
4.Em 29 de Outubro de 2010, o R. adjudicou a obra nos termos do orçamento supra ;
5.O R. entregou à A. cheque no valor de 2.480,00€, datado de 10-11-2010, documento de fls. 137 do processo em papel, que se dá por reproduzido ;
6.A Requerente procedeu ao fabrico das estruturas previstas no orçamento, cfr. “mapa cronológico” de fls. 124, vº, e documento de “controlo interno” de fls. 136 do processo em papel, que se dão por reproduzidos ;
7.Por se tratar de material feito por medida, adaptado às necessidades e com as características encomendadas pelo R., o mesmo não reveste qualquer utilidade fora da obra para que fora concebido ;
8.Em 10 de Novembro de 2010, a A. elaborou um adicional ao orçamento supra referido, no valor de 1.033,50€, nele fazendo constar “adjudicação por mail”, documento de fls. 140 do processo em papel, que se dá por reproduzido ;
9.A A. emitiu a Factura B 8135 (consta o nº. 8145, mas trata-se de evidente lapso material), datada de 12-11-2010 (consta 2011, mas é evidente o lapso material existente) no valor de 8.268,00 € (consta o valor de 10.333,50 €, mas é claro lapso, atento o teor do documento invocado), e, ainda, a Factura B 8145, datada de 12-11-2010 (consta 2011, mas é evidente o lapso material existente), no valor de 1.033,50 €, documentos de fls. 120,vº, e 121 do processo em papel, que se dão por reproduzidos ;
10.Por mensagem de correio electrónico do dia 26 de Novembro de 2010, recebida, a administração do condomínio do prédio sito na Rua ……………., solicitou ao R. a cessação da obra em causa, em razão da sua ilegalidade, documento de fls. 47 do processo em papel, que se dá por reproduzido ;
11.Por força da presente acção, a A. teve despesas de contencioso, em montante não apurado.
***

E foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte:

I)Em função das queixas quanto à ilegalidade da obra, o R. conversou com a A. e esta aceitou que o trabalho constante do orçamento de 04-10-2010, que seria entretanto encomendado, conforme inicialmente previsto, o não fosse ;
II)O R. adjudicou o orçamento adicional a 12 de Novembro de 2010 ;
III)A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010 ;
IV)Em 17-05-2011, a A. deslocou-se ao imóvel do R. para a instalação e montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010, sem que este lhe tenha permitido o acesso.
***

BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I)Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma (já citado supra, ainda que parcialmente), o qual dispõe que:
“ 1. –Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2.–No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3.– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo a Recorrente/Apelante dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil (nos termos já supra reconhecidos), pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.

Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado[4].

Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.

Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.

Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.

Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[5] (sublinhado nosso).

A ora Recorrente/Apelante manifesta a sua discórdia relativamente à matéria factual vertida nos pontos ii) e iii) dos factos não provados, os quais têm a seguinte redacção:
Ponto ii: “o R. adjudicou o orçamento adicional a 12 de Novembro de 2010” ;
Ponto iii:A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010”.
Propondo que ambos os factos impugnados passem a constar da elencagem da factualidade provada.
Na sua argumentação, o Apelante invoca basicamente dois diferenciados fundamentos para a requerida alteração:
Por um lado, invoca o depoimento fundamentalmente das testemunhas S. e A., com específica indicação dos depoimentos e credibilidade destes, para a consideração daqueles factos como provados ;
Por outro, invoca a prova documental produzida, que detalha, bem como o teor do alegado pelo Réu na contestação, que concretiza, para concluir que a sua apreciação, à luz da experiência comum, impunham que tal prova fosse considerada como provada e, consequentemente, que o Réu fosse condenado no pedido.
Urge, deste modo, aferir ou aquilatar acerca da pertinência do alegado pela Recorrente/Apelante, de forma a concluir-se se, no caso concreto, na análise das provas produzidas, se evidencia, ou não, ausência de razoabilidade na decisão de facto produzida, de forma a concluir-se acerca da necessidade de modificação da decisão de facto.
Nos termos legalmente determinados, procedeu-se à audição do suporte áudio, não só as passagens das gravações indicadas, como a demais prova testemunhal registada, no âmbito do poder inquisitório sobre toda a prova produzida, de forma a apreciar-se acerca da sua eventual relevância para o juízo de reapreciação a operar, nos quadros do nº. 1 do citado artº. 662º do Cód. de Processo Civil.
O que se concretizou em concomitância com o exarado acerca da convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, não se olvidando, nos termos supra consignados, ter esta a seu crédito o princípio da imediação da prova, o que lhe possibilitou, fruto do contacto directo com a prova testemunhal, uma adequada percepção da seriedade, do rigor, do equilíbrio, da lucidez dos factos narrados e informação prestada, de forma a possibilitar-lhe a criação de um estado de (não) convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. E, efectuada esta análise, concluir-se-á então se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Vejamos o exarado pela Exma. Juíza do Tribunal a quo relativamente à motivação da decisão sobre a matéria de facto, por referência aos factos ii) e iii) dos não provados:
Facto ii:resultou da ausência de prova escrita da adjudicação, ao contrário do que constava no orçamento” ;
Facto iii e iv:resultaram da ausência de qualquer comunicação escrita sustentando as tentativas de instalação das estruturas em causa.
Nos termos alegados pela A., as partes já teriam comunicado via mensagem de correio eletrónico. Não se concebe porque não fizeram, pelo menos através daquele meio, quanto a este ponto da execução do contrato, fundamento do vencimento da tranche mais elevada do preço, cerca de 50%.
Acresce, tal ausência não se coaduna com a operação da A., nos termos em que a descreveram as testemunhas seus funcionários, sujeita a pormenorizados registos”.

Da audição dos depoimentos prestados (e com maior ênfase os aludidos na motivação e conclusões da alegação), em articulação fundamentalmente com a prova documental junta aos autos, e considerada na decisão recorrida, podemos, desde já, adiantar vislumbrar-se que a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo não é isenta de reparos, mas antes susceptível de um juízo claramente diferenciado.
Analisemos.
Efectivamente, a testemunha S., à data dos factos Directora Financeira da Autora, sendo ainda filha do gerente desta, esclareceu o relacionamento comercial existente entre a Autora e o Réu, o início do mesmo, as diversas fases em que se revestiu e quais os concretos fornecimentos ou encomendas que estiveram em equação.
Procurou, ainda, precisar qual a concreta encomenda em questão nos presentes autos, esclareceu, detalhadamente e mesmo de forma esmiuçada, os vários documentos juntos aos autos e realçou a relação privilegiada de que o ora Réu beneficiou no relacionamento comercial com a Autora, devido ao facto de ser seu vizinho, à altura, e ter com o mesmo alguma proximidade. Efectuou um juízo de autocrítica pelo facto de ter facilitado na liquidação do IVA no orçamento junto a fls. 125 vº, de forma a que o Réu pudesse pagar menos (liquidado na totalidade a 6%, enquanto o deveria ser apenas a tal taxa no que concerne ao valor da reparação e montagem, devendo-o ser a 21% relativamente aos materiais), que originou a factura de fls. 120 vº., bem como os problemas daí resultantes no relacionamento posterior com o seu pai, conducentes a que tivesse posteriormente saído da empresa.
Precisou igualmente qual a obra que está por liquidar, o fundamento para a necessidade do complemento da obra exarado no documento de obra de fls. 140, e que tudo correu de forma normal até ao momento de instalação da obra, altura em que o Réu terá alegado que a sua mãe estava com problemas de dinheiro, que iria para a terra tentar ir buscar dinheiro, e posteriormente que já não podia pagar a obra e que já não a pretendia, recusando-a, apesar de já ter pago parte da mesma aquando da adjudicação. Afirmou que ainda tentou travar a encomenda, mas esta já estava totalmente fabricada, o que explicou ao Réu.
O depoimento da presente testemunha foi exaustivo, detalhado e mesmo desnecessariamente repetitivo nalguns pontos, mas resultou aparentemente homogéneo e coerente, alicerçado na prova documental junta.
Ainda mais esclarecedor resultou o depoimento de A., comercial da Apelante, que teve intervenção directa e acompanhou a obra em equação.
Foi de uma clareza exemplar no esclarecimento dos documentos juntos aos autos, nomeadamente na diferenciação de valores de IVA entre os documentos de fls. 124 e 125 vº. por contraposição a fls. 75 a 77, tendo tal alteração ocorrido a pedido do Réu, de forma a pagar menos IVA, o que apenas foi deferido devido à ligação do mesmo à S.. Acrescentou que a obra ficou pronta para montagem em 17/05/2011, o que se não concretizou pois, quando diligenciou nesse sentido junto do Réu, este foi sempre adiando, aludindo não ser a altura oportuna, sendo que posteriormente a S. veio ter consigo e disse-lhe que o Réu lhe tinha dito que a obra era para cancelar, apesar da mesma já estar pronta.
Precisou, assim, que a questão só surgiu quando precisou de montar a obra já executada, aduzindo que posteriormente o Réu chegou a ligar-lhe a dizer que tinha vendido ou ia vender a casa. A ligação entre o ora Réu e a S. justificou o tratamento menos formal e com menores cautelas existente, em prejuízo da Autora, conducente a posteriores problemas entre a S. e o pai, que determinaram o posterior afastamento da mesma da empresa.
Por fim, relativamente ao ponto ii), especificou o teor da factura de fls. 121, a necessidade desse complemento de obra e que tal adjudicação foi feita pessoalmente consigo, através de e-mail do Réu, não tendo solicitado o pagamento do valor de adjudicação devido ao facto do valor inicial do negócio já ser significativo e atendendo ao tratamento privilegiado decorrente do bom relacionamento que o Réu mantinha com a S.. Tal complemento seria montado na mesma altura dos elementos do pedido principal.
O depoimento da presente testemunha foi igualmente exaustivo, detalhado e igualmente repetitivo nalguns pontos, pois idêntica factualidade foi-lhe perguntada mais do que uma vez, aparentemente sem visível justificação. Revelou-se assaz coerente e equilibrado, revelando conhecimento directo e preciso, sem denotar qualquer dependência ou condicionamento pelo facto de ainda ser funcionário da Autora.
Ora, a credibilidade do depoimento das presentes testemunhas foi igualmente reconhecida pela Exma. Juíza na decisão apelada, ao considerá-lo, entre outros, como fundamento dos factos 6 e 7 considerados provados. O que revela nítido acerto, atenta a idoneidade que dos mesmos transparece.
Constata-se, assim, que as alusões e transcrições efectuadas pela Apelante quer na motivação, quer nas conclusões apresentadas, mostram-se idóneas e fidedignas, corroborando-se, ainda, a argumentação exposta quanto á razoabilidade dos efeitos a retirar dessas mesmas declarações.
Com efeito, perante o aduzido e a prova documental concomitantemente referenciada, não se consegue perceber como a Exma. Juíza a quo não considerou como provado o facto iii), ou seja, que a Autora tenha procurado, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010. Alega não o ter feito por inexistir nos autos qualquer comunicação escrita a sustentar tais tentativas de instalação, não concebendo inexistir sequer mensagem de correio electrónico a marcar tal montagem ou instalação, o que considera, ainda, não se coadunar com o modus operandi da Autora, sujeito a pormenorizados registos.
Todavia, o Tribunal a quo não tomou em devida conta, ou seja, não valorizou o particular relacionamento comercial mantido entre a Autora e o ora Réu, fruto da proximidade deste para com a citada S., directora financeira da Autora, à altura, e filha do gerente da empresa. Que já havia permitido ultrapassar outros formalismos e modos adequados de agir, bem como, inclusive, permitido a adopção de procedimento sancionável, mesmo criminalmente, em sede tributária.
Por outro lado, viola as mais básicas regras da experiência comum concluir que a Autora, enquanto sociedade comercial, tendo produzido/fabricado estruturas feitas por medida, adaptadas às necessidades indicadas pelo Réu, e que não revelam qualquer utilidade fora da obra para a qual foram concebidas (conforme provado no facto 7.), não tenha procurado instalá-las ou montá-las, de forma a receber a parcela do preço em falta, ora reclamada.
Ademais, não se descortina qualquer exigência legal (ou seja, não estamos perante prova vinculada ou legal) para que tal tentativa ou tentativas de instalação das estruturas em causa apenas pudesse, e devesse, ser provada por forma documental. Pelo que, na valoração dos depoimentos supra expostos, que foram assaz claros e concludentes relativamente a tal matéria tal facto não poderia deixar de ser dado como provado.
Por fim, sempre contribuiria para a prova de tal factualidade a atitude do Réu, a partir de determinado momento, em pretender cancelar a obra adjudicada, em não pretender assumi-la, ou seja, em demonstrar total desinteresse pela mesma. O que o próprio Réu reconhece, ainda que conferindo-lhe diferenciadas vestes, no alegado no artº. 26º da contestação apresentada, ao alegar ter conversado com a Autora, e que esta aceitou que o trabalho que seria entretanto encomendado, conforme inicialmente previsto, o não fosse.
Por todo o exposto, de forma clara, deverá o facto iii. dos não provados passar a figurar na factualidade provada, com a seguinte redacção, sob o nº. 13.:
13.A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010, e no adicional ao orçamento referenciado em 8.” (a inserção do segmento final ora acrescentado será melhor justificada infra). 

Conforme resulta já supra indiciado, a idêntica conclusão se terá necessariamente que chegar relativamente ao facto ii.
Efectivamente, foi devidamente explicitada a forma como surgiu tal orçamento adicional, a fonte da superveniente necessidade da sua existência, por necessidade de colocação de uma outra estrutura em vez de uma escada projectada para o local, e o facilitismo adoptado no relacionamento com o Réu, conducente a que nem sequer lhe fosse exigido o pagamento da percentagem devida pela adjudicação (para além da manutenção do eufemístico favor de manter uma tributação de IVA a 6%, conforme resulta do documento de fls. 140), atendendo ao valor da encomenda adicional e ao relacionamento privilegiado de que beneficiava, fruto do conhecimento e da proximidade com a então directora financeira e filha do patrão.
O que, sendo de muito duvidoso profissionalismo, bem se entende e compreende, dispensando formalismos normalmente seguidos, facilitando os canais de comunicação e adoptando condutas nem sempre de salvaguarda ou de precaução.
Ora, foi tal claro e convincente o depoimento da testemunha A. sobre tal facto, que igualmente não está sujeito a prova legal ou vinculada, que não se entende a necessidade invocada pela decisão recorrida da existência de prova escrita da adjudicação, ainda que do próprio documento conste que a adjudicação foi por e-mail. E, resultando ainda da mesma prova que tal complemento da obra seria colocado ou instalado na mesma altura da obra principal (constate-se que a saída da fábrica para montagens ocorre na mesma data, conforme fls. 124 vº. e 141), justifica-se o segmento final introduzido sob o ora aditado facto 13.
Por todo o exposto, igualmente no deferimento do requerido, determina-se que o ponto ii. dos factos não provados passe a figurar como o ponto 12. dos factos provados, com a seguinte redacção:
 12.O Réu adjudicou o orçamento adicional referenciado em 8. em 12 de Novembro de 2010”.

Por fim, urge ainda referenciar que a demais prova testemunhal produzida não contradiz ou coloca em crise, minimamente, o supra decidido.
Por um lado, as demais testemunhas apresentadas pela Autora/Apelante, ainda que revelando menor conhecimento relativamente ás questões em equação, lograram corroborar que a obra encomendada ou adjudicada estava concluída em 17/05/2011, transitando para o sector de montagens que trabalha directamente com o cliente (testemunha S., funcionária da Autora na área do Controlo Interno de Qualidade) e que não foi instalada a obra porque o cliente não a quis, nunca tendo estado disponível para o fazer, tendo mais tarde vendido a casa (depoimento de A., Directora de Produção da Autora).
Em contraponto, constata-se que a decisão recorrida não logrou ponderar na factualidade provada e não provada os depoimentos de C., irmã do Réu, e de L., mãe do Réu. Ouvidos os mesmos, afigura-se ao presente Tribunal não poder concluir de forma diferenciada. A irmã do Réu revelou total desconhecimento acerca da encomenda ora em equação, titubeando entre ausência de conhecimento de qualquer adjudicação e negação desta, num depoimento nitidamente parcial e com discurso de vitimização, sem qualquer credibilidade.
Por sua vez, a progenitora L. revelou igualmente total desconhecimento da encomenda e adjudicação assumida pelo Réu filho, assumindo mesmo nunca ter pensado mudar as caixilharias no local para onde se destinava a encomenda adjudicada pelo Réu. Posteriormente, incidiu o seu depoimento no facto de nunca ter sido interpelada pela Autora para a colocação de tais caixilharias, que afirma nunca ter querido ou encomendado, ainda que reconheça que o filho, ora Réu, pensou em ficar com a casa, mas que nunca quis nem pensou em vender-lha. O que talvez ajude a perceber a reconhecida impossibilidade da Autora em montar as estruturas fabricadas, na sequência da atitude do Réu em não receber a obra ou disponibilizar-se para a sua montagem, antes pretendendo o cancelamento da encomenda.

Por todo o exposto, procede, in totum, e nos termos sobreditos, a alegação da Apelante no que concerne à impugnação da matéria de facto e, consequentemente, decide-se o seguinte:
Em excluir dos factos não provados os pontos ii. e iii. ;
Em aditar aos factos provados, sob os nºs. 12. e 13., os seguintes:
12.O Réu adjudicou o orçamento adicional referenciado em 8. em 12 de Novembro de 2010” ;
13.A A. procurou, por diversas vezes, sem sucesso, agendar com o R. a montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010, e no adicional ao orçamento referenciado em 8.”.


II)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

A sentença apelada enquadrou o contrato celebrado entre Autora e Réu como “contrato típico de empreitada, especialmente previsto nos artigos 1207º e seguintes, contrato consensual, mas que as partes submeteram a forma escrita voluntária, bilateral, oneroso e comercial”. Seguidamente, identificou-o “no valor global de 8.268,00€, com os seguintes prazos de pagamento: a. 2.480,00€ com a adjudicação; b. 4.000,000€ com o início da montagem; e c. 1.788,00€ com a conclusão da obra”.
Pelo que, tendo o Réu apenas pago, por conta do montante supra referido, o valor de 2.480,00 €, resulta ter o mesmo incumprido “a obrigação de pagamento integral do preço”, incorrendo assim “em responsabilidade civil contratual, na modalidade da mora”, emergindo, deste modo, “obrigação de indemnização, correspondente ao pagamento de juros”.
Seguidamente, a mesma decisão apelada aprecia a invocada, pelo Réu, “exceção perentória ou material do não cumprimento, na modalidade de mora”, reconhecendo facultar-se “ao dono da obra a possibilidade de recusa do pagamento do preço enquanto o empreiteiro não cumprir a sua prestação”. Conclui, então, que no caso concreto “a A. só demonstrou o cumprimento da sua prestação até ao fim do fabrico das estruturas em alumínio lacado. Não provou o início da montagem, facto fundamento do vencimento da 2ª tranche do preço. Ocorrendo mora do empreiteiro, procede a exceção material do não cumprimento, e improcede a ação”.
Pelo que, no juízo de procedência de tal excepção de não cumprimento, julgou-se improcedente a acção e, consequentemente, foi o Réu absolvido do pedido deduzido pela Autora.
Analisemos.

da natureza do contrato celebrado

Estipulando acerca da regra da pontualidade no cumprimento dos contratos, dispõe o nº1 do art.º 406º do Cód. Civil [6] que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Anteriormente, e estatuindo a propósito da liberdade contratual, dispõe o art.º 405º, nº1, que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
No âmbito do cumprimento, e como princípio geral, prescreve o art.º 762º que:
“1.- o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
2.- No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, acrescentando o n.º 1 do art.º 763º que “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos”.  

Resultou provado que no exercício da sua actividade de fabrico, comercialização e montagem de estruturas em alumínio, portas, janelas e estores, foi solicitado à Autora, pelo Réu, a elaboração de um orçamento para obra a instalar na fracção sita na Rua ……………. Na sequência de tal pedido, a A. apresentou-lhe orçamento datado 04-10-2010, com descritivo “Alumínio lacado a branco mate BXI com vidro duplo Cool LTE”, no valor global de 8.268,00€, com os seguintes prazos de pagamento: a. 2.480,00€, com a adjudicação; b. 4.000,000€, com o início da montagem; e c. 1.788,00€, com a conclusão da obra, a ocorrer no prazo de 30 dias após adjudicação, tendo tal obra sido adjudicada pelo Réu, nos termos orçamentados, em 29/10/2010 – factos 1. a 4..
Provou-se, ainda, que em 10 de Novembro de 2010, a A. elaborou um adicional ao orçamento supra referido, no valor de 1.033,50€, nele fazendo constar “adjudicação por mail”, tendo este orçamento sido adjudicado pelo Réu em 12 de Novembro de 2010 – factos 8. e 12.. Acresce, conforme facto 7., tratar-se de material feito por medida, adaptado às necessidades e com as características encomendadas pelo R., pelo que o mesmo não reveste qualquer utilidade fora da obra para que foi concebido.

Extrai-se e conclui-se da enunciada factualidade que o contrato celebrado trata-se de uma empreitada, a qual é definida como uma modalidade do contrato de prestação de serviços – cf., art. 1155º -, legalmente tipificado como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação á outra a realizar certa obra, mediante um preço” – cf., artº. 1207º. No presente contrato, em que está em causa a realização duma obra, inexiste qualquer vínculo de subordinação do empreiteiro relativamente ao dono daquela, agindo antes o empreiteiro “sob sua própria direcção, com autonomia, não sob as ordens ou instruções do comitente, estando apenas sujeito á fiscalização do dono da obra”. Deste modo, “essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (....) e não um serviço pessoal”, sendo que “a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta da subordinação própria do contrato de trabalho)” [7] [8].
Apreciando o específico regime da empreitada, e no que concerne á execução da obra, em articulação com o citado n.º 2 do art.º 762º, estatui o art.º 1208º que “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”. Ou seja, por apelo ao princípio da boa fé, deve o empreiteiro, no cumprimento da sua obrigação, agir “segundo as regras da arte «que respeitem não só à segurança, à estabilidade e à utilidade da obra, mas também à forma e aspecto estético, nos casos e nos limites em que estes últimos factores são de considerar»” [9].
E, no que concerne à fiscalização do objecto da empreitada, acrescenta o nº 1 do artº 1209º que “o dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada”.
Por fim, a referência ao específico regime dos defeitos, no que concerne à sua denúncia, eliminação, redução do preço e resolução contratual, indemnização e caducidade, legalmente previsto nos artigos 1220º a 1224º, mas que, por ora, não é necessário apreciar em detalhe.
Deste modo, ao contrato de empreitada aplicam-se “não só as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis” [10]. Nomeadamente as normas relativas ao cumprimento das obrigações segundo os ditames da boa fé – 762º -, as referentes à mora e incumprimento das mesmas obrigações – 804º, 801º e 802º - e as relativas à própria resolução contratual – 432º.

do eventual preço em dívida

Analisada, em termos esquemáticos, a natureza do contrato celebrado, bem como o regime específico pelo qual se regula, vejamos, agora, o específico elemento contratual do preço, e a sua alegada omissão de pagamento por parte do Réu.
A decisão apelada reconheceu o incumprimento por parte do Réu no pagamento integral do preço, bem como a circunstância de, prima facie, o mesmo ter incorrido em mora, com a consequente obrigação de indemnização correspondente ao pagamento de juros.
Verifiquemos.  
No âmbito do contrato de empreitada, no que á determinação e pagamento do preço respeita, estatui o art. 1211º, n.º 1, ser “aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 883º”. Por sua vez, este normativo, previsto no âmbito do contrato de compra e venda, dispõe no seu n.º 1 que “se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir ; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade”.
Ora, no caso sub judice não é colocada em questão a determinação do preço, no sentido de ter ou não existido tal determinação, atenta a efectiva prova de ter sido acordado preço específico, quer no que concerne à adjudicação de 29/10/2010, quer no que respeita à adjudicação adicional de 12/11/2010, nos valores, respectivamente, de 8.268,00 € e 1.033,50 €, e total de 9.301,50 € - cf., factos 3., 8. e 9..
Segundo as regras de repartição do ónus probatório previstas no art. 342º, cabia à Autora, como facto constitutivo do seu direito, provar a existência do alegado contrato ou dos serviços prestados, bem como ainda o ónus probatório do quantum do preço acordado.

Em contraponto, cabia ao alegado Réu devedor provar ter pago o preço acordado como contrapartida da celebração daquele(s) contrato(s) ou dos serviços recepcionados, ou então provar matéria suficiente que implicasse a sua não exigibilidade ou, pelo menos, a sua não total exigibilidade, decorrente das várias situações factícias alegadas, e já supra elencadas.
Efectivamente, como norma matriz nos casos de incumprimento imputáveis ao devedor prevê o art. 799º, n.º 1, uma verdadeira presunção de culpa a onerar a posição do devedor. Assim, incumbe-lhe “provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, sendo a culpa apreciada nos termos previstos no art. 487º, ou seja, pela diligência de um bom pai de família perante as circunstâncias de cada caso concreto.
Justificando as regras do ónus probatório, nomeadamente as resultantes do art. 342º, Antunes Varela e outros [11] referem que as leis “partem, neste ponto, de uma justificada presunção de experiência. Se o autor, alegando e provando a constituição do seu crédito (mediante a alegação e a prova dos factos donde brotou o direito), vem a juízo exigir a condenação do titular do dever correspondente, é porque, normalmente, com extrema probabilidade, o direito se manteve e o demandado não cumpriu. Se, excepcionalmente, assim não sucede, justo é que, provada pelo autor a constituição do direito, seja o réu quem deva alegar e provar a existência dos factos que integram a norma conducente à inexistência ou extinção do direito”. Assim, e no campo da responsabilidade contratual, caberia ao Réu o ónus de provar a realização da prestação acordada, ou seja, o seu cumprimento, ou a ausência de culpa no seu não cumprimento.
Ora, conforme resulta do facto 5., provou-se ter o Réu procedido ao parcial pagamento do preço acordado relativamente à obra adjudicada em 29/10/2010. O que foi feito de acordo com o contratualizado, ou seja, o pagamento do valor de 2.480,00 € com a adjudicação da obra orçamentada.
Não se logrou a prova de qualquer outro pagamento (que o Réu Apelado nem sequer alegou), pelo que, prima facie, dever-se-ia reconhecer a dívida subsistente.
Todavia, não o entendeu desta forma a decisão apelada em virtude de ter considerado a existência de uma situação de excepção de não cumprimento na modalidade de mora, ao considerar que a Autora apenas logrou provar o cumprimento da sua prestação até ao fim do fabrico das estruturas encomendadas. Assim, como não logrou provar o início da montagem, o que fundamentava o vencimento da 2ª tranche do preço da encomenda principal, concluiu pela existência de mora da Autora (empreiteira), julgando então procedente tal excepção material de não cumprimento, e improcedente a acção.
Decorre com assaz clareza da matéria de facto ora em consideração, atenta a alteração introduzida na mesma, que tal juízo não pode subsistir.
Efectivamente, para além da manutenção probatória de que a Autora (ora Apelante) procedeu ao fabrico das estruturas previstas no orçamento – facto 6. -, logrou-se ainda provar ter a mesma procurado, por diversas vezes, e sem sucesso, agendar com o Réu (ora Apelado) a montagem das estruturas previstas em ambos os orçamentos adjudicados (donde resulta, necessariamente, o fabrico da estrutura encomendada no adicional ao orçamento) – facto 13..
Pelo que não pode continuar a aludir-se a uma situação de mora da Autora empreiteira no cumprimento do contrato. Esta produziu as encomendas orçamentadas e adjudicadas, as quais procurou montar, por diversas vezes, sem o conseguir fazer.
Inexiste, assim, qualquer situação moratória da sua parte, justificativa de invocação da excepção de não cumprimento do contrato, mas antes mora do próprio Réu dono da obra na recepção da mesma, apesar de concluída, o que determina a sua responsabilização pelo pagamento do preço devido.
Determinando, deste modo, e sem outras delongas, a necessária procedência do petitório accional, no que concerne ao capital devido (ponderando a redução do mesmo apresentada supervenientemente, conducente à sua parcial extinção).
Concretizando as operações de liquidação, temos o preço de 8.268,00 € da obra inicialmente adjudicada, a que se soma o montante de 1.033,50 € do valor da obra adicional, perfazendo o valor de 9.301,50 €. Deduzindo a este valor o montante pago aquando da adjudicação da obra inicial – 2.480,00 € -, resta em dívida o montante de 6.821,50 € (seis mil oitocentos e vinte e um euros e cinquenta cêntimos).

Relativamente aos juros moratórios, peticiona-os a Autora desde a data de fabrico das estruturas encomendadas.
Todavia, conforme resulta do facto 3. (e documento de fls. 124), 8. e 12., foram acordados prazo de pagamento diferenciados relativamente ao orçamento principal adjudicado, sendo que no que concerne ao adicional do orçamento o pagamento seria apenas concretizado no final da obra (documento de fls. 140).
Resulta do exposto, desde logo, não poder considerar-se a modalidade de pagamento feita constar nas facturas emitidas e referenciadas no facto 9., que aludem a pronto pagamento, com datas de emissão de 12/11/2010.
Por outro lado, conforme já verificámos supra, apenas se provou ter a Autora procurado, por diversas vezes, e sem sucesso, agendar com o Réu a montagem das estruturas previstas em ambos os orçamentos adjudicados – facto 13. -, desconhecendo-se assim, em concreto, a data em que o Réu entrou em mora, decorrente da interpelação da Autora para agendamento da montagem das estruturas. A que acresce a não prova, conforme facto IV dos não provados, de que tenha sido em 17/05/2011 que a Autora se tenha deslocado ao imóvel do R. para a instalação e montagem das estruturas previstas no orçamento de 04-10-2010, sem que este lhe tenha permitido o acesso.
Donde resulta que, à míngua de tal prova, os juros moratórios apenas podem-se considerar devidos a partir da data da interpelação judicial ao cumprimento, ou seja, a partir da data da citação para a presente acção (21/02/2015), nos quadros do nº. 1 do artº. 805º.
Relativamente á taxa de juros devida, a Autora peticiona-a a apenas à taxa de 4%, conforme operações efectuadas em sede de requerimento inicial de injunção, ou seja à taxa de juros legal, e não à taxa de juros supletiva comercial (como poderia tê-lo feito, atenta a sua natureza), pelo que apenas aquela é devida, nos quadros da Portaria nº. 291/2003, de 08/04.

Alega ainda a Autora no requerimento inicial de injunção que em virtude do comportamento do Réu viu-se forçada a suportar inúmeras despesas com a interpelação deste, e com as diligências necessárias para a cobrança da quantia em dívida, que se cifram na quantia acima assinalada.
Compulsado o mesmo requerimento, constata-se que a quantia ali assinalada é de 20,00 €, tendo-se apenas provado, conforme facto 11., que por força da presente acção a Autora teve despesas de contencioso, em montante não apurado.
Ora, relativamente a estas despesas, que vão necessariamente para além  da taxa de justiça liquidada, a responsabilização pelo seu pagamento não pode deixar de ser imputada ao Réu, em valor a liquidar em execução de sentença, mas não superior aos 20,00 € (vinte euros) peticionados.
***

 da litigância de má fé

Pugnou a Autora, mais do que uma vez nos presentes autos, pela condenação do Réu como litigante de má-fé – cf., nomeadamente o requerida em sede da acta da audiência final de 10/10/2016.
A litigância de má fé é regulada nos artºs 542.º a 545.º do Código de Processo Civil.
Traduz o regime constante nestes artigos uma ampliação, substancial, do dever de boa fé processual ínsito no art. 8º do mesmo diploma, traduzindo-se tal princípio “na imposição de acrescidos deveres de ordem deontológica para todos os intervenientes processuais com vista a produzir, no domínio do processo civil, uma “eticização” análoga à que o direito material há muito logrou realizar em determinadas áreas” [12]. Eticização que se desenvolve em duas vertentes: uma objectiva e outra subjectiva.
Do ponto de vista subjectivo passam a sancionar-se, quer comportamentos dolosos, quer comportamentos negligentes, conquanto que tal negligência seja grave, quer seja da parte, quer seja do seu mandatário.
Negligência que será grave se existir a consciência da falta de razão, ideia que subjaz à má fé [13].
Necessário é ainda que se enquadrem na vertente objectiva, isto é, que se encontrem elencados nas várias alíneas do n.º 2 do mencionado art. 542.º. A saber: a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar; a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa; a prática de grave omissão do dever de cooperação ; o uso manifestamente reprovável do processo.
Todas as pessoas têm o direito de acção, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual quem se arrogue a titularidade de um direito poderá solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva – idem no art. 2º do Código de Processo Civil. Todavia, a propositura de uma acção é um acto sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para os demandados. Há um mínimo de cuidados que o Requerente/Autor não pode deixar de respeitar, como sejam os de não atribuir factos não verdadeiros, ou de contar uma versão tanto quanto possível concreta e completa dos factos. E, embora o direito de acção possa conviver legitimamente com a não existência do direito invocado, situações há em que a manifesta carência de pressupostos de ordem substantiva não pode deixar de ser integrada no instituto da litigância de má-fé.
A lide deixa de ser justa e legítima quando alguma das partes, a começar pelo Autor, deixe de agir dentro das regras da boa-fé, colocando ao tribunal pretensões sabendo ou devendo saber que a razão não está do seu lado. São coisas distintas vir-se a juízo no convencimento da justeza de uma pretensão pelas mais variadas razões mais ou menos subjectivadas e, declarada/consciente/assumidamente omitir factos relevantes para a decisão da causa, factos pessoais, demonstradamente praticados pelo próprio, num contexto espácio-temporal precisamente identificado.
É para este grupo de casos que o art. 542º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e na parte que ao caso interessa, prescreve: “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)- tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)- tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (...)”.

O normativo em equação sanciona quer a litigância dolosa, quer a litigância temerária, com o objectivo de se atingir uma maior responsabilização das partes, sendo corrente distinguir a má-fé material (ou substancial) e má-fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ; a segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando um comportamento processualmente assumido em si mesmo. Isto para concluir que só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem incorrer em má-fé instrumental, podendo também o vencedor da acção ser condenado como litigante de má-fé.

Ora, analisada a matéria dos presentes autos, bem como a factualidade considerada provada, não se descortina no comportamento do Réu (ora Apelado) qualquer comportamento que possa ser, de forma indubitável e inquestionável, qualificado como de má-fé substancial.
Por outro lado, analisando a sua conduta processual ao longo dos autos, não resulta igualmente indiciado que o mesmo Réu tenha utilizado mecanismos processuais que dificultassem a obtenção de uma decisão justa ou conforme ao Direito ou que tenha alterado a verdade dos factos.
É certo que se reconhece que a sua conduta processual nem sempre se configurou como a mais idónea e escorreita, de irrepreensível lisura, o que sucedeu, nomeadamente, com a junção de um documento de orçamento relativamente á proposta de orçamento do trabalho principal, diferenciada da invocada pela Autora, mas apenas e tão só no que concerne à liquidação do IVA. Diferenciação que, conforme se veio a constatar pela prova produzida, era-lhe imputável, por surgir de um pedido que efectuou para que pagasse menos valor de IVA. Todavia, tal mero comportamento, apesar da sua temeridade, atendendo até que nada de relevante modificaria na análise efectuada, não é susceptível de, por si só, consubstanciar ou preencher o conceito de má-fé, nos termos supra definidos.
O que determina, sem ulteriores delongas, a necessária improcedência de condenação do Requerido/Réu (ora Recorrido) como litigante de má fé.
***

Relativamente à tributação, quer a decorrente da acção, quer a decorrente da presente apelação, deverá ser assumida, no que respeita à parte da condenação líquida, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, pela Apelante e Apelado,  na proporção do respectivo vencimento/decaimento.

No que concerne à parte ilíquida, a responsabilidade da tributação fica provisoriamente a cargo, em idêntica proporção, de Apelante e Apelado, efectuando-se o respectivo rateio aquando da liquidação de execução de sentença.
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IV.DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na parcial procedência da presente apelação e, consequentemente, decide-se:
A.pela revogação da sentença recorrida ;
B.em sua substituição, julga-se a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, decide-se:
I)Condenar o Réu/Apelado J. a pagar à Autora/Apelante S., a quantia de 6.821,50 € (seis mil oitocentos e vinte e um euros e cinquenta cêntimos), correspondente ao valor do capital em dívida, referente ao preço das adjudicações de obra efectuadas em 29/10/2010 e 12/11/2010 ;
II)Bem como nos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, ou outras que entretanto lhe sobrevierem, sobre tal montante total, computados desde a citação para a presente acção (21/02/2015) e até efectivo e integral pagamento ;
III)Condenar igualmente o Réu/Apelado J. a pagar à Autora/Apelante S., a título de despesas de contencioso, a quantia a liquidar em execução de sentença, não superior a 20,00 € (vinte euros) ;
IV) Absolver o Réu/Apelado J. quanto ao demais peticionado.
C. Julgar improcedente o pedido de condenação do Réu/Apelado como litigante de má-fé ;
D.Custas da acção e apelação, na parte liquidada, a cargo de Autora/Apelada e Réu/Apelante, na proporção do respectivo decaimento ; no que concerne à parte ilíquida, a responsabilidade da tributação fica provisoriamente a cargo, em idêntica proporção, de Apelante e Apelado, efectuando-se o respectivo rateio aquando da liquidação de execução de sentença.


                   
Lisboa, 26 de Outubro de 2017



Arlindo Crua - Relator   
António Moreira – 1º Adjunto 
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta
(Presidente)



[1]Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 159.
[2]Idem, pág. 165. Cf., ainda, acerca da amplitude legal do ónus a cargo do recorrente o exarado no douto aresto do STJ de 29/10/2015, in www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[3]Nas palavras do douto aresto do STJ de 19/02/2015 – in www.dgsi.pt/jstj.nsf -, “o nível de argumentação apresentada pelo recorrente já não respeita aos requisitos formais das alegações, antes se relaciona com o respectivo mérito a apreciar pela Relação”.
[4]Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 285.
[5]Idem, pág. 285 a 287.
[6]todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma.
[7]Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª Edição Revista, Coimbra Editora, págs. 787 e 788.
[8]José Manuel Vilalonga, ROA, Ano 57, pág. 189, definindo o contrato de empreitada refere que “o objecto da obrigação principal que emerge da celebração do contrato para um dos contraentes (empreiteiro) é uma prestação de resultado (a realização de uma obra). O outro contraente (dono da obra) obriga-se a pagar àquele um preço, que não é mais do que a expressão pecuniária do valor da obra realizada”.
[9]Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit.,  pág. 791, citando Rubino.
[10]Cf., o douto Acórdão do STJ de 04/12/2003,  Relator: Salvador da Costa, Doc. nº SJ200312040039687, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[11]Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 453, nota 2.
[12]Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pp. 212, em anotação ao art. 266.º, norma correspondente na antecedente versão do Cód. de Processo Civil, anterior à introduzida pela Lei nº. 41/2013, de 26/06.
[13]Neste sentido cf. Ac. R.L. de 18/06/98, CJ, III, pp. 126.