Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2700/18.0T8FNC-A.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. «Dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se»: a) As nulidades processuais (com regime nos arts. 186 a 202 do CPC) têm de ser arguidas perante o tribunal onde são praticadas – só do despacho que as aprecia poderá ser interposto recurso e, ainda assim, limitadamente, considerando o disposto no art. 630 do CPC; b) Apenas as nulidades da própria sentença (art. 615 do CPC) podem ser objeto de arguição em sede de recurso.
II. O juiz pode decidir sem observar o princípio do contraditório nos casos de «manifesta desnecessidade», contando-se entre estes os casos em que liminarmente indefere petição de embargos de executado, na medida em que a lei prevê expressamente a possibilidade desse indeferimento liminar.
III. A compensação, enquanto causa de extinção das obrigações, tem como pressuposto que duas pessoas sejam reciprocamente credoras e devedoras, ou seja, que cada uma delas esteja obrigada a efetuar uma prestação à outra.
IV. Verificado o pressuposto, qualquer dos devedores pode livrar-se da sua obrigação por compensação com a obrigação da contraparte desde que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos: ser o crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção de direito material, quer perentória, quer dilatória; terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
V. Tem-se entendido de forma praticamente unânime na jurisprudência e na doutrina que o crédito exequendo não pode ser compensado com um crédito litigioso e, por isso, ainda incerto; a razão de ser dessa inoponibilidade reside no facto de o direito litigioso não ter ainda a consistência de um direito de crédito em sentido estrito, de o exequente ainda não estar obrigado à prestação (não se podendo ainda, tão-pouco, afirmar que o virá a estar).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Colégio…, Lda., executada e embargante nos autos de oposição à execução identificados à margem, em que é exequente e embargada Formação..., Lda., notificada da decisão de indeferimento liminar dos embargos, por manifesta improcedência, proferida no dia 10 de setembro de 2018, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.
A embargante deduziu os embargos, invocando, em síntese, que a embargada pôs termo ao contrato de prestação de serviço subjacente à obrigação exequenda de forma antecipada e sem aviso prévio adequado, e que dessa cessação resultaram prejuízos para a embargante.
Concluiu, peticionando que fosse declarado:
«a) que a embargada revogou o contrato de prestação de serviços celebrado com a embargante de forma antecipada e sem aviso prévio adequado e que dessa rescisão resultaram para a embargante os seguintes prejuízos:
. o montante de 282,59€ despendido pela embargante na aquisição das viagens da representante da embargada a Cádis:
. o montante de 383,32€, custo suportado pela embargante e não comparticipado pelo programa Erasmus, com as viagens da legal representante da embargante e de uma sua funcionária, …, a Cádis;
. o montante de 5.708,31€ referentes ao pagamento que a embargante se encontra obrigada a fazer à Agencia Nacional Erasmus por efeito do cancelamento do projeto Erasmus por quantias recebidas pela embargante ao abrigo do referido programa e gastas na execução do mesmo;
. o montante de 3.970,00€ referente ao pagamento de quantias pagas pela embargante à Universidade de Zielonogorski, na Polónia, no âmbito do projeto Erasmus e que a embargante está obrigada a pagar à Agencia Nacional do Erasmus:
. o montante de 1.270,00€ referente ao pagamento de quantias pagas pela embargante à Universidade de Cádis, em Espanha, no âmbito do projeto Erasmus e que a embargante está obrigada a pagar à Agencia Nacional do Erasmus;
. o montante de 30.000,00€ pelos danos causados à imagem e credibilidade da embargante em consequência da rescisão do contrato;
. condenar-se a embargada no pagamento das sobreditas quantias compensando-se nesse pagamento o montante a pagar pela embargante à embargada e reclamado na execução
O tribunal a quo julgou os embargos manifestamente improcedentes e indeferiu-os liminarmente, invocando o disposto no artigo 732, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Com esta decisão não se conforma a embargante.

A recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«a) A douta sentença ao julgar liminarmente improcedentes os embargos deduzidos viola o princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º do CPC ao decidir sem antes dar oportunidade às partes para se pronunciarem;
Não obstante e em nome do princípio da celeridade,
b) A alínea h) do artigo 729 do CPC dever ser interpretada no sentido de admitir a invocação, em oposição a execução fundada em sentença, de contra crédito mesmo que os seus factos constitutivos tenham ocorrido antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento da ação declarativa.
c) Ainda que assim não se entenda como constituindo regra geral, nos casos em que a sentença dada à execução tenha sido proferida em processo que não admita a dedução de pedido reconvencional, como o dos presentes autos, a alínea h) do artigo 729 do CPC deve ser interpretada com o sentido de permitir que a oposição tenha por fundamento a invocação de contra crédito mesmo que os seus factos constitutivos tenham ocorrido antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento da ação declarativa.
d) Nos presentes autos sempre deve considerar-se não existir desrespeito por decisão transitada em julgado porquanto a própria sentença dada à execução dá por provados os factos em que assenta o pedido deduzido nos embargos (cessação antecipada e sem aviso prévio do contrato de prestação de serviços) e as consequências desses factos [nomeadamente a perda do custo da viagem da representante da embargada a Cádiz; necessidade de deslocação da representante da embargante e uma sua funcionária a Cádiz, em substituição da representante da embargada a devolução de parte das quantias recebidas da Agência Nacional do Erasmus (admitindo-se quanto a este particular a necessidade de provar o nexo causal)].
e) Não constitui facto impeditivo do recebimento dos embargos o facto do valor peticionado ser superior ao crédito exequendo, devendo sempre a compensação a ser declarada após o reconhecimento do crédito ter por limite o crédito exequendo.
f) Sem conceder e julgando-se o excesso do crédito peticionado sempre deverão os embargos ser admitidos e conhecidos no limite dos valores peticionados a título do valor despendido com o custo da viagem a Cádiz que deveria ter sido efetuada pela representante da embargada; custo das deslocações a Cádiz pela representante da embargante e uma sua funcionária, em substituição daquela viagem e pela devolução das quantias à Agencia Nacional do Erasmus por impossibilidade de execução do projeto financiado determinado pelo facto da embargada ter cessado antecipadamente o contrato celebrado com a embargante.»

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber:
a) se pode ser apreciada e se se verifica a invocada nulidade por falta de prévia notificação à embargante da intenção de indeferir liminarmente os embargos;
b) se a embargante pode opor ao crédito exequendo compensação com um seu crédito ainda litigioso e, por isso, incerto.

II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que a recorrente não discute):
1. No dia 07 de Maio de 2018, foi apresentado à execução de sentença, que viria a assumir o n.º 2700/18.0T8FNC, em apenso, uma sentença condenatória, que condenou a embargante a pagar à embargada a quantia de € 6.588,00 (seis mil quinhentos e oitenta e oito Euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas referidas nos factos provados, até efetivo e integral pagamento, referente a contrato de prestação de serviços.
2. A sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi proferida a 23 de Março de 2018.
3. Consta da mesma como provado que a embargada rescindiu o referido contrato com efeitos a partir de 01 de Junho de 2017.
4. Como fundamento dos presentes embargos de executado é invocado que a embargada/exequente revogou o contrato de prestação de serviços subjacente à obrigação exequenda de forma antecipada e sem aviso prévio adequado e que dessa rescisão resultaram para a embargante prejuízos.
5. A embargante conclui, peticionando:
«Termos em que, nos mais de direito e com o douto suprimento de Vª Exa, requer-se que seja declarado:
a) que a embargada revogou o contrato de prestação de serviços celebrado com a embargante de forma antecipada e sem aviso prévio adequado e que dessa rescisão resultaram para a embargante os seguintes prejuízos:
. o montante de 282,59€ despendido pela embargante na aquisição das viagens da representante da embargada a Cádis:
. o montante de 383,32€, custo suportado pela embargante e não comparticipado pelo programa Erasmus, com as viagens da legal representante da embargante e de uma sua funcionária, …, a Cádis;
. o montante de 5.708,31€ referentes ao pagamento que a embargante se encontra obrigada a fazer à Agencia Nacional Erasmus por efeito do cancelamento do projeto Erasmus por quantias recebidas pela embargante ao abrigo do referido programa e gastas na execução do mesmo;
. o montante de 3.970,00€ referente ao pagamento de quantias pagas pela embargante à Universidade de Zielonogorski, na Polónia, no âmbito do projeto Erasmus e que a embargante está obrigada a pagar à Agencia Nacional do Erasmus:
. o montante de 1.270,00€ referente ao pagamento de quantias pagas pela embargante à Universidade de Cádis, em Espanha, no âmbito do projeto Erasmus e que a embargante está obrigada a pagar à Agencia Nacional do Erasmus;
. o montante de 30.000,00€ pelos danos causados à imagem e credibilidade da embargante em consequência da rescisão do contrato;
. condenar-se a embargada no pagamento das sobreditas quantias compensando-se nesse pagamento o montante a pagar pela embargante à embargada e reclamado na execução.».
6. Indica como valor dos embargos € 41.614,22 (quarenta e um mil, seiscentos e catorze Euros e vinte e dois cêntimos).
7. A sentença dada à execução foi objeto de recurso, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo.

III. Apreciação do mérito do recurso
A. Da falta de notificação à embargante da possibilidade de indeferimento liminar
A embargante, ora recorrente, começa por invocar nulidade processual consistente no facto de não lhe ter sido notificada a possibilidade de o tribunal indeferir liminarmente os embargos; em seu entender, tal omissão violaria «o princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º do CPC».
Nos termos do art. 3.º, n.º 3, do CPC, «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Entre os casos de «manifesta desnecessidade» estão aqueles em que a lei prevê despacho liminar e, consequentemente, a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento ou petição.
A citação depende de prévio despacho judicial nos casos especialmente previstos na lei (art. 226, n.º 4, al. a), do CPC). Entre estes, conta-se o dos embargos de executado, prevendo o art. 732 do CPC que sejam liminarmente indeferidos nas situações ali indicadas. Portanto, o embargante, ao opor-se à execução mediante embargos, já sabe que um dos despachos imediatamente possíveis é o de indeferimento liminar do requerimento (neste sentido, exemplificativamente, o Ac. TRL de 10/05/2018, no proc. 16173/17.0T8LSB.L1, disponível em www.dgsi.pt). Neste caso, informar o embargante de que o tribunal poderá indeferir liminarmente o seu requerimento seria um ato redundante e inútil que nada acrescentaria ao que da lei consta e que o embargante deve conhecer.
De todo o modo, ainda que o juiz devesse ter previamente notificado a embargante da possibilidade de indeferir liminarmente os embargos, tal omissão constituiria uma mera nulidade processual.
Nos termos do disposto no art. 195 do CPC, fora dos casos previstos nos artigos anteriores (ineptidão da petição inicial, erro na forma de processo, falta de citação e falta de exame ou de vista ao Ministério Público), a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Relativamente aos casos residuais de nulidade (nulidades secundárias, atípicas, inominadas), onde a dos autos se situa, o art. 199, n.º 1, do CPC, dispõe que,  se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição (que é de dez dias – art. 149, n.º 1, do CPC) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
O ora recorrente tinha de ter arguido a nulidade processual perante o tribunal a quo no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de que agora recorre. Não o fez. Apenas do despacho que apreciasse a nulidade poderia recorrer, e apenas se esse despacho contendesse com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (art. 630 do CPC).
Apenas as nulidades da própria sentença, listadas no art. 615, n.º 1, als. b) a e), do CPC (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, oposição entre fundamentos e decisão, omissão ou excesso de pronúncia, e condenação além do pedido), podem ser objeto de arguição em sede de recurso. Não assim as nulidades processuais, como aquela que a recorrente agora invoca.
Como salienta Abrantes Geraldes (Recursos no novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., Almedina, 2016, p. 24), importa «distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas alíneas b) a e) do n.º 1 [do art. 615 do CPC], a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível.
«A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de ato que a lei prescreva ou da prática de ato que a lei não admita, ou admita sob uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso, devem ser arguidas pelos interessados, perante o juiz (arts. 196.º e 197.º). É a decisão que vier a ser proferida que poderá ser impugnada por via recursória, agora com a séria limitação constante do n.º 2 do art. 630.º, nos termos do qual “não é admissível recurso das decisões … proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 d art. 195.º …, salvo se contenderem com o princípio da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios”.
«Tal solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projete na sentença, mas que não se reporte a qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 615.º».
Ou seja, tratando-se de uma nulidade de procedimento, e não uma das nulidades previstas nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC, o recurso não é o meio, nem o tempo, para o recorrente reagir contra ela.
Por tudo o exposto, indefere-se a arguida nulidade.

B. Da compensação com crédito litigioso em sede de embargos à execução
O título dado à execução é uma sentença pela qual a executada foi condenada a pagar à exequente determinada quantia (€ 6.588) que esta lhe tinha faturado com respeito a mensalidades devidas no âmbito de um contrato de prestação de serviço em regime de avença que entre ambas vigorava.
Como fundamento dos presentes embargos, a executada invoca que a exequente pôs termo ao contrato de prestação de serviço de forma unilateral, discricionária e imediata, sem respeitar o prazo contratual, em consequência do que resultaram, para a embargante, prejuízos cujo ressarcimento importa em € 41.614,22. Pretende a compensação do crédito exequente com este seu pretenso crédito, até ao valor do exequendo.
A questão a apreciar e decidir é se a embargante pode opor ao crédito exequendo compensação com este seu alegado crédito ainda litigioso.
A compensação é uma das causas de extinção das obrigações, a par de outras e além do cumprimento. Tem como pressuposto que duas pessoas sejam reciprocamente credoras e devedoras, ou seja, que cada uma delas esteja obrigada a efetuar uma prestação à outra (v. arts. 847, n.º 1, e 397 do CC).
Verificado o pressuposto, qualquer dos devedores pode livrar-se da sua obrigação por compensação com a obrigação da contraparte desde que se verifiquem os requisitos cumulativos listados nas alíneas do n.º 1 do art. 847 do CC, a saber:
a) ser o crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção de direito material, quer perentória, quer dilatória;
b) terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Para perceber esta alínea a), importa esclarecer o que são exceções de direito material. As categorias «exceções processuais» e «exceções materiais», por um lado, e «exceções perentórias» e «exceções dilatórias», por outro, pertencem a duas classificações diferentes, que distinguem as exceções com base em distintos critérios, embora se possam cruzar formando subcategorias dentro de cada critério. Para explicar os vários conceitos em causa, nada melhor nos ocorre do que transcrever um trecho do livro de José João Abrantes, A exceção de não cumprimento do contrato (2.ª ed., Almedina, 2012, pp. 130-1):
«a) Exceções processuais são as que têm fundamento e efeitos de ordem meramente processual: traduzindo-se na invocação de irregularidades processuais, podem levar à absolvição da instância (é, por exemplo, o que se passa com a incompetência absoluta do tribunal) ou, apenas, dar lugar à remessa do processo para outro tribunal (caso da incompetência relativa) – o direito que o autor invoca, se existe, fica intacto.
«Exceções materiais são as fundadas em razões de direito substantivo, traduzindo-se na invocação de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor. Podem levar à improcedência definitiva da ação (porque o direito que o autor invoca não existe, nem pode vir a existir); mas o seu efeito pode ser apenas o de a ação não poder ser julgada desde logo procedente, por lhe faltar algum requisito de ordem substantiva, podendo todavia sê-lo mais tarde ou até mesmo desde já, embora só produzindo a condenação efeitos num momento ulterior (condenação in futurum), pois o direito do autor, não existindo ainda ou não sendo exercitável, pode todavia vir a ter existência e exercitabilidade.
«b) Relativamente à distinção entre exceções perentórias e dilatórias, o critério é o de ser ou não definitiva a recusa de atendimento da pretensão do autor. Perante as primeiras, tal recusa é definitiva; quando antes se trate das segundas, então a ação pode vir a ser repetida com êxito. A distinção vem já do direito romano (…).
«Conforme já se disse, a contraposição operada pelo art. 493.º do C.P.C. [art. 576 do CPC 2013] corresponde à primeira das referidas classificações doutrinais, e não à segunda (com a qual apenas tem de comum os termos). O critério de distinção é, na realidade, o dos efeitos, como é fácil de ver nos n.ºs 2 e 3 do preceito. As exceções dilatórias – ou seja, as assim qualificadas pelo art. 493/2 [art. 576 do CPC 2013] – correspondem a casos de inadmissibilidade do pedido, por falta de pressupostos processuais, e conduzem ou à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (arts. 494.º e 288.º do C.P.C.) [arts. 577 e 278 do CPC 2013], sendo em regra de conhecimento oficioso (art. 495.º) [art. 578 do CPC 2013]. Aquelas a que o art. 493.º/3 [art. 576 do CPC 2013] chama perentórias importam a absolvição, total ou parcial, do pedido, traduzindo-se em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (…).
«Na teoria do art. 493.º do C.P.C. [art. 576 do CPC 2013], a exceptio non adimpleti contractus é uma exceção perentória.
«Atendendo às classificações doutrinais de exceções apresentadas, é uma exceção material dilatória – um dos poucos exemplos que pedem ser encontrados.»
No caso dos autos, temos, de um lado, a dívida exequenda emergente de contrato e reconhecida por sentença e, do outro, um alegado direito a uma indemnização por danos decorrentes do incumprimento do mesmo contrato pela contraparte.
O direito de que a embargante se arroga ainda não tem consistência de um crédito em sentido estrito, pois ainda não impende sobre a exequente a obrigação de efetuar uma prestação indemnizatória à embargante, tão-pouco sabemos se virá a impender. A compensação pretendida não está em condições de ser exercida em ação executiva, nem sequer podemos ter a certeza de que venha a reunir essas condições mais tarde, pois o direito da oponente está dependente da incerta procedência de uma ação na qual demonstre os factos que sustentam a pretendida indemnização. Na ação onde foi proferida a sentença dada à execução, a ora embargante não viu apreciada a reconvenção (ali deduzida para fazer valer o crédito agora invocado para a compensação), por o tribunal ter entendido que a reconvenção não era processualmente admissível naquela ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
Até à data, o direito que a embargante quer fazer valer não é desde já exequível, e poderá mesmo não vir a sê-lo, caso não venha a demonstrar os factos integradores da responsabilidade civil contratual da exequente.
Sobre a questão já se pronunciaram os tribunais inúmeras vezes, podendo exemplificar-se com o Acórdão do STJ de 02/06/2015, processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, publicado em www.dgsi.pt (e outros nele citados).
Também a doutrina tem afirmado consistentemente que a exigibilidade e exequibilidade do contra crédito é um dos requisitos da compensação.
Vejamos alguns exemplos.
João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, II, 5.ª ed., Almedina, 1992, p. 202:
«Validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante), do crédito ativo. Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do n.º 1 do artigo 847.º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma exceção, perentória ou dilatória, de direito material.» (os negritos são nossos, nesta transcrição e nas próximas).
Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Almedina, 2003, p. 1027:
«Consiste outro requisito na validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito. Com efeito, estatui o n.º 1, al. a), do art. 847.º, que o crédito invocado pelo compensante terá de ser “exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material”.».
António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das obrigações, 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 453:
«Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito ativo, isso implica: - que seja válido e eficaz; - que não seja produto de obrigação natural; - que não esteja pendente de prazo ou de condição; - que não seja detido por nenhuma exceção; - que possa ser judicialmente atuado; - que possa extinguir por vontade do próprio. As duas últimas proposições afastam a compensação em créditos de personalidade ou de natureza familiar, que não admitam execução judicial ou que sejam indisponíveis.»
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das obrigações, II, 4.ª ed., Almedina, 2006, p. 202:
«Para que a compensação se possa verificar é ainda necessário que o crédito do declarante seja judicialmente exigível, e que o devedor não lhe possa opor qualquer exceção, perentória ou dilatória, de direito material (art. 847.º, n.º 1 a)). Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação
Em suma: No apenso declarativo de oposição a uma execução, não se pode compensar o crédito exequendo com um futuro e eventual crédito indemnizatório, que, no momento da dedução dos embargos, é inexequível.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 09/04/2019
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira