Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17602/21.4T8LSB.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: DANOS CAUSADOS POR IMÓVEL
ESCOAMENTO DE ÁGUAS
RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO NAVIO
PRESUNÇÃO DE CULPA
LIQUIDAÇÃO DOS DANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O orçamento é uma estimativa do custo dos trabalhos a executar. O custo real, pode ser inferior ou superior ao orçamentado, por isso, o orçamento é de per si insuficiente para provar o custo dos trabalhos efetivamente realizados, recaindo sobre quem tem o ónus de demonstrar tal factualidade o dever de apresentar prova inequívoca sobre os custos suportados, designadamente, prova documental (v. g. fatura/recibo).
2. O art.º 493º, nº 1, do Código Civil estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo (para além do mais) a vigilância de coisas imóveis, e consequentemente, a inversão do ónus da prova quanto à culpa.
3. Perante condições atmosféricas adversas, mormente, tempestades, com queda de chuva intensa, recai sobre os proprietários de imóveis um dever de diligência acrescido, contínuo e vigilante, designadamente sobre o sistema de escoamento da água caída em varandas, e a adoção de atitudes proactivas antes ou durante a tempestade, de molde a impedir a obstrução do sistema de escoamento e, assim, evitar a produção de danos em imóvel alheio, comportamento que o cidadão  comum, diligente e prudente, cioso não só dos seus pertences, como preocupado com os prejuízos que os mesmos, em situações de crise, poderiam causar a terceiros, adotaria se colocado naquela mesma posição (cf. art.º 487º, nº 2, CPC).
4. A falta de prova sobre tal conduta diligente faz recair sobre o proprietário o dever de ressarcir os prejuízos causados, nos termos do dito art.º 493º, nº 1 CC.
5. Nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 609º, nº 2, do CPC, não é possível relegar para ulterior liquidação a existência de obrigação, que tal como o dever de indemnizar devem ficar demonstrados na ação, sendo apenas possível remeter para liquidação o objeto ou a quantidade da obrigação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
R…, solteiro, titular do passaporte nº …, emitido pela República Federativa do Brasil, contribuinte fiscal nº ….., residente na Rua ……….., veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA”, com sede na Av. Dr. Mário Soares, Edifício 10, Tagus Park, Porto Salvo, e M…, residente na Rua…….,  Lisboa, alegando, para tanto, em síntese, que é legitimo proprietário da fração autónoma nº D, sita na Rua ……, Lisboa, que explora como estabelecimento de alojamento local, tendo perdido uma receita de cerca de €18.000,00 em arrendamentos de curta duração, devido aos danos causados por responsabilidade da Ré; que em face dos prejuízos deverá ser indemnizado pelo menos em €7.503,01 a título de indemnização pelos danos emergentes dos lucros cessantes, para compensar os meses que esteve impossibilitado de arrendar o seu imóvel por culpa da Ré, que tinha os ralos entupidos da sua habitação, o que fez com que a água escoasse para dentro do seu móvel, causando-lhe estragos, que exigiram a intervenção de vários profissionais de construção e o pagamento dos custos de reparação que, globalmente, ascenderam a €16.496,98.
Acrescenta que a Ré seguradora alegou que a cobertura da apólice da co-Ré M…. não podia ser acionada dado que o sinistro foi provocado pela forte pluviosidade e não por culpa daquela; que por força dos danos sofridos está privado do uso e rentabilização do seu imóvel desde a data da ocorrência até à atualidade, pelo que deve ser indemnizado pelos danos emergentes dos lucros cessantes, em valor nunca inferior a €24.000,00.
Termina, pedindo seja a ação julgada procedente, por provada, e em consequência, sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe os seguintes valores:
- a) a quantia de €16.496,99 a título de ressarcimento pelos danos causados na fração, acrescida de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento.
b) a quantia de €7.503,01 a título de indemnização pelos danos emergentes dos lucros cessantes, acrescida de juros vincendos desde o dia da ocorrência até integral pagamento.
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As Rés foram devidamente citadas para contestar a ação.
Contestando, e a título de exceção, diz a seguradora, em síntese, que celebrou um contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação com a co-Ré, mas que o sinistro participado não tem enquadramento nas coberturas contratadas; acresce que aquela providenciava pela  limpeza da varanda da sua fração com periodicidade frequente, não havendo qualquer registo de anteriores situações de entupimento de ralo e, consequentemente, qualquer participação de sinistro por esse motivo, não tendo tido aquela qualquer culpa na produção do evento. No mais, impugna os factos articulados pelo Autor, e termina, pedindo: a) seja a exceção deduzida julgada procedente, por provada, sendo a aqui Ré, consequentemente, absolvida da instância; ou, caso assim não se entenda, seja a ação julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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A co-Ré M…. também apresentou contestação, nos seguintes termos: é parte ilegítima na ação, por ter transmitido para a sua seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo imóvel da sua propriedade; no mais, impugna os factos alegados pelo Autor, contrapondo tratar-se de uma pessoa cuidadosa e diligente, que sempre cuidou da conservação, manutenção e limpeza do imóvel de que é proprietária, estando a varanda em causa sempre limpa a cuidada, e desobstruída de quaisquer objetos ou com vestígios de folhas ou sujidade.
Termina, pedindo:
a) Seja declarada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância;
Para o caso de assim não se atender:
b) Seja a ação julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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O autor foi notificado para se pronunciar, querendo, sobre as exceções invocadas, tendo o mesmo, em resposta, pugnado pelo indeferimento da que foi suscitada pela seguradora, e não se prenunciou, em concreto, sobre a exceção de ilegitimidade suscitada pela 2ª Ré.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
Saneado o processo, foi julgada improcedente por não provada a exceção de ilegitimidade passiva da co-Ré M…..
Consignou-se inexistirem outras exceções a conhecer.
Foi fixado o seguinte objeto do processo: “Importa saber se devem as rés ser condenadas a pagar à autora as quantias de €16.496,99 e de €7.503,01, a título de indemnização pelos danos causados na sua fração e pelos lucros cessantes, acrescidas de juros vincendos, a primeira desde a entrada da ação e a segunda desde o dia da ocorrência, até efetivo e integral pagamento.”
Foram indicados os temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Nesta conformidade e por todo o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência:
1. Condeno as Rés OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA e M…. a pagarem ao Autor R….., a quantia de €2.918,79 (dois mil, novecentos e dezoito euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos verificados no interior da fração do Autor.
2. Condeno as Rés OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA e M…. a pagarem ao Autor R….. a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local.
3. Absolvo as Rés do demais peticionado contra si.
Condeno o Autor e Rés, no pagamento das custas judiciais, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixam em 85% para o Autor e 15% para as Rés – artigo 527.º do CPC.
Registe e notifique.”
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A Ré, Companhia de Seguros, recorreu da decisão e formulou as seguintes conclusões:
1.º
O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo a fls. __, no âmbito do processo supra identificado, o qual julgou a ação proposta por R…. parcialmente procedente e, em consequência, condenou as Rés Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. e M….. no pagamento ao Autor da quantia de €2.918,79, a título de danos verificados no interior da fração do Autor; e no pagamento ao Autor da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local.
2.º
Contudo, não pode a ora Recorrente concordar com a apreciação da prova carreada para os presentes autos realizada pelo douto Tribunal a quo, nem tão pouco com a interpretação dada ao contrato de seguro celebrado entre as partes pelo douto Tribunal. Motivo pelo qual, as presentes alegações de recurso terão por objeto quer a alteração da matéria de facto, por via dos elementos constantes nos autos, quer a alteração da matéria de direito.
3.º
A ora Recorrente entende, salvo o devido respeito, que a matéria de facto constante do Facto Provado n.º 15 e do Facto Não Provado n.º 6 foi incorretamente apreciada, tendo conduzido a uma decisão injusta e incoerente com toda a factualidade discutida e apurada nos autos.
4.º
As provas que impõem decisão diversa sobre esses factos e que devem ser reapreciadas, além do relatório de averiguação junto aos autos com a Contestação da ora Recorrente sob documento n.º 4, são os seguintes depoimentos:
- PF, cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109;
- CH, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109;
- RZ, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220324095857_20229394_2871109.
5.º
A testemunha PF foi perentória em afirmar que a razão do entupimento foi o volume anormal de água, devido à ocorrência da tempestade, e a ineficiência do ralo de escoamento que, devido ao calibre da própria tubagem, não fez o escoamento necessário da água, provocando a inundação em causa nos autos. Desde logo porque, a varanda da fração da 2.ª Ré está sujeita às águas da chuva que sobre si caem diretamente e também às águas que caem no telhado, na medida em que o telhado (em forma de esconso) projeta, também ele, água para a varanda em caso de chuva.
6.º
A testemunha referiu ainda que, anteriormente ao dia do evento em causa nos autos, nunca se verificou situação semelhante e, portanto, a varanda da fração da 2.ª Ré nunca entupiu em momento anterior.
7.º
Também a testemunha CH, responsável de limpeza da fração da 2.ª Ré, confirmou que a inundação em causa teve como origem a ocorrência da tempestade Elsa e da depressão Fabien, uma vez que, devido à intensidade da chuva, o ralo de escoamento da varanda não conseguiu debitar a água necessária.
8.º
Acresce que, a testemunha referiu expressamente que não verificou qualquer obstrução do ralo pela presença de terra e seixos. De facto, a testemunha referiu que o ralo não estava obstruído e que, aquando da sua presença no local no dia do sinistro, verificou que o nível de água diminuiu assim que parou de chover.
9.º
A testemunha CH confirmou a existência de vasos com terra e seixos decorativos na varanda, contudo, esclareceu que, no dia do sinistro, nem a terra, nem os referidos seixos, tinham saído do canteiro onde se encontravam.
10.º
Isto dito, facilmente se constata que, os elementos de prova supra referidos não corroboram as conclusões a que chegou o douto Tribunal a quo no que concerne à causa da acumulação de água na varanda da aqui 2.ª Ré.
11.º
No entendimento da ora Recorrente, da prova produzida resultou claramente que a acumulação de água na varanda teve origem na intensidade da precipitação, decorrente da passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien pelo território português e não na presença de terra e seixos no ralo de escoamento da referida varanda.
12.º
Face ao exposto, e não tendo sido produzida qualquer prova bastante e suficiente sobre a alegada obstrução do ralo com terra e seixos decorativos, entende a ora Recorrente que o Facto Provado elencado sob o n.º 15 deveria ser julgado NÃO PROVADO, o que se requer.
13.º
Por outro lado, face aos depoimentos das supra referidas testemunhas, tendo sido produzida prova bastante e suficiente de que a acumulação da água na varanda da Ré M… ficou a dever-se exclusivamente às fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019, entende a ora Recorrente que o Facto Não Provado elencado sob o n.º 6 deveria ser julgado PROVADO, o que igualmente se requer.
14.º
Não obstante, ainda que assim não se entendesse, sempre teria de considerar-se o depoimento da testemunha RZ, perito responsável pela elaboração do relatório de averiguação junto aos autos com a contestação sob documento n.º 4, que esclareceu a estrutura do canteiro existente na varanda da fração da aqui 2.ª Ré e referiu expressamente que, qualquer eventual aparecimento de terra e seixos no ralo de escoamento, sempre teria tido como causa a ocorrência da tempestade, porquanto, o canteiro na varanda da 2.ª Ré tinha uma estrutura em tijolo, dentro da qual a terra e os seixos decorativos (pedras) ficavam retidos em situações normais.
15.º
A testemunha explicou ainda ao Tribunal que não teve dúvidas em concluir que a ocorrência em causa nos presentes autos teve a sua origem na passagem da Depressão Elsa, no seguimento da qual existiram níveis de precipitação muito acima do normal e ventos fortes, não tendo existido capacidade de escoamento do ralo da varanda da fração da 2.ª Ré. Ademais, a testemunha referiu que, mesmo sem a presença da terra e dos seixos decorativos, perante a intensidade da chuva na decorrência da tempestade, a varanda sempre teria acumulado água em demasia.
16.º
Face ao exposto, ainda que se admitisse que resultou da prova produzida que ocorreu, na noite do sinistro, uma obstrução do ralo com terra e pedras (algo que não se admite face aos depoimentos das testemunhas PF e CH), sempre teria de concluir-se que tal obstrução teve na sua origem as condições atmosféricas adversas decorrentes da passagem da tempestade Elsa e da depressão Fabien pelo território português.
17.º
Assim, entende a ora Recorrente que o Facto Provado n.º 15, a ser considerado como provado, sempre teria de ser reformulado nos seguintes termos (o que se requer):
“A água acumulou na varanda da fração da Ré M…., por força da obstrução do ralo com a terra e alguns dos seixos que existiam nessa varanda, na sequência da intensidade da precipitação e do vento, decorrentes da passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien pelo território português.”.
18.º
Devendo, uma vez mais, considerar-se o Facto Não Provado n.º 6 como PROVADO.
19.º
Considera a ora Recorrente, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, que a resposta dada ao Facto Provado sob o n.º 15 deveria ser “NÃO PROVADOS” e a resposta ao Facto Não Provado sob o n.º 6 deveria ser “PROVADO”.
20.º
De facto, no entendimento da ora Recorrente a douta sentença proferida, atendendo à prova documental e testemunhal apresentada nos autos, não formulou o devido juízo de valor quanto à acumulação de água na varanda da fração da 2.ª Ré, pelo que, a resposta ao Facto Provado elencado sob o n.º 15 e ao Facto Não Provado sob o n.º 6, sempre teria de ser alterada nos termos supra requeridos, pelos motivos apresentados e pela própria análise da prova produzida, alteração essa que desde já se requer por meio do presente recurso.
Face ao exposto,
21.º
Salvo melhor entendimento, a douta sentença proferida, para além de ter feito um erro notório na apreciação da prova, tendo em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas acima identificadas em sede de julgamento, bem como todos os elementos constantes dos autos, fez uma incorreta interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso em concreto e da apólice de seguro aqui em causa.
22.º
Os danos sofridos pelo Autor, ora Recorrido, tendo resultado exclusivamente da ocorrência da tempestade que se verificou na noite de 19/12/2019, não se encontram cobertos pela cobertura de Responsabilidade Civil, prevista na presente apólice.
23.º
Com efeito, de acordo com a Cláusula 32.ª, ponto 17, das Condições Gerais da apólice (juntas sob documento n.º 2 com a Contestação), a cobertura de Responsabilidade Civil “garante o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extracontratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possam ser exigidos ao Segurado na sua qualidade de proprietário ou ocupante legítimo do imóvel seguro por danos corporais ou materiais causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos identificados neste artigo.”.
24.º
Ora, tendo em conta que, da prova produzida, não resultaram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da segurada da 1.ª Ré, aqui 2.ª Ré, a referida cobertura nunca poderia ser acionada.
25.º
Refira-se, por relevante, que, a ora Recorrente não discute a existência de um sinistro, porquanto, reconhece, como aliás se encontra assente, a ocorrência de uma tempestade na data de 19/12/2019. Contudo, o sinistro em causa não se encontra garantido pela cobertura de Responsabilidade Civil; e a cobertura de Tempestades apenas cobre os danos causados aos bens seguros, no caso, à fração da 2.ª Ré – cfr. Cláusula 32.º, ponto 2.1. das condições gerais da apólice junta aos autos.
26.º
Efetivamente, nos termos da apólice sub judice, e de encontro ao depoimento das testemunhas PF, CH e RZ, apoiados pelo relatório de averiguação junto aos presentes autos, só pode considerar-se que os danos sofridos pelo Autor não se encontram cobertos na presente apólice, uma vez que se concluiu que as infiltrações de água tiveram origem na acumulação de água na varanda da 2.ª Ré, na sequência da passagem da tempestade Elsa e da depressão Fabien por território nacional.
27.º
E outro entendimento que não este iria desvirtuar, por completo, o teor da apólice aqui em discussão!
28.º
Motivo pelo qual, a ora Recorrente não pode assumir o pagamento indemnizatório relativamente aos danos verificados na fração do Autor, ora Recorrido, na medida em que os danos reclamados não se encontram garantidos pelo presente contrato de seguro, porquanto tiveram como causa a ocorrência de uma tempestade – veja-se o Facto Provado n.º 3.
29.º
Assim, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo o disposto nos artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 562.º; 563.º; 564.º; e 566.º, n.º 3; todos do CC; e 414.º do CPC; e, bem assim, o teor do contrato de seguro, nomeadamente as cláusulas relativas aos riscos/coberturas “Tempestades” e “Responsabilidade Civil”.
30.º
Posto isto, entende a ora Recorrente, com o devido respeito, que deve ser revogada a douta sentença proferida, devendo a mesma ser substituída por uma decisão que absolva a ora Recorrente do pedido formulado pelo Autor.
31.º
Sem prejuízo de todo o supra exposto, e ainda que se entenda que não assiste razão à ora Recorrente quanto à matéria de facto (o que não se admite e apenas por dever de patrocínio se acautela), a verdade é que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo sempre teria de ser alterada.
32.º
Com efeito, a douta sentença proferida condenou as Rés Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros. S.A. e M…., a pagarem ao Autor, ora Recorrido, “a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local”.
33.º
Sucede que, a ora Recorrente nunca poderia ter sido condenada a pagar ao Autor uma indemnização pela impossibilidade de o mesmo explorar a sua fração como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença. E isto por duas ordens de razão: em primeiro lugar, porque o Autor, ora Recorrido, não provou os factos por si alegados a este respeito; e, em segundo lugar, porque os lucros cessantes, os danos indiretos e as perdas de exploração estão expressamente excluídos do âmbito de cobertura da apólice, conforme melhor se verá infra.
34.º
Por um lado, refira-se que, não resultou da prova produzida que o Autor, ora Recorrido, tenha deixado de utilizar a fração de que é proprietário na sequência do sinistro em causa nos presentes autos – veja-se a este respeito os Factos Provados explanados na douta sentença recorrida.
35.º
Efetivamente, não existe um único facto provado na douta sentença recorrida que espelhe a alegada impossibilidade de o Autor, ora Recorrido, utilizar a fração.
36.º
Posto isto, entende a Recorrente que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não tinha elementos suficientes para condenar as Rés no pagamento ao Autor, ora Recorrido, de uma indemnização pelos lucros cessantes decorrentes da alegada impossibilidade de exploração da fração.
37.º
Aceita-se que, em caso de não ser possível quantificar o dano, o Tribunal remeta o apuramento do prejuízo para liquidação de sentença, conforme previsto no artigo 609.º, n.º 2 do CPC. No entanto, é necessário que, pelo menos, o Autor prove que sofreu um dano (ainda que não consiga demonstrar a sua exata quantificação).
38.º
Ora, não foi o caso dos autos! O Autor, ora Recorrido, nada provou a este respeito, não cumprindo o ónus que sobre si recaía ao abrigo do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC.
39.º
Assim, não tendo o Autor logrado demonstrar e/ou provar os danos peticionados, designadamente, a impossibilidade de utilizar a fração como alojamento local na sequência do sinistro, sempre se dirá que, deverá a dúvida sobre tais factos resolver-se contra o Autor, ora Recorrido (nos termos previstos no artigo 414.º do CPC).
40.º
Motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, o douto Tribunal a quo, não tinha elementos bastantes para condenar as Rés a pagar uma indemnização ao Autor, ora Recorrido, pela alegada impossibilidade de o mesmo explorar a sua fração como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença.
41.º
Ao decidir da forma como decidiu, o Tribunal a quo, com o devido respeito, extravasou toda a prova produzida nos presentes autos e substituiu-se à própria parte, em clara violação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 562.º; 563.º; 564.º; e 566.º, n.º 3; todos do CC; e 414.º do CPC.
42.º
Por outro lado, refira-se que, os lucros cessantes, os danos indiretos e as perdas de exploração estão expressamente excluídos do âmbito de cobertura da apólice.
43.º
Com efeito, ainda que se entendesse que o evento em causa nos autos se encontrava garantido ao abrigo da cobertura de “Responsabilidade Civil” (o que não se admite), nos termos da Cláusula 33.ª, na parte referente à “Responsabilidade civil como proprietário ou ocupante do imóvel”, ponto 4 (página 27 das condições gerais da apólice, juntas aos autos com a contestação sob documento n.º 2), estão expressamente excluídos da referida cobertura “os lucros cessantes, os danos indiretos e as perdas de exploração”.
44.º
Refira-se, por relevante, que não só a ora Recorrente alegou no seu articulado a existência desta exclusão; como a mesma resulta, desde logo, do teor das condições gerais da apólice, juntas aos autos com a contestação sob documento n.º 2; e foi confirmada pela testemunha AP, gestor de sinistros, cujo depoimento ficou gravado em ficheiro áudio com a referência 20220519151635_20229394_2871109, com início ao minuto 00:04:15 e fim ao minuto 00:12:29.
45.º
O que indiscutivelmente, põe em crise a posição assumida pelo douto Tribunal a quo, ao entender pela condenação da ora Recorrente. De facto, não poderá a ora Recorrente ser responsável por indemnizar um alegado dano, em virtude do acionamento de uma cobertura, quando, a bem dizer da verdade, o referido dano se encontrava expressamente excluído das condições contratuais.
46.º
Sob pena de se ignorar, na íntegra, o contrato de seguro em apreço nos autos e de se fazer tábua rasa de todas as suas cláusulas.
47.º
Assim, é entendimento da Recorrente que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação do contrato de seguro, já que, com base no mesmo nunca a decisão poderia ter sido de condenação da ora Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Autor, ora Recorrido, em virtude dos seus alegados lucros cessantes.
48.º
Face ao exposto, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal recorrido, não fez uma correta aplicação da Lei, nomeadamente no que respeita ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril; devendo, por isso, ser alterada a decisão proferida e de que ora se recorre, por outra decisão que absolva a ora Recorrente do pedido formulado pelo Autor, ora Recorrido, a este respeito, sob pena de, a manter-se a decisão, manter-
se a violação das cláusulas do contrato de seguro celebrado e do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
49.º
Perante o supra explanado, deve a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo ser revogada na íntegra, devendo ser substituída por uma decisão que absolva as Rés do pedido formulado pelo Autor, ora Recorrido, sob pena de, a manter-se a decisão proferida, manter-se a violação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 562.º; 563.º; 564.º; e 566.º, n.º 3; todos do CC; 414.º do CPC; do contrato de seguro em causa nos presentes autos e, ainda, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, sendo substituída por outra que absolva as Rés dos pedidos formulados pelo Autor, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
A co-Ré M…. recorreu igualmente da decisão de 1ª instância, e formulou as seguintes conclusões:
“A. Por sentença de fls. , com a Ref.ª 416000567, a Mm.ª Juiz a quo julgou a presente acção procedente, por provada, e condenou ambas as Rés, M…. e “OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros S.A.” a pagarem ao Autor, a quantia de €2.918,79 (dois mil, novecentos e dezoito euros e setenta e nove cêntimos),a título de indemnização pelos danos verificados no interior da fracção do Autor e a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local, bem como a suportarem as custas judiciais, na proporção do respetivo decaimento, tendo a sua percentagem sido fixada em 15%, ao abrigo do disposto no artigo 527.º do CPC.
B. Não pode a recorrente concordar com a sua condenação, pelo que vem, pelo presente, recorrer da douta sentença proferida nos presentes autos.
C. Analisando a Douta sentença recorrida, é notório que existe uma omissão da parte do Tribunal a quo em virtude de este ter deixado de se pronunciar sobre questões que lhe cumpria apreciar.
D. A recorrente alegou, na sua contestação, ser cuidadosa e diligente e ter sempre cuidado da conservação, manutenção e limpeza da fracção em causa nos autos, de que é proprietária, tratando da mesma e socorrendo-se de um amigo quando se ausenta, sendo o andar regularmente limpo com maior profundidade por um terceiro da sua confiança (resultou da prova produzida em audiência de julgamento que a fracção é limpa a cada três ou a cada dois dias, por força da sua exploração no âmbito do alojamento local, sendo igualmente limpa mesmo quando está completamente desocupada.
E. Mais alegou que a sua varanda está sempre limpa a cuidada, não estando obstruída por quaisquer objectos ou com vestígios de folhas ou sujidade (ao contrário do alegado pelo recorrido).
F. Assim, alegou e provou um conjunto de factos que deviam ter sido tidos em conta pela Mma. Juiz a quo, a qual não se pronunciou sobre os mesmos (ou sequer sobre a sua conduta), desconsiderando-os, pelo que tal factualidade não se encontra vertida no conjunto dos “Factos” por si tidos como “Provados” e “Não Provados”,
G. Limitando-se a concluir, sem qualquer substracto factual para tanto, que a recorrente (sobre a qual entendeu que recaía a obrigação de vigiar a fracção e a respetiva varanda) não logrou afastar a sua presunção de culpa.
H. A recorrente invocou e logrou provar um conjunto de factos susceptíveis de impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo recorrido, na sua p.i., constituindouma excepção peremptória, que importa a absolvição parcial do pedido, nos termos do art.º 576.º, n.º 3 do C.P.C., e que cumpria à Mma. Juiz a quo apreciar, o que não sucedeu in casu.
I. As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art.º 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença quando, entre outros vícios nele elencados, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [al. d)].
J. Segundo o Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), uma sentença é nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
K. A sentença sub iudice padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, nº 1, al. d) do C.P.C.
L. Respeitosamente, mal andou a Mma. Juiz a quo ao não se pronunciar sobre a invocada excepção, o que se lhe impunha, verificando-se, assim, nulidade da sentença por omissão de conhecimento (art.º 615.º, nº 1, al. d), do C.P.C.).
M. Tem sido posição pacífica na doutrina relacionar este vício da sentença com o disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C.P.C., do qual resulta que o Mmo. Juiz que profere uma sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”,
N. Pelo que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida no âmbito do que for decidido a respeito da peça processual em que a mesma é invocada não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, conquanto a sua resolução não tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
O. Daqui decorre que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que  ontem, revelando-se ainda necessário que esta trate e aprecie a divergência jurídica carreada para os autos pelas partes (concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e outras controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado), podendo considerar-se que a causa de nulidade da decisão por omissão de pronúncia complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois, independentemente da factualidade dada como provada e não provada, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
P. Sem prescindir, sempre se dirá, ad cautelam, que em momento algum a Mma Juiz a quo invocou que a decisão concernente à excepção em causa estivesse prejudicada pela solução dada a outras questões no âmbito da Douta sentença recorrida.
Q. A decisão recorrida enferma do referido vício de nulidade pois deixou de se pronunciar sobre uma questão que não podia deixar de conhecer,
R. Nomeadamente ao não proferir quaisquer considerações sobre a conduta diligente e vigilante da recorrente (não se não materializou na Douta sentença recorrida qualquer análise desta questão, devidamente suscitada pela recorrente enquanto fundamento da improcedência da acção), existindo na Douta sentença que se quer em crise uma efectiva omissão que acarreta a sua nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, donde decorre que a mesma deve ser anulada e substituída por outra que aprecie a questão sub iudice.
S. Por outro lado, os fundamentos da decisão do Douto Tribunal estão em oposição com a sua decisão, existindo uma clara contradição entre os fundamentos de facto e de direito que a justificaram.
T. Ora, entendeu a Mma. Juiz a quo que danos decorrentes dos lucros cessantes invocados pelo recorrido resultaram da impossibilidade de aquele utilizar a sua fracção para alojamento local, pese embora estes jamais tenham resultado da instrução da causa porquanto o recorrido se limitou a indicar o seu hipotético valor, sem concretizar os factos com base nos quais procedeu ao seu apuramento (o que o próprio Tribunal a quo considerou que também não se descortinou da prova produzida).
U. Aliás, não sequer foi dado como provado, na Douta sentença em crise, que o recorrido tenha sofrido quaisquer danos resultantes de lucros cessantes!
V. E nem podia tê-lo sido, pois o recorrido limitou-se a referir, na sua p.i., que explorava a sua fracção enquanto estabelecimento de alojamento local, jamais alegando (e, logicamente, muito menos provando), que ficou impossibilitado de explorar a sua fracção enquanto estabelecimento afecto a alojamento local, W. Assim como jamais identificou o concreto período temporal durante o qual explorou a sua fracção para tal fim (o que, sem conceder, sempre tornaria impossível ao Tribunal aquilatar se durante o período que importa aos autos a fracção estaria efectivamente a ser explorada nesse âmbito),
X. Não tendo alegado/provado sequer qualquer período temporal para a hipotética impossibilidade de exploração da fracção sub iudice em sede de AL, nem quaisquer factos concretos relativamente aos valores que supostamente cobrava no âmbito da sua alegada actividade.
Y. De acordo com o disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, recaia sobre o mesmo o ónus de alegar e provar que a hipotética impossibilidade de utilizar a fracção em causa como alojamento local se teria ficado a dever exclusivamente ao ocorrido na noite de 19.12.2019, ademais atenta a conjuntura particular daquele período temporal e dos meses que se seguiram, por força do surto pandémico de Covid-19, que afectou profundamente o turismo em todo o mundo, e durante o qual chegaram a ser fechadas fronteiras, causando uma paragem total no turismo e, consequentemente, o desaparecimento de clientes para o alojamento local.
Z. O recorrido nem tampouco alegou e muito menos demonstrou terem-se verificado quaisquer perdas concretas de reservas por parte de hóspedes, cancelamentos de reservas (que podiam nem sequer existir à data, o que sempre se dirá, sem jamais conceder, seria facilmente comprovável mediante registos nas plataformas online) ou quaisquer outros factos susceptíveis de permitir ao Tribunal dar como provado que perdeu quaisquer rendimentos na sequência da ocorrência do dia 19.12.2019.
AA. Não bastava ao A. invocar que explorava a sua fracção enquanto estabelecimento de alojamento local para ser indenizado por hipotéticos danos resultantes de lucros cessantes, impendendo somente sobre o mesmo o ónus de alegar e provar que ficou impedido de utilizar a fracção em análise como estabelecimento de alojamento local na sequência dos danos em causa nos presentes autos, ao abrigo do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 1 do CC e 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1 do C.P.C., o que não logrou fazer nem em sede documental, nem testemunhal.
BB. De notar que o próprio Tribunal a quo entendeu que “No que tange aos danos decorrentes dos lucros cessantes em virtude da impossibilidade de utilizar a fracção para alojamento local, cumpre referir que não resultaram da instrução da causa. Na verdade, o Autor limitou-se a indicar o valor desses danos, sem concretizar os factos com base nos quais atingiu esse valor, o que também não se descortinou da prova produzida.”
CC. O Douto Tribunal recorrido não pode, ao arrepio do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 1 do CC e 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1 do C.P.C., substituir-se ao recorrido, proferindo uma decisão de condenação no pagamento de uma quantia a título de lucros cessantes, bastando-se, para tanto, com a mera alegação pelo mesmo, sem mais (na sua petição inicial), de que ocorreu um dano!
DD. Daqui se conclui que mal andou o Douto Tribunal a quo ao decidir condenar os RR. a pagar uma indemnização ao recorrido pela alegada impossibilidade de o mesmo explorar a sua fracção como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença, quando nem sequer fez constar dos factos dados como PROVADOS que o este sofrera danos a título de lucros cessantes!
EE. Existe uma notória contradição entre a circunstância de o Douto Tribunal a quo não ter dado como provado que o recorrido tenha sofrido danos a título de lucros cessantes e a sua decisão de condenar os RR. a ressarci-lo, pagando-lhe a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local!
FF. Tal decisão é inquestionavelmente contrariada pela factualidade dada como provada e como não provada e que serviu de fundamento à Douta decisão em crise.
GG. Do exposto resulta que a prova carreada para os autos, que serviu de fundamento para a formação da convicção da Mma. Juiz a quo e sequente prolação de sentença, se encontra em contradição com esta (decisão), já que inexistem factos que permitam condenar os RR, a pagar ao ora recorrido, qualquer quantia a título de lucros cessantes.
HH. Diante das aludidas contradições entre os fundamentos e a decisão, é inequívoco que a Douta sentença recorrida se encontra ferida de nulidade, a qual, desde já, aqui se argui para os devidos e legais efeitos.
II. Sem jamais prescindir, sempre se dirá, como mera hipótese académica, que existem, no mínimo, ambiguidades ou obscuridades no que concerne aos factos acima identificados que tornam o segmento da decisão em crise (a condenação dos RR. a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local) ininteligível em virtude de não fazer qualquer sentido, caso em que a Douta decisão em crise padeceria igualmente de vício de nulidade, a qual aqui se invoca cautelarmente.
JJ. Não pode a recorrente concordar com o entendimento do Douto tribunal a quo segundo o qual resultou da factualidade provada que se verificou in casu uma acumulação de água da chuva na varanda da sua fracção por força de um escoamento deficiente, causado por uma obstrução do seu ralo de escoamento com algumas das pedras nela existentes, tendo daí resultado uma entrada da água na fracção do recorrido que causou danos na fracção deste, que os reparou e suportou as respetivas despesas,
KK. Para daqui retirar que a situação em apreço se enquadrava na  responsabilidade por factos ilícitos prevista no artigo 493.º do Código Civil, impondo-se a sua aplicação, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, recaindo sobre a recorrente a obrigação de vigiar a sua fracção e a respetiva varanda, respondendo pelos danos que causassem.
LL. Neste contexto, concluiu o Douto Tribunal a quo que o recorrido não estava  obrigado a demonstrar a existência de uma conduta ilícita e culposa por parte da recorrente, cabendo-lhe tão-somente provar que água proveio da fracção da mesma, recaindo, por sua vez, nas Rés a obrigação de demonstrar que a recorrente não teve qualquer culpa na produção desses danos, assim como que esta não logrou afastar a sua presunção de culpa, em virtude de recair sobre a mesma o dever de vigiar a sua fracção e respetiva varanda, diligenciando no sentido de se assegurar que não se verificaria nenhuma obstrução do escoamento de águas por causa dos seixos que ali tinha, com o que a mesma não pode jamais, sob hipótese alguma, concordar, para mais diante da prova documental e testemunhal produzida nos autos.
MM. Face à prova carreada para os autos, entende a recorrente que a matéria de facto constante dos FACTOS PROVADOS com os n.ºs 9. e 15. deveria ter sido considerada não provada, assim como a matéria de facto vertida no FACTO NÃO PROVADO com o n.º 6 deveria ter sido considerada provada, tendo os referidos pontos sido, por isso, incorrectamente julgados,
NN. O que teria como consequência inevitável que a decisão proferida julgasse a presente acção improcedente por não provada em virtude de a recorrente não ter tido qualquer responsabilidade na ocorrência dos danos alegadamente causados na fracção do recorrido.
OO. No que tange ao ponto 9. Dos FACTOS PROVADOS, o Douto Tribunal a quo atendeu apenas aos serviços descritos no orçamento junto aos autos para prova dos valores suportados pelo recorrido, designadamente por se tratar do único documento com descrição dos serviços prestados e respectivo valor, concluindo que os mesmos diziam respeito aos serviços efectivamente demonstrados,
PP. Salvo melhor opinião, não podia a mesma sustentar a sua decisão no que tange ao valor dos danos alegadamente sofridos e suportados pelo recorrido com base num mero orçamento (que, aliás, nem identificou devidamente), o qual nem tampouco refere a soma tida em conta pelo Tribunal para efeitos de condenação dos RR. em sede de danos emergentes.
QQ. Refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a   09.11.2021, no âmbito do Processo n.º 3755/19.0T8LRA.C1, in www.dgsi.pt, um simples “orçamento é insuficiente para corporizar um pedido que deverá radicar na sequente e efetiva reparação com a menção do preço ou do custo do que foi realmente executado e aplicado, traduzida em adequada “documentação de suporte” (v. g., “folha de obra” e subsequente fatura ou fatura-recibo)”
RR. Existe uma diferença substancial, em termos probatórios, entre um orçamento e uma factura, sendo que só a segunda poderá ser tida em conta para efeitos de apreciação dos serviços concretizados e seus correspondentes preços.
SS. Acresce que nenhuma testemunha revelou conhecimento das faturas juntas aos autos pelo recorrido e muito menos do “orçamento” (neste caso, um documento com dizeres escritos a computador, apostos numa folha em branco, sem data, sem assinatura, sem identificação da sua origem, que, com o devido respeito, até poderia ter sido hipoteticamente elaborado pelo próprio recorrido…).
TT. Tal “orçamento” nunca foi corroborado pela emissão de quaisquer faturas que lhe correspondessem, discriminando devida e detalhadamente os serviços que hipoteticamente possam ter sido levados a cabo.
UU. Quanto ao vertido no ponto 15. dos FACTOS PROVADOS e no ponto 6. Dos FACTOS NÃO PROVADOS, importa reapreciar devidamente a prova documental trazida aos autos pela 1.ª Ré (o relatório de análise técnica do pré-contencioso) e a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, gravada pelo Douto Tribunal em CD, designadamente pelas testemunhas PF (cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109), CH (cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220210101029_20229394_2871109) e RZ (cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 20220324095857_20229394_2871109).
VV. A análise dos elementos de prova acima elencados permitem à recorrente concluir que o douto Tribunal a quo apreciou incorretamente a prova produzida nos autos, impondo-se que os mesmos sejam reapreciados.
WW. Ora, consta do relatório acima referido que “os danos verificados na fracção segura e frações inferiores, resultam do entupimento do ralo da varanda da fracção segura na sequência de condições meteorológicas muito adversas com níveis elevados de precipitação e ventos excecionais pelo que consideramos que estes fatores terão contribuído para o entupimento e incapacidade do sistema de escoamento da varanda dar vazão ao elevado caudal de água acumulado na varanda. Salientamos que a varanda em questão possui alguns vasos com terra e plantas e seixos decorativos na periferia do deck em madeira. Em nossa opinião, a ocorrência caraterizou-se por um entupimento no ralo da varanda, devido ao arrastamento de terra e pedras, originado pela ação conjunta dos ventos fortes e precipitação registados na sequência da passagem da depressão Elsa. Apurámos junto do nosso interlocutor que é feita uma limpeza da varanda com periodicidade variável e que não há registos anteriores de entupimentos. (…) Dado que não houve registo anterior de entupimentos do ralo da varanda e repasse para as frações inferiores e, segundo o nosso interlocutor, é feita periodicamente a limpeza da varanda, é nossa opinião que a ocorrência teve origem nas condições atmosféricas excecionais criadas pela passagem da depressão Elsa, cujos efeitos foram amplamente noticiados nos meios de comunicação social.”,
XX. Entendimento este amplamente corroborado pelos depoimentos das testemunhas PF e CH, as quais compareceram no local no dia da ocorrência sub iudice, e ainda RZ, que se deslocou ao local posteriormente para realização da competente perícia, a solicitação da 1.ª Ré.
YY. Merece destaque nesta matéria o depoimento da testemunha PF, ouvido na sessão de audiência de julgamento do dia 10.02.2022, das 10h:34m:55s às 11h:47m:21s, gravado em ficheiro de áudio com a referência 20220210101029_20229394_2871109, com início ao minuto 26:40 e fim ao minuto 1:02:02, a qual demonstrou conhecer bem a fracção da recorrente, ademais tendo em conta que é arquitecto de formação, merecendo ter sido valorada de outra forma pelo Douto Tribunal a quo.
ZZ. A testemunha afirmou de forma categórica que foi a chuva em quantidade fora do normal, ou seja, o volume anormal de água que caiu devido às fortes precipitações que se fizeram sentir em virtude da tempestade Elsa e da depressão Fabien (facto este dado como provado pelo Douto Tribunal a quo, no ponto 3. Dos FACTOS PROVADOS), que causou o entupimento do ralo existente na varanda da recorrente, em conjunto com a ineficiência do ralo de escoamento que, devido ao calibre da própria tubagem, não fez o escoamento necessário da água, provocando a inundação em apreciação,
AAA. Acrescentando que o calibre da tubagem era o adequado para a varanda da fracção propriedade da recorrente em circunstâncias climatéricas e atmosféricas normais, ou seja, no caso de precipitação normal.
BBB. Atento o conhecimento público e geral de que, na noite da ocorrência em apreço, é inequívoco que o que ocorreu não foi uma situação habitual, com níveis de precipitação normais, mas sim uma situação excepcional e incontrolável, com fortes precipitações de cuva e ventos fortes, causados pela tempestade Elsa e pela depressão Fabien (facto foi dado como provado pelo Douto Tribunal a quo, no ponto 3. Dos FACTOS PROVADOS), CCC. Corroborando este facto, acrescentou esta testemunha que nunca ocorreu qualquer situação idêntica antes do dia 19.12.2019), nunca tendo existido qualquer entupimento da varanda da recorrente anteriormente,
DDD. Donde se infere que, se a causa da ocorrência sub iudice tivesse sido originada por algum problema ou condição existente na varanda da recorrente, em vez de ter tido a sua génese na mencionada tempestade, certamente já teriam ocorridos outras inundações naquela, designadamente em momentos em que ocorresse uma precipitação normal ou de intensidade menor à da noite em questão, o que nunca sucedeu,
EEE. Pelo que não merece acolhimento a conclusão do Douto Tribunal recorrido, segundo a qual “(…) é também perfeitamente percetível que no espaço entre o deck e o muro da frente da varanda, junto ao ralo, existem diversos seixos que se mostram soltos, alguns dos quais foram efetivamente removidos para o deck pela mesma pessoa que num dos vídeos seguintes se encontrava a desobstruir o ralo. Ora, as mais elementares regras da experiência comum dizem-nos que pedras daquela natureza se se encontrarem soltas, são facilmente “arrastadas” pela água até ao ponto de escoamento.” (…) “não poderá merecer acolhimento a tese de que as pedras e terra só foram arrastadas naquele dia, por força das fortes precipitações causadas pela tempestade Elsa e da depressão Fabien, porquanto conforme vimos, afigura-se-nos manifesto que as pedras aqui em causa, quer pela sua natureza e dimensão, sempre seriam suscetíveis de serem arrastadas por chuvas menos fortes.”
FFF. Referiu ainda a mesma testemunha que a varanda da recorrente tem o telhado em esconso, pelo que a sua água também escorre para a varanda, que se encontra, afinal, sujeita tanto às águas pluviais, que nela caem directamente, como às águas que escorrem através do telhado quando ocorrem chuvas.
GGG. Ainda que se pudesse entender, o que não se concede, que a ocorrência invocada nos autos não se ficou a dever à mencionada tempestade e que recaia sobre a recorrente um dever de vigilância sobre a sua fracção (e sobre a referida varanda), sempre se dirá que a sua conduta no que concerne à limpeza e manutenção da sua fracção é irrepreensível.
HHH. A mesma testemunha afirmou ainda, peremptoriamente, que a fracção da recorrente tem manutenção regular e é limpa com bastante regularidade, o que devia ter sido tido em conta pelo Douto Tribunal a quo, que nunca pronunciou sobre a sua conduta, optando por se limitar a concluir, sem fundamento para tanto, que a recorrente não logrou afastar a sua presunção de culpa.
III. Já à testemunha CH, ouvida na sessão de audiência de julgamento do dia 10.02.2022, das 11h:47m:22s às 12h:06m:04, cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com a referência 20220210101029_20229394_2871109, com início ao minuto 01:38:38 e fim ao minuto 01:55:33, referiu a mesma, de forma expressa, no seu depoimento, que “o ralo estava totalmente desimpedido, a água é que foi tanta que pronto… não deu vazão”,
JJJ. O que permite inferir que a inundação teve origem no acúmulo de água provocado pelo volume excessivo das águas pluviais que caíram no dia em apreço e jamais devido a uma qualquer obstrução do ralo causada pelo “arrastamento” de terra e seixos.
KKK. Esta testemunha prestou o seu depoimento de forma convicta, isenta e muito clara, atestando que o ralo não estava obstruído com terra e seixos e que verificou que o nível de água acumulada diminuiu assim que parou de chover.
LLL. A testemunha referiu espontaneamente que existiam na varanda vasos com terra e seixos decorativos, esclarecendo, contudo, que os mesmos jamais haviam saído do seu local habitual no dia da ocorrência em apreço.
MMM. Incompreensivelmente, o Douto Tribunal a quo desconsiderou em absoluto este depoimento esclarecedor, seguro, isento e, por isso, merecedor de grande credibilidade, optando por, sem qualquer fundamento, atribuir maior valor probatório aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido, as quais não só entraram em contradições notórias entre si, como tiveram um discurso bastante incoerente e disperso.
NNN. Respeitosamente, mal andou a Mma. Juiz a quo ao dar como provado que a “água acumulou na varanda da fracção da Ré M…., por força da obstrução do ralo com a terra e alguns dos seixos que existiam nessa varanda”. (Ponto 15. dos FACTOS PROVADOS), ignorando, por completo, o depoimento das testemunhas da recorrente, o qual impunha considerar provado que nem a terra dos vasos existentes na varanda em análise, nem os seixos dos vasos decorativos nela existentes foram causa da ocorrência do dia 19.12.2019, nem de qualquer outra a ela semelhante.
OOO. Não é coincidência que só se tenha verificado um acúmulo de água na varanda da recorrente no dia em que se verificou uma queda anormal de precipitação e ventos fortíssimos em todo o território nacional, causados pela passagem pelo mesmo da tempestade Elsa e da depressão Fabien, o que o Douto Tribunal inexplicavelmente desconsiderou!
PPP. Pelo exposto, entende a recorrente, com base no relatório junto dela 1.ª Ré e nos depoimentos das testemunhas PF e CH, que o ponto 15. dos FACTOS PROVADOS (Facto Provado n.º 15) não deveria ter sido considerado como provado pelo Douto Tribunal recorrido, porquanto os referidos elementos de prova não só não corroboram a sua convicção, como impõem que se decida no sentido de ser dado como provado o ponto 6. dos FACTOS NÃO PROVADOS!
QQQ. Resulta da prova produzida nos autos que a acumulação de água na varanda da recorrente se ficou a dever exclusivamente às fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causados pela passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien em Portugal e nunca pela existência de terra e/ou seixos no ralo de escoamento daquela,
RRR. Pelo que, não tendo sido produzida qualquer prova suficiente de que se tenha verificado qualquer obstrução do ralo da varanda da recorrente com terra e seixos decorativos, o ponto 15. Dos FACTOS PROVADOS (Facto Provado n.º 15) deve ser julgado NÃO PROVADO, o que a mesma desde já vem requer, com as demais consequências legais, SSS. Devendo ainda, em simultâneo, e com base nos mesmos fundamentos, ser dado como provado que a acumulação de água na varanda da recorrente se ficou a dever, exclusivamente, às fortes precipitações de chuva e ventos fortes causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019,
TTT. Passando, assim, o ponto 6. dos FACTOS NÃO PROVADOS (Facto Não Provado n.º 6) a ser julgado PROVADO, o que a recorrente desde já aqui requer, com as demais consequências legais.
UUU. Ainda que V. Exas. assim não entendessem, o que não se concede, mas equaciona ad cautelam, sempre seria de atentar no depoimento da testemunha comum à recorrente, à 1.ª R. e ao recorrido, R….. (ouvido na sessão de audiência de julgamento do dia 24.03.2022 e gravado em ficheiro de áudio com a referência 20220324095857_20229394_2871109, com início ao minuto 01:54:20 e fim ao minuto 02:46:29), que, apesar de não ter estado presente no local da ocorrência no dia 19.12.2019, se deslocou ao local no dia seguinte para proceder ao apuramento de factos para a elaboração do relatório junto aos autos pela 1.ª R.
VVV. Pese embora esta testemunha tivesse referido crer que existiram seixos e terra no ralo de escoamento – o que jamais presenciou, tendo-lhe sido relatado aquando da realização das suas diligências para efeitos de peritagem –, afirmou com seriedade que os mesmos só podiam ter ido parar ao ralo existente na varanda da recorrida em virtude da forte tempestade que assolou o país no dia 19.12.2019.
WWW. O seu depoimento é consentâneo, em diversos pontos, com os depoimentos das testemunhas PF e CH.
XXX. Mais, a testemunha não teve dúvidas em concluir que a ocorrência sub iudice teve origem na passagem da Depressão Elsa, por força da qual existiram níveis de precipitação muito acima do normal e ventos fortes e que, nestas circunstâncias, não houve capacidade de escoamento do ralo da varanda da fracção da recorrente.
YYY. Segundo esta testemunha, existia na varanda da recorrente uma estrutura, delimitada por tijolo (uma “floreira”/”canteiro”) onde se encontravam depositados seixos decorativos a cobrir a terra.
ZZZ. Sem prescindir, admitindo como hipótese académica que os referidos seixos e a terra tivessem chegado a obstruir o ralo de escoamento da varanda em apreço, forçoso seria concluir que tal não ocorreria espontaneamente, necessitando sempre de alguma causa que provocasse a sua deslocação do sítio em que se encontravam imobilizados, AAAA. Atentas as regras da experiência comum, impõe-se concluir que os seixos e a terra colocados dentro de uma estrutura que os continha no seu interior não sairiam da mesma em direcção ao ralo sozinhos!
BBBB. Se por hipótese, que não se concede, tivesse ocorrido uma obstrução do ralo por força dos seixos e da terra colocados na floreira, os mesmos só poderiam ter sido arrastados pelas fortes águas pluviais e pelos ventos intensos que se fizeram sentir na noite em questão,
CCCC. Pelo que a recorrente não consegue descortinar em que fundamentou o Douto Tribunal a quo a sua convicção de que “não poderá merecer acolhimento a tese de que as pedras e terra só foram arrastadas naquele dia, por força das fortes precipitações causadas pela tempestade Elsa e da depressão Fabien, porquanto conforme vimos, afigura-se-nos manifesto que as pedras aqui em causa, quer pela sua natureza e dimensão, sempre seriam suscetíveis de serem arrastadas por chuvas menos fortes”.
DDDD. As três referidas testemunhas foram unânimes em atestar que o ralo em apreço não tinha capacidade suficiente para escoar a enorme quantidade de água que caiu por força da referida tempestade.
EEEE. Segundo testemunhou RZ, “os ralos estão dimensionados para uma determinada capacidade de escoamento (…) para um determinado caudal médio”, e, portanto, sempre que se verificam condições atmosféricas anormais, é expectável que o ralo não tenha a mesma capacidade de escoamento.
FFFF. Sendo de conhecimento geral o Facto Provado sob o n.º 3 (“Na noite de 19 de dezembro 2019, ocorreram fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien”), dúvidas não subsistem de que foi o mesmo que causou a inundação na varanda da recorrente.
GGGG. Como é consabido, e foi referido pelas testemunhas PF e RZ, os ralos de escoamento (inclusive, os existentes na via pública) não estão aptos para escoar o volume de água que resulta de uma tempestade como foi o caso da que ocorreu no dia 19.12.2019.
HHHH. Sem prescindir, ainda que se admitisse como possível que o ralo de escoamento da varanda da recorrente tenha ficado entupido, com terra e pedras por cima, tal circunstância só poderia ter-se verificado em virtude das condições climatéricas e atmosféricas excepcionais, anormais e adversas decorrentes da passagem da tempestade Elsa e da depressão Fabien por Lisboa (e todo o território nacional),
IIII. Estando inequivocamente me causa um fenómeno natural, de carácter acidental, que sempre seria, por isso, incontrolável por qualquer homem médio colocado diante das mesmas circunstâncias.
JJJJ. A ter ocorrido qualquer movimentação da terra e dos seixos em direcção ao ralo da varanda da recorrente, o que não se concede, a mesma só poderia ter ocorrido por causa da tempestade Elsa e da depressão Fabien, cuja ocorrência no dia 19.12.2019 resultou provada nos autos.
KKKK. Pelo exposto, desde já se requer a V. Exas. se dignem considerar como NÃO PROVADO o facto vertido no ponto 15. Dos FACTOS PROVADOS.
LLLL. Caso V. Exas., ainda assim, entendessem que o mesmo devia manter-se como provado, o que não admite, mas perspectiva como mera hipótese académica, este sempre teria de ser reformulado nos seguintes termos (o que aqui cautelarmente se requer): “A água acumulou na varanda da fracção da Ré M…., por força da obstrução do ralo com a terra e alguns dos seixos que existiam nessa varanda, na sequência da intensidade da precipitação e do vento, decorrentes da passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien pelo território português.”.
MMMM. Atento o supra explicitado, também o Ponto 6. Dos FACTOS NÃO PROVADOS (Facto Não Provado n.º 6) teria de passar a ser considerado como PROVADO.
NNNN. Em síntese, considera a Recorrente incorretamente julgados os pontos n.ºs 9. e 15. dos FACTOS PROVADOS e o ponto n.º 6 dos FACTOS NÃO PROVADOS, porquanto resulta inequívoco da prova produzida nos autos que, não merece acolhimento o entendimento perfilhado pelo Douto Tribunal a quo quanto à causa subjacente à acumulação de água na sua varanda, que deve, pois, improceder e ser substituído por outro segundo o qual a acumulação da água na varanda da Ré M…. ficou a dever-se exclusivamente às fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019.
OOOO. Mal andou a Douta decisão recorrenda quanto à apreciação e valoração feita acerca de toda a prova produzida nos presentes autos, não só por ter dado primazia aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido, em detrimento dos prestados pelas testemunhas da recorrente e da 1.ª R., mas também por ter concluído indevida e infundadamente terem-se verificado circunstâncias que não encontram qualquer suporte factual na invocada prova.
PPPP. Tal como determina o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., é entendimento da Recorrente que a resposta dada aos Factos Provados sob os n.ºs 9 e 15 deve ser “NÃO PROVADOS” e que a resposta ao Facto Não Provado sob o n.º 6 deve ser “PROVADO”, alterando-se, assim, a Douta sentença em apreciação em conformidade, o que aqui se requer, com as demais consequências legais.
QQQQ. Atendendo à prova documental e testemunhal produzida nos autos, conclui-se que o Douto Tribunal a quo não formulou o juízo de valor que lhe competia no que concerne à acumulação de água na varanda da fracção da recorrente, donde resulta que devem ser alteradas as respostas dadas aos pontos 9. e 15. dos FACTOS PROVADOS (passando os mesmos a ser considerados NÃO PROVADOS), e ao ponto 6. dos FACTOS NÃO PROVADOS (que deve passar a considerar-se PROVADO), nos termos supra requeridos, e com fundamento em todo o retro explanado, alterações estas que desde já se requerem pelo presente recurso.
RRRR. Já no que concerne à matéria de Direito, atenta a prova produzida nos  autos, é forçoso concluir que a Mma. Juiz a quo incorreu na violação de diversos preceitos jurídicos na sentença por si prolatada.
SSSS. Tendo por base as nulidades da sentença acima invocadas, assim como toda a análise crítica da prova produzida nos presentes autos, entende a recorrente que mal andou o Douto tribunal a quo, não só por ter entendido que resultou demonstrado nos autos que o deficiente escoamento da água da chuva na varanda da fracção da recorrente se ficou a dever a uma obstrução do ralo de escoamento dessa varanda com algumas das pedras existentes nessa varanda e que a entrada da água causou danos na fracção do recorrido, que os reparou e suportou as respetivas despesas, o que não corresponde à verdade, merecendo, por isso, ser reapreciado por V. Exas. em sede de matéria de facto, mas também por, com a sua decisão, ter violado o disposto nos art.ºs 342.º, 483.º e 493.º, todos do Código Civil e 5.º, 6.º, 414.º, 562.º; 563.º; 564.º, 566.º, 608.º e 609.º, todos do Código de Processo Civil.
TTTT. A recorrente alegou e logrou provar que é uma pessoa cuidadosa e diligente, que sempre cuidou da conservação, manutenção e limpeza da sua fracção a qual é limpa regularmente, bem como que a sua varanda está sempre limpa a cuidada, não estando obstruída por quaisquer objectos ou com vestígios de folhas ou sujidade.
UUUU. Contudo, a Mma. Juiz a quo não se pronunciou sobre tais factos (ou sequer sobre a conduta da recorrente), que desconsiderou em absoluto, limitando-se a concluir, sem qualquer fundamento, que recaia sobre esta a obrigação de vigiar a fracção e a respetiva varanda e que a mesma não logrou afastar a sua presunção de culpa.
VVVV. Ao ignorar os factos alegados e provados pela recorrente, que havia invocado um conjunto de factos susceptíveis de impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo recorrido na sua p.i., o Douto Tribunal a quo violou os art.ºs 5.º (Princípio do dispositivo), 6.º (dever de gestão processual) e 608.º (Questões a resolver) do C.P.C.
WWWW. Determina o n.º 2 do art.º 608.º do C.P.C. que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, preceito este violado pelo Douto Tribunal a quo in casu.
XXXX. O Douto Tribunal a quo violou também o disposto no art.º 342.º do Código Civil e novamente o art.º 5.º do C.P.C. porquanto, ao considerar que os danos decorrentes dos lucros cessantes invocados pelo recorrido resultaram da impossibilidade de aquele utilizar a fracção para alojamento local sem que jamais tenham resultado da instrução da causa que o mesmo tenha sofrido alguns – facto que nem sequer fez constar dos FACTOS PROVADOS –, não só agrediu o Princípio do dispositivo, como as regras aplicáveis quanto ao ónus da prova e aos poderes de cognição do Tribunal.
YYYY. Dispõe o n.º 1, do art.º 342.º do C.C. que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
ZZZZ. O recorrido limitou-se a indicar um hipotético valor que imputou injustificadamente a lucros cessantes, sem concretizar os factos com base nos quais procedeu ao seu apuramento.
AAAAA. Nunca foi sequer dado como provado que o recorrido tenha sofrido quaisquer danos resultantes de lucros cessantes, e nem podia tê-lo sido porquanto este se limitou a referir, na sua p.i., que explorava a sua fracção, melhor identificada nos autos, enquanto estabelecimento de alojamento local, sem alegar quaisquer factos justificativos para se terem verificado quaisquer danos a título de lucros cessantes na sua esfera patrimonial.
BBBBB. Ao abrigo do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil cabia ao recorrido alegar e provar que a hipotética impossibilidade de utilizar a fracção em causa como alojamento local se teria ficado a dever exclusivamente à ocorrência da noite de 19.12.2019, para mais tendo em conta a conjuntura particular daquele período temporal e dos meses que se seguiram por força do surto pandémico de Covid-19, com gravosas repercussões no alojamento local.
CCCCC. Não bastava ao recorrido invocar que explorava a sua fracção enquanto estabelecimento de alojamento local para ser indemnizado por hipotéticos danos resultantes de lucros cessantes, recaindo exclusivamente sobre si o ónus de alegar e provar que ficou impedido de utilizar a fracção em análise como estabelecimento de alojamento local na sequência dos danos em causa nos presentes autos (nos termos do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 1 do CC e 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1 e 608.º, nº 2 do C.P.C.), o que não logrou fazer nem em sede documental, nem testemunhal.
DDDDD. E note-se que o próprio Tribunal a quo entendeu que “No que tange aos danos decorrentes dos lucros cessantes em virtude da impossibilidade de utilizar a fracção para alojamento local, cumpre referir que não resultaram da instrução da causa. Na verdade, o Autor limitou-se a indicar o valor desses danos, sem concretizar os factos com base nos quais atingiu esse valor, o que também não se descortinou da prova produzida.”
EEEEE. Não tendo o recorrido logrado demonstrar e/ou provar os danos que peticionou, o Douto Tribunal a quo só poderia resolver a dúvida incidente sobre tais factos contra o mesmo, tal como previsto no art.º 414.º do C.P.C.
FFFFF. Desta forma, o Douto Tribunal a quo violou notoriamente o disposto nos art.ºs 342.º, n.º 1 do CC e 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2 do C.P.C. no segmento da sua decisão em que condenou ambas as RR. a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local,
GGGGG. Tendo ainda violado o disposto nos art.ºs 414.º do C.P.C. e 562.º; 563.º; 564.º, 566.º do C.C. em matéria de prova, nexo de causalidade e cálculo de indemnização.
HHHHH. Com efeito, o Douto Tribunal recorrido não pode, sob hipótese alguma, substituir-se ao recorrido, proferindo uma decisão de condenação no pagamento de uma quantia a título de lucros cessantes, com base na mera alegação do mesmo de que ocorreu um dano!
IIIII. Respeitosamente, mal andou o Douto Tribunal a quo ao decidir condenar os RR. pagar uma indemnização ao recorrido pela sua alegada impossibilidade de explorar a sua fracção como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença, quando nem sequer fez constar dos factos dados como PROVADOS que o mesmo tenha sofrido danos a título de lucros cessantes, sendo a sua decisão contrariada de forma evidente pela factualidade dada como provada e como não provada, que serviu de fundamento à sua decisão!
JJJJJ. Mais violou o Douto Tribunal a quo violou o preceituado nos art.ºs 483.º e  493.º, todos do Código Civil, porquanto optou por afastar a disposição ínsita no art.º 483.º do C.C., por considerar que a situação sub iudice se enquadrava na responsabilidade por factos ilícitos prevista no artigo 493.º do Código Civil, que aplicou ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
KKKKK. Sem prejuízo da apreciação da matéria de facto acima, entende a recorrente, no que tange à responsabilidade civil subjectiva, que a Culpa in Vigilando obedece a um conjunto de requisitos específicos que não se encontram reunidos in casu.
LLLLL. A Mma. Juiz a quo não podia ter olvidado o disposto no art.º 483.º, norma basilar em matéria de responsabilidade extracontratual, porquanto para aferir da existência da obrigação de indemnizar por parte do lesante, têm de estar preenchidos os seguintes pressupostos essenciais: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante, o dano e, por fim, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
MMMMM. Tal como consta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 14.05.2020, no âmbito do Processo n.º 966/18.4T8VFR.P1, in www.dgsi.pt, “O facto voluntário do agente traduz-se num facto dominável ou controlável pela vontade, e por isso, num comportamento humano que pode consistir num facere ou non facere.”.
NNNNN. Já a ilicitude consubstancia a reprovação geral e abstracta da conduta do agente, sendo susceptível de revestir duas modalidades, no âmbito da responsabilidade extracontratual: a violação de um direito de outrem (direito absoluto), ou, a violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
OOOOO. De acordo com o a definição dada pelo Prof. Galvão Teles, in Manual de Direito das Obrigações, p. 109, a culpa é a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa, sendo a mesma apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso — cfr. art.º 487.º, n.º 2, do C. Civil.
PPPPP. Na senda do referido acórdão, a diligência exigível in casu é a do Homem normal, entendido como “medianamente sagaz, prudente e cuidadoso”, não estando o julgador vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que se possam ter generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de “boa formação e de são procedimento”.
QQQQQ. Dispõe o n.º 1 do art.º 487.º do C.C. que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
RRRRR. Reza o disposto no art.º 493.º, n.º 1 do mesmo código, estipula que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
SSSSS. Está em causa uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas, o que constitui uma excepção à regra plasmada no n.º 1 do art.º 487.º e tem como consequência necessária uma inversão do ónus de prova em matéria de culpa (vide o art.º 344.º, n.º 1 do mesmo código), muito embora não se altere o princípio dele constante de que a responsabilidade depende de culpa.
TTTTT. A aplicação da previsão do art.º 493.º do C.C. só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel está obrigada a vigiá-la.
UUUUU. Contudo, apesar de o citado preceito abrir uma excepção à regra ínsita no n.º 1 do art.º 487, tal não altera o princípio contido no art.º 483º do C.C., segundo o qual a responsabilidade depende de culpa (responsabilidade delitual).
VVVVV. Ainda que exista uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido (art.ºs art.º 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 1, ambos do C.C.), pelo que, desde que o lesado alegue e prove que os danos foram causados pela não observância do dever de vigilância, a lei presume, a partir desse facto que o sinistro foi devido a culpa do agente.
WWWWW. O recorrido nos presentes autos jamais alegou que os danos por si invocados foram causados pela inobservância de qualquer dever de vigilância por parte da recorrente, não podendo operar, in casu, qualquer presunção de culpa da mesma quanto à ocorrência em apreço.
XXXXX. Prevê o n.º 1 do art.º 493.º do C.C. uma situação típica de culpa in vigilando, em que o dano resulta da omissão do dever de vigilância de uma coisa, radicando a presunção de culpa ínsita no mesmo na perigosidade inerente à coisa, quando não seja objecto de determinados cuidados (precauções para evitar os perigos ligados à coisa).
YYYYY. Segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, p. 602, existe um princípio geral do direito civil, que, embora não expressamente plasmado em preceito legal, decorre de várias normas do Código Civil, segundo o qual “a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados.“.
ZZZZZ. Assim, existe para o proprietário de um imóvel (como é o caso dos autos) um dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo mesmo ou pelas coisas ou animais que lhe pertencem.
AAAAAA. Entendeu o Douto Tribunal a quo existir um dever de vigilância da recorrente quanto à sua fracção e respectiva varanda, ao abrigo do n.º 1 do art.º 493.º do C.C.
BBBBBB. Analisando tal preceito, sem conceder no que acima se disse em sede   de reapreciação da prova produzida, impõe-se questionar se, num hipotético cenário em que existisse culpa da recorrente por violação de deveres de vigilância, como poderia aplicar-se tal normativo a terra e/ou a seixos decorativos que estivessem inseridos e, por isso, imobilizados em vasos ou floreiras colocados na varanda da recorrente, i.e., o que podia a mesma ter feito para evitar que as fortes águas pluviais tivessem arrastado os mesmos para fora do seu sítio…
CCCCCC. Atendendo às regras da experiência comum, facilmente se conclui que   tal dever de vigilância não tem cabimento in casu.
DDDDDD. Para existir obrigação de indemnizar, ao abrigo do art.º 493.º, n.º 1 do C.C., é condição essencial que, além da culpa presumida contida no normativo, se verifique um facto, um dano, ou seja, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém, tendo de existir o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano, enquanto expressão do juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge.
EEEEEE. Destarte, para que tenha lugar a responsabilização do agente por danos causados pelas coisas nos termos do citado preceito, é imprescindível que o dano seja realmente causado pela coisa, mais concretamente, pelos perigos particulares que ela implique.
FFFFFF. A causalidade, enquanto condição da responsabilidade, não deve ser concebida de uma forma puramente lógica, devendo ser-lhe adicionadas algumas considerações de ordem prática, não bastando que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (sine qua non) do dano sofrido por outrem para impor a alguém a obrigação de o reparar, sendo ainda necessário que o facto seja uma causa adequada do dano.
GGGGGG. Uma vez que a responsabilidade delitual prevista no art.º 493.º, n.º 1, do C.C. assenta na omissão de um dever de vigilância a cargo do proprietário/detentor com poder sobre coisa imóvel ou móvel na qual têm origem os danos causados na esfera jurídica alheia, importa recordar que está em causa uma obrigação de supervisão, controlo, monitorização e informação sobre as fontes, desde que possíveis e/ou previsíveis, de risco de produção e eclosão de prejuízos das coisas detidas, no sentido da prevenção desse especial perigo, enquanto origem de danos para terceiros, e da precaução necessária para evitar o dano.
HHHHHH. O dever de vigilância corresponde a uma manifestação de um mais amplo dever de cuidado (dever de conduta), enquanto obrigação de os proprietários/detentores de coisas potencialmente munidas de risco na sua fruição ou utilização, cumprirem com diligência as faculdades jurídicas atribuídas pelo título que lhes permite gozar da coisa “arriscada” ou “perigosa”, de acordo com a bitola que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares.
IIIIII. No caso em vértice, impunha-se ao Douto Tribunal a quo dilucidar se, no hipotético cenário em que entendeu que a acumulação de água na varanda da recorrente se ficou a dever a terra e seixos que entupiram o seu ralo, causando danos ao recorrido, estaria em causa uma “coisa arriscada ou perigosa” susceptível de criar um dever de vigilância sobre a recorrente, ou seja, apurar se a terra/seixos decorativos alegadamente existentes numa floreira colocada na sua varanda eram passíveis de ser percepcionados pela recorrente como fontes possíveis ou previsíveis de risco de produção de danos.
JJJJJJ. Entende a recorrente que, atendendo às regras da experiência comum, tal não seria o caso.
KKKKKK. Sem prescindir do invocado quanto à prova produzida pela recorrente quanto à sua conduta, sempre se dirá, cautelarmente, que, atentos os termos configurados pelo Douto Tribunal acerca da sua presunção de culpa, a mesma poderia ilidi-la ou provando que, em face das circunstâncias específicas do caso (que consubstanciam a perigosidade a antecipar e a prevenir mediante acção adequada e própria) não podia e não devia ter agido de outro modo para evitar o desvalor objectivo da sua “conduta omissiva”, enquanto concretização do risco acrescido da coisa detida (o que assumiria particular relevo se tivessem ocorrido circunstâncias subjectivamente relevantes que afastassem a sua censura), ou invocando causa virtual negativa relevante (vide o n.º 1 do art.º 493.º do C.C.), designadamente que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, o que só sucede quando se demonstra que, mesmo que o dever de vigilância fosse cumprido à risca, o evento danoso sempre se verificaria, nomeadamente por força de um facto de terceiro ou acidental que levaria inexoravelmente à produção do dano.
LLLLLL. Se, por hipótese académica, se entendesse existir in casu algum dever  de vigilância da recorrente e culpa presumida no que lhe diz respeito, sempre se diria que a verificação das fortes chuvas e ventos, causados pela passagem da tempestade Elsa e pelo furação Fabien constituiriam situações anormais, acidentais e incontornáveis de periculosidade que causariam os danos em apreço, ainda que aquela cumprisse escrupulosamente o hipotético dever de vigilância que o Douto Tribunal a quo entendeu recair sobre si.
MMMMMM. Entende a recorrente que, tanto nos hipotéticos cenários aqui equacionados, por dever de patrocínio, como em quaisquer outros, não podia ter agido de outra forma para evitar a concretização dos danos ocorridos in casu.
NNNNNN. Ora, logrou a mesma provar que agiu sempre de forma cuidadosa e diligente relativamente à fracção de que é proprietária e sua varanda.
OOOOOO. Ao entender recair sobre a recorrente o dever de vigilância resultante do art.º 493.º, n.º 1 do C.C., ademais descurando por completo a análise dos restantes pressupostos constantes do art.º 483.º do mesmo Código, que preteriu em função da alegada “presunção de culpa”, o Douto Tribunal a quo violou ambos os preceitos legais.
PPPPPP. Sem prescindir, entende ainda a recorrente que, devidamente apurada a matéria de facto provada, competia ao Douto Tribunal a quo pronunciar-se apenas em sede de ónus da prova e de responsabilidade civil aquiliana, inexistindo quaisquer fundamentos de facto e de Direito para o mesmo se socorrer do disposto no art.º 493.º, n.º 1 do Código Civil.
QQQQQQ. Salvo melhor opinião, era sobre este preceito, designadamente sobre a análise da verificação ou não dos seus pressupostos in casu, que o Douto Tribunal se devia ter pronunciado.
RRRRRR. Atenta toda a prova produzida, e à luz do disposto nos art.ºs 342.º do C.C. e 5.º do C.P.C., é inquestionável que a análise dos aludidos pressupostos só poderia levar à total absolvição de ambos os RR. do pedido, SSSSSS. Por força da não existência de um nexo de imputação subjectiva do facto lesivo à recorrente, em virtude de a acumulação da água na sua varanda se ter ficado a dever única e exclusivamente às fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019.
TTTTTT. A Douta sentença recorrida fez ainda alusão ao disposto no n.º 3 do art.º 5.º do C.P.C. para sustentar a sua opção por uma aplicação do Direito diferente da que fora alegada pelo aqui recorrido, designadamente para enquadrar os factos que entendeu provados no âmbito da culpa in vigilando.
UUUUUU. Salvo melhor opinião, era o n.º 1 do citado normativo que deveria ter sido aplicado pelo Douto Tribunal a quo, em conjugação com o disposto no art.º 342.º do C.C., na medida em que cabia ao recorrido alegar e provar os factos constitutivos do direito por si invocado, o que não ocorreu no caso vertente.
VVVVVV. É este o entendimento da recorrente quanto ao sentido com que as aludidas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pela Mma. Juiz a quo.
WWWWWW. Entendeu ainda o Douto Tribunal a quo que a norma ínsita no art.º 609.º, n.º 2 do C.P.C. teria aplicabilidade ao caso vertente, com o que a recorrente discorda.
XXXXXX. Determina a citada norma que ”Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.
YYYYYY. A Douta sentença proferida condenou ambas as Rés a pagarem ao Recorrido, “a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local”.
ZZZZZZ. Sucede que, ainda que a recorrente nunca poderia ter sido condenada a pagar-lhe uma indemnização pela impossibilidade de o mesmo explorar a sua fracção como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença porquanto este não provou os factos por si alegados a este respeito.
AAAAAAA. Não só não resultou da prova produzida que o recorrido tenha deixado de utilizar a sua fracção na sequência da ocorrência do dia 19.12.2019, como nem sequer consta dos factos dados como PROVADOS pelo Douto Tribunal a quo que o recorrido tenha sofrido quaisquer danos resultantes de lucros cessantes!
BBBBBBB. E nem podia tê-lo sido, porquanto o recorrido se limitou a referir, na sua p.i., que explorava a sua fracção enquanto estabelecimento de alojamento local, jamais tendo alegado, e, logicamente, provado, que ficou impossibilitado de explorar a sua fracção enquanto estabelecimento afecto a alojamento local, donde resulta que não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos (sendo certo que, caso os mesmos efectivamente existissem, o mesmo já deveria ter na sua posse os elementos necessários para tanto à data da propositura da ação, porquanto aqueles não estavam em evolução).
CCCCCCC. À luz do preceituado nos art.ºs 342.º, n.º 1 do CC e 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1 do C.P.C., o Douto Tribunal recorrido não pode substituir-se ao recorrido, proferindo uma decisão de condenação no pagamento de uma quantia a título de lucros cessantes tem por base a sua mera alegação de que ocorreu um dano!
DDDDDDD. Respeitosamente, mal andou o Douto Tribunal a quo ao decidir condenar os RR. a pagar uma indemnização ao recorrido pela alegada impossibilidade de o mesmo explorar a sua fracção como estabelecimento de alojamento local, ainda que a liquidar em execução de sentença, quando nem sequer fez constar dos factos dados como PROVADOS que o recorrido sofreu danos a título de lucros cessantes porquanto não tinha elementos suficientes para tomar tal decisão, pelo que não podia ter lançado mão do art.º 609.º, n.º 2 do C.P.C. como fez.
EEEEEEE. O Douto Tribunal a quo jamais podia ter condenado os RR. a pagar o que viesse a ser liquidado em execução de sentença (independentemente de existir ou não uma condenação imediata na parte que entendesse ser já líquida).
FFFFFFF. Ao contrário do referido pela Mma. Juiz a quo, invocando para tanto o vertido no Acórdão do STJ de 29/01/1998, BMJ 473, pág. 445, não há que prevenir, no caso dos autos, qualquer situação em que se tenha provado assistir ao recorrido o direito a uma indemnização a título de lucros cessantes ainda impossível de quantificar, simplesmente porque o recorrido não provou ter ficado impossibilitado de utilizar a sua fracção!
GGGGGGG. Seria sempre necessário que o recorrente provasse, ao menos, que havia sofrido um dano (ainda que não conseguisse demonstrar a sua exacta quantificação), o que não sucedeu nos autos.
HHHHHHH. Entende a recorrente que as normas que deviam ter sido aplicadas ao caso vertente pelo Douto Tribunal a quo são os art.ºs 342.º, n.º 1 do C.C. e 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.
IIIIIII. Impendia exclusivamente sobre o recorrido o ónus de alegar e provar a factualidade que, no seu entendimento, poderia levar à condenação das RR. no pagamento de uma quantia a título de lucros cessantes (art.º 342.º, n.º 1 do C.C.,), o que o mesmo não logrou fazer.
JJJJJJJ. Determina o artigo 552.º, n.º 1, alínea d) do CPC que deve o Autor, na petição inicial com a qual propõe determinada ação, “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
KKKKKKK. Vigorando no âmbito do direito processual civil o princípio do dispositivo, caberá sempre às partes, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do C.P.C., alegar os factos essenciais que integrem a causa de pedir e com base nos quais fundamentam juridicamente a sua pretensão, donde resulta caber ao recorrido o ónus de alegar e, subsequentemente, provar a factualidade necessária para que o Tribunal pudesse apurar e determinar os danos por si efetivamente sofridos, o que não logrou fazer nos autos.
LLLLLLL. Sem conceder, existindo dúvidas nos autos em virtude de o recorrido não logrado demonstrar e/ou provar os danos peticionados, o Douto Tribunal a quo deveria ter-se socorrido do disposto no art.º 414.º do C.P.C., ao abrigo do qual a dúvida sobre tais factos se resolveria contra o recorrido.
MMMMMMM. Mal andou o Douto Tribunal a quo pois extravasou os seus poderes de cognição, substituindo-se à própria parte, em clara violação do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 562.º a 564.º e 566.º, n.º 3 todos do C.C,, assim como no art.º 414.º do C.P.C.
NNNNNNN. A recorrente jamais poderá ser responsabilizada pelos alegados danos do recorrido (ao qual nada deve) em virtude de os mesmos terem tido como causa única a ocorrência de uma tempestade incontrolável pela recorrente e à qual a mesma é totalmente alheia, inexistindo, pois, qualquer culpa da sua parte.
OOOOOOO. Destarte, entende a recorrente que este Venerando Tribunal deverá, atenta a análise da factualidade acima concretizada e a análise da matéria de Direito acima concretizada, dar provimento ao presente recurso, alterando, assim, a Douta sentença recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações.
PPPPPPP. Atento todo o retro explanado, deverá a sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo ser revogada na íntegra, devendo ser substituída por outra que absolva as Rés do pedido formulado recorrido.”
*
O Autor respondeu aos recursos interpostos por cada uma das Rés e apresentou as seguintes conclusões:
“A sentença recorrida não merece qualquer espécie de censura, pois não violou nenhuma disposição legal ou convencional em vigor.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, mantida a sentença recorrida.
Sem prescindir, e caso fique vencido o Recorrido, deve ser dado provimento à ampliação do objecto do recurso e ser dado como facto provado que houve privação de uso do imóvel desde 20 de Dezembro de 2019 até setembro de 2020.”
**
As Rés não se pronunciaram sobre o pedido de ampliação do objeto do recurso (cf. art. 638º, nº 8, do Código de Processo Civil).
**
Os recursos foram admitidos em 1ª instância e no despacho que os admitiu, a Mmª juíza do tribunal a quo, em cumprimento do disposto no art. 617º, nº 1, do Código de Processo Civil, apreciou as nulidades imputadas à sentença, concluindo pela sua não verificação.
*
Cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões a decidir, são as seguintes:
- Impugnação da decisão de facto;
- Nulidades da sentença;
- Erro de julgamento.
III. Fundamentação de Facto
Da impugnação da decisão de facto
A Ré seguradora impugnou a decisão sobre a matéria de facto no que tange ao facto provado sob o nº 15 e ao que resultou como não provado sob o nº 6.
Pretende, quanto ao primeiro, que seja julgado como não provado; o segundo que seja dado como provado. Mas ainda relativamente ao primeiro (facto 15), pede que, a considerar-se que tem de manter-se como provado, seja reformulado nos seguintes termos: “A água acumulou na varanda da fração da Ré M…., por força da obstrução do ralo com a terra e alguns dos seixos que existiam nessa varanda, na sequência da intensidade da precipitação e do vento, decorrentes da passagem da tempestade Elsa e depressão Fabien pelo território português.”
A Ré M… impugnou a mesma matéria de facto, pedindo que o facto 15 seja tido como não provado; o facto 6, como provado.
Cumpriram, uma e outra das partes, com os ónus a que alude o art.º 640º, do Código de Processo Civil, cumprindo, por isso decidir.
A Mmª juíza do tribunal a quo fundamentou a decisão de facto, abrangendo tal matéria, nos seguintes termos:
 “A entrada de água nas frações supra referidas e as circunstâncias em que essa entrada se verificou foi confirmada pelas testemunhas PF e CH que se deslocaram à fração da Ré, no dia e hora em causa nos autos e descreveram o que viram, confirmando esta factualidade. De igual forma, as testemunhas RE e VD corroboraram tal factualidade. De salientar, neste segmento, o depoimento de CH que admitiu a existência na varanda de “vasos” com terras, plantas e seixos, o que também foi confirmado pela testemunha RZ, que à data dos factos se deslocou às frações do Autor e Ré, na qualidade de Perito regulador de sinistros da Ré seguradora.
Já no que respeita à obstrução do ralo com terra e seixos foram apresentadas duas versões diferentes, impondo-se escalpelizar a forma como se formou a convicção do Tribunal.
Vejamos.
As testemunhas arroladas pela Ré M…. –  PF e CH- descreveram aquilo que viram na varanda quando lá chegaram e afirmaram que o ralo estava livre e desentupido, inexistindo qualquer obstrução do mesmo. Mais descreveram que quando chegaram à fração da Ré parou de chover - o que aliás também foi confirmado pela testemunha do RE – e que, nessa altura, a água começou a escoar melhor.
Por sua vez, RE, testemunha arrolada pelo Autor, afirmou perentoriamente, que quando chegaram à varanda da fração da Ré M…, juntamente com o representante desta Ré – que identificou como sendo a testemunha PF - e com outro senhor – que descreveu como sendo uma pessoa alta e forte e que costuma abrir a porta aos hóspedes da Ré (descrição compatível com a testemunha CH) – viu que o ralo estava obstruído com seixos que existiam na varanda e que depois de terem sido retirados esses seixos, a água começou a escoar, tendo sido possível ouvir o barulho do esgoto a puxar a água.
Esta testemunha referiu por várias vezes, que se ouve perfeitamente, no vídeo que fez, o barulho da água a ser puxada, a partir do momento em que os seixos foram retirados de cima do ralo.
Visualizado esse vídeo, cuja junção foi determinada em audiência de julgamento, não é possível visualizar o ralo (até porque há uma pessoa agachada junto ao local onde as testemunhas referiram estar o ralo), nem é audível o som da água a começar a escoar de repente.
Contudo, é percetível que já não chove e que, ainda assim, água está parada na varanda, inexistindo qualquer movimento compatível com um escoamento e que a pessoa ali agachada (de costas para o vídeo) se encontrava efetivamente a tentar desobstruir o ralo, sendo de realçar que a determinado momento se ouve alguém dizer “espera, está alguma coisa a despejar”.
Por outro lado, é também perfeitamente percetível que no espaço entre o deck e o muro da frente da varanda, junto ao ralo, existem diversos seixos que se mostram soltos, alguns dos quais foram efetivamente removidos para o deck pela mesma pessoa que num dos vídeos seguintes se encontrava a desobstruir o ralo. Ora, as mais elementares regras da experiência comum dizem-nos que pedras daquela natureza se se encontrarem soltas, são facilmente “arrastadas” pela água até ao ponto de escoamento.
De igual forma, a testemunha VD confirmou a existência dos seixos e referiu que P…. levantou essas pedras e que disse que “o problema era aquilo”.
Ademais, tanto esta testemunha como RE referiram que a varanda do 3.º esquerdo é descoberta como a do 3.º direito e referiram que não existiram inundações ou infiltrações de água, nessa noite, em nenhuma das frações do lado esquerdo, sendo que ambos foram seguros e espontâneos e revelaram conhecimento direto e pessoal sobre estes factos atentos os serviços que prestam nessas frações aos respetivos proprietários. De facto, a inexistência de infiltrações nas frações do lado esquerdo, indicia a inexistência de um escoamento deficiente da varanda do 3.º esquerdo, o que por sua vez, reforça ainda mais a nossa convicção quanto à obstrução do ralo do 3.º direito.
Aliás, esta obstrução do ralo por terra e pedras, encontra-se inclusivamente plasmada e sustentada no próprio relatório junto aos autos pela Ré Ocidental.
(…)
Por último, há que referir que não lograram as Rés demonstrar que a obstrução do ralo se deveu exclusivamente às fortes precipitações e ventos causados pela tempestade Elsa e pela depressão Fabien. Na verdade, atendendo às características dos seixos existentes na varanda da Ré, parece-nos manifesto serem os mesmos suscetíveis de serem arrastados pelas águas de chuvas menos fortes. Aliás, é possível perceber a facilidade com que esses seixos se movimentam mesmo nas águas paradas, mesmo sem qualquer indício de vento, o que aliás, se coaduna com as mais elementares regras da experiência comum.”
De acordo com o disposto no art.º 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Não obstante estar garantido um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não compete à Relação proceder a um segundo julgamento, mas compete-lhe reapreciar os pontos de facto enunciados pela(s) parte(s) (cf. art.º 640º, CPC) segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 607º, nº 5, do CPC - também aplicável à 2ª instância -, com base nos meios de prova indicados pelos recorrentes, mas podendo, para formação da sua própria convicção, socorrer-se de todos os meios de prova produzidos em audiência ou constantes dos autos, avaliando-os crítica e conjugadamente,  à luz das regras da ciência, da lógica e da normalidade da vida.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2017, (processo 499/13.5TBVVD.G1.S1.S1, acessível em www.dgsi.pt) “[a] chamada 2.ª instância em matéria de facto, para ser efectiva, impõe a reapreciação das provas, a efectuar pela Relação, assente na análise crítica tanto da prova em que se fundamenta a decisão ou a parte da decisão de facto impugnada como da prova indicada pelo recorrente para a contrariar ou alterar, com a formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efectuado
E por último, e para cabal elucidação dos poderes da Relação no âmbito da reapreciação da matéria de facto, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/09/2017, proferido no Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1, também acessível em www.dgsi.pt, em cujo sumário podemos ler, que:
“ 1.É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.
3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.
4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – o sublinhado é nosso -.
5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.”
A impugnação da decisão de facto tem, deste modo, como ponto de partida, a fundamentação de facto da 1.ª instância, pois será sobre tal decisão que o Tribunal da Relação terá de aferir se ocorreu qualquer erro na formação da convicção do julgador ou se, pelo contrário, em face da exposição de emotivos, se pode concluir pela razoabilidade da sua convicção, quando analisada e avaliada à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência de vida.
Começamos por salientar, que os depoimentos das testemunhas PF, CH e RZ foram ponderados pela Mª juíza do tribunal a quo na exposição sobre a sua convicção acerca da decisão de facto ora impugnada, e que tal fundamentação evidencia a razões daqueles testemunhos não terem sido considerados credíveis no que tange à questão da desobstrução do ralo e/ou à causa que determinou a sua obstrução.
Passando a analisar o testemunho de RZ – e particularmente as passagens  do seu testemunho assinaladas pelas partes -, dele resulta que: o ralo da varanda encontrava-se na zona da denominada floreira/canteiro, construída entre a parede da varanda até ao lugar em que acaba (ou se inicia ) o piso de “deck” daquela - o que é visível nos ficheiros de imagem junto aos autos –; e que tal zona de canteiro ou floreira  tinha terra e pedras (mais uma vez, os ficheiros de imagem permitem visionar a existência de várias pequenas pedras ao longo dessa construção).
Questionado sobre se havia terra em cima do ralo, RZ respondeu afirmativamente, e justificou a situação com o arrastamento provocados pelo vento e com a chuva verificados na data em discussão; que era essa a ideia que tinha; e que alguma coisa estava a impedir o escoamento. O único facto objetivo relatado pela testemunha é o seguinte: existia terra no ralo destinado ao escoamento da água depois da queda de chuva; o escoamento estava a ser impedido. No mais, a testemunha expôs a sua convicção, que não justificou cabalmente. Efetivamente, e de acordo com as regras da lógica, da ciência e da experiência, podemos sustentar que chuvas fortes como aquelas que então se fizeram sentir (as partes não questionam a intensidade da chuva então verificada e que foi do conhecimento geral, até por via dos pré-avisos/ comunicação da proteção civil e informações veiculados pelos meios de comunicação social) são suscetíveis de arrastarem terra e até pedras (seixos), mas estes materiais também podem ser arrastados por chuvas ou ventos de menor intensidade - face aos que então ocorreram - e habituais na época do ano em apreço, e o que importava saber, e a testemunha revelou não ter conhecimento, era o estado em que se encontrava o dito ralo no sobredito dia 19 de dezembro, antes do início da chuvas, ou, inclusivamente, no dia anterior ao início da denominada tempestade “Elsa” – 18 de dezembro -, sendo que o outro fenómeno meteorológico – depressão “Fabien” foi posterior aos dias 18 e 19, como é do conhecimento comum. Só assim, a sua convicção ou “ideia”, como disse, poderia ter fundamento objetivo e, como tal, ser valorada positivamente.
Adiante-se que também PF e CH revelaram desconhecer o estado em que se encontrava o ralo na data discutida, antes do início da pluviosidade.
A primeira das testemunhas conhece bem o local e tem ligação próxima com a co-ré, tendo-se apresentado como seu representante no que diz respeito à manutenção da casa.
A testemunha esteve no local logo depois da varanda ter acumulado água.
Disse que o ralo estava desentupido. Neste tocante, o seu depoimento não se encontra em total consonância com o testemunho anteriormente mencionado.
PF disse, ainda, que o calibre da tubagem não permitia o escoamento da água, face à intensidade da queda. Mas não justificou esta sua conclusão, pois não teceu quaisquer considerações técnicas sobre o assunto; não indicou o calibre da tubagem; a dimensão do ralo; as suas capacidades de escoamento, considerando inclusivamente, que receberia as águas provindas do telhado; as eventuais diferenças de escoamento daquela varanda, quando comparadas com o sistema das restantes varandas do prédio, que, nas mesmas condições atmosféricas, não registaram problemas, como resultou da generalidade da prova testemunhal produzida.
A testemunha depôs, ainda, sobre a periodicidade da limpeza, mas mesmo neste tocante o seu depoimento não é claro. Falou sobre a periodicidade da limpeza das “coisas maiores”. É impossível saber do que falava. Distinguiu-a da outra limpeza, que disse ser feita uma a duas vezes por semana, e que a casa tinha sido limpa há três dias porque iria receber hóspedes (o que não foi confirmado por outra prova). De todo o modo, do depoimento desta testemunha, alegadamente responsável pela manutenção da fração imobiliária da Ré, não resultou que ali se tenha deslocado na véspera (data do início da tempestade) ou no dia 19, antes ou durante a chuva intensa, tendo resultado evidente que o mesmo não sabia em que estado se encontrava o ralo no momento em que teve início a tempestade. Ainda a propósito da limpeza que teria sido feita nos três dias que antecederam as chuvas, nenhuma outra prova foi feita, designadamente, que a mesma tenha incidido sobre a varanda, sendo certo, porém, que a ter sido limpa, não o terá sido de forma cuidada, bastando atentar que num dos ficheiros de imagens juntos aos autos podemos ver uma rolha de cortiça a flutuar na água acumulada na varanda…..
CH disse que trata da limpeza da casa da Ré. Confirmou que fez limpeza dois a três dias antes, e que via sempre o ralo (a ter sido feita a dita limpeza, é possível concluir, assim, com segurança, e face ao período temporal que indicou, que na data em que se iniciou a tempestade - dia 18 de dezembro – o ralo não foi verificado). Acrescentou que em caso de alerta o ralo tem de ser visto no próprio dia. Mas do seu testemunho não resultou que se tenha deslocado ao local para o efeito, ou que tenha comunicado a PF – responsável pela manutenção da fração – a necessidade de ver o estado do ralo face às condições atmosféricas e de alerta então veiculadas. Efetivamente, é consabido que a tempestade denominada “Elsa” e a depressão “Fabien” foram amplamente anunciadas, como se pode colher das informações largamente veiculadas pelos meios de comunicação social, e que podem ser consultadas em diversos sites da internet. A dita tempestade começou no dia 18 de dezembro. Tendo por base as declarações de CH, é seguro que este não se deslocou ao local – varanda – nem naquele dia, nem no dia seguinte, e, por isso, não poderia saber se aquando das chuvas no dia 19, o ralo estava já obstruído, ou se assim ficou em consequência das chuvas ocorridas nesse dia. Deste modo, as convicções pessoais das testemunhas, por falta de sustentabilidade objetiva, não permitem conduzir a conclusão distinta daquela que foi alcançada pela Mmª juíza do tribunal a quo, nomeadamente, pela ponderação crítica dos demais elementos de prova que elencou e analisou.
Finalmente, cabe atentar no relatório elaborado pelo averiguador do sinistro e que foi remetido à seguradora Ré, que para melhor compreensão se transcreve:
“Relativamente ao processo acima mencionado, e na sequência do vosso pedido de esclarecimentos, informamos que voltámos a questionar o representante do Segurado acerca das circunstâncias em que teve lugar a ocorrência tendo obtido a resposta por email, que transcrevemos:
“Porque me foi solicitado informo que, relativamente ao sinistro supra indicado, este se deveu a uma dificuldade de escoamento de águas pluviais derivado de condições extremas que causaram arrastamento de sujidades que, em parte, poderão ter provocado uma drenagem deficiente.
Mais informo que é feita uma manutenção regular com uma periodicidade que varia de 30 a 60 dias dependendo da época.”
A informação remetida, corrobora com o nosso entendimento de que o entupimento resulta de condições atmosféricas excepcionais, nomeadamente ventos fortes e precipitação elevada.
Assim sendo, os danos verificados na fração segura e frações inferiores, resultam do do entupimento do ralo da varanda da fração segura na sequência de condições meteorológicas muito adversas com níveis elevados de precipitação e ventos excecionais pelo que consideramos que estes fatores terão contribuído para o entupimento e incapacidade do sistema de escoamento da varanda dar vazão ao elevado caudal de água acumulado na varanda.
Salientamos que a varanda em questão possui alguns vasos com terra e plantas e seixos decorativos na periferia do deck em madeira.
Em nossa opinião, a ocorrência caraterizou-se por um entupimento no ralo da varanda, devido ao arrastamento de terra e pedras, originado pela ação conjunta dos ventos fortes e precipitação registados na sequência da passagem da depressão Elsa.
Apurámos junto do nosso interlocutor que é feita uma limpeza da varanda com periodicidade variável e que não há registos anteriores de entupimentos.
(…)
Nesta conformidade, e conforme solicitado pela seguradora, analisamos o relatório de peritagem elaborado pela Rise, o qual refere: “(...) de acordo com as declarações prestadas pelo Sr. R…, proprietário da fração, o sinistro ocorreu no dia 19-12-2019 no seguimento da forte pluviosidade atmosférica que se fez sentir na região de Lisboa, de resto amplamente divulgado nos órgãos de comunicação social ”
O mesmo relatório informa que, após deslocação à varanda pelos condóminos, se veio a constatar que:
“() o terraço / varanda encontrava-se entupido devido à forte pluviosidade atmosférica que se fez sentir, provocou o enchimento do recinto e transbordo para o interior da fração 3º()”.
Dado que não houve registo anterior de entupimentos do ralo da varanda e repasse para as fração inferiores e, segundo o nosso interlocutor, é feita periodicamente a limpeza da varanda, é nossa opinião que a ocorrência teve origem nas condições atmosféricas excecionais criadas pela passagem da depressão Elsa, cujos efeitos foram amplamente noticiados nos meios de comunicação social.
Contatámos o perito da fração 2º piso (Riser) que, apesar de confirmar em seu relatório que o evento ocorreu no dia 19-12-2019 (tempestade Elsa), discorda das nossas conclusões mantendo a posição de não enquadramento da ocorrência nas coberturas da apólice do Segurado que representa.
Pelo exposto, consideramos que o entupimento / transbordamento do ralo da varanda da fração segura resulta de condições atmosféricas adversas à semelhança das inúmeras inundações e ocorrências registadas no dia do evento participado e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação social e órgãos de protecção civil.”
Estamos perante um relatório de opinião, fundado em declarações prestadas por terceiras pessoas (uma das quais, inquestionavelmente, PF, que em audiência também se apresentou como representante da Ré M…. e onde não fez alusão ao arrastamento de quaisquer “sujidades” para o ralo, tendo afirmado perentoriamente que o mesmo estava desentupido; tendo ainda comunicado ao subscritor do relatório uma periodicidade de limpeza da fração distinta daquela que relatou em audiência), que revelam não possuir conhecimento sobre o estado em que se encontrava o ralo antes do início da tempestade, e, em concreto, antes da queda da chuva no dia 19 de dezembro, e no âmbito do qual também não é apresentado qualquer elemento objetivo capaz de sustentar a conclusão alcançada pelo respetivo subscritor, não tendo por isso força probatória para infirmar a convicção adquirida em 1ª instância a propósito dos factos 15º (provado)  6º (não provado).
A Mmª juíza de 1ª instância referiu as razões da formação da sua convicção e fê-lo de forma objetiva e coerente, expondo com detalhe suficiente as razões do seu convencimento, dele decorrendo o motivo pelo qual os testemunhos ora concretamente indicados pelos recorrentes, conjugados com o dito documento não conduziram a entendimento diferente, e por isso temos de sufragar tal fundamentação, que temos por correta em face da prova produzida e criticamente analisada, cabalmente motivadora do juízo final quanto à apreensão da realidade fatual em causa, e que não logramos como sindicar segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, restando concluir pela inexistência do erro de julgamento.
*
Finalmente, segundo a Ré M…, o facto nº 9 deveria ter sido julgado como não provado, porquanto, em seu entender, o orçamento apresentado pelo recorrido não permite demonstrar os gastos por ele efetivamente suportados.
Sob 9, foi dado como provado que: “A reparação dos danos descritos em 6 e 8, ascendeu ao valor total de € 2.918,79, acrescida de IVA.”
A Mmª juíza de 1ª instância motivou, assim, a sua decisão:
“(…) quanto aos valores suportados pelo Autor para reparação dos danos, atendeu o Tribunal apenas aos serviços descritos no orçamento (único documento com descrição dos serviços prestados e respetivo valor) e que respeitam aos danos efetivamente demonstrados.”
O orçamento é uma estimativa de custo concernente à execução de trabalho(s).
Executados os trabalhos orçamentados – cf. factos 7, 8, e 9 que não foram impugnados -, o Autor, a quem cabia a prova do respetivo custo, por força do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil, teria de ter apresentado prova suscetível de demonstrar o montante efetivamente despendido com a reparação, designadamente, e para além de prova testemunhal, prova documental – faturas e recibos - relativos aos valores faturados e pagos, o que não fez, não sendo o orçamento suficiente para demonstrar tal realidade, pois tratando-se duma mera estimativa, o custo real pode ter sido inferior ou superior ao orçamentado, sendo que a prova de tal facto não importava qualquer dificuldade para o Autor, já que lhe bastaria apresentar a competente faturação/recibo, não sendo crível que pretendendo ser ressarcido dos danos em causa não estivesse na posse de tal documentação.
Deste modo, e na ausência de qualquer outro meio de prova, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, deferindo-se parcialmente a impugnação daquela recorrente, altera-se o facto provado sob o nº 9, nos seguintes termos:
9- A reparação dos danos descritos em 6 e 8, ascendeu a valor não concretamente apurado.
*
Nas suas contra-alegações, o Autor veio requerer a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do invocado art.º 636º, do Código de Processo Civil, prevenindo a possibilidade de ser dada razão às recorrentes no que diz respeito à condenação no pagamento de lucros cessantes, pedindo seja considerado como provado o seguinte facto: O Autor ficou privado do uso do imóvel desde 20 de dezembro de 2019 até setembro de 2020.
Funda tal pretensão nos depoimentos das testemunhas RE e VD, cujas passagens dos respetivos depoimentos que pretende sejam apreciadas deixou indicadas no corpo das alegações, pedindo que as mesmas sejam avaliadas à luz das regras da experiência e conjugadamente com os demais factos provados, nomeadamente, com os estragos provocados na fração e as obras que tiveram de serem realizadas.
Nos termos do disposto no art.º 636, nº 2, do Código de Processo Civil, “Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário (…) impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
 No caso, a impugnação consubstancia um pedido de aditamento de um facto à matéria de facto julgada provada, com base no que foi alegado na petição inicial, nomeadamente nos art.ºs 3º e 33º.
E mostrando-se minimamente cumpridos os ónus a que alude o art.º 640º, nº 1, e nº 2, al. b), do CPC, cumpre conhecer da impugnação.
Antes de mais, cumpre dizer que em 1ª instância foi julgado como não provado, sob o nº 7, o seguinte: “7. O Autor esteve privado de utilizar a sua fração para a atividade de alojamento local até à data da entrada da ação em juízo – 16/07/2021.”
Tal decisão foi assim fundamentada:“(….) não podemos deixar de salientar que o Autor nunca alegou, a data em que realizou a reparação dos danos, o que também não resultou sequer da instrução da ação, pelo que não dispõe este Tribunal de elementos necessários para fixar o período em que o Autor esteve privado de utilizar a fração para a atividade a que a destinava. De qualquer forma, é incontestável que o Autor não esteve privado da fração até à entrada da ação em juízo, porquanto é o próprio que alega na petição inicial que já haviam sido reparados os danos, tanto é assim que peticiona o pagamento dos valores que despendeu a esse título, juntando inclusivamente as respetivas faturas, as quais foram emitidas em abril e maio de 2020, isto é, mais de um ano antes da entrada da ação em juízo, contrariando, de forma manifesta, não só a alegação do Autor mas também o depoimento das testemunhas RE e VD que referiram, respetivamente, que o Autor esteve cerca de 10 meses e um ano sem explorar a sua fração.”
Em face desta motivação, a Mª juíza de 1ª instância adquiriu a convicção que por força dos estragos provocados na habitação, o Autor não a pode usar para efeitos de alojamento local. Simplesmente, como não conseguiu balizar o período temporal durante o qual se verificou a privação do uso, deu como não provado o sobredito facto nº 7, sem cuidar que o mesmo encerrava, em si, para além de outros factos, a existência do próprio dano, ou seja, a privação do uso do imóvel para os ditos fins, que se encontra demonstrado, como passamos a demonstrar.
Os estragos causados pela água na fração imobiliária do Autor e que resultaram como provados em 6, e 8, avaliados à luz das regras da lógica, da experiência e da normalidade da vida, não deixam margem para dúvida que desde a sua origem e até ao momento da sua reparação, impediram o uso da habitação para o fim a que o Autor a destinava, pois impediam o uso regular da habitação.
Deste modo, é inequívoco que após o dia 20 de dezembro de 2018, o Autor esteve privado do uso do imóvel para efeitos de exploração como alojamento local.
O testemunho de RE, na passagem concretamente assinalada pelo Autor, nada elucida sobre o período de tempo em que se manteve a impossibilidade do uso da habitação; e o testemunho de VD, só por si, não permite definir, com o grau de segurança exigível o dito período temporal (inexistem outros elementos probatórios suscetíveis de sustentarem o seu depoimento).
Porém, os estragos foram reparados. Logo, por apelo às regras da lógica e da experiência e partindo desse mesmo elemento conhecido e assente, podemos presumir e assim afirmar, com um grau de segurança muito elevado, a raiar a certeza absoluta, que a privação de uso terminou na data em que os estragos ficaram reparados.
Deste modo, tendo por base o facto cujo aditamento é pedido pelo Autor, é possível ter como demonstrada a seguinte factualidade, que se adita, na sequência do pedido de ampliação deduzido pelo recorrido e ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil:
O Autor ficou privado do uso do imóvel desde 20 de dezembro até à data em que ficaram concluídas as reparações dos estragos mencionados em 6, e 8.
E porque este facto não entra em contradição com aquele que resultou como não provado sob o nº 7, e que se revela inócuo, decide-se não determinar a sua eliminação.
*
Ainda nos termos e ao abrigo do disposto naquele mesmo art.º 662º, nº 1, cumpre-nos, de forma oficiosa, proceder à alteração do facto nº 16, de forma a evidenciar que a transferência da responsabilidade civil da segunda Ré para a seguradora, é a que emerge do contrato apresentado pelas Rés, com a contestação, e do qual constam as coberturas acordadas e exclusões contratualizadas, essenciais à decisão.
Assim, o facto nº 16, passa a ter a seguinte redação:
16. A Ré M…. e a Ré “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” celebraram entre si contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, titulado pela apólice MR81546027, através do qual a Ré M…. transferiu para a Ré “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo imóvel da sua propriedade, sito na Rua …, nos termos das cláusulas contratuais acordadas, que se encontram nos autos, e cujo teor aqui se tem por reproduzido.
**
 Em consequência do exposto, o quadro factual apurado e a considerar para efeitos da decisão de direito, é o seguinte:
Factos Provados
1. O Autor é proprietário da fração autónoma D, do prédio sito Rua…, Lisboa.
2. Nos últimos anos, o Autor tem explorado a referida fração habitacional, como estabelecimento de alojamento local.
3. Na noite de 19 de dezembro 2019, ocorreram fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019.
4. Nesse dia, entre as 20h30 e as 22h00, a varanda do piso superior, fração que corresponde ao 3º Dto, propriedade da Ré, ficou com água acumulada.
5. Essa água acumulada atingiu a altura da soleira da porta da varanda, a cerca de 7 cm de altura do chão da varanda e acabou por escoar para dentro da fração do 3.º direito, através da porta da varanda, infiltrando-se no pavimento dessa fração e no teto da fração do Autor, entrando dessa forma nesta fração.
6. A entrada da água da chuva, nos termos supra descritos, causou estragos no interior da fração do Autor, a saber:
a. Os tetos falsos de gesso caíram;
b. Toda a iluminação led embutida no teto ficou danificada;
c. As paredes e tetos ficaram manchadas com a passagem da água;
d. O pavimento da sala e rodapé ficaram danificados pela ação da água.
7. A reparação destes prejuízos, exigiu a intervenção de pedreiros, serventes e pintores e ascendeu ao valor.
8. Foi ainda necessário a intervenção de outros técnicos, porquanto:
a) Todos os móveis de cozinha ficaram danificados;
b) O aparelho interior de ar condicionado ficou danificado na sequência de infiltração de água no mesmo;
c) Todos eletrodomésticos da cozinha ficaram danificados.
9- A reparação dos danos descritos em 6 e 8, ascendeu a valor não concretamente apurado.
10. O Autor pediu o ressarcimento dos danos sofridos junto da seguradora da Ré, ao abrigo do seguro da responsabilidade civil - Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros SA.
11. No dia 22 de junho de 2020, a Ré Ocidental Seguros, comunicou ao Autor que a cobertura da apólice de seguro da Ré M…., relativamente à Responsabilidade Civil não poderia ser acionada dado que o sinistro foi provocado pela forte pluviosidade e não por culpa da Ré M….
12. Na varanda da fração da Ré M…, havia um deck em ripas de madeira no chão, o qual encosta à soleira da porta da varanda, mas dista dos muros laterais e da frente da varanda cerca de 10 a 15 cm.
13. No circunstancialismo descrito em 4, no espaço entre o deck e o muro da frente da varanda existiam seixos, os quais tinham cada um cerca de 5 a 6 cm de comprimento.
14. A preencher o espaço entre o deck e os muros laterais existia terra e plantas e seixos.
15. A água acumulou na varanda da fração da Ré M…, por força da obstrução do ralo com a terra e alguns dos seixos que existiam nessa varanda.
16. A Ré M… e a Ré “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” celebraram entre si contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, titulado pela apólice MR81546027, através do qual a Ré M… transferiu para a Ré “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo imóvel da sua propriedade, sito na Rua …., 3.º Dto, nos termos das cláusulas contratuais acordadas, que se encontram nos autos, e cujo teor aqui se tem por reproduzido.
(…)
17- O Autor ficou privado do uso do imóvel desde 20 de dezembro até à data em que ficaram concluídas as reparações dos estragos mencionados em 6, e 8.
*
Factos Não Provados:
A) O Autor deixou de receber a quantia de €18.000,00 (dezoito mil euros) como receita proveniente da exploração da fração supra identifica como estabelecimento de alojamento local, por força dos danos descritos nos factos provados.
B) O Autor sofreu danos no valor de €7.503,01 (sete mil e quinhentos e três euros e um cêntimo), decorrentes dos meses que esteve impossibilitado de arrendar o seu imóvel por causa dos danos supra identificados.
C) A entrada de água na fração do Autor causou estragos em todo o sistema elétrico que entrou em curto circuito.
D) A reparação dos danos referidos sob o ponto 6 dos factos provados ascendeu ao valor de €10.338,08 (dez mil trezentos e trinta e oito euros e oito cêntimos).
E) A reparação dos danos referidos sob o ponto 8 dos factos provados, ascendeu ao valor de €6.158,90 (seis mil cento e cinquenta e oito euros e noventa cêntimos).
F) A acumulação da água na varanda da Ré M… ficou a dever-se exclusivamente às fortes precipitações de chuva e ventos fortes, causadas pela tempestade Elsa e a depressão Fabien, entre 18 e 23 de dezembro de 2019.
G) O Autor esteve privado de utilizar a sua fração para a atividade de alojamento local até à data da entrada da ação em juízo – 16/07/2021.
IV. Fundamentação de Direito      
A) Das nulidades da sentença
A co-Ré M…, imputou à sentença as nulidades de omissão de pronúncia; oposição entre os fundamentos e a decisão; e, finalmente a sua ambiguidade ou obscuridade.
As nulidades da sentença constituem um vício da própria decisão. São únicas e típicas, encontrando-se descriminadas nas alíneas a), a e), do nº 1 do art. 615º, do Código de Processo Civil, que sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, dispõe:
“1-É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” 
Apreciemos, em primeiro lugar, segundo a sistematização das conclusões daquela Ré a invocada nulidade de omissão de pronúncia.
De acordo com a alínea d), do nº 1, do dito art.º 615º, e para o que ora importa, a sentença é nula quando o juiz não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar. Tal nulidade está relacionada com o disposto no art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, nos termos o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
“As questões previstas no nº 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em  defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”.[1]
E como é também pacificamente aceite na nossa jurisprudência, de que se apresenta, como exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/11/2020 (proferido no processo nº 2057/16.3T8PNF.P1S1), “Apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”.
Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.”
Diz, a recorrente, que alegou na sua contestação factos que não foram ponderados em 1ª instância; designadamente, que era cuidadosa e diligente e tinha sempre cuidado na conservação, manutenção e limpeza da fração imobiliária; que resultou da prova produzida em audiência de julgamento que tal fração era limpa a cada três ou a cada dois dias pois estava destinada a alojamento local, mesmo que estivesse desocupada; que a varanda estava sempre limpa e cuidada, não estando obstruída por quaisquer objetos ou com vestígios de folhas ou sujidade ao contrário do alegado pelo recorrido. Alegou, assim, como conclui, um conjunto de factos que deviam ter sido tidos em conta pela Mma. Juiz a quo, a qual não se pronunciou sobre os mesmos (ou sequer sobre a sua conduta), desconsiderando-os, pelo que tal factualidade não se encontra vertida no conjunto dos “Factos” por si tidos como “Provados” e “Não Provados”, tendo-se limitado a concluir que não tinha logrado afastar a presunção de culpa, não atentando no conjunto de factos suscetíveis de impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor e que constituíam uma exceção perentória que tinha invocado e que não foi conhecida, nem julgado prejudicado o seu conhecimento pela apreciação de qualquer outra questão.
Deste modo, e considerando o anteriormente exposto, é manifesto que a recorrente confunde a invocação da dita nulidade - que se reporta necessariamente às questões a decidir e não a factos -  com a arguição de erro de julgamento, pois, no essencial, insurge-se quanto à circunstância de não ter sido ponderada e objeto de decisão matéria de facto que tinha alegado, o que deveria ter constituído fundamento de impugnação sobre a decisão de facto, o que não fez.
No que diz respeito à alegada defesa por exceção - que a Ré diz não ter sido apreciada - cumpre dizer que aquela só invocou na sua contestação, de forma expressa, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, que oportunamente foi apreciada.
No mais, e naquele mesmo articulado, apresentou uma mera impugnação motivada, como nos evidencia a matéria de facto que diz não ter sido objeto de apreciação, e pese embora o acima expendido, sempre se dirá, a propósito de tal matéria, que a alegada diligência e cuidado na manutenção do imóvel constituem factos de índole conclusiva e que como tal não poderiam ser objeto de apreciação, e no que em concreto diz respeito à obstrução do ralo, a decisão de 1ª instância deu como provada a versão dos factos apresentada pelo Autor, razão pela qual seria inócuo, dar como não provado o facto alegado pela Ré em sentido contrário. Acresce que o juiz não tem de se pronunciar sobre toda a factualidade alegada pelas partes, mas apenas sobre aquela que reveste interesse fáctico-jurídico, e a sentença decidiu sobre todas as questões essenciais à apreciação da pretensão formulada pelo Autor, à luz do regime jurídico aplicado, e de acordo com os ónus probatórios que indicou, restando concluir pela não ocorrência da dita nulidade, improcedendo, neste tocante, a apelação.
*
A sentença é nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão (1ª parte da alínea c), do nº 1, do art.º 615º).
Constituindo um vício da própria decisão, a dita nulidade ocorre quando os fundamentos que o juiz invoca conduzem a resultado oposto ao que foi expresso[2].
Está, pois, em causa, a estrutura lógica da sentença.
A sentença é nula nos termos da referida disposição legal  “(…) quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.[3]
“A nulidade da sentença contemplada nesse preceito pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[4], não se confundindo com o erro de julgamento, relacionado com o acerto da decisão face à matéria factual apurada e a respetiva subsunção ao direito. Como se assinala no sumário do acórdão STJ, infra citado, sob 3, “Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”
Lidas as conclusões das alegações recursivas de T), a HH), delas resulta que a recorrente insurge-se contra a decisão, por entender, no essencial, que a factualidade provada não suporta a decisão de direito pronunciada pelo tribunal de 1ª instância quanto à sua condenação no pagamento de lucros cessantes. Deste modo, em face do alegado, e ainda que no limite, os fundamentos invocados ainda se reconduzem ao erro de julgamento - decisão que não se compatibiliza com os factos apurados –, pois como também escreve Amâncio Ferreira, “a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”[5].
Concluindo, a sentença não se encontra ferida de nulidade como reclamado pela recorrente.
*
Finalmente, diz a recorrente que a sentença é ambígua ou obscura.
Tratam-se de características que tornam a decisão ininteligível (art.º 615º, nº 1, al. c), in fine).
“A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”[6]
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 22/01/2019 (processo 19/14.4T8VVD.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt,):
“(…)
2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).”
A este respeito, a recorrente, numa aparente necessidade de calcorrear grande parte das nulidades tipificadas, diz que, “…. sem prescindir, sempre se dirá, como mera hipótese académica, que existem, no mínimo, ambiguidades ou obscuridades no que concerne aos factos acima identificados que tornam o segmento da decisão em crise (a condenação dos RR. a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fracção como estabelecimento de alojamento local) ininteligível em virtude de não fazer qualquer sentido, caso em que a Douta decisão em crise padeceria igualmente de vício de nulidade, a qual aqui se invoca cautelarmente.”.
Tal conclusão, e como decore de tudo que no mais é invocado, radica, mais uma vez, na falta de concordância com decisão fáctico-jurídica da 1ª instância, a evidenciar a invocação de erro de julgamento, não obstante o apelo ao vício da nulidade.
Improcede, também nesta parte, a apelação.
*
E posto isto, cabe, então, decidir do invocado erro de julgamento.
Segundo os fundamentos das recorrentes, a sentença fez uma incorreta aplicação do direito ao caso concreto.
 Lê-se na sentença recorrida, o seguinte:
“A norma capital na definição da responsabilidade civil subjetiva por factos ilícitos está contida no artigo 483º, n.º 1 do Código Civil (doravante designado por C.C.), onde se dispõe que “Quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Para que haja imputação de responsabilidade civil subjetiva e por consequência a obrigação de indemnizar, exige a lei, a concorrência de vários pressupostos: facto voluntário, ilicitude, nexo de causalidade entre o facto e o dano, culpa e o dano.
Sucede que o artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil, inserido na subsecção da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê especificamente que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os   animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Inexistem quaisquer dúvidas de que a situação em apreço se enquadra na responsabilidade por factos ilícitos prevista no artigo 493.º do Código Civil, impondo-se a sua aplicação, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.”
Cumpre, assim, aferir sobre a correta subsunção dos factos ao dito regime jurídico.
No âmbito da responsabilidade por ato ilícito, dispõe o art. 493º do Código Civil, no seu nº 1, na parte com interesse para a decisão “ Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, (….), responde pelos danos que a coisa (…) causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.” 
Este preceito legal estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo, para além do mais, a vigilância de coisas imóveis, e consequentemente, a inversão do ónus da prova quanto à culpa. Como esclarecem Pires de lima e Antunes Varela, “Abre-se mais uma excepção à regra do nº 1 do art.º 587º, mas não se altera o princípio do artigo 483 de que a responsabilidade depende de culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva.(…).
No nº 1 estabelece-se uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel (…) está obrigada a vigiá-la. Pode tratar-se do proprietário da coisa (…); mas não tem necessariamente de ser o proprietário (…). É a pessoa que tem as coisas (…) à sua guarda quem deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão”.
Conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2016, proferido no processo nº 472/10.5TBFAF.G1.S2, acessível em www.dgsi.pt, “Nos termos desta disposição legal, que estabelece uma presunção de culpa, derrogando a norma do art.º 487.º, n.º 1, do CC, prevê-se a responsabilidade civil de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas, móveis ou imóveis, animais, ou exerce uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, pelos danos que a coisa ou os animais causarem. Não excluindo a culpa, esta responsabilidade civil não representa uma responsabilidade pelo risco ou objetiva (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 430).
Esta responsabilidade civil especial, designadamente quanto aos danos causados por coisas, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa, com o dever de a vigiar. Ao atribuir a responsabilidade a quem tiver a guarda da coisa, o legislador admitiu a presunção daquele que guarda a coisa ter culpa no facto causador do dano, quer por ter o dever de providenciar que tal não venha a verificar-se, quer também por estar em melhor posição para fazer a prova da culpa, pois estando a coisa à sua disposição deve saber se realmente foi cauteloso na sua guarda (VAZ SERRA, BMJ n.º 101, págs. 130 e segs.).”
Discute-se, no caso, a responsabilidade por danos provocados no imóvel do Autor, por falta de escoamento de águas acumuladas na varanda de imóvel pertencente à Ré M…..
Está demonstrado que aquela Ré é proprietária da fração correspondente ao 3º Dtº, do imóvel sito na Rua ….., Lisboa.
Como tal, e nessa qualidade, tem o dever de exercer vigilância sobre o imóvel, o que implica aferir, continuamente e de forma permanente e atual, sobre o seu estado, de molde a assegurar-se que o mesmo não apresenta qualquer vício ou alteração, suscetíveis de causarem sinistros a terceiros.
No caso, não ficou demonstrado que a Ré tenha transferido para qualquer outra pessoa tal dever de vigilância.
É consabido que os mecanismos destinados ao escoamento de águas nas varandas de imóveis compostos por várias frações têm de ser objeto de vigilância permanente, dada a facilidade com que podem sofrer obstruções parciais, ou totais por força de objetos transportados pelos ventos e/ou chuvas e que neles acabam por se imobilizar (folhas de árvores, flores provindas de árvores ou de vasos existentes na própria varanda ou provindos de varandas vizinhas, terras arrastadas de vasos, outros objetos que por falta de diligência humana sejam deixados nas varandas….).
Em situações que potenciam o risco de obstrução desses mecanismos de escoamento, o dever de vigilância aumenta.
Com sucede hodiernamente, e como já sucedia à data dos factos (basta atentarmos nas informações prestadas pelo IPMA em dezembro de 2019, amplamente divulgadas pela comunicação social, como facilmente se conclui por consultas on-line sobre a “Tempestade Elsa”, a depressão “Fabien” e outros fenómenos então registados) instalou-se a (boa) prática de avisar antecipadamente as populações sobre as características de “tempestades” ou “depressões” que se avizinham, nomeadamente, sobre a intensidade da chuva, velocidade do vento previsíveis, quedas de neve…, permitindo, por essa via, a quem tem o dever de vigiar coisas - e com interesse para o caso concreto, coisas imóveis – a tomada de medidas preventivas que eliminem ou pelo menos diminuam os riscos de  danos, quer para os próprios imóveis, quer para imóveis de terceiros.
E o que decorre do sobredito art.º 493º, nº 1, é que, verificado o dano, recai sobre quem tem o dever de vigilância do imóvel o ónus de demonstrar que o dano não precede de culpa sua.
Ora, no caso, o Autor fez prova dos estragos causados na sua fração imobiliária, bem como da causa desses estragos, designadamente, as razões e o modo como a água se acumulou na varanda da Ré e como penetrou na sua fração imobiliária (factos 4, 5, 6, 8, 12, 13, 14, e 15).
A Ré não alegou e consequentemente não demonstrou factos suscetíveis de afastar a sua culpa, pois não demonstrou ter adotado qualquer comportamento destinado a garantir que o ralo, durante todo o período crítico da situação metereológica estaria desobstruído, de modo a permitir o escoamento de águas. Não provou, por exemplo,  que esteve no local, ou que pediu a alguém para se deslocar ao imóvel na data da ocorrência do sinistro, antes da ocorrência das chuvas, e/ou mesmo no dia anterior, quando já eram conhecidas as condições atmosféricas e os perigos delas decorrentes, para remover, por exemplo, quaisquer elementos capazes de provocar obstrução ao sistema de escoamento, ou ali permanecer, por si, ou por intermédio de qualquer outra pessoa, para aferir, continuamente, sobre a desobstrução do sistema de escoamento, tanto mais que conhecia as características da varanda, o sistema de escoamento da água da chuva, as características da floreira, o que nela se encontrava, sendo que tais comportamentos, enquanto proprietária lhe eram exigíveis, porquanto seriam os adotados pelo cidadão comum, diligente e prudente, cioso não só dos seus pertences, como preocupado com os prejuízos que os mesmos, em situações de crise, poderiam causar a terceiros e que colocado em idêntica à situação da Ré não deixaria de tomar atitudes aptas a evitar a lesão (cf. art.º 487º, nº 2 CC).
E não tendo resultado alterada a matéria de facto, nos termos propugnados pelas Rés, nada há a apontar à decisão recorrida quanto ao enquadramento jurídico-factual.
Consequentemente, a responsabilidade civil da Ré M…, pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor, encontra abrigo no sobredito art.º 493º, nº 1, conjugado com os art.ºs 562º, 563º, 564º, nº 1, 566º, nº 1, todos do Código Civil.
E determinada a responsabilidade civil da Ré M…., a responsabilidade da seguradora emergirá da relação contratual que com ela estabeleceu por via da celebração do contrato de seguro a que alude o facto provado sob o nº 16 (cf. art. 1, do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16/04).
 Está provado que a Ré M…. e a Ré “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” celebraram entre si contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, titulado pela apólice MR81546027, através do qual a primeira transferiu para a segunda, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo imóvel já identificado, o que impõe a análise da apólice, com vista a aferir sobre as coberturas contratadas, o que manifestamente não foi feito em 1ª instância.
A responsabilidade da seguradora está, pois, dependente das coberturas contratadas.
Não obstante a apólice e as condições do seguro não tenham ficado transcritas nos factos provados – na parte com interesse para a discussão da causa -, elas emergem do documento que consta dos autos e que fundamenta o facto nº 16, impondo-se, pois, a sua apreciação com vista à decisão sobre a responsabilidade da seguradora.
Da análise da apólice apresentada com a contestação, conclui-se que foram contratadas, entre outras, as seguintes coberturas: Inundações, Danos por água, “Responsabilidade Civil Proprietário Imóvel”, com o capital seguro de €150.000,00, Sem franquia estabelecida.
Já se concluiu pela responsabilidade civil da co-Ré e pela sua obrigação de indemnização.
Das Condições Gerais da Apólice, da Parte II – Coberturas Facultativas, resulta o seguinte:
“Cláusula 32.ª - Objeto e garantias facultativas do contrato
Em complemento da obrigação de seguro obrigatório de incêndio prevista na Parte I das Condições Gerais da Apólice, poderá ser contratada a cobertura dos riscos identificados nesta cláusula, sendo condição da sua validade e eficácia que o imóvel ou o respetivo recheio seguros, identificados nas Condições Particulares, sejam exclusivamente destinados a habitação, observando-se ainda o regime constante das presentes Condições Gerais.
(…)
3 - INUNDAÇÕES
3.1- Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:
a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais - precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro;
b) rebentamento de adutores, redes externas de distribuição de águas, coletores, drenos, diques e barragens;
c) enxurradas ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.
3.2- São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 72 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos.
4 - DANOS POR ÁGUA CAUSADOS POR CANALIZAÇÕES E APARELHOS LIGADOS À REDE DE DISTRIBUIÇÃO
4.1 - Garante os danos, provocados por água, de caráter súbito ou imprevisto, causados aos bens seguros em consequência de:
a) rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e de esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto de águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e esgotos do edifício e respetivas ligações e ainda as fugas de água provenientes de instalações de aquecimento ou de refrigeração;
(…)
“17 - RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL COMO PROPRIETÁRIO OU OCUPANTE LEGITIMO DO IMÓVEL
17.1- Garante o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extracontratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possam ser exigidas ao Segurado na sua qualidade de proprietário ou ocupante legítimo do imóvel seguro por danos corporais ou materiais causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos identificados neste artigo.”
(…)
RESPONSABILIDADE CIVIL COMO PROPRIETÁRIO OU OCUPANTE DO IMÓVEL
Não ficam garantidos pelo presente contrato:
(…)
4- Os lucros cessantes, os danos indiretos e as perdas de exploração.”- sublinhados nossos.
Tendo em consideração a responsabilidade civil da segurada M…. na produção dos danos e no consequente dever de os ressarcir em face das cláusulas contratuais assinaladas, mormente os riscos cobertos sob os nºs 4, nº 1, al. a), da Cláusula 32ª das Condições Gerais da Apólice (entupimento (…) da rede interior de distribuição de água e de esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto de águas pluviais, onde têm de se incluir os ralos em pavimentos exteriores (varanda) para esgoto de águas pluviais), e o disposto no ponto nº 17, nº 1, daquela mesma cláusula 32ª, a seguradora é responsável pelo ressarcimento dos estragos causados na fração imobiliária do Autor,  cujo valor não logrou aqui ser determinado – cf. alteração ao facto nº 9 -.
Adianta-se, porém, e desde já, que está excluída a responsabilidade da mesma seguradora no que tange ao ressarcimento dos lucros cessantes que vêm peticionados, atenta a sobredita cláusula de exclusão contratualizada e que se deixou acima transcrita, pelo que, nesta parte, sem necessidade de fundamentação acrescida, cabe desde já julgar procedente a apelação da Ré seguradora.
Em consequência do exposto, impõe-se a condenação das Rés no pagamento dos estragos causados ao Autor e contemplados no facto provado sob o nº 9, mas em montante que vier a ser liquidado, já que o mesmo não logrou ser determinado, conforme alteração introduzida à decisão de facto proferida em 1ª instância (cf. art.º 609º, nº 2, Código Processo Civil).
Resta apreciar a decisão de condenação da Ré M…. no pagamento da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração da fração como estabelecimento de alojamento local.
A este respeito, o pedido do Autor não foi formulado com a necessária clareza. Alegou que por força dos danos sofridos esteve privado do uso e rentabilização do seu imóvel desde a data da ocorrência até à atualidade, pelo que deve ser indemnizado pelos danos emergentes dos lucros cessantes, em valor nunca inferior a €24.000,00.
Terminou, no entanto, pedindo, a condenação das Rés no pagamento da quantia de €7.503,01 a título de indemnização pelos danos emergentes dos lucros cessantes, sendo assim, este o pedido concretamente formulado contra as Rés e que caberá ponderar.
A 1ª instância decidiu o seguinte:
“No que tange aos danos decorrentes dos lucros cessantes em virtude da impossibilidade de utilizar a fração para alojamento local, cumpre referir que não resultaram da instrução da causa. Na verdade, o Autor limitou-se a indicar o valor desses danos, sem concretizar os factos com base nos quais atingiu esse valor, o que também não se descortinou da prova produzida.
Dispõe o artigo 609.º, n.º 2 do CPC, que “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.
Perfilhamos o entendimento largamente dominante de que este preceito "previne a situação em que se provou que assiste o direito ao autor mas em que, por o tribunal não te conseguido alcançar o objecto ou a quantidade, o juiz se encontra impossibilitado de proferir decisão específica" – acórdão do STJ de 29/01/1998, BMJ 473, pág. 445. É a esta corrente a que aderimos, por se entender ser a mais adequada à justiça material dos casos concretos e por se entender que o entendimento contrário e minoritário, não encontra qualquer suporte na letra da lei que não faz qualquer restrição.
Em face do exposto, impõe-se condenar as Rés a pagarem ao Autor a título de indemnização pelos lucros cessantes aquilo que vier a ser liquidado em execução de sentença.”
O dito nº 2, do art.º 609º do CPC permite, efetivamente, que perante um pedido específico ou líquido, e na falta de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condene no que vier a ser liquidado em ação posterior, que terá de ser intentada para o efeito.
Como escrevem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[7], “Mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido, desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade.
Esta é, aliás, uma posição que encontra na jurisprudência um larguíssimo consenso, rejeitando uma argumentação formal que valorizasse o facto de assim, se conceder ao autor uma dupla oportunidade para o reconhecimento do mesmo direito. Tal não é verdade se considerarmos, como se impõe, que uma sentença de condenação pressupõe a demonstração de que existe um direito que apenas carece de concretização suscetível de ser conseguida ainda através do subsequente incidente de liquidação”. 
Deste modo, para feitos da aplicação da dita norma, basta que se prove a existência da obrigação, e é inequívoco que esta tem de ficar demonstrada, posto que à luz do dito preceito legal não é passível de ser relegada para liquidação a existência da obrigação. Esta constitui um pressuposto da condenação. O que é possível remeter para liquidação é o objeto ou a quantidade dessa obrigação.
 Ou seja, o que tem de ficar demonstrado na ação são os danos invocados pelo Autor e a obrigação de indemnização por parte do Réu.
 E tais danos têm de resultar da facticidade apurada.
A propósito daquela norma, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de setembro de 2018 (processo nº 4174/16.0T8LRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), que:
 “Este preceito corresponde ao anterior artigo 661 do CPC.
Da redacção do anterior artigo 661 resultava, e continua a dever entender-se face ao actual 609 do CPC, que o tribunal deve (e estamos aqui perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário) condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições:
A primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados.
Esta sempre foi a jurisprudência uniforme, podendo ler-se, por exemplo, no Ac. RC de 1.7.1980, BMJ 301, 469 «Para que alguém possa ser condenado a pagar a outrem o que se liquidar em execução de sentença, necessário é que o julgador tenha perante si duas certezas) que a primeira pessoa tenha causado danos à segunda; b) que o montante desses danos não esteja averiguado na acção declarativa, desde logo, por não haver “elementos para fixar o objecto ou a quantidade».
Ora, é manifesto que apenas é possível remeter para liquidação em execução de sentença o montante de danos que tenham sido efectivamente provados mas cujo valor concreto não foi possível determinar.
Como expressivamente se afirmava no Acórdão do STJ de 03.12.1998, BMJ 482-180, proferido ao abrigo da anterior legislação processual, mas que se mantém plenamente válido, “Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor”.
Fundamental, requisito essencial para que o Tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é, pois, que se prove a existência de danos (ainda que se desconheça o seu valor).”
Retomando o caso dos autos, a questão suscitada pela recorrente M…. (relativamente à seguradora já se concluiu pela procedência da apelação, pelas razões supra invocadas) nas suas alegações fica prejudicada com a alteração introduzida à matéria de facto.
Está, agora, demonstrada a existência do dano alegado pelo Autor: a privação do uso do imóvel desde 20 de dezembro até à data em que ficaram concluídas as reparações dos estragos mencionados em 6, e 8.
Tal data não está apurada. Não obstante, tal como a quantificação do dano, trata-se dum elemento – objeto - que poderá ser apurado, em ulterior liquidação, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 609º, nº 2, do Código Processo Civil, sendo, pois, de manter a decisão de ressarcimento dos lucros cessantes, quanto à Ré M…, ainda que pelos fundamentos ora aduzidos, e necessariamente, dentro do limite do valor que foi peticionado.
Nestes termos, terá de se julgar improcedente a apelação da Ré M…, e manter a decisão recorrida, ainda que pelos fundamentos de facto e de direito aqui expendidos.
V. Decisão
Na sequência do exposto e no âmbito do quadro legal assinalado neste acórdão, acordam as Juízas desta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente, por provada, a apelação da Ré “Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.”; improcedente a apelação da Ré M…; e procedente a ampliação do recurso do Autor, e em revogar parcialmente a decisão proferida em 1ª instância, decidindo-se:
- Condenar as Rés “OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA” e M…., a pagarem ao Autor, a título de indemnização pelos danos causados no seu imóvel (factos 6 e 8), a quantia que a esse título se vier a apurar, em liquidação ulterior, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 609º, nº 2, do Código do Processo Civil, e que se deverá conter no valor peticionado;
- Absolver a Ré “OCIDENTAL – Companhia Portuguesa de Seguros SA” do pedido de condenação no pagamento de lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de exploração do imóvel do Autor como estabelecimento de alojamento local;
- Condenar a Ré M… a ressarcir o Autor pelos lucros cessantes decorrentes de ter ficado privado de usar o imóvel para exploração como alojamento local, desde o dia 20 de dezembro de 2019, até ao dia em que as obras de reparação dos danos ficaram concluídas, a apurar em sede de liquidação, conjuntamente com a quantificação do mesmo dano, que terá de se conter dentro do valor peticionado;
- No mais, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo das apelantes e do apelado, nas seguintes proporções (70% para a Ré M…; 15% para cada uma das outras partes) – art.º 527º, nºs 1, e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.

Lisboa, 26 de janeiro de 2023
Cristina Lourenço
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
 
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[1] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 753.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 141.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 763. 
[4] Acórdão STJ, 3/03/2021, processo n. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] “Manual de Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, pg. 56.
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pres de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 764.
[7] Obra citada, pá. 755.