Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9079/18.8T8LSB-H.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS RECLAMADOS SUPERIOR A 100%
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O administrador de insolvência tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo essa remuneração composta por uma parte fixa e, caso venha a ser aprovado um plano de recuperação ou a liquidação da massa insolvente, por uma parte variável.
II. A redacção dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, ao art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes, pelo que sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, deve ser calculada nos termos da nova redacção do mesmo.
III. Em caso de liquidação da massa insolvente, estabelece expressamente o nº 7 do referido artigo 23º que, para determinação da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz, se deve atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
IV. Realizadas as operações estabelecidas na lei, não obstante ter-se apurado que o montante a distribuir pelos credores, ou seja, o valor dos créditos satisfeitos, é de € 168.348,19 e que o resultado líquido da liquidação da massa insolvente importa em € 173.036,18, a percentagem a considerar em termos da satisfação dos créditos reclamados e admitidos não pode deixar de ser de 100% e não de 103%, uma vez que a majoração deve ser calculada por referência ao grau de satisfação dos créditos e não ao resultado apurado em termos de liquidação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. Relatório
E… foi declarado insolvente por sentença de 16/05/2018, na qual foi nomeado como administrador da insolvência o Sr. Dr. AA…   
Tendo sido apresentado o relatório a que alude o artº 155º do CIRE, os autos prosseguiram para liquidação.
Por despacho de 10/01/2022, foi o Sr. Administrador supra referido destituído de funções e nomeado, em sua substituição o Sr. Dr. BB…  
Foram apreendidos e liquidados bens e foram reclamados créditos.
Em 14/05/2029 foi proferida sentença no apenso de verificação ulterior de créditos, tendo sido reconhecido o crédito de O… – Sucursal em Portugal, S.A., no montante de 6.995,49 € (seis mil, novecentos e noventa e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), o qual foi qualificado como comum.
Em 21/11/2022 foi proferida sentença no apenso de reclamação de créditos, tendo sido verificados créditos no valor de € 123.666,60, constando ainda da mesma que os créditos relativos a juros vencidos após a declaração de insolvência “constituem créditos subordinados e devem ser graduados depois dos restantes créditos, nos termos do artigo 48.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
Em 10/11/2022 foi proferida sentença julgando validamente prestadas as contas apresentadas pelo Administrador da Insolvência, sentença essa que transitou em julgado. Consta da conta corrente então apresentada pelo Administrador da Insolvência que foram obtidas receitas no valor € 177.000,00 e que as despesas importam em € 2.739,82.
Foi elaborada a conta nos autos, da qual consta que as custas importam no valor de € 1.224,00. 
Em 18/01/2023 foi apresentada proposta de remuneração variável pelo Administrador da Insolvência e foi apresentado cálculo do montante dos créditos subordinados - € 29.462,16.
Por decisão de 27/02/2023, o tribunal fixou a remuneração variável devida à Srª Administradora da Insolvência nos seguintes termos:
“(…)
Remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência
Nos termos do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, a sua remuneração tem uma natureza fixa e variável, sendo esta última alcançada em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente.
Analisada a prestação de contas apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência, foi apurado o valor total de receita de € 177.000,00.
A este valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente, com exceção da remuneração fixa devida ao Sr. Administrador de Insolvência e as custas de processos judiciais pendentes na data de declaração de insolvência – artigo 23.º, n.º 4, al. b) e n.º 6 do EAJ.
Assim, para a obtenção do resultado da liquidação da massa insolvente importa
deduzir as despesas constantes da conta apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, no montante de € 2.739,82, e o valor das custas do processo de insolvência, no montante de € 1.224,00, o que perfaz um total de € 173.036,18.
Sendo a remuneração correspondente a 5% deste montante, é alcançado o valor de € 8.651,81, o qual é majorado nos termos do artigo 23.º, n.º 7 do Estatuto do Administrador Judicial, tendo em consideração o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Na posição expressa pelo Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 29.09.2022, Relator Juiz Desembargador Dr. Tomé de Carvalho, «o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (que inclui a remuneração fixa do administrador), com excepção da remuneração variável e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência, mas esse valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Ou seja, no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos.»
Desta forma, para o apuramento dos créditos satisfeitos importa retirar à receita de € 177.000,00, as custas do processo (€ 1.224,00), as despesas (€ 2.739,82), a remuneração fixa a pagar pela massa (€ 2.460,00), e a remuneração variável apurada acrescida de IVA (€ 10.641,73), o que perfaz um total de € 159.934,45.
O total de créditos reconhecidos no Apenso de reclamação de créditos ascende a € 130.661.69, pelo que o grau de satisfação dos créditos é de 100%.
De referir que a satisfação dos créditos não pode ser superior a 100%, ainda que o valor alcançado ultrapasse o montante dos créditos verificados, isto porque estes não podem ser satisfeitos em valor superior ao reclamado e, nessa medida, o teto máximo percentual situa-se necessariamente nos 100%.
Assim, a majoração corresponde a € 6.533,08 (€ 130.661.69 x 100% x 5%).
Face ao exposto, fixa-se a remuneração variável devida ao Sr. Administrador de Insolvência no montante de € 15.184,89, acrescido de IVA.
Notifique.
(…)”
*
Inconformado, apelou o Sr. Administrador da Insolvência, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1- O presente recurso é interposto pelo Administrador de Insolvência e incide sobre douto despacho proferido em 27 de Fevereiro de 2023 e com certificação electrónica no dia 28 de Fevereiro, no processo à margem identificado, o qual versou sobre a quantificação da remuneração variável que lhe é devida, sendo que mesmo considera que o Tribunal a quo, com o devido respeito, fez uma errónea interpretação da lei - mormente do n.° 7 do art.° 23.° da Lei n.° 22/2013, de 26/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 9/2022, de 11/01, correspondente ao Estatuto do Administrador Judicial (EAJ).
2- O Recorrente não se conforma com a fixação da sua remuneração variável (na parte que se refere à majoração prevista no n.° 7 do art.° 23.° do EAJ) nos termos em que vem pugnado pelo Tribunal a quo, requerendo pelo presente a sua revogação e substituição por outro que determine que a remuneração variável que lhe é devida ascende a € 24.688,93 (IVA incluído) nos termos dos cálculos por si efectuados e previamente juntos ao processo de insolvência.
3- Assim, o thema decidendum do presente recurso incide sobre a fixação da remuneração variável do Administrador de Insolvência, designadamente na parte que se refere à sua majoração - atendendo que quanto à remuneração variável determinada nos termos do n.° 4 do art.° 23.° do EAJ o entendimento do Tribunal a quo e do Recorrente é coincidente.
4- O Administrador de Insolvência Recorrente liquidou nos autos insolvenciais um imóvel tendo alcançado o valor de venda de € 177.000,00 (cento e setenta e sete mil euros), que corresponde ao valor da liquidação, sendo do mesmo deduzidas as despesas da massa insolvente, alcança-se um saldo de liquidação de € 173.036,18 (cento e setenta e três mil e trinta e seis euros, dezoito cêntimos), aceite pelo Tribunal a quo.
5- Os créditos reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ascendem a €130.661,69, sem prejuízo dos créditos subordinados vencidos em data ulterior à declaração da insolvência.
6- O Recorrente não se conforma com o cálculo da majoração da remuneração efectuada pelo Tribunal recorrido, considerando que o mesmo, com todo o devido respeito, fez uma incorrecta interpretação da norma jurídica constante do n.° 7 do art.° 23.° da Lei n.° 22/2013, de 26/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 9/2022, de 11/01.
7- Por um lado, num primeiro ponto considerou que para apuramento dos créditos satisfeitos importa retirar à receita de € 177.000,00, as custas do processo (€ 1.224,99), as despesas (€ 2.739,82), a remuneração fixa a pagar pela Massa (€ 2.460,00) e a remuneração variável apurada acrescida de IVA (€ 10.641,73), o que perfaz, no entendimento do Meritíssimo Senhor Juiz do Tribunal a quo, o valor de € 159.934,45.
8- Reiterando-se todo o devido respeito, por um lado o Recorrente não auferiu de qualquer remuneração fixa e, por outro, considera que inexiste qualquer sustentação legal para no apuramento dos créditos satisfeitos deduzir à receita o valor da remuneração variável do Administrador de Insolvência apurada nos termos da alínea b) do n.° 4 do art.° 23.° do EAJ.
9- Além disso, o Tribunal a quo, considerando que os créditos reconhecidos no Apenso da Reclamação de créditos ascendeu a € 130.661,69 (sem atender aos créditos subordinados de juros vencidos após a declaração da insolvência), conclui, sem mais, que o grau de satisfação dos créditos é de 100% e que a satisfação dos créditos não poderá ser superior a 100%, ainda que o valor alcançado ultrapasse o montante dos créditos verificados, isto porque eles não poderão ser satisfeitos em valor superior ao reclamado, existindo, assim, um teto máximo percentual que se situa nos 100%.
10- No entendimento do Recorrente as referidas conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo assentam numa falácia jurídica, pois não é levado em conta que aos créditos reconhecidos de € 130.661,69 acresce o valor dos créditos subordinados correspondentes aos juros que venceram após a declaração da insolvência que foram igualmente reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos e que ascendem a € 29.462,16 conforme cálculos já efectuados nos autos pelo Administrador de Insolvência Recorrente.
11- Por outro lado, o Tribunal a quo, ao aplicar simplesmente a percentagem de 5% sobre o valor dos créditos reconhecidos fez uma errada interpretação e aplicação do n.° 7 do art.° 23.° do EAJ, sendo que cremos que o legislador pretendeu com a mesma fazer depender o valor da remuneração variável do Administrador de Insolvência do grau de satisfação dos credores, mas o mesmo só é aferível se atentarmos ao valor das receitas por contraponto ao valor dos créditos reconhecidos,
12- Sendo que o cálculo da remuneração variável do Administrador de Insolvência e o rateio pelos credores são acontecimentos completamente independentes, pelo que cremos que a melhor interpretação da norma jurídica sub judice será a que determina que a majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência deverá ser aferida segundo um ratio entre o rendimento disponível para rateio pelos credores e o total dos créditos reconhecidos, não estando previsto qualquer tecto.
13- O Recorrente concorda que os créditos reconhecidos não sejam satisfeitos por valor superior - nem tal será jamais o caso - sendo certo que, caso se verifique a satisfação de todos os créditos, um eventual diferencial remanescente seria destinado ao insolvente.
14- A fixação de um tecto máximo percentual de 100% dos créditos reconhecidos para o cálculo da majoração da remuneração do Administrador de Insolvência, além de não ter cabimento legal, levaria a soluções completamente desajustáveis com os fins da liquidação atendendo que o Administrador de Insolvência seria levado a reduzir os esforços em obter o melhor resultado para a liquidação a partir do momento que o produto da mesma correspondesse com os créditos reconhecidos, ou seja, deixaria de existir qualquer motivação para alcançar a maximização do valor da massa insolvente, o que poderia, inclusive, prejudicar o insolvente
15- A maximização da venda dos bens apreendidos é uma exigência do CIRE, pelo que ao prever uma limitação da majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência ao valor dos créditos reconhecidos, estar-se-ia, na prática, a exigir-lhe que trabalhasse sem ser remunerado, o que seria inconstitucional (art.° 59.° da CRP) atendendo que a remuneração nunca equivaleria à quantidade, qualidade e natureza do trabalho efectivamente realizado.
16- O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/09/2022, do qual foi Relator do Juiz Desembargador Dr Tomé de Carvalho, mencionado no despacho recorrido, refere-se expressamente à inclusão do valor disponível para pagamento e a uma percentagem dos créditos satisfeitos.
17- A base de cálculo usada pelo Recorrente consistiu exactamente na aferição do valor disponível para pagamento aos credores e a percentagem dos créditos satisfeitos que, in casu, corresponde a 132%, o que é, de facto, uma situação pouco usual nos processos de insolvência atendendo que apenas excepcionalmente se logra alcançar valor suficiente para suportar os créditos reconhecidos aos credores acrescidos dos créditos subordinados, mas que resulta indubitavelmente do trabalho, conhecimento do mercado, e esforços do Recorrente dedicados à liquidação do bem apreendido.
18- Em face do exposto, considera o Recorrente, que a majoração prevista no n.° 7 do art.° 23.° do EAJ deverá ser aferida nos seguintes termos: correspondendo o saldo da liquidação a €173.036,18, dividido pelo valor dos créditos reconhecidos de € 130.661,69 resulta a percentagem de 132% a qual deverá ser multiplicada pelo referido montante de €173.036,16, alcançado o resultado de € 228.407,76.
19- Será sobre este resultado de € 228.407,76 que deverão ser aplicados os 5% constante da norma em análise, atingindo-se o valor da majoração que equivale a € 11.420,39 a que acresce o valor do IVA legalmente devido.
20- Reiterando-se todo o devido respeito, os cálculos demonstrados são os que melhor se coadunam com a correcta interpretação da lei sub judice atendendo que, por um lado, a mesma toma em conta a variável do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, além de corresponder aos intentos do legislador que esteve na origem da lei 22/2013, na medida em que determinou que a remuneração visa incentivar os administradores a almejar o melhor resultado possível premiando-o pelo desempenho e resultados alcançados.
21- De igual modo, a Directiva (EU) 2019/1023 do Parlamento Europeu e Conselho transposta internamente através da publicação de lei n.° 9/2022 que alterou o referido art.° 23.° do EAJ, refere no art.° 26.° e 27.° que os Estados Membros deveriam assegurar que a remuneração dos administradores de insolvência nomeados judicialmente se reja por regras que sejam compatíveis com o objectivo de uma resolução eficiente dos processos, sendo que, a nosso ver, uma eficiente resolução dos processos passa, naturalmente, por obter o melhor resultado possível na liquidação dos bens apreendidos, o que deverá ser premiado proporcionalmente.
22- Com a fixação de "um tecto" máximo percentual de 100%, conforme é pugnado pelo Tribunal a quo, estar-se-ia a desincentivar a almejada resolução eficiente dos processos de insolvência atendendo que a partir de certo montante da liquidação (o que correspondesse aos créditos reconhecidos no apenso da reclamação de créditos e aos quais o Administrador de Insolvência é totalmente alheio), o mesmo deixaria de ter qualquer incentivo em alcançar maiores rendimentos em benefício da Massa Insolvente.
23- Salvo todo o devido respeito, consideramos que este não foi certamente o espírito do legislador na fixação de uma majoração na remuneração do Administrador de Insolvência nos processos de insolvência que prosseguem para a liquidação da Massa Insolvente.
24- Por outro lado, é inequívoco que a Lei n.° 9/2022 teve por escopo facilitar a recuperação de pessoas e empresas, além da dignificação das funções do Administrador de Insolvência melhorando a retribuição pelo exercício das suas funções.
25- Pelo que considerando que o despacho recorrido padece de erro de julgamento resultante de uma errónea interpretação do disposto no n.° 7 do art.° 23.° do EAJ, deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que considere como correctos os cálculos da remuneração variável efectuados pelo Recorrente, ou seja, considerando que o valor da majoração corresponde à quantia de € 11.420,39 acrescida de IVA à taxa legal de 25%, a que acresce a remuneração variável determinada nos termos da alínea b) do n.° 4 do art.° 23.° do EAJ, reconhecendo-lhe, assim, o direito a uma remuneração variável total equivalente a € 24.688,93 (IVA incluído).
Terminou peticionando que seja dado provimento ao recurso e que o despacho recorrido seja substituído por outro que reconheça ao administardor da insolvência a remuneração variável no montante total de € 24.688,93.
*
Não foram apresentadas Contra-Alegações.
*
O recurso foi admitido por despacho de 27/04/2023.
*
Foram colhidos os vistos.
*
II- Objecto do recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir qual a percentagem a considerar para efeitos do cálculo da majoração prevista no nº 7 do artº 23º do Estatuto do Administrador Judicial, na situação verificada em que o resultado líquido da liquidação é superior ao valor dos créditos reclamados e admitidos.
*
III- Fundamentação
A) De Facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
*
B) De Direito
O processo de insolvência é um processo especial, regido pelas normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, nos termos dos arts. 17º, nº1, do CIRE.
Nos termos do art. 60º do CIRE:
«1 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
2 - Quando eleito pela assembleia de credores, a remuneração do administrador da insolvência é a que for prevista na deliberação respectiva.
3 - O administrador da insolvência que não tenha dado previamente o seu acordo à remuneração fixada pela assembleia de credores pela actividade de elaboração de um plano de insolvência, de gestão da empresa após a assembleia de apreciação do relatório ou de fiscalização do plano de insolvência aprovado, pode renunciar ao exercício do cargo, desde que o faça na própria assembleia em que a deliberação seja tomada.»
As regras relativas ao montante da remuneração do administrador da insolvência e à sua forma de cálculo constam do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26 de Fevereiro, mais precisamente do seu artigo 23º, o qual foi alterado pela Lei nº 9/2022, de 11/01 e que entrou em vigor no dia 11 de Abril de 2022.
No caso concreto está em causa a fixação do valor da remuneração variável da administradora da insolvência, nomeada em processo em que ocorreu liquidação do activo.
O art. 23º do EAJ, na sua versão original, prescrevia quanto a esta matéria:
“1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2 - O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.”
A norma foi alterada pelo Dec. Lei nº 52/2019, de 17/4, mas sem qualquer alteração do nº4, assinalando-se que a portaria prevista relativa à forma de cálculo das remunerações nunca veio a ser publicada.
Havia, porém, sido publicada na vigência da Lei nº 32/2004 de 22 de Julho, o estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei nº 22/2013, a Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, que estabelecia, no seu nº3 e tabelas anexas, a forma de cálculo da remuneração variável do administrador da insolvência em processos de liquidação que, para este tipo de processos, continuou a ser utilizada, por ser a única forma de cálculo legalmente prevista e cuja formulação se adequava aos critérios previstos na lei nº 22/2013.
O artigo 23º do EAJ veio a ser alterado pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, cujo art. 5º deu ao preceito a seguinte redacção:
“1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).
2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto.
3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro).
11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.”
Como se diz no Ac. da RL de 28.01.2020, relatora: Amélia Rebelo, subscrito pela ora relatora na qualidade de 1ª adjunta e que pode ser consultado in www.dgsi.pt “(…) o legislador exprimiu expressamente o seu pensamento em matéria de atribuição do direito a remuneração variável quer nos casos de homologação de plano de recuperação (no âmbito de processo de insolvência ou no âmbito de processos de revitalização ou de aprovação de plano de pagamento), quer no caso do prosseguimento dos autos para liquidação. Nesta matéria – atribuição do direito - não existe uma qualquer lacuna, nem na definição da base de cálculo ou critério referência para determinação da atribuição da remuneração variável devida ao administrador judicial provisório - pois que para esse efeito previu e definiu o resultado da recuperação (nº 2 e 3 do art. 23º) -, nem nos termos em que se procederá à quantificação da dita remuneração.
Traduz esta a opção do legislador do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas que, nesta como em outras matérias, se demarcou do regime de casuística judicial praticado na vigência do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de Abril e revogado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03 que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), no âmbito do qual e nos termos do art. 34º do CPEREF (aplicável ex vi art. 5º do Dec. Lei nº 254/93 de 15.07 e 132º daquele diploma), na fixação da retribuição ao liquidatário judicial nomeado mandava atender ao parecer dos credores, à prática das remunerações seguidas na empresa, e às dificuldades das funções desempenhadas, critérios ‘abertos’ cuja avaliação, ponderação e concretização era feita caso a caso, sem limites quantitativos mínimo e máximo, potenciadores de distintas práticas remuneratórias nas diferentes comarcas do País, em função da singular valoração judicial de cada critério, a par com a singular valoração das concretas vicissitudes do processo e do seu grau de complexidade, e das funções nele exercidas pelo liquidatário.”
Entendeu o tribunal a quo que é aplicável aos presentes autos e no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, o disposto no artº 23º do Estatuto do Administrador Judicial na redacção dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, o que se entende correcto, face ao disposto no artigo 10º da aludida Lei.
O resultado da liquidação e a primeira parcela da remuneração variável, não integram o objecto do recurso. A divergência circunscreve-se à forma como foi calculada a majoração da remuneração, a qual, na primeira versão do regime legal desta componente remuneratória, incidia sobre o montante da primeira parcela da remuneração e que, actualmente, é determinada “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos”.
Para determinação do montante da majoração, na decisão recorrida a Mmª Juíza a quo procedeu ao apuramento dos créditos satisfeitos retirando à receita de € 177.000,00, as custas do processo (€ 1.224,00), as despesas (€ 2.739,82), a remuneração fixa a pagar pela massa (€ 2.460,00), e a remuneração variável apurada acrescida de IVA (€ 10.641,73), tendo obtido o total de € 159.934,45.
Considerou que “o total de créditos reconhecidos no Apenso de reclamação de créditos ascende a € 130.661.69, pelo que o grau de satisfação dos créditos é de 100%”.
Sustentou que “a satisfação dos créditos não pode ser superior a 100%, ainda que o valor alcançado ultrapasse o montante dos créditos verificados, isto porque estes não podem ser satisfeitos em valor superior ao reclamado e, nessa medida, o teto máximo percentual situa-se necessariamente nos 100%”.
Concluiu, assim, que “a majoração corresponde a € 6.533,08 (€ 130.661.69 x 100% x 5%).”
Defende o Sr. Administrador que não auferiu de qualquer remuneração fixa e que inexiste qualquer sustentação legal para, no apuramento dos créditos satisfeitos, deduzir à receita o valor da remuneração variável do Administrador de Insolvência apurada nos termos da alínea b) do n.° 4 do art.° 23° do EAJ.
Diz também que ao valor dos créditos considerados como reconhecidos tem que acrescer o valor dos créditos subordinados, correspondentes aos juros que venceram após a declaração da insolvência que foram igualmente reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos e que ascendem a € 29.462,16 conforme cálculos já efectuados nos autos pelo mesmo.
Por último, invocou que o Tribunal a quo, ao aplicar simplesmente a percentagem de 5% sobre o valor dos créditos reconhecidos, fez uma errada interpretação e aplicação do n.° 7 do art.° 23.° do EAJ, uma vez que o legislador pretendeu fazer depender o valor da remuneração variável do Administrador de Insolvência do grau de satisfação dos credores, mas o mesmo só é aferível se atentarmos ao valor das receitas por contraponto ao valor dos créditos reconhecidos.
Vejamos.
Como se disse supra, está assente que a remuneração para efeitos do disposto no artº 23.º, n.ºs 4, al. b), e 6, do EAJ importa em € 8.651,81.
Para efeitos do cálculo da majoração prevista no nº7 do art. 23º, resulta do artigo em causa que devem ser deduzidas do resultado da liquidação a remuneração fixa e a quantia já encontrada para efeitos de remuneração variável, sob pena destas quantias serem pagas a duplicar.
Todavia, no caso, conforme refere o recorrente, não houve lugar ao pagamento ao mesmo de qualquer quantia a título de remuneração fixa, pelo que não há que deduzir o montante de € 2.460,00. Há, no entanto, que deduzir, contrariamente ao defendido pelo apelante, a referida quantia de € 8.651,81.
Também assiste razão ao apelante no que respeita a dever considerar-se, para efeitos de créditos reconhecidos, não só o valor de € 130.661,69, mas ainda o valor dos créditos subordinados correspondentes aos juros que venceram após a declaração da insolvência, uma vez que os mesmos foram igualmente reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos e já se encontram liquidados em € 29.462,16.
O valor a considerar em termos de créditos reconhecidos é, assim, de € 160.123,85, não se entendendo os cálculos efectuados posteriormente para efeitos de apuramento da percentagem dos créditos satistfeitos em que desconsidera este valor e o pelo próprio alegado no que a tal concerne.
Atento tudo o referido, para efeitos do cálculo da majoração prevista no nº7 do art. 23º, deve deduzir-se do resultado da liquidação a remuneração variável achada - € 8.651,81, achando-se, assim, o resultado de € 168.348,19.
Aqui chegados, verifica-se desde logo que os créditos reconhecidos irão ser satisfeitos pela totalidade, ou seja, na percentagem de 100%.
Invocou o recorrente que esta percentagem não pode ser o tecto máximo para efeitos de apuramento da majoração referida, sob pena de se estar a desincentivar a almejada resolução eficiente dos processos de insolvência atendendo a que a partir de certo montante da liquidação – o correspondente aos créditos reconhecidos no apenso da reclamação de créditos e aos quais o administrador é totalmente alheio – e de se estar a fazer uma interpretação da lei contrária aos objectivos do legislador com a fixação de uma majoração na remuneração do Administrador da Insolvência nos processos que prosseguem para a liquidação da massa insolvente.
O nº 7 do aludido artigo 23º estabelece que o valor alcançado nos termos que ficaram supra referidos, é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos. 
Como se diz no Ac. da RC de 25/10/2022, relator: Emídio Francisco Santos, que pode ser consultado in www.dgsi.pt e que também se debruçou sobre o critério a atender para determinação da remuneração variável a que tem direito o administrador da insolvência ao abrigo do disposto no art. 23.º, n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26-2 e alterado pela Lei n.º 9/2022, de 11, embora na perspectiva se, para tal operação, se deve atender também ao grau de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos ou se o referido nº 7 deve ser interpretado como se os seus termos fossem “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos”:
“A interpretação da lei tem como base e como limite a respectiva letra.
A letra é a base à interpretação pois é por ela que deve começar a interpretação. Funciona como limite, pois segundo o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Sobre a importância da letra na interpretação, importa dizer, socorremo-nos das seguintes palavras de Manuel de Andrade, que «… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas» [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 26].”
O intérprete deve presumir que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – cfr n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.
A lei fala expressamente que a majoração é causa deve ser calculada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, pelo que, salvo recorrendo a uma interpretação ab rogante, não há forma de defender que o critério a considerar não seja o grau de satisfação dos créditos mas, conforme defende o apelante, simplesmente um ratio entre o rendimento disponível para rateio pelos credores e o total dos créditos disponíveis, o qual poderá, desta forma, ser superior a 100%.
No concerne à interpretação ab rogante, refere Castanheira Neves, in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 1976, pp. 68-9: “O caso extremo da interpretação ab-rogante ou revogatória, quando a conciliação entre aqueles dois elementos essenciais da norma legal – a expressão verbal ou a letra e pensamento normativo ou o espírito – seja de todo impossível, já porque a expressão é absolutamente incorrecta (caso decerto pouco provável), já porque o texto enuncia um sentido também absolutamente incompatível com o pensamento normativo, como sobretudo acontecerá nas hipóteses de antinomias insuperáveis (no caso concreto concorrem normas lógica ou normativamente contraditórias).”
Esta interpretação, na medida em que se traduz na negação de sentido e valor a uma disposição legal, apenas é concebível em casos extremos, nomeadamente em casos de contradição intra-sistemática inultrapassável, o que entendemos não ser o que se verifica no caso presente, sendo a lei clara na definição do critério a atender: grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Sendo os créditos integralmente pagos, o grau de satisfação é de 100%, não havendo forma de poder ser superior.
A inserção desta norma na Lei nº 9/2022, procede à transposição da Diretiva 1023/2019, com as finalidades ali enunciadas de assegurar que “a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.” – cfr. art. 24º nº4 da Directiva.
Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 18.04.2023 - Processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, relatado por Maria Olinda Garcia, disponível in www.dgsi.pt, considerou que a manutenção da indexação da majoração da remuneração variável ao grau de sucesso de satisfação dos créditos é a que melhor se compatibiliza com o propósito de eficiência do processo de insolvência propugnada pela referida Directiva e a que mais favorece os interesses dos credores enquanto princípio estruturante do regime da insolvência previsto pelo art. 1º do CIRE.
É certo que foi intenção do legislador com esta alteração legislativa aumentar a remuneração dos Administradores de Insolvência, mas de acordo com esta actual fórmula de majoração da remuneração, há inegável acréscimo remuneratório pela aplicação da majoração prevista, face ao que resultava da aplicação de qualquer um dos factores previstos pela Portaria nº 51/2005, de 1 a 1,60. Estes  incidiam, não sobre um qualquer valor (percentual) do resultado da liquidação, mas sobre a primeira parcela da Remuneração Variável, sendo que esta já correspondia ao resultado da incidência/aplicação de duas taxas (ou de uma se o resultado da liquidação não superasse os € 15.000,00) sobre o montante disponível para pagamento aos credores.
Por outro lado, afigura-se-nos que este entendimento não viola os princípios constitucionais previstos no artº 59º da CRP e respeitantes à retribuição do trabalho. Numa óptica constitucional, todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade.
É obvio que este princípio não implica que deixe de haver uma margem de liberdade de conformação do legislador ao fixar a compensação devida ao Administrador da Insolvência pela actividade desenvolvida no respectivo processo onde intervém, mas tem igualmente que se concluir que essa margem tem limites que são decorrentes da Constituição, sendo uns desses princípios os que resultam do artº 59º, mas também o princípio da proporcionalidade, ancorado no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2º da Constituição com concretização no nº 2 do artigo 18.º da mesma Lei Findamental. O critério de majoração aferido por referência máxima ao correspondente ao grau de satisfação dos créditos admitidos nestes autos, respeita os princípios constitucionais, não podendo deixar de se ter em consideração que o processo de insolvência tem como finalidade “a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (artigo 1º, nº1, do C.I.R.E.).
Assim e como se referiu, ascendendo o total dos créditos reconhecidos a € 160.123,85, a majoração a que alude o nº 7 do artº 23º do EAJ deve ser calculada nos seguintes termos: € 160.123,85 x 100% x 5%, correspondente a € 8.006,19, não obstante o montante a distribuir pelos credores ter sido apurado em € 168.348,19.
A remuneração variável que entendemos ser devida ao Sr. Administrador da Insolvência perfaz, pois, no montante de € 16.658,00 = (€ 8.651,81 + € 8.006,19), acrescido de IVA à taxa de 23% e não na quantia de € 15.184,89, acrescida de IVA, conforme ficou a constar do despacho recorrido.
Procede, pois, o recurso apenas nesta parte. 
*
IV- Decisão
Por todo o exposto, acordam as Juízas deste colectivo em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, e em consequência, revogar a decisão recorrida que fixou a remuneração variável do recorrente em € 15.184,89, acrescida de IVA e fixar tal remuneração em € 16.658,00, acrescida de IVA.
Custas do recurso pelo recorrente na proporção do decaimento – artº 527º do C.P.Civil.
Registe e notifique.

Lisboa, 06/06/2023          
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro