Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7586/18.1T8ALM.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I - Na decisão da matéria de facto, incluindo na reapreciação da prova a fazer no recurso, está vedado ao tribunal, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito.
II - Na ação em que foi peticionada a resolução do contrato de empreitada de consumo celebrado entre os Autores e a sociedade Ré, com a condenação desta na restituição das quantias pagas por aqueles e no pagamento de indemnização, em nada fica posta em causa a legitimidade (substantiva) da Ré empreiteira apenas pela circunstância de não estar provado ser a titular da conta bancária para a qual os primeiros, donos da obra, procederam a transferências bancárias para realização dos pagamentos acordados, uma vez que o NIB dessa conta foi indicado pelo legal representante dessa mesma sociedade.
III - É admissível, sempre numa análise casuística, “cumular” a resolução do contrato de empreitada de consumo - com o seu característico efeito retroativo (mais ou menos completo) - e a atribuição de indemnização pelo interesse contratual positivo, nos termos gerais de direito (cf. artigos 801.º, n.º 2, 802.º, n.º 1, e 1223.º, todos do CC) e em especial conforme previsto no art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa do Consumidor).
IV - No caso dos autos, perante a resolução do contrato, a Ré fica obrigada a restituir aos Autores todas as quantias pagas por estes, por não estarem provados factos que justifiquem afastar a eficácia retroativa da resolução, designadamente o valor global que alegou ter despendido em trabalhos e materiais e, sobretudo, que os mesmos possam ser aproveitados, ficando efetivamente incorporados na obra concluída, apesar dos seus defeitos.
V - Embora os Autores devam ser compensados pelos danos patrimoniais em montante que, considerando o valor a restituir pela Ré, lhes permita pagar a quantia orçamentada para reparação dos defeitos e conclusão da obra, não se pode olvidar que aqueles não chegaram a pagar à Ré, por força da resolução, a totalidade do preço (ficando a obra, não apenas com defeitos, mas também por acabar); logo, no cálculo a fazer, há que descontar ainda a importância acrescida que sempre teriam de despender se a Ré tivesse acabado a obra nos termos previstos no contrato.
VI - O facto de os Autores terem concordado com a realização da obra, a decorrer no telhado de sua casa, com início cerca de 5 semanas antes do início do Inverno, não configura um facto culposo destes, ou, ainda que o fosse, com culpa grave ao ponto de justificar que a indemnização por danos não patrimoniais fosse excluída.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Romão & Machado, Lda., com sede na Rua ..., São João da Talha, interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa de condenação que contra si foi intentada por S… e L…., residentes …, Moita.
Na Petição Inicial, os Autores peticionaram que fosse:
- Decretada a resolução do contrato de empreitada, condenando-se a Ré na devolução do preço pago pelos Autores no montante de 50.000 €;
- Condenada a Ré a pagar-lhes a quantia de 22.446,33 €, correspondente à diferença entre o valor pago à Ré e o valor a pagar para a realização das obras necessárias para efeito de eliminação dos defeitos descritos;
- Condenada a Ré indemnizá-los na quantia de 5.350 € despendida em contactos telefónicos, honorários dos mandatários e peritagem;
- E condenada a Ré a indemnizá-los em montante não inferior a 10.000 € a título de danos não patrimoniais.
Os Autores alegaram, para tanto e em síntese, que:
- Contactaram a Ré, em 17 de agosto de 2017, a fim de apresentar orçamento para a realização de obras na sua moradia, sita na Moita, vindo esta, em 13 de outubro de 2017 a apresentar dois orçamentos, indicando os preços de 41.200 € e 16.300 €;
- Nessa sequência, a Ré iniciou os trabalhos em 14 de novembro de 2017, tendo ficado prevista a sua conclusão na segunda quinzena de março de 2018;
- Os Autores liquidaram à Ré as seguintes quantias: em 07 de dezembro de 2017, 10.000 €; em 26 de janeiro de 2018, 10.000 €; a 20 de fevereiro de 2018, 10.000 €; a 23 de março de 2018, 10.000 €; e a 28 de março de 2018, 10.000 €;
- Ainda no decurso da obra, os Autores constataram que alguns trabalhos haviam sido deficientemente executados e outros nem sequer estavam realizados, o que comunicaram à Ré, em 8 de abril de 2018, na pessoa de António…, solicitando a reparação;
- Perante a ausência de resposta da Ré, vieram, através de comunicação de 15 de abril de 2018, comunicar-lhe que davam por terminada a sua intervenção;
- Em 11 de maio de 2018, declararam resolvido o contrato e solicitaram à Ré a devolução da quantia total que lhe pagaram;
- A reparação de todos os defeitos tem o custo de 72.446,89, com o IVA incluído, conforme orçamento junto como doc. 9.
Citada a Ré, apresentou Contestação na qual se defendeu alegando, em síntese, que:
- Apesar de ter apresentado os aludidos orçamentos, o sócio da Ré, António …, informou os Autores que, por divergências entre os sócios, a Ré havia cessado a sua atividade e que seria a sociedade Romabel Construções, Unipessoal, Lda. que iria executar a obra, o que teve a concordância dos Autores, tanto assim que os pagamentos foram efetuados à Romabel, Lda. não tendo a Ré realizado a obra, pelo que é parte ilegítima;
- As obras referentes ao orçamento de 16.300 € foram integralmente realizadas, não tendo sido concluídas as obras descritas no orçamento de 41.200 € porque os Autores proibiram a entrada da equipa de trabalho em 26 de abril de 2018;
- As infiltrações deveram-se ao facto de a substituição do telhado ter decorrido durante o Inverno e às deficiências da canalização que se encontrava em avançado estado de degradação;
- Os Autores pura e simplesmente desistiram da obra;
- A quantia peticionada de 22.446,33 € inclui trabalhos que nunca estiveram contemplados no orçamento; e os materiais incorporados na obra ascenderam ao valor de 21.991,29 € (sendo 8.140,00 € de peças para montagem do edifício de apoio ao jardim, 10.000,00 € do painel sandwich e 3.851,29 € de outros materiais).
Os Autores, perante a dúvida suscitada pela Ré sobre o sujeito passivo da relação material controvertida, deduziram incidente de intervenção principal provocada da sociedade Romabel - Construções Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, São João da Talha, o qual foi deferido, por despacho de 28-06-2019.
A Interveniente apresentou Contestação, defendendo-se em termos idênticos aos constantes da Contestação apresentada pela Ré.
Em 02-04-2020, foi proferido despacho saneador (tabelar), bem como de identificação do objeto do litígio e “condensação”, incluindo um elenco de factos que foram considerados “provados por confissão e documento” e a enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência final e, de seguida, foi proferida a sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se, na parcial procedência da acção, por não integralmente provada, que S…. e L… instauraram contra Romão & Machado, Lda.:
a) reconhecer a validade da resolução levada a efeito pelos autores do contrato de empreitada celebrado entre as partes e condenar a ré a restituir aos autores a quantia 50.000,00;
b) condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 22.446,89, a título de indemnização pelos danos resultantes do cumprimento defeituoso do contrato;
c) condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 10.000, a título de danos não patrimoniais.
d) condenar a ré a pagar aos autores, a título de danos patrimoniais, os valores despendidos em contactos telefónicos, honorários dos mandatários e peritagem, a apurar em incidente de liquidação.
e) absolver integralmente a interveniente principal Romabel Construções Unipessoal - Lda. do pedido.
f) condenar autores e ré nas custas, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta decisão, veio a Ré interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (sublinhado nosso):
A - Em 13 de Outubro de 2017 foi enviado aos AA. um orçamento em papel timbrado da “Romão & Machado, Lda” com orçamento de €41.200,00 (quarenta e um mil e duzentos euros) para realização da seguinte obra: “remoção e transporte a vazadouro de estrutura do telhado e cobertura; remoção do sistema solar da cobertura; montagem de andaimes, aumento da cércea dos alçados em betão e alvenaria de tijolo, execução da estrutura do telhado em aço galvanizado, com sub cobertura em chapa isotérmica tipo sandwich e posterior cobertura em telha lusa; acabamento e pintura da intervenção dos alçados; reinstalação do painel solar na nova cobertura; remoção dos andaimes; revestimento do teto do sótão em gesso cartonado “pladur”, incluindo isolamento com manta de lã rocha; acabamento das novas paredes perimetrais; construção de uma casa de banho equipada, abertura de vão para acesso ao piso superior.”
B - Em 13 de Outubro de 2017 foi enviado aos AA. um orçamento em papel timbrado da “Romão & Machado, Lda” com orçamento de €16.300,00 (dezasseis mil e trezentos euros) para: “demolição e remoção a vazadouro do anexo existente de apoio ao jardim; execução de fundações e laje de pavimento em betão armado; construção de edifício “apoio jardim” com 40m2 em aço galvanizado com todos os elementos que a tornem habitável, incluindo instalação sanitária.”
C - As obras iniciaram-se a 14 de Novembro de 2017 por acordo das partes.
D - O contrato de empreitada não foi reduzido a escrito.
E - Não foi acordado entre as partes data para finalizar as obras.
F - Pelo menos a 16 de Novembro de 2017, o A. teve conhecimento de que a obra estava a ser executada pela empresa “Romabel - Construções Unipessoal, Lda” cujo único sócio era António….
G - Veja-se a esse propósito as declarações prestadas pelo Autor, que questionado se sabia para que empresa trabalhava o ora Recorrente, respondeu: “Na prática, já durante os primeiros dias da obra, pelo menos à volta desse data, eu diria um bocadinho depois talvez.....” 5:37 a 7:54.
H - Todas as transferências referentes ao pagamento da obra foram realizadas para o IBAN da empresa “Romabel”, sendo que a última transferência feita para o mesmo IBAN mas com a indicação “ROMAC”.
I - Vejam-se os documentos juntos pelos Recorridos e referentes às transferências realizadas, os quais comprovam sem qualquer dúvida que eram estes quem lançava o nome do beneficiário da transferência, pois tratam-se de Notas de Lançamento, e se fosse verdade que indicava o IBAN e automaticamente surgia o nome do beneficiário sem que se apercebesse do mesmo, na última tranche lançada a 28 de Março de 2018 no montante de €10.000,00, continuaria a aparecer Romabel e a verdade é que no referido documento (Nº5 última página) surge “TRF P/ ROMAC”, pelo que facilmente se concluiu que na referida data e já com intenção de impedir o Recorrente de terminar a obra, os ora Recorridos tentaram “emendar a mão” e tentar provar que quem haviam contratado havia sido a empresa “Romão & Machado”.
J - Assim, e salvo o devido respeito, não poderia o Douto Tribunal a “quo” considerar como provado “das declarações prestadas pelo autor, cuja explicação se apresentou linear e com grau de verosimilhança, emerge que os autores se limitaram a efectuar o pagamentos dos trabalhos transferindo as verbas para um NIB que lhes foi fornecido por António …”, mas sim – que os Recorridos tinham perfeito conhecimento que quem se encontrava a executar a obra era a empresa “Romabel Construções Unipessoal, Lda”, para a qual fizeram todas as transferências bancárias referentes ao pagamento das diversas tranches e na medida da realização da obra.
K - Pelo que deveria o ora Recorrido “Romão & Machado, Lda” ser considerado parte ilegítima no presente processo, uma vez que não realizou qualquer obra nem recebeu qualquer valor pela realização da mesma.
L - Pelo que a haver condenação no sentido de indemnizar os AA. pelos prejuízos causados, sempre terá de ser a Interveniente Principal a fazê-lo, uma vez que foi esta quem recebeu todos os valores referentes à obra e não a R. Romão & Machado, para a qual se não provou ter sido feito qualquer pagamento.
M - No dia 8 de Abril de 2018, o A… enviou a António … e-mail que consta na p.i. como documento nº 6 e cuja Meritíssima Juíza do douto Tribunal “a quo” deu como provado que o mesmo não havia obtido qualquer resposta, não considerando os documentos juntos com a contestação e que não foram impugnados pelos AA.
N - Efectivamente, o documento 14 corresponde a e-mail enviado por António …a 12 de Abril de 2018 com o seguinte teor: “Boa tarde Luís, as coisas estão a correr bem, já não temos infiltrações, o trabalho corre de feição, tenho a equipe reforçada e vou poder dar as garantias que pretendes, amanhã iremos continuar com a elevação das telhas e no sábado vais constatar a evolução da obra. Um abraço.”
O - Ao referido e-mail o A. ..respondeu que as garantias que queria era as que tinha pedido anteriormente e que caso as não cumprisse iria arranjar quem terminasse a obra.
P - Em momento algum as partes referem qualquer prazo ultrapassado.
Q - No dia 18 de Abril de 2018, António …volta a enviar e-mail ao A. …informando que “a teu pedido, os trabalhos da cobertura estão suspensos contra a minha vontade....”.
R - Pelo que a obra nunca foi abandonada nem foi ultrapassado qualquer prazo.
S - A 26 de Abril de 2018, António … gerente da Romabel volta a contactar o A. a solicitar uma reunião, sendo que este o informa que a partir daquela data, qualquer assunto seria tratado pela advogada.
T - Aliás, também contrariando o alegado pelo tribunal “a quo” de que o e-mail do 8 de Abril de 2018 ficou sem resposta, está que no ponto imediatamente a seguir 2.13 este dá como provado que os AA. enviaram à R. em 15 de Abril de 2018 o documento nº 7, sendo que no referido documento se encontra plasmada resposta dada por António … e que refere: “Boa tarde Luís aguardo a tua disponibilidade para reunir, à uma semana que espero por tal. Obrigado”.
U - Assim, contrariamente ao mencionado na douta sentença ora em crise, no ponto 2.12, da fundamentação de facto onde consta “Sem resposta da ré ao e-mail de 8 de Abril de 2018, os autores decidiram dar por terminada a intervenção da ré nas referidas obras.” Deveria constar: “Após as várias trocas de e-mail entre o A. e o representante da Ré António…, o dono da obra decidiu dar por terminada a intervenção desta na referida obra, solicitando que a partir daquela data qualquer assunto fosse tratado com a advogada.”
V - Considerou o douto tribunal “a quo” provado que o orçamento junto pelos AA e ora Recorridos, “embora não constando data”, existia “compatibilidade entre aqueles e o orçamento constante de fls.29/30”
W - Salvo o devido respeito, não logrou o douto tribunal “a quo” considerar todos os pontos constantes dos documentos 6 (e-mail de 8 de Abril de 2018 enviado pelo A. ao R.) e 9 (orçamento de fls 29/30, senão vejamos: No referido orçamento consta: “decidimos parar com todos os extras que tínhamos planeado em relação à obra inicial: colocação das janelas da casa (neste caso nós pagamos as janelas mas não queremos que sejam colocadas por vocês), colocação de capouto, execução das escadas e acessos à zona inferior da casa, chão da zona inferior da casa (para o qual precisamos do preço de um preço sobre o trabalho executado), toda a climatização, o chão exterior e do sótão, o caminho para as traseiras, as obras dentro do espaço da garagem e a colocação de escada de acesso ao piso superior).”
X - Concluiu o douto tribunal “a quo” que os AA. teriam direito a ser indemnizados nos termos do disposto no art.º 562º do C.C. em quantia correspondente à diferença entre o valor que terão de pagar a outra empresa para remoção dos defeitos e o valor que lha haviam pago (€72.446,89 - €50.000,00).
Y - Apurou o douto tribunal “a quo” o montante de €72.446,89, não indicando de que forma chegou a tal valor, uma vez que o orçamento apresentado a fls.29/30 refere o valor de €58.899,10, valor ao qual acresce IVA à taxa legal, onde não estando devidamente indicada qual a taxa. Não existindo qualquer factura emitida pelo suposto empreiteiro contratado para terminar a obra, nem qualquer comprovativo de pagamento efectuado pelo AA. referida empresa, não foi carreada para o processo factos que pudessem levar o douto tribunal a concluir da forma que o fez.
Z - Não teve ainda em consideração a sentença ora em crise, que o IVA aplicado às obras de restauro e conservação é de 6% de acordo com o estabelecido no ponto 2.23 da lista anexa ao CIVA.
AA - Assim, o único valor que a sentença ora recorrida poderia ter em conta seria o valor orçamentado de €58.899,10.
BB - Assim, na sentença em crise onde consta: “Em face do que vem se se referir os autores tem direito a ser indemnizados nos termos do disposto no art.º 562º do Código Civil, pela quantia equivalente a diferença entre o valor que terão que pagar a outra empresa para verem removidos os defeitos deficientemente executada pela ré e o valor que pagaram a esta, ou seja a quantia de €22.446,89 (€72.446,89 - €50.000,00), deveria a ter-se concluído o seguinte: Em face do que vem se se referir os autores tem direito a ser indemnizados nos termos do disposto no art.º 562º do Código Civil, pela quantia equivalente a diferença entre o valor que terão que pagar a outra empresa para verem removidos os defeitos deficientemente executada pela ré e o valor que pagaram a esta, ou seja a quantia de €8.899,10 (€58.899,10 - €50.000,00).
CC - Haveria ainda que considerar todos os materiais incorporados na obra e cujos documentos se encontram junto aos autos, não tendo a Meritíssima Juíza do douto tribunal “a quo” considerado os mesmos, contrariando a motivação dos factos provados, nomeadamente no ponto 10, 2º parágrafo: “É de referir que o próprio trabalhador – Alcides – assumiu no seu depoimento, já que a colocação da estrutura metálica do telhado havia sido subcontratada pela Ré.”
DD - (À Ré não foi possível aceder ao conteúdo da gravação da referida testemunha por deficiência da mesma.)
EE - A verdade é que em relação à incorporação dos materiais, tanto os AA. como a testemunha Ad… referiram o mesmo, senão vejamos: a A. referiu expressamente no seu depoimento e a instâncias de Meritíssima Juíza se havia sido lá colocada telha: “Foi lá colocada telha”, acrescentando quando questionada se havia sido colocada no telhado: “Não, não, ficou cá em baixo” (40:45 a 40:49)
FF - Também o declarante L…referiu que “eles queriam levar as telhas, e trouxeram um camião para levar as coisa embora, o material de construção, por isso é que eu impedi....” (43:03 a 44:56)
GG - Assim, deveria ter sido considerado pela Meritíssima Juíza o valor de material referente às telhas no total de €1.824,09.
HH - Também no que concerne à estrutura da referente à casa de apoio ao jardim ou anexo, referiu nas declarações de parte o A. que: “do anexo, e já agora, essa casa, apesar de ter problemas, a estrutura tinha sido montada pela outra tal empresa, que honestamente a estrutura até ficou bem, da casa do anexo, a parte da casa mesmo é uma estrutura em metal, a empresa para vir montar aquilo, montou bem” (29:52 a 31:51)
II - Tendo o A. confessado que a estrutura do jardim foi montada por outra empresa, tinha a Meritíssima Juíza de considerar provado que havia sido fornecido o material constante do documento 2 junto com a contestação no valor de €8.140.00.
JJ - Referiu a testemunha AD… no seu depoimento o seguinte: “Eles tiraram as telhas todas do telhado. Tiraram as telhas e depois andaram a pôr aquelas chapas que têm esponja por dentro, não sei especificar o nome, acho que sandwich....” A testemunha referiu ainda no seu depoimento que não havia visto a colocação das chapas, mas que na semana a seguir quando voltou ao seu trabalho as chapas já estavam postas. (12.08 a 12:43)
KK - No seu depoimento de parte, o A. refere expressamente: “Depois mais tarde, quando eles começaram a pôr o telhado....” (38:00 a 40:26)
LL - Também a A., questionada sobre a montagem da estrutura metálica de “Sandwich” havia sido montada respondeu: “Estiveram umas pessoas do norte a montar aquelas calhas sim....”
MM - Mais uma vez e salvo o devido respeito, a Meritíssima Juíza deveria ter considerado como provado que foi fornecido pelo R. painel sandwich no valor de €10.000,00 (dez mil euros), valor esse devidamente comprovado pelo documento 3 junto com a contestação.
NN - Todos os restantes materiais cujos documentos se encontram junto aos autos e que se referem a tijolos, cimento e outros matérias essenciais para a realização de uma obra, deveriam ter sido considerados como incorporados na referida obra, uma vez que nunca foi referido pelos AA. ou pelas testemunhas que não havia sido executado qualquer trabalho.
OO - Assim, mediante as declarações de parte e os testemunhos apresentados, impunha-se que a Meritíssima Juíza onde menciona: “Caso os materiais tivessem sido fornecidos pelo empreiteiro seria aplicável o art.º 289º nº 1, parte final, e, sendo impossível devolvê-los em espécie, ao dono da obra caberia compensar o empreiteiro pelo respectivo valor, pelo que ao valor entregue pelos autores à ré, caso a ré houvesse demonstrado ter incorporado materiais na obra em valor que ascendesse €21.841,29 este valor seria abatida ao valor que a ré está obrigada a receber” tivesse decidido o seguinte: Tendo em atenção as declarações de parte dos autores em que confirmam que foi fornecido a estrutura de painel sandwich para o telhado, a telha lusa e a estrutura da casa de apoio ao jardim ou anexo, bem como o depoimento da testemunha Ad… no mesmo sentido, fica amplamente demonstrado que os materiais foram fornecidos pelo réu e incorporados na obra dos autores, pelo que ao valor entregue de €50.000,00 (cinquenta mil euros) é necessário descontar o valor apurado e devidamente comprovado nos documentos junto aos autos no total de €21.841,29 (vinte e um mil oitocentos e quarenta e um euros e vinte e nove cêntimos).
PP - Olvidou ainda a Meritíssima Juíza do douto tribunal “a quo” que o valor inicial dos orçamentos apresentados pelo R. havia sido de €57.500,00 (cinquenta e sete mil e quinhentos euros), - (€41.200,00 + €16.300,00) pelo que ao valor apurado e para termino da obra e rectificação de defeitos, havia que subtrair o valor total apresentado.
QQ - Valor Inicial da obra: €57.500,00;
Valor entregue ao R. até resolução do contrato: €50.000,00
Orçamento apresentado para conclusão da obra e realização de outros trabalhos não previstos no orçamento inicial: €58.899,10
Trabalhos não previsto no orçamento inicial: €31.035,95
Materiais incorporados na obra pelo R. €21.841,29
RR - Salvo o devido respeito, não houve qualquer prejuízo por parte dos AA. que merecesse a tutela do direito, uma vez que só em trabalhos não orçamentados inicialmente e os materiais incorporados na obra pelo R. perfazem o total de €52.877,24, valor este superior ao valor entregue pelos AA. ao R.
SS - Foi ainda o R. condenado ao pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de €10.000,00 (dez mil euros) considerando que os AA. ficaram com a casa inundada, que a filha teve crises de asma e que ficaram sujeitos a estado de stress, ansiedade, irritação, tristeza e desilusão face à falta de resposta por parte do R.
TT - Considerou a Meritíssima Juíza provados tais factos unicamente perante as declarações de parte prestadas pelos AA.
UU - Em momento algum foi carreado para o processo qualquer prova do alegado pelos AA, nomeadamente quanto às crises de asma da filha e ao estado de stress e ansiedade.
VV - Sendo a A. médica e tendo prestado declarações no sentido de que a sua filha terá sido observada por um colega: “A minha I…tem uma asma que esteve em crise durante estes meses todos, que durou esta situação crítica, que obviamente me ultrapassou enquanto mãe, pedi ajuda aos meus colegas, nomeadamente alergologia para dar apoio, porque houve necessidade de fazer corticoide oral.... O mais velho também, teve uma pneumonia... pedi aos meus colegas do hospital que fizessem pelo menos uma avaliação angiológica.....” (47:27 a 48:50)
WW - Apesar de tantos exames e medicamentos a que supostamente os menores foram sujeitos, os AA. não carrearam para o processo um único documento comprovativo do alegado.
XX - Aceitando a livre apreciação da prova, salvo o devido respeito, as questões relacionadas com saúde deverão obrigatoriamente serem suportadas por documento, tanto mais que na presente situação a própria A. mencionou a existência de exames e medicação.
YY - Também não foi levado em linha de conta que a obra que consistia em destelhar o telhado foi realizada em pleno Inverno com o consentimento dos AA., que sabendo dos problemas de saúde dos seus filhos não hesitaram em os colocar em risco, vindo agora reclamar uma indemnização.
ZZ - Não tendo sido carreado para o processo qualquer elemento de suporte ao alegado pelos AA., impunha-se a absolvição do R. no pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
AAA - “Sem pormos em causa (no seguimento do que vem sendo a jurisprudência dominante deste STJ) que na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 CC) não concordamos, todavia, com a valoração efectuada dos factos pertinentes apurados que conclui tratar-se de factos com suficiente relevância para fundamentarem uma indemnização por danos não patrimoniais. Esses factos apurados (concretamente os referidos nos pontos 34 a 39 da factualidade provada) situam-se, em nosso entender e tendo nomeadamente em conta as incertezas e riscos de que se revestem cada vez mais as relações contratuais, no plano dos incómodos, transtornos e preocupações que são com (indesejável) frequência sofridos pelo dono da obra em caso de não conclusão tempestiva dos trabalhos pelo empreiteiro, não revelando, até pela sua imprecisão, a gravidade que nos termos legais devem revestir os danos não patrimoniais indemnizáveis”. Acórdão do STJ, processo 77/09.3TBSVC.L1.S1.
BBB - Não tendo os AA. apresentado qualquer prova referente aos factos alegados quanto aos danos não patrimoniais, não poderia o R. ser condenado no peticionado, ou seja ao pagamento de €10.000,00 por danos não patrimoniais.
CCC - Veio o douto tribunal “a quo” considerar que os AA. tinham direito a indemnização pelo interesse contratual negativo e pelo interesse contratual positivo, motivo pelo qual reconheceu a validade da resolução levada a efeito pelos AA e condenou o R. a devolver todo o valor que lhe havia sido entregue para realização da obra no total de €50.000,00, tendo condenado ainda o R a pagar aos AA. a quantia de €22.446,89 a título de indemnização pelos danos resultantes do cumprimentos defeituoso do contrato.
DDD - Como refere o Acórdão do TRC processo 4581/15.6T8VIS.C2: “o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível.  Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a conformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.”
EEE - No presente caso, ficou amplamente provado que as reparações alegadas pelo AA. foram passíveis de ser realizadas, veja-se que o custo de finalização da casa do jardim foi de €680,00, sendo que tal valor não poderá ser imputado ao R. porque tendo sido considerada válida a resolução do contrato de empreitada, cessam todos os deveres entre as partes. Os AA. não pagaram o €7.500,00 referente ao valor restante da conclusão da obra e o R. não a concluiu.
FFF - Operada a resolução do contrato, deveriam as partes devolver o que lhes havia sido prestado, ou seja, o dono da obra devolveria os materiais ao empreiteiro, o que implicaria a destruição do que havia sido construído e o empreiteiro devolveria ao empreiteiro os €50.000,00 que havia recebido.
GGG - Pelo que não pode prevalecer a condenação do douto tribunal “a quo” no sentido de ser o R. condenado a devolver aos AA. o valor integral que estes lhe haviam pago, sem condenar os AA. a devolver ao R. tudo o que este havia prestado.
HHH - Mais uma vez e tendo em atenção o Acórdão supra mencionado que refere: “Efetivamente – impõe-se admitir e reconhecer – a opção por uma ou outra tese acaba, em grande medida, por ser tributária do conceito/função que se atribui à resolução; isto é, se se concede à resolução apenas e só um desiderato destruidor da relação contratual, a tese que não permite a indemnização pelo interesse no seu cumprimento será a mais compatível; ao invés, se também se concede à resolução uma finalidade “reintegradora dos interesses em jogo”, o ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento terá toda a razão de ser.
III - Assim, tendo sido reconhecida a validade da resolução e não havendo a obrigação de restituição recíproca das partes, uma vez que o dono da obra a manteve e a terminou, restaria apurar se haveria direito a indemnização por danos patrimoniais no intuito de reparação dos defeitos e conclusão da obra.
JJJ - Como amplamente ficou demonstrado, os AA. concluíram a obra com trabalhos que não haviam contrato com o R. no montante de €31.035,95, os materiais incorporados na obra ascenderam a €21.841,29, pelo que a haver algum valor indemnizatório, este ascenderia a €6.021,86.
KKK - Há que ter em conta que os donos da obra, do valor total que haviam contratado com o R. deixaram de pagar €7.500,00, pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
LLL - Mais uma vez invocando o Acórdão já amplamente mencionado: “O que não significa – como resulta do que vimos de dizer – que a questão suscitada na apelação passe a ser irrelevante, sucedendo antes que a sua relevância fica circunscrita à virtualidade de poder reduzir (ou mesmo não haver lugar) a indemnização devida pela R. à A., ou seja, encurtando razões, se o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tenha direito for igual ou superior ao que o A. tem que gastar para concluir a obra e reparar os defeitos, então, em tal hipótese, o R/empreiteiro não terá que pagar qualquer montante indemnizatório ao A..
MMM - Operada a resolução do contrato, as partes deixam de ter obrigações reciprocamente e estão obrigadas a repor tudo o que haviam prestado, sendo que no caso concreto nenhum sentido faria que o empreiteiro destruísse a obra que havia prestado e o dono da obra recebesse o valor que havia pago, situação que aliás nenhuma das partes pretendeu, até porque os donos da obra e ora Recorridos, limitaram-se a pedir a terceiros a conclusão da obra e a reparação de eventuais defeitos – interesse contratual negativo.
NNN - Com a resolução do contrato teria de se apurar se haveria lugar ao pagamento de indemnização aos AA. para que estes concluíssem a obra – interesse contratual positivo, sendo que na sentença em crise, só se poderia concluir que não haveria lugar a qualquer indemnização, uma vez que o valor que os donos da obra deixaram de pagar ao empreiteiro foi superior ao valor que tiveram de despender no termino da obra (não contabilizando naturalmente IVA não concretamente apurado e obras novas).
OOO - Tendo a obra sido realizada no Inverno, tendo os ora Recorridos pleno conhecimento dos problemas de saúde dos filhos, nunca poderiam autorizar que o telhado fosse levantado em pleno Inverno, sendo deles o risco que correram, não podendo requerer indemnização por danos não patrimoniais, os quais não lograram provar com qualquer documento, testemunho isento ou facto.
PPP - Por último, não tendo sido pago qualquer valor à R., situação que se encontra devidamente comprovada nos autos, quer por documento quer por declarações de parte, não tendo sido celebrado qualquer contrato de empreitada quer com a R. quer com a Interveniente Principal e tendo sido esta última a beneficiária dos valores pagos pelo dono da obra pela realização da mesma, impõe-se a absolvição da Ré.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, designadamente no que concerne ao ponto 2.12. da sentença;
2.ª) Se a Ré não é parte legítima;
3.ª) Se a Ré não está obrigada a restituir aos Autores a quantia que estes (lhe) pagaram e/ou a indemnizá-los por danos patrimoniais [considerando o valor inicialmente orçamentado, o montante total que pagaram (àquela), o valor que os Autores terão que pagar a outra empresa para reparação dos defeitos e conclusão da obra, bem como o valor dos materiais incorporados pela Ré na obra];
4.ª) Se a Ré não está obrigada a indemnizar a indemnizar os Autores por danos não patrimoniais.
Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990; para melhor compreensão, alterámos a ordem do ponto 2.10. e, ao abrigo dos artigos 662.º, n.º 1, 607.º, n.ºs 3 e 4, e 663.º, n.º 2, do CPC, acrescentámos, por estar plenamente provado, mormente por confissão da Ré e pelo doc. 3 junto com a PI, o que consta intercalado entre parenteses retos nos pontos 2.4., 2.9., 2.13., 2.17. e 2.22.-A):
2.1. Pela Ap. 2265 de 2017-07-03, a favor dos Autores encontra-se inscrito, por compra, a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel sito na Estrada …, Moita, constituído por edifício de r/c para habitação e quinta, a confrontar do norte com Rua da Urbanização, sul com…, nascente Lote 10, e poente …[alínea a) dos factos assentes].
2.2. Em 17 de agosto de 2017, os Autores contactaram a Ré no sentido de serem realizadas obras no seu imóvel, sito na Estrada …,Moita [alínea b) dos factos assentes].
2.3. Em 13 de outubro de 2017 a Ré apresentou o orçamento, no valor de 41.200,00 €, onde se encontram descritas as seguintes tarefas:
- Remoção e transporte a vazadouro da estrutura do telhado e cobertura;
- Remoção do sistema solar da cobertura;
- Montagem de andaimes;
- Aumento da cércea dos alçados em betão e alvenaria de tijolo;
- Execução de estrutura do telhado em aço galvanizado, com subcobertura em chapa isotérmica tipo sandwich e posterior cobertura em telha Lusa;
- Acabamento e pintura da intervenção dos alçados;
- Reinstalação do painel solar na nova cobertura;
- Remoção de andaimes;
- Revestimento do teto do sótão em gesso cartonado “Pladur”, incluindo isolamento com manta de lã de rocha;
- Acabamento das novas paredes perimetrais;
- Construção de uma nova casa de banho equipada;
- Abertura de vão para acesso ao piso superior;
Inclui todos os materiais, mão-de-obra e outras despesas inerentes à execução dos trabalhos.
Para a execução das tarefas supra discriminadas foi apresentado o valor de 41.200,00 € (quarenta e dois mil e duzentos euros). [alínea c) dos factos assentes]
2.4. Na mesma data, foi apresentado [também pela Ré] outro orçamento, no valor de 16.300,00 € (dezasseis mil e trezentos euros) para a execução das seguintes tarefas, a saber:
- Demolição e remoção a vazadouro do anexo existente de apoio ao jardim;
- Execução de fundações e laje de pavimento em betão armado;
- Construção de edifício apoio de jardim com 40 m2 em aço galvanizado, com todos os elementos que a tornam habitável, incluindo instalação sanitária;
- Inclui todos os materiais, mão-de-obra e outras despesas inerentes à execução dos trabalhos [alínea d) dos factos assentes].
2.5. Os trabalhos iniciaram-se em 14 de novembro de 2017 [alínea e) dos factos assentes]
2.6. Os Autores liquidaram a quantia de 50.000,00 (cinquenta mil euros), em cinco tranches, por transferências bancárias efetuadas nas seguintes datas:
i. 07 de dezembro de 2017 - 10.000,00;
ii. 26 de janeiro de 2018 - 10.000,00;
iii. 20 de fevereiro de 2018 - 10.000,00;
iv. 23 de março de 2018 - 10.000,00;
v. 28 de março de 2018 - 10.000,00 [alínea e) dos factos assentes] Obs.: existem duas alíneas e).
2.10. As importâncias descritas no ponto 2.6. foram pagas pelos Autores através de transferências bancárias efetuadas pelos Autores para o NIB fornecido por António … (1. dos temas da prova).
2.7. Os Autores enviaram a António… email, datado de dia 8 de abril de 2018, em que informaram que continuavam com a casa cheia de água, que existiam infiltrações por todo o lado e que a situação estava incomportável, sem que os funcionários saibam o porquê. Mais informaram nessa missiva as deficiências de execução dos trabalhos, bem como obras que já tinham sido pagas e que não tinham sido executadas, a saber:
A. Na casa nas traseiras:
i. As paredes junto às janelas estão imperfeitas e inacabadas;
ii. As louças da casa de banho ainda não foram colocadas;
iii. A porta e janela da casa de banho não estão terminadas;
iv. Faltam as ligações de água e luz que ainda nem estão iniciadas;
v. A esquina da parede da casa de banho contínua com problemas;
vi. A fossa está por terminar;
vii. Falta colocar o quadro e tomadas;
viii. O estuque no teto da união do telhado está todo torto;
ix. O cano da eletricidade está por fora da parede e claramente indica que deveria ter sido usado um perfil junto ao teto para evitar que ficasse saído da parede;
x. O chão está cheio de relevos;
xi. Ainda não há escada de acesso;
xii. Os estores não estão a fechar bem;
xiii. A terminação da casa junto ao chão, pelo lado de fora, está longe de estar perfeita e apenas uma pintura como sugerido pela ré não é suficiente, faltando-lhe algum acabamento.
B. No telhado:
i. O isolamento do telhado apresenta defeitos que não ficaram resolvidos com os produtos que a Ré lá aplicou durante vários dias, sendo tal visível com uma simples ida ao sótão;
ii. Há buracos com mais de 3 ou 4 centímetros nas laterais da casa porque o revestimento não se sobrepõe à parede e deixa entrar água.
iii. A parede que foi feita na frente e traseiras da casa está demasiado fora e faz com que se acumule água no interior do sótão;
iv. O isolamento junto às chaminés não está bem feito e tem buracos enormes que fazem com que a água escorra pelas chaminés.
v. Não foram aplicadas as telhas.
E que não tinham sido executados os seguintes trabalhos:
i. Que a casa das traseiras ficasse concluída e sem os problemas referidos no número anterior;
ii. Que o sótão ficasse terminado;
iii. Que o sótão ficasse bem isolado de forma a evitar os problemas que apresentava (principalmente nas laterais da casa onde os riscos de infiltração são evidentes);
iv. Que a telha da casa fosse colocada por alguém com experiência nessa área e que ficasse aberto o acesso ao piso térreo;
v. Que a casa ficasse com o isolamento interior em estuque concluído, assim como a eletrificação da zona superior da casa e;
vi. Que o entulho fosse transportado para fora da obra de forma adequada.
[alínea f) dos factos assentes].
2.8. Mais informaram que a sua filha, desde o início das obras e em virtude das condições lastimáveis em que a casa se encontrava, estava permanentemente doente, inclusivamente com ataques de asma, propondo os Autores que: “(…) 1. Trazeres o teu irmão para ajudar a terminar a obra, esta foi a indicação que obtivemos do Dino e que está incrédulo com a situação e que vem cá ver hoje o estado em que estão as coisas. 2. Em alternativa, arranjares alguém com um perfil semelhante e que tome conta da componente de execução da obra. 3. Acertamos contas para incluirmos ou excluirmos partes de acordo com o executado e darmos o trabalho por terminado o mais rapidamente possível. (…)”  conforme consta do documento junto sob o n.º 6 com a Petição Inicial, cujo demais conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido [alínea g) dos factos assentes]
2.9. Os trabalhos descritos sob a alínea c) [ou seja, 2.3.] [não] foram concluídos [alínea h) dos factos assentes – acrescentou-se a negativa, por ser manifesto que se está perante omissão devida a lapso, que já constava da al. f) do despacho de condensação; na verdade, as partes estão de acordo, como resulta do alegado na PI, mormente nos artigos 18.º e 30.º, e da confissão das Rés nas Contestações, que os trabalhos não chegaram a ser integralmente concluídos].
2.11. No decorrer dos trabalhos, os Autores depararam-se com trabalhadores da Ré a executar trabalhos para os quais mostravam não ter competência, ou sequer experiência anterior (2. dos temas da prova).
* 2.12. Sem resposta da Ré ao email de 8 de abril de 2018, os Autores decidiram dar por terminada a intervenção da Ré nas referidas obras (3. dos temas da prova).
2.13. Os Autores enviaram à Ré, em 15 de abril de 2018, o email que constitui o documento junto sob o n.º 7 [junto com a Petição Inicial] cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido [com o seguinte teor:
“António, infelizmente depois de mais um fim de semana miserável com água em todo o lado e com o sótão tb cheio de água tomámos a decisão de dar por terminada a tua intervenção aqui na obra. Apenas te peço que removas o teu equipamento do meu quintal assim como todo o entulho que se encontra espalhado.
Na segunda feira vamos reunir com outra empresa que vai avaliar o esforço necessário para concluir o trabalho. Depois desta avaliação e de avaliarmos os estragos que temos dentro de casa peço a tua disponibilidade para nos reunirmos e decidirmos as contas finais.
Não foi uma decisão fácil para nós e acredita que mesmo com as condições em que temos a casa tentámos sempre dar-te oportunidade.”
E, em resposta ao email da Ré (com o seguinte teor: “Boa tarde Luís, aguardo a tua disponibilidade para reunir, à uma semana que espero por tal. Obrigado”), os Autores ainda enviaram outro email, com o seguinte teor: “António quando quiseres e podes sempre telefonar. Eu não deixei de atender o telefone.”] (4. dos temas da prova).
2.14. Nessa data os Autores já não tinham água quente (5. dos temas da prova).
2.15. Face à ausência de resposta da Ré, os Autores, obtiveram orçamento de reparação de todos os defeitos referidos em f) [ou seja, 2.7.] no valor de 72.446,89 € (setenta e dois mil quatrocentos e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos) com o IVA incluído (7. dos temas da prova).
2.16. Os Autores deram à Ré a possibilidade de concluir os trabalhos contratados, de reparar os defeitos que os trabalhos realizados apresentavam, ou de inclusivamente fazer uma redução do preço através de um eventual acerto de contas (8. dos temas da prova).
2.17. Os Autores enviaram à Ré a carta registada com aviso de receção, datada de 11 de maio de 2018, que constitui o documento junto com a petição inicial sob o n.º 12, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, à qual a Ré não deu resposta [constando designadamente dessa carta que os Autores “veem-se assim obrigados pela presente missiva a comunicar a V. Exas. a resolução do contrato de empreitada aqui em questão, com fundamento no seu incumprimento contratual definitivo, e consequentemente, interpelar-vos para levarem a cabo a devolução da totalidade do montante liquidado no valor de € 59.000,00 (cinquenta e nove mil euros) e ainda a levarem a cabo o pagamento de uma indemnização a estes últimos, pelos danos por eles sofridos como consequência dos defeitos da obra e da ausência da sua conclusão, a qual se estima à presente data ascender aos € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros).
Deverão V Exas. proceder à liquidação do montante global de € 69.500,00 (sessenta e nove e quinhentos euros) e no prazo máximo de 5 (dez) dias, sob pena de, sem mais qualquer outro aviso, intentarmos a competente ação judicial, sendo imputados a V. Exas. para além do valor em dívida, os juros de mora, honorários, custas judiciais e demais despesas processuais.
Certos do vosso empenho para a resolução extrajudicial da presente situação, agradecemos que todos os contactos sejam dirigidos para a mandatária subscritora da presente missiva, através dos contactos infra indicados.”] (9. dos temas da prova).
2.18. Desde a data em que foram detetados os defeitos aqui em questão até à presente data, os Autores, perante a ausência de resposta da Ré às suas missivas, foram sujeitos a estados de stress, ansiedade, irritação, tristeza, desilusão (10. dos temas da prova).
2.19. As anomalias referidas em f) [ou seja, 2.7.] provocaram recorrentes ataques de asma à filha dos Autores que esteve permanentemente doente (11. dos temas da prova).
2.20. Os Autores despenderam em contactos telefónicos, honorários dos mandatários e peritagem valor não apurado (12. dos temas da prova).
2.21. Durante a obra ocorreram inundações no imóvel dos Autores (16. dos temas da prova).
2.22. Em 26 de abril de 2018 os Autores não permitiram a conclusão dos trabalhos, esclarecendo que o fizeram por não terem obtido compromisso do representante legal da Ré de colocar trabalhadores competentes na obra, conforme lhe solicitaram por email de 8 de abril de 2018 (18. dos temas da prova).
Mais foi considerado como provado (sem numeração), com referência ao disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC e ao documento junto a fls. 134/136 constituído pela certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial, o seguinte facto:
[2.22.-A] A Ré Romão & Machado tem como objeto serviços de construção civil [sendo seu sócio gerente António…].
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos (acrescentou-se o que consta entre parenteses retos no ponto 2.26.):
2.23. Com o email de 15 de abril de 2018, os Autores enviaram à Ré fotografias da casa que constitui o documento junto sob o n.º 8, ilustrando o estado em que a casa se apresentava, representando um grave perigo para a saúde da família dos Autores (6. dos temas da prova).
2.24. O términus dos trabalhos estava previsto para a segunda quinzena do mês de março do ano 2018 (13. dos temas da prova).
2.25. A obra no imóvel dos Autores foi levada a efeito pela Interveniente Principal Romabel Construções Unipessoal, Lda., conforme informação que lhes foi prestada pelo sócio António …, tendo aqueles concordado com a alteração (14. dos temas da prova).
2.26. As quantias discriminadas sob a alínea d) [trata-se de lapso, só podendo ser 2.6.] foram entregues à Interveniente Principal Romabel, Lda. (15. dos temas da prova).
2.27. A falta de água referida no ponto 5. deveu-se a estar estragado o depósito de água (17. dos temas da prova).
2.28. O painel sandwich foi corretamente colocado (19. dos temas da prova).
2.29. Os materiais incorporados na obra ascenderam à quantia de 21.991,29 € (20. dos temas da prova).
1.ª questão – Da modificação da decisão da matéria de facto
Antes de mais, importa que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva. Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário:
“I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC;
E
Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.
III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.”
Sempre sem perder de vista que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados - a saber os acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens): da Relação do Porto de 07-05-2012, proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”; da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”; do STJ de 17-05-2017, proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: “III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”; da Relação de Lisboa de 24-09-2020, proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora.
Atentando no teor das conclusões da alegação de recurso, é manifesto que a Ré / Apelante, salvo quanto ao ponto 2.12., não indicou os concretos pontos de facto que porventura pretendia ver modificados por (supostos) erros de julgamento, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as eventuais questões de facto visadas. Limitou-se a Apelante (salvo quanto ao aludido ponto) a fazer considerações avulsas, confundindo o elenco dos factos provados e não provados com a explanação das razões pelas quais os factos foram considerados provados ou não provados, mais confundindo questões de facto e questões de direito, tudo sem respeitar o disposto no art. 640.º do CPC. Logo, se a sua pretensão foi impugnar a decisão da matéria, não pode deixar de ser rejeitada, com ressalva do referido ponto 2.12., o que se decide.
Neste ponto consta que “Sem resposta da Ré ao email de 8 de abril de 2018, os Autores decidiram dar por terminada a intervenção da Ré nas referidas obras”, defendendo a Ré / Apelante que deverá passar a ter a seguinte redação: “Após as várias trocas de e-mail entre o A… e o representante da Ré…, o dono da obra decidiu dar por terminada a intervenção desta na referida obra, solicitando que a partir daquela data qualquer assunto fosse tratado com a advogada.”
Embora a Apelante indique na conclusão U (e só aí) a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida a esse respeito, o certo é que no corpo da alegação de recurso não teve o cuidado de especificar os concretos meios probatórios constantes do processo que, no seu entender, impunham uma decisão diferente, tanto bastando para que tenhamos de rejeitar igualmente a impugnação da decisão da matéria de facto neste particular.
Ainda que assim não fosse, tão pouco poderia ser atendida tal concreta pretensão, por se mostrar absolutamente inútil conhecer da mesma, considerando a irrelevância no plano do direito substantivo das alterações de redação ora pretendidas, face ao possível enquadramento jurídico dos factos, tendo em conta o conjunto dos factos já provados, em especial os vertidos nos pontos 2.13. e 2.17..
Com efeito, a Ré parece não ter compreendido o sentido com que foi usada a expressão “Sem resposta da Ré”, desconsiderando a “motivação” da sentença a este propósito (na qual, embora com inusitada e confusa numeração por parágrafos) se refere o seguinte: “3 - No que concerne a este ponto, apesar de a ré invocar ter respondido ao e-mail dos autores datado de 08.04.2018, a verdade é que de acordo com a sequência de e-mails juntos de fls. 66 a 67v e atenta a data do e-mail junto pelos autores a fls.114, se constata que a resposta da ré apenas ocorre a 18.04.2018, na sequência de novo e-mail dos autores de 15.04.2018, o que inculca a omissão de resposta por banda da ré, em relação ao conteúdo atinente à circunstanciação do estado da obra constante do e-mail dos autores datado de 08.04.2018 junto a fls. 19v a 20v.” E mais adiante “18 - Para além do e-mail de 08 de Abril de 2018, constante de fls. 19 a 20v, em que os autores explanam as várias deficiências ocorridas no decurso dos trabalhos e solicitam a António …, representante legal da ré, que encontre uma solução que passe: ou por trazer o irmão para a obra; ou contratar operários competentes; que mereceu a resposta de António . que consta do e-mail de 12 de Abril de 2018, constante de fls. 66v que mereceu a resposta do autor junta a fls. 66v, decorrendo destes documentos, não só a falta de resposta da ré abstendo de dar garantias ao autor de que a obra seria continuada por outros profissionais competentes, como o desacordo do autor à manutenção de trabalhadores que se revelaram incompetentes. Avultando quanto a este ponto o contributo da testemunha Alcides …que assumiu perceber mais ou menos de tudo o que é necessário fazer numa obra, mas que antes desta trabalhava sob a orientação do irmão de António …que eram quem se dedicava à orientação técnica das obras, facto igualmente confirmado pelo autor que asseverou ter contratado a ré na sequência do conhecimento que lhe havia sido transmitido por um amigo de que a ré desenvolvia trabalho de qualidade, em nada condizente com o que veio a ser executado na sua casa.
Valorou-se ainda o conteúdo do e-mail de 15 de Abril de 2018, reagindo à ausência de resposta consentânea com o que havia solicitado à ré, em que comunica a decisão de dar por terminada a intervenção desta.”
Desta motivação, concatenada com os demais pontos da decisão de facto, resulta clarificado que se considerou que a ausência de resposta não correspondia à singela falta de uma resposta à mensagem de correio eletrónico enviada, mas antes à falta de satisfação do que havia sido solicitado na mesma.
Seja como for, mostra-se absolutamente irrelevante que, no lugar de falta de resposta satisfatória (bem entendido), passe a constar “Após as várias trocas de e-mail entre o A. Luís … e o representante da Ré…”, uma vez que nada se concretiza quanto ao teor de tais (supostos) emails; ou que no lugar dos Autores se aluda ao “dono da obra”, já que, além de se tratar de conceito de direito, é óbvio pelo conteúdo da mensagem concreta, reproduzida no ponto 2.13. (que não foi impugnado), ter sido enviada pelo Autor em seu nome e da Autora, até pelo plural utilizado; mais sendo absolutamente despiciendo acrescentar “solicitando que a partir daquela data qualquer assunto fosse tratado com a advogada.”
Mantem-se, pois, inalterada a decisão da matéria de facto.
2.ª questão – Da legitimidade da Ré
Na fundamentação de direito da sentença recorrida, constam, no que ora importa, as seguintes considerações:
“Legitimidade substantiva
Não divergindo as partes acerca da qualificação do contrato, esgrimiu a ré não ser parte no contrato, alegando não ter sido consigo mas sim com a interveniente Romabel, Lda. que foi firmado o acordo, ou cedida a posição contratual que inicialmente havia cabido à Romão & Machado, Lda..
No caso sob apreciação não se apurou que o contrato tivesse sido firmado com a interveniente ou que os autores tenham aceite que fosse esta a executar os trabalhos adjudicados à ré Romão & Machado, Lda. vide resposta negativa ao ponto 14 dos temas da prova.
Conclui-se, por conseguinte, ser a ré a contraparte no contrato de empreitada por ter sido ela quem se vinculou perante os autores à execução da empreitada.”
A Ré / Apelante insiste que é parte ilegítima, pelo que deve ser absolvida do pedido, argumentando, em síntese, que: o contrato foi celebrado entre a “Romabel - Construções Unipessoal, Lda.” e os Autores; ter sido aquela sociedade a executar os trabalhos e a beneficiar das transferências referentes ao pagamento da obra.
Vejamos.
A questão suscitada pela Ré não se reconduz à exceção dilatória da ilegitimidade processual, mas a um problema de ilegitimidade substantiva, afirmando não ser parte no contrato em apreço nos autos.
Na sentença recorrida, considerou-se que existia um único contrato celebrado entre Autores e Ré, qualificando-o como empreitada de consumo, nos termos dos artigos 1207.º a 1211.º, 1220.º a 1222.º do CC e nos artigos 1.º-A, 1.º-B, al. a), do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04.
Também nos parece, pese embora a existência de dois orçamentos, que os factos apontam nesse sentido, sendo certo que a circunstância de o contrato não ter sido reduzido a escrito tornou mais difícil a prova da sua celebração (se entre Autores e Ré ou entre aqueles e a Interveniente) e respetivo conteúdo [além de acarretar, uma vez que o valor global ultrapassa os 16.600 €, a nulidade (atípica ou mista) do contrato – cf. art. 26.º da Lei n.º 41/2015, de 03-06, que aprovou o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção, e Portaria n.º 119/2012, de 30-04, retificada pela Declaração de Retificação n.º 27/2012, de 30-05].
A posição da Ré assenta em pressupostos de facto que, em parte, não se verificam (pois não logrou fazer uma impugnação com êxito da decisão da matéria de facto), não tendo cabimento em face dos factos efetivamente provados (em particular os vertidos nos pontos 2.2. a 2.4., 2.10., 2.12., 2.16. e 2.22.-A), até se mostrando contraditória com diversas passagens da sua alegação, mormente quando defende que deverá passar a constar como provado que: “Após as várias trocas de e-mail entre o A. …e o representante da Ré…, o dono da obra decidiu dar por terminada a intervenção desta na referida obra, solicitando que a partir daquela data qualquer assunto fosse tratado com a advogada.” Ou quando refere (cf. conclusão KKK) que “os donos da obra, do valor total que haviam contratado com o R.Portanto, a própria Ré reconhece ter celebrado com os Autores o contrato de empreitada em apreço e que o seu representante estava a acompanhar a execução da obra levada a cabo pela mesma, ou seja, o cumprimento desse contrato.
No elenco dos factos provados a Ré figura, sem dúvida, como a empreiteira contratada pelos Autores, a tanto não obstando a circunstância de não estar também provado que os pagamentos levados a cabo por estes (cf. ponto 2.6.) tenham sido efetuados para conta bancária da titularidade da Ré. Além de não estar igualmente provado que a conta fosse da titularidade da Interveniente (cf. ponto 2.26.), o certo é que se provou terem sido feitos para a conta indicada pelo legal representante da Ré, a qual levou a cabo a execução dos trabalhos orçamentados para cujo pagamento foram efetuadas tais transferências (cf. pontos 2.10., 2.11., 2.12. e 2.22.-A). Assim, neste quadro fáctico, seja por força do disposto no art. 769.º do CC, seja por via do preceituado no art. 770.º, alíneas a) ou d), do mesmo Código, a Ré foi, direta ou indiretamente, beneficiária das prestações feitas pelos Autores, extinguindo-se, nessa parte, a obrigação que assumiram perante a Ré, não se vendo motivo algum para a considerar parte ilegítima, pelo que, sem necessidade de mais considerações, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
3.ª questão – Restituição da quantia que foi paga e indemnização de danos patrimoniais
Na sentença recorrida, qualificou-se (e bem) o contrato celebrado entre Autores e Ré como empreitada de consumo, conforme acima referido, e considerou-se que os Autores tinham procedido à válida resolução do contrato, porque a Ré não completou vários segmentos dos trabalhos que lhe foram adjudicados e também os executou deficientemente (nos termos acima descritos), tudo com referência aos artigos 1207.º a 1211.º, 1220.º a 1222.º, e 433.º a 436.º do CC e aos artigos 1.º-A, 1.º-B, al. a), e 4.º, n.ºs 1 e 5, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04.
De salientar que a Ré não questiona esse entendimento, divergindo apenas da posição do Tribunal a quo quanto aos efeitos dessa resolução e às consequências do incumprimento contratual em que a mesma se fundou, que, na sentença recorrida, redundaram nas obrigações discriminadas nas alíneas a) e b) do segmento decisório (note-se que a Ré não põe em causa a parcela indemnizatória a liquidar referida na alínea d) do dispositivo, a qual mereceu tratamento autónomo).
Na sentença, a este propósito, desenvolveram-se, no que ora importa, as seguintes considerações (sublinhado nosso):
«Exercido correctamente pelos autores o direito potestativo de resolução do contrato de empreitada, conforme estipula o art.º 433º do Código Civil a qual opera por mera declaração do dono da obra ao empreiteiro (art.º 436º/1 do Código Civil), é equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio (art.ºs 285º a 294º do Código Civil), operando retroactivamente, salvo o disposto no art.º 434º/1 do Código Civil.
Daqui decorre que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou se a restituição em espécie não se mostrar viável, como sucederá relativamente a materiais já incorporados num imóvel, deverá ser restituído o valor equivalente.
Caso os materiais tivessem sido fornecidos pelo empreiteiro seria aplicável o art.º 289º, nº1, parte final, e, sendo impossível devolvê-los em espécie, ao dono da obra caberia compensar o empreiteiro pelo respectivo valor, pelo que ao valor entregue pelos autores à ré, caso a ré houvesse demonstrado ter incorporado materiais na obra em valor que ascendesse 21.841,29 [parece-nos ter existido lapso de escrita e que se pretendia dizer 21.991,29 €, conforme alegado pela Ré e vertido no ponto 2.29. do elenco dos factos não provados] este valor seria abatido ao valor que a ré está obrigada a receber. Daí que a ré esteja obrigada a restituir a quantia paga pelos Autores que ascendeu a € 50.000,00.
Vejamos agora as várias vertentes da indemnização pedida pelos autores.
Conforme defende Brandão Proença, in Resolução, pág. 178, “(…) O alcance remissivo do art.º 433º do Código Civil não pode levar o intérprete a aderir a uma retroactividade tout court (e que é, no fundo, a do art.º 289º, nº 1 do Código Civil) imposta pelo legislador e que funciona como expediente técnico-jurídico (ou ficção dogmática) vocacionada a uma destruição quase-plena da eficácia do negócio.
A resolução apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (máxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito (…).
E assim, acarretando a resolução, por um lado, ficarem ambos os contraentes desvinculados das prestações contratuais a que estava adstritos, por outro lado, a restituição poderá levar segundo uma nova orientação doutrinal e jurisprudencial -, quanto à parte da obra executada pelo empreiteiro, à compensação pelo que despendeu na prestação que realizou ainda que realizou ainda que defeituosamente.
Tradicionalmente entendia-se que tendo a resolução efeitos equiparados à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos, deveriam as partes ficarem na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato, o que significa no caso concreto terem os autores, visto terem ficado desobrigados do pagamento do preço, direito a reaverem a quantia que entregaram à ré e esta deveria repor a obra no estado em que se encontrava antes da sua intervenção, caso tal fosse viável.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 10.12.2020, processo nº 15940/16.7T8LSB, acessível in www.dgsi.pt (…) Sublinhando-se no mesmo acórdão que “(…) a indemnização pelo interesse contratual positivo não proporciona nenhum benefício ou vantagem injustificada ao credor, que deva ponderar-se de acordo com o princípio da boa fé — da indemnização pelo interesse contratual não resulta nenhum desequilíbrio grave na relação de liquidação: com a indemnização pelo interesse contratual positivo, o credor receberá tão-só, em valor, aquilo que tinha o direito a receber, em espécie. (…)”
Fazendo eco desta nova orientação, a título de mero exemplo, citam-se ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.05.2020, processo 4581/15.6T8VISC.C2 da Relação de Guimarães de 12.01.2017, processo nº 3432/15.6T8GMR e da Relação de Coimbra de 04.05.2020, processo nº 4581/15.6T8VIS.C2 todos acessíveis in www.dgsi.pt.
É precisamente em situações como aquela que se analisa que tem sido defendida a cumulação das indemnizações pelo interesse contratual negativo e pelo interesse contratual positivo, porquanto se a resolução destrói a relação contratual validamente constituída tal implicaria para o empreiteiro colocar a coisa intervencionada no estado em que se encontrava antes da actividade de cumprimento defeituoso levada a cabo pelo devedor, o que se revela, em particular na incorporação de materiais num imóvel, como é o caso, inviável.
Conforme propugna Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, págs. 1648/49, “(…) a resolução e a indemnização constituem distintos “remédios” para o inadimplemento contratual: “o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo, com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimentos dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente interferência do primeiro no segundo por cum o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)”. [A] “resolução possibilita ao credor afastar as consequências no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no programa do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilidade) (…)”.
Em face do que vem de se referir os autores tem direito a ser indemnizados nos termos do disposto no art.º 562º do Código Civil, pela quantia equivalente à diferença entre o valor que terão que pagar a outra empresa para verem removidos os defeitos da obra deficientemente executada pela ré e o valor que pagaram a esta, ou seja, a quantia de € 22.446,89 (€ 72.446,89 - € 50.000,00).»
A Ré discorda deste entendimento, desenvolvendo uma linha de argumentação algo confusa, mas que pode ser resumida assim:
- No cálculo da indemnização, há que considerar, no lugar de 72.446,89 €, o valor orçamentado de 58.899,10 €, pelo que, na perspetiva do tribunal recorrido, a diferença entre o valor que os Autores terão que pagar a outra empresa para verem removidos os defeitos e o valor que pagaram a esta é de apenas 8.899,10 € (58.899,10 € - 50.000,00 €);
- Há ainda que descontar ao valor entregue de 50.000 € o valor de 21.841,29 € relativo aos materiais incorporados na obra (designadamente telhas no total de 1.824,09 €, ao material constante do documento 2 junto com a contestação no valor de 8.140.00 € e ao painel sandwich no valor de €10.000,00, bem como aos tijolos, cimento e outros);
- No valor dito de conclusão da obra e retificação de defeitos (58.899,10 €), 31.035,95 € respeitam a trabalhos não previstos no orçamento inicial, sendo, pois, de considerar apenas 27.863,15 €; como os materiais incorporados na obra ascenderam a 21.841,29 €, a haver algum valor indemnizatório, este ascenderia a 6.021,86 € (27.863,15 € - 21.841,29 €);
- Sempre haveria que considerar que o valor total do orçamento inicialmente apresentado foi de 57.500 €, do qual os Autores deixaram de pagar 7.500,00 €, pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização;
- Não houve qualquer prejuízo para os Autores, uma vez que só em trabalhos não orçamentados inicialmente e em materiais incorporados na obra pela Ré se obtém o total de 52.877,24 €, que é superior ao valor entregue pelos Autores à Ré.
Vejamos.
É fora de dúvida que a resolução do contrato, permitida designadamente pelo art. 4.º do DL n.º 67/2003, de 08-04 (atinente à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), tem o assinalado efeito retroativo, nos termos do art. 434.º do CC.
Quanto à obrigação de restituição das quantias pagas (no total de 50.000 €), não descortinamos motivo para divergir da sentença. Com efeito, a Ré não logrou alegar e provar, como nos parece que lhe incumbia (cf. art. 342.º do CC), uma situação passível de afastar a eficácia retroativa da resolução nos termos pretendidos pelos Autores, como poderia suceder se, por exemplo, os trabalhos que realizou, apesar dos problemas descritos, pudessem ser aproveitados, tendo um valor útil sem o qual o montante a despender para conclusão da obra e reparação dos seus defeitos seria superior àquele que foi orçamentado (conforme referido no ponto 2.15.).
Portanto, muito embora os factos provados evidenciem que a Ré realizou trabalhos com “incorporação” de materiais na obra, o certo é que, não só não logrou provar que o seu valor global importou em 21.991,29 € (cf. ponto 2.29.), como, mais importante ainda, não provou que os trabalhos e/ou materiais poderão ser aproveitados, ficando efetivamente incorporados na obra concluída, apesar dos defeitos existentes; ao invés, os factos provados a este respeito até sugerem, face ao valor considerável do orçamento referido em 2.15. - superior ao inicialmente apresentado para a realização de toda a obra - que pouco poderá ser aproveitado e que muito haverá a (re)fazer.
No tocante ao pedido indemnizatório, desde já antecipamos que não nos merecem censura as considerações teóricas constantes da sentença, mas apenas a forma como foram transpostas para o caso concreto. Na verdade, acompanhamos a doutrina e a jurisprudência aí citada que considera admissível, sempre numa análise casuística, “cumular” a resolução do contrato de empreitada - com o seu característico efeito retroativo (mais ou menos completo) - e a atribuição de indemnização pelo interesse contratual positivo, nos termos gerais de direito (cf. artigos 801.º, n.º 2, 802.º, n.º 1, e 1223.º, todos do CC) e em especial conforme previsto no art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa do Consumidor).
No sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 04-05-2020 citado na sentença explica-se de forma exemplar esta possibilidade:
“5 – Efetuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeitos).
6 – Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva (por efeito da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico) – pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara, razão pela qual quer a lei geral (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC) quer o art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003) hajam previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização.
7 – Indemnização que, em caso de cumulação com a resolução, deve colocar o credor (no caso, o dono da obra) na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento), uma vez que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é um incumprimento contratual.
8 – O que significa que não há nenhum obstáculo jurídico a que, a título de indemnização por danos patrimoniais, o dono da obra (que resolveu o contrato) peça a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos (pedidos que visam colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido).”
Embora no caso apreciado nesse acórdão nenhum dos pedidos formulados, quer pelo Autor, quer pelo Réu (em reconvenção) pudesse, operada ou reconhecida a resolução, ser configurável como “um efeito restitutório resultante da função recuperatória da resolução”, lembra-se aí - no que nos parece constituir um aspeto crucial no raciocínio a fazer no caso dos autos - que o efeito restitutório da resolução pode “interferir com o montante dos prejuízos, uma vez que, havendo e sendo cumprida/executada tal obrigação de restituição (decorrente da resolução), isso pode modificar/reduzir o dano, ou seja, na hipótese contrária, não havendo uma qualquer condenação em efeitos restitutórios, isso não pode deixar de ser tomado em conta na avaliação do prejuízo a indemnizar” (omitimos na citação a nota de rodapé).
Também o referido acórdão do STJ de 10-12-2020 nos dá preciosa lição sobre os critérios a seguir no cálculo de uma tal indemnização, explicando-se (omitimos na citação as notas de rodapé):
«20. O problema suscitado pelos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, relaciona-se com o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: O devedor há-de colocar o credor na situação em que estaria se não tivesse concluído o contrato ou deve colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido?; deve indemnizar o devedor pelo interesse contratual negativo ou deve indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo?; deve indemnizar pelo dano da confiança ou deve indemnizá-lo pelo dano do (não) cumprimento?
21. O primeiro termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual negativo — destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual positivo — destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. O problema está em que colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido pode conseguir-se através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da sub-rogação ou da troca ou através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da diferença — a teoria da sub-rogação (Surrogationstheorie) ou teoria da troca (Austauschstheorie) diz-nos que o credor da obrigação não cumprida tem o encargo ou o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor da prestação não realizada; a teoria da diferença (Differenztheorie), diz-nos que a o credor da obrigação não cumprida não tem o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro corresponde à diferença entre o valor da contraprestação e o valor da indemnização dos danos causados pela não realização da prestação pelo devedor.
22. A indemnização prevista no art. 801.º, n.º 1, do Código Civil será sempre a indemnização pelo interesse contratual positivo calculada de acordo com a teoria da sub-rogação; a indemnização prevista no art. 801.º, n.º 2, essa, poderá ser uma de duas — ou uma indemnização pelo interesse contratual negativo ou uma indemnização pelo interesse contratual positivo calculada de acordo com a teoria da diferença.
23. Os argumentos em favor de que a indemnização cumulável com a resolução do contrato é — sempre e só — uma indemnização pelo interesse contratual negativo devem considerar-se definitivamente — ou quase definitivamente — superados:
24. O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida.
25. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes:
(…) 28. O Supremo Tribunal de Justiça, desde o acórdão de 12 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08B4052 —, admite que a indemnização cumulável com a resolução do contrato seja uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ainda que hesitando sobre se a indemnização pelo interesse contratual positivo deverá ser a regra [7] ou, tão-só, a excepção.
29. Os acórdãos de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1 — e de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2 — sugerem que o problema deverá resolver-se caso a caso, a partir de uma apreciação ou de uma ponderação que não esteja condicionada, “de forma apriorística, a um critério abstracto de regra-excepção”.»
Ora, na análise do caso concreto parece-nos importante atentar no ponto 2.15., estando provado que face à ausência de resposta da Ré, os Autores, obtiveram orçamento de reparação de todos os defeitos referidos em f) [ou seja, 2.7.] no valor de 72.446,89 € (setenta e dois mil quatrocentos e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos) com o IVA incluído.
De referir, para melhor esclarecimento, que na motivação da sentença se referiu a propósito deste facto o seguinte: “Ditou a convicção positiva do tribunal a análise do documento de 29/30 constituído pelo orçamento em nome do autor para a obra a realizar na Moita, embora, não constando deste a data em que foi solicitado, não se tenha alcançado se foi na data referida neste ponto.
Da concatenação desse documento com a descrição dos trabalhos não efectuados e executados deficientemente pela ré indicados na comunicação de 08.04.2018 (elencados na al. f)) considerou o tribunal existir compatibilidade entre aqueles e o orçamento constante de fls. 29/30.”
Não pode suscitar qualquer dúvida (nem a Apelante a suscita) que tal orçamento corresponde ao doc. 9 junto com a Petição Inicial, no qual consta a descrição de um conjunto de trabalhos no valor total de 58.899,10 € + IVA, o que perfaz, considerando o IVA à taxa de 23%, 72.445,89 €, sendo manifesto o lapso de cálculo ou de escrita (que já consta, aliás, da PI – cf. art. 27.º), quando se refere 72.446,89 €.
Também não há dúvida, tendo em conta os factos provados, em particular os vertidos nos pontos 2.7. e 2.9., e até a citada passagem da motivação da sentença, que tal orçamento contempla, não apenas a reparação dos defeitos propriamente ditos, mas também a conclusão dos trabalhos inacabados, incluindo, pois, o assentamento de telha.
Quanto ao valor global do orçamento da Ré (57.500 €), nada consta quanto ao IVA (nem a Ré alega seja o que for a esse respeito), não estando provado que tenha sido emitida qualquer fatura. Portanto, se a Ré tivesse cumprido o contrato de empreitada em apreço seria esse o valor que, previsivelmente, os Autores lhe iriam pagar. Como tal não sucedeu, os Autores terão de pagar os referidos 72.445,89 €. Contrariamente ao que a Ré defende, os factos provados não nos permitem afirmar que o valor a pagar de IVA será de apenas 6%, pois, como vimos, as implicações fiscais dos contratos nem sempre são devidamente cumpridas. A diferença entre tais verbas é de 14.945,89 € (72.445,89 € - 57.500 €).
Numa outra perspetiva, abatendo aos referidos 72.445,89 € o valor dos 50.000 € a restituir pela Ré, obtemos 22.445,89 €, como foi considerado na sentença. Porém, a este valor haverá que descontar, a nosso ver, a importância de 7.500 € (57.500 € - 50.000 €), o que perfaz os mesmos 14.945,89 €. Na verdade, nisto reconhecemos assistir razão à Ré, não faz sentido que os Autores, não tendo chegado a pagar à Ré, por força da resolução, a totalidade do preço (ficando a obra, não apenas com defeitos, mas também por acabar), consigam que a Ré lhes pague uma importância que aqueles sempre teriam de despender se esta tivesse acabado a obra nos termos previstos no contrato, cumprindo-o inteiramente.
Nessa medida, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, com a alteração do segmento decisório b), sendo a Ré condenada a pagar 14.945,89 €, no lugar dos referidos 22.2446,89 €.
4.ª questão – Indemnização de danos não patrimoniais
Na sentença recorrida decidiu-se condenar a Ré no pagamento da quantia de 10.000 € a título de indemnização dos danos não patrimoniais, o que se fundamentou designadamente nos seguintes termos:
«Por último, pedem os autores a condenação da ré a indemnizá-los em montante não inferior a €10.000,00 (dez mil euros) por danos não patrimoniais.
Neste conspecto da audiência resultaram provados com relevo para este tema os factos enunciados sob os pontos 2.7., 2.8., 2.18. do elenco factual supra.
(…) No que ao dano não patrimonial diz respeito, este traduz-se no sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado, ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano, de acordo com regras normativas próprias.
Os danos não patrimoniais correspondem a lesões que não acarretam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões que redundam em dores físicas e sofrimento psicológico.
Importa ainda referir que o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, verificar não quanto as coisas valem, mas sim encontrar o necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível. O prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima que de algum modo, atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (cfr. Pinto Monteiro, “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano. APADAC, pág. 20).
Trata-se de compensar o lesado com uma quantia considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado (Vaz Serra, BMJ, nº 278º-182).
O montante da indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação, todas as regras da experiência da vida, as que comportam a prudência, o bom senso, a ponderação.
Além disso, tais danos são indemnizáveis, se e na medida em que assumirem a gravidade bastante para merecer a tutela do direito - artigo 496º, nº 1.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização - artigos 494º artigo 496º nº3 do Código Civil-, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.
Aplicando as considerações expostas ao caso vertente, e vistas todas as coordenadas do mesmo, entre as quais avultam as infiltrações ocasionadas pela intervenção da ré e as deficientes condições de habitabilidade vivenciadas pela família dos autores, que incluía, à data, dois filhos menores, assistindo à execução de trabalhos por profissionais que não demonstravam a necessária competência, e constatando a inércia da ré em por termo a um tal estado de coisas, sofreram estados de stress, ansiedade, irritação, tristeza e desilusão, perfeitamente concebíveis se tivermos em conta que a habitação constitui o reduto do ser humano, onde este retempera forças dos desafios profissionais diários.
Atento o exposto, decide fixar-se a indemnização por danos não patrimoniais a atribuir aos autores (cfr. artº 496º nº 3 e artº 494 do Código Civil).»
A Ré / Apelante defende não ser devida indemnização por danos não patrimoniais, por duas ordens de razão:
- Não ter sido carreado para o processo qualquer prova documental e/ou testemunhal do alegado pelos Autores, nomeadamente quanto às crises de asma da filha e ao estado de stress e ansiedade;
- Não ter sido levado em linha de conta que a obra que consistia em destelhar o telhado e foi realizada em pleno Inverno com o consentimento dos Autores, que sabendo dos problemas de saúde dos seus filhos não hesitaram em os colocar em risco.
Apreciando.
Quanto ao primeiro argumento, é evidente que pressupunha que a Ré tivesse impugnado com êxito a decisão da matéria de facto, o que não sucedeu.
No tocante ao facto de não ter sido considerado que a obra seria realizada no Inverno, com o consentimento dos Autores, não vemos motivo para pensar que o Tribunal recorrido não tenha ponderado tal circunstância, até porque é afirmado na fundamentação da sentença terem sido vistas todas as “coordenadas” do caso. Apenas nos parece ter sido considerado que tal não obstava à atribuição de indemnização.
O que não nos merece censura, pois não se descortina fundamento legal para tanto, nem sequer se nos afigurando que a situação possa ser reconduzida à previsão do art. 570.º do CC, nos termos do qual, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída; e, se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
Na verdade, estranha-se que a obra tenha começado a 14 de novembro, quando faltavam 5 semanas para o inverno, numa altura do ano em que é mais habitual que chova; no entanto, é sabido que nem sempre é assim, existido anos em que pouco chove nessa altura; e também não há dúvida que existem formas de, na realização de obras, minimizar os efeitos da chuva, designadamente construindo coberturas temporárias amovíveis; sendo certo que a Ré, melhor do que ninguém, devia saber quanto tempo previsivelmente iriam durar os trabalhos que implicariam maior exposição às vicissitudes climáticas, devendo, na execução do contrato, procurar que decorressem com celeridade e com a adoção de medidas adequadas para minimizar os efeitos adversos daquelas. Portanto, de modo algum se poderá considerar que o facto de os Autores terem concordado com a realização da obra naquela altura do ano configure um facto culposo, ou, ainda que o fosse, com culpa grave ao ponto de justificar que a indemnização fosse excluída.
Note-se que não interessa aqui, no presente recurso, avaliar se tal facto devia ter sido ponderado na fixação do valor da indemnização, mormente no sentido da sua redução, isto porque a Ré não questiona o montante da indemnização que foi fixado, pelo que nada mais resta apreciar a este propósito.
Assim, e não tendo sido suscitadas pela Ré / Apelante outras questões jurídicas, nem se vislumbrando que se possam verificar quaisquer questões de conhecimento oficioso que ponham em crise a sentença recorrida salvo quanto ao acima referido, impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerações, que o recurso merece provimento parcial, com a alteração do decidido na alínea b) do dispositivo.
Ambas as partes ficam vencidas, sendo responsáveis pelo pagamento das custas processuais na proporção do decaimento, que, na ação, quanto à parte líquida, e no recurso, se fixa em 9% para os Autores / Apelados e 91% para a Ré / Apelante (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC); na ação, quanto à parte ilíquida, as custas são fixadas, por ora, na proporção de metade.
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
- Revogar a sentença recorrida no tocante à alínea b) do segmento decisório, que se substitui pela decisão de condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 14.945,89 € a título de indemnização por danos patrimoniais;
- Manter quanto ao mais a sentença recorrida;
- Condenar Autores e Ré no pagamento das custas processuais da ação e do recurso, na proporção do decaimento, que se fixa, na ação quanto à parte ilíquida, provisoriamente na proporção de metade, e no mais em 9% para os Autores / Apelados e 91% para a Ré / Apelante.
Mais se determina, considerando os factos provados, em especial no que concerne aos pagamentos efetuados sem emissão de qualquer fatura e ao exercício de atividade pela Ré em data posterior à que consta do documento 1 junto com a sua Contestação, que seja extraída certidão do presente acórdão e remetida à Autoridade Tributária e Aduaneira para os fins tidos por convenientes.
D.N.

Lisboa, 10-02-2022
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira