Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5169/16.0T8OER.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: REPARAÇÃO DE VEÍCULO SINISTRADO
VEÍCULO DE SUBSTITUIÇÃO
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: ISempre que a reparação do veículo seja efectuada em oficina indicada pelo lesado, a empresa de seguros disponibiliza o veículo de substituição pelo período estritamente necessário à reparação, tal como indicado no relatório de peritagem, nos termos estipulados no art.º 42.º n.º6 do D.L. 291/07 de 21 de Agosto.

IIO incumprimento das regras constantes do art.º 42.º do mencionado diploma legal constitui contra-ordenação punível com coima ( art.º 86.º n.º1 do D.L. 291/07) e pode fundar direito a indemnização, nos termos gerais previstos no art.º 483.º n.º1 do Código Civil.

IIINão sendo demonstrada a existência de qualquer dano resultante da violação da norma supra – não entrega de veículo de substituição durante os dois dias úteis da reparação -, não pode concluir-se pela imputação à Ré Seguradora do dever de indemnizar.

IVContudo, a privação de uso de um bem, designadamente um veículo automóvel – a propósito da qual a questão é mais frequentemente discutida - durante um certo lapso de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é susceptível de ser avaliada em dinheiro.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:

AO interpôs acção declarativa comum, contra:

X, SA, ambos melhor identificados nos autos.

Alega, em síntese, o seguinte:

O Autor foi proprietário de um motociclo com a matrícula 2...-...9-...V.
Sucede que em 20 de Agosto de 2013, o filho do Autor –AO 2 – conduzia o veículo em causa, tendo ocorrido uma colisão com um veículo conduzido por ML, seguro na Ré.
Pela peritagem efectuada resultou comprovada a responsabilidade da condutora do veículo seguro na Ré, na produção do acidente.
O Autor sofreu diversos prejuízos pelo facto de o veículo ter estado na oficina para reparação durante 99 dias, quando o período de reparação projectado foi de dois dias.
Reclama, assim, da Ré, o pagamento da quantia de € 8.012,00 acrescida de juros, a título de indemnização pelos prejuízos causados pela paralisação do veículo.

Devidamente citada, a Ré contesta a acção e defende-se alegando, em síntese, que não está demonstrado que o Autor seja o proprietário do veículo, dado que não apresenta qualquer documento comprovativo. Também não foi feita prova de quaisquer danos sofridos pelo Autor dado que pelas averiguações realizadas pela Ré se depreende que o condutor habitual do veículo sempre foi o filho do Autor.
Termina pedindo a sua absolvição do pedido.
           
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente e, por consequência, absolveu a Ré do pedido.

Inconformado com a decisão, o Autor interpôs recurso de apelação formulando, no essencial, as seguintes conclusões:
           
1-Os factos dados como não provados em sede da douta sentença recorrida, pela reapreciação da prova produzida, têm-se como não provados.
2-E, assim, como provados, deverão ser objecto de apreciação em sede de decisão da causa.
3-Pela prova produzida pelos testemunhos indicados, prova-se o dano do Recorrente pela privação do veículo acidentado.
4-O pedido formulado pelo Recorrente é o de indemnização pela privação do veículo acidentado pelo período de 99 dias, conforme alegado na petição inicial.
5-Tal pedido é fundamentado na violação (por parte da Ré) das normas legais patentes no Decreto-Lei 291/07, de 21 de Agosto, uma vez que a reparação do veículo dependia da perícia a realizar pela Recorrida e,
6-Pese embora, o acidente tenha ocorrido em 20 de Agosto de 2013, a Ré realiza a 1.ª perícia em 16/09/2013 (condicionada) e realiza a perícia definitiva, somente em 23 de outubro de 2013, tudo conforme o relatório de perícia, junto aos autos em sede de contestação, sob o doc n.º3.
7-Pela violação do normativo supra indicado, causando os danos descritos ao recorrente, obriga a Recorrida a indemnizar o Recorrente, nos termos dos artigos 483.º e 562.º e segs. do Código Civil.
8-Os danos sofridos pelo Recorrente foram alegados e indicada jurisprudência para o efeito, em sede de petição inicial (Acórdão da Relação de Coimbra no processo 127/14.1TBSCD.C1, de 10/05/2015, in www.sgsi.pt
9-No que respeita aos valor da indemnização, acompanha a jurisprudência os termos do pedido efectuado – valor do aluguer de veículo de características semelhantes –vide Acórdãos do STJ de 09/12/2008 e de 16/03/2011 e Acórdãos da Relação de Lisboa de 14/01/2010 e de 06/12/2011 in www.dgsi.pt- ainda que o lesado não tenha efectivamente alugado o veículo.
10-Pelo que enferma a douta sentença recorrida dos erros de julgamento ora enumerados e, assim, deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida na indemnização peticionada pelo Recorrente.
11-Requer-se seja revogada a sentença e substituída por outra que condene a Ré a indemnizar o Autor na quantia peticionada de € 8.012,00, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

IIOS FACTOS.

Na 1.ª instância foram dados como assentes os seguintes factos:

1-O Autor foi proprietário de um veículo (moto de marca “Suzuki”) com a matrícula 2...-...9-...V –e, em 20-08-2013, encontrava-se em vigor o seguro de responsabilidade civil celebrado entre A. e “Companhia, SA, titulado pela apólice 960077700 (fls. 8v).

2-Em 20-08-2013, quando o filho do A., AO 2, conduzia o veículo supra, ocorreu um embate com um veículo (“Peugeot” de matrícula ...0-...8-S...) conduzido por ML – que se encontrava segurado na Ré, por contrato titulado pela apólice 005768691 (fls. 9 a 35).

3-Em 06-09-2013, o filho do Autor enviou à Ré a mensagem junta a fls. 36 (cujo teor aqui se dá aqui por reproduzido).[1]

4-Em 06-09-2013, a Ré enviou ao filho do Autor a mensagem junta a fls. 35 verso (cujo teor aqui se dá por reproduzido).[2]

5-Em 11-09-13, foi elaborado, a pedido da Ré e na oficina indicada pelo filho do Autor (fls. 36), o “relatório de peritagem” junto a fls. 36 v (cujo teor se dá aqui por reproduzido)- indicando dois dias úteis para a reparação.

6-Em 22-10-2013 (fls. 14v) a Ré assumiu a responsabilidade da sua seguradora na produção do acidente supra e dos danos daí resultantes (corporais no condutor do veículo do Autor e acompanhante e materiais no próprio veículo e nas coisas detidas pelos feridos).

7-Em 27-11-13, o veículo foi entregue ao Autor, reparado (fls. 36 v.) – tendo a Ré pago a reparação (fls. 38-39).
           
8-Em 08-09-2014, a seguradora do Autor enviou-lhe a “mensagem” junta a fls.15.

9-Em 16-X-2014, o Autor enviou à Ré a carta junta a fls.15v (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

10-Em 30-10-2014 a Ré enviou ao filho do Autor a carta junta a fls. 16v (cujo teor aqui se dá por reproduzido).

11-Em 05-05-2015, o Autor enviou à Ré a carta junta a fls. 19-19-verso (cujo teor aqui se dá por reproduzido.

12-Em 8-05-2015, a Ré enviou ao Autor a carta junta a fls. 20v (cujo teor aqui se dá por reproduzido.
(…)

18-Em 20 e 21-10-2016 Ré e Advogada do Autor trocaram as “mensagens” juntas a fls. 26-26v (cujos teores aqui se dão por reproduzidos).

19-Entre 20-08-2013 e 27-11-2013, o Autor levava a esposa de automóvel ao local de trabalho (em Cascais) - para poder ficar com o automóvel disponível para si.

20-A Ré não disponibilizou ao Autor qualquer veículo de substituição.

Factos não provados.

21-Caso não o fizesse (ponto 19) as deslocações do Autor e do filho ficariam comprometidas, uma vez que não dispunham de outro veículo.

22-A família do Autor passou a poder usufruir de um só veículo automóvel, pelo que todas as deslocações do agregado familiar tinham que ocorrer dessa forma.

23-A oficina que realizou a reparação foi indicada pela Ré (fls. 36).


IIIO DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas e que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa apreciar são as seguintes:

1-Reapreciação da matéria de facto

2-Indemnização pela privação do uso de veículo.

1-O Autor impugna a decisão de dar como “nãoprovados”os seguintes factos:

21-Caso não o fizesse (ponto 19) as deslocações do Autor e do filho ficariam comprometidas, uma vez, uma vez que não dispunham de outro veículo.

22-A família do Autor passou a poder usufruir de um só veículo automóvel, pelo que todas as deslocações do agregado familiar tinham que ocorrer dessa forma.”

O Recorrente defende que de acordo com a prova testemunhal produzida, tais factos deveriam ter sido considerados “provados”.

Vejamos:

Ouvida a prova testemunhal produzida, designadamente os depoimentos da testemunha AR companheira do Autor e ARO, filho do Autor, dos mesmos não resulta qualquer desconformidade com aquilo que veio a ser decidido. Com efeito, como referiu a testemunha ARO, este possuía uma “acelera” que utilizava para as suas deslocações. Portanto, não é exacto que a privação da moto marca Suzuky comprometesse as deslocações do filho do Autor, “uma vez que não dispunham de outro veículo”. E também não se pode concluir que “todas as deslocações do agregado familiar tinham de ocorrer dessa forma”, ou seja, no veículo automóvel, pois pelo menos o filho do casal possuía outro veículo.
Não vemos, assim, que tenha ocorrido qualquer erro de apreciação da prova que cumpra corrigir.
Mantém-se, por conseguinte, a decisão quanto à matéria de facto.

2 Cumpre agora apreciar a questão de saber se o Autor tem direito a ser ressarcido do valor peticionado que corresponde à indemnização pelos danos causados pela privação do uso do veículo, em consequência da “violação das obrigações legais a que estava adstrita [a Ré] (substituição do veículo) e o incumprimento do prazo de reparação do mesmo”.

Quanto à questão da privação do uso de um bem, designadamente de um veículo automóvel, como é o caso que nos ocupa, tem vindo este Tribunal[3] a optar pelo entendimento de que “constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no património do respectivo proprietário, uma vez que daquele faz parte o direito de utilização das coisas próprias e essa lesão é susceptível de ser avaliada em dinheiro”.

Efectivamente, sobre esta matéria tem havido divergência quer na doutrina, quer na jurisprudência.
A posição clássica da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria era a de que, traduzindo-se a privação em meros incómodos, esses danos não seriam tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis.[4]
Por outro lado, predominou durante algum tempo, na jurisprudência[5], o entendimento que fazia depender a atribuição da indemnização, da prova de uma efectiva perda de receitas que os bens poderiam proporcionar ou da comprovação de um acréscimo de despesas motivado pela privação do uso, considerando-se, portanto que a simples privação do uso não constituía por si só, dano indemnizável.
Porém, considera-se que, actualmente, essa posição se encontra desactualizada[6].
Entendemos, na verdade, que a privação de uso de um bem, designadamente um veículo automóvel – a propósito da qual a questão é mais frequentemente discutida - durante um certo lapso de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é susceptível
de ser avaliada em dinheiro[7].

Tal como eloquentemente diz o Supremo Tribunal de Justiça[8]: “a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui seguramente um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza – arts. 483º-1 e 1305º C. Civil.
Pensa-se, porém, que a questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa. Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e a utilizasse caso não fosse a impossibilidade de dela dispor. Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que
o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um terreno que lhe não dá qualquer utilização.
Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante

E como se pode ler ainda em acórdão do STJ[9]:
quando a privação do uso recaia sobre um automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se ao lesante uma indemnização a esse título, que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas para isso, sem que tal signifique que não sofreu danos ou prejuízos pela privação do uso do seu veículo.
Não necessita, por isso, de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, etc.) com o custo correspondente.
Tudo isso estará abrangido pela privação do uso do veículo a ressarcir nos termos referidos ou, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade, sem prejuízo de se poder, evidentemente, alegar e provar outros danos emergentes ou lucros cessantes”.

Conclui-se, assim,  não obstante o entendimento não ser unânime que a mera privação do uso, ainda que desacompanhada de alegação e prova de danos dela decorrentes, mas resultando dos autos que o veículo era utilizado normalmente pelo Autor, constitui, só por si, um dano indemnizável, conforme doutrina e jurisprudência já citada.
Ora, de acordo com a matéria de facto provada, em consequência do acidente da responsabilidade da segurada da Ré, o Autor ficou privado da disponibilidade do seu veículo, desde a data do acidente- 20 de agosto de 2013 - até 25 de outubro de 2013. Esta data é aquela que resulta de se ter provado que “em 11-09-2013, foi elaborado a pedido da Ré e na oficina indicada pelo filho do Autor, o relatório de peritagem, junto a fls. 36v - indicando dois dias úteis para a reparação”. E com data de 22 de Outubro de 2013, a Ré enviou uma carta ao Autor com o seguinte teor:
na sequência da participação de sinistro que deu entrada nos nossos serviços, procedemos a diversas diligências no sentido de apurar a responsabilidade pela ocorrência do mesmo.
Terminadas as diligências vimos comunicar que a Zurich assume a sua responsabilidade nos termos e condições que foram contratados, pelo que o valor da reparação nos termos do relatório de peritagem efectuado é de € 1445,46, estando previsto um período de reparação de dois dias.
Nesse sentido, poderá, de imediato dar ordem de reparação do seu veículo junto da oficina onde o mesmo foi peritado, sem prejuízo de informarmos a oficina da nossa posição.”

Não está demonstrado o motivo pelo qual, sendo necessários apenas dois dias para a reparação do veículo, o mesmo só foi entregue ao Autor, reparado em 27 de Novembro de 2013. Assim, não poderá imputar-se à Ré a responsabilidade por essa paralisação, até esta data. A Ré apenas poderá ser responsabilizada pelo período que demorou todo o processo até ser dada a ordem para reparar o veículo, mais o tempo necessário para proceder à reparação.

Há ainda a ter em conta o disposto no art.º 42.º n.º6 do D.L. 291/07 de 21 de Agosto que estipula: “sempre que a reparação seja efectuada em oficina indicada pelo lesado, a empresa de seguros disponibiliza o veículo de substituição pelo período estritamente necessário à reparação, tal como indicado no relatório de peritagem.”

Portanto, o Autor teria apenas direito a que lhe fosse disponibilizado um veículo de substituição, durante dois dias.
O incumprimento das regras constantes do art.º 42.º do mencionado diploma legal constitui contra-ordenação punível com coima (art.º 86.º n.º1 do D.L. 291/07) e pode fundar direito a indemnização, nos termos gerais previstos no art.º 483.º n.º1 do Código Civil.

Ora, tal como se refere na sentença recorrida, “não tendo sido demonstrada a existência de qualquer dano resultante da violação da norma supra – não entrega de veículo de substituição durante os dois dias úteis da reparação -, não pode concluir-se pela imputação à Ré do dever de indemnizar.” Na realidade, nem foi demonstrada a existência de qualquer dano resultante da não entrega do veículo de substituição, nem sequer se provou a própria violação da referida norma. Com efeito, não há qualquer prova de ter sido solicitada a disponibilização de um veículo de substituição e de ter sido negada essa pretensão. Só nesse caso, cremos, se poderia concluir pela violação da referida obrigação pela Ré, sendo que o ónus da prova desses factos competia ao Autor.

Assim sendo, resta o direito do Autor à indemnização pela privação do uso do veículo, não calculada com base num hipotético direito à utilização de um veículo de substituição, que não se verificou no caso em apreço, mas calculada com fundamento na  lesão do seu património , na vertente do seu direito de utilização das coisas próprias, como ficou explicitado supra e de acordo com a jurisprudência citada.

Importa, assim, quantificar o valor dessa indemnização.

Nos termos do art.º 566.º n.º3 do Código Civil, “ se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”

Afigura-se-nos que é o caso presente. Decorre da factualidade apurada que o Autor retirava as normais utilidades do veículo, designadamente emprestando-o ao seu filho, circunstância em que ocorreu o acidente. Também era o veículo que normalmente tinha à sua disposição caso necessitasse de se deslocar. Tanto assim que durante o período em que o veículo esteve indisponível, o Autor levava a esposa ao local de trabalho, num veículo automóvel, para poder ficar com este veículo disponível para si. Está assim, a nosso ver, suficientemente configurado o prejuízo decorrente da privação do uso do veículo sinistrado.

De acordo com os critérios de equidade, supra referidos, sem perder de vista os valores já aplicados em situações semelhantes[10], cremos razoável fixar em €25,00 a indemnização devida, por cada dia em que o Autor esteve privado do veículo (20 de Agosto de 2013 a 25 de Outubro de 2013 – 35 dias). Obtém-se, assim, o valor de € 875,00, a que acrescerão juros legais, devidos desde a data da citação.

IIIDECISÃO.
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e por consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor a título de indemnização pela privação do uso de veículo, o valor de € 875,00, acrescido de juros legais vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.

Custas pelo Apelante e Apelada na proporção de 7/8 para a primeira e 1/8 para a segunda.



Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018



Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Informa a Seguradora sobre a identificação dos condutores e veículos intervenientes no acidente.
[2]A Ré diz o seguinte: “Acusamos a recepção da correspondência que deu origem ao nosso processo: 007686303/matrícula 27-29-OV. Confirmamos a peritegem para dia 09-09-2013 na oficina por vós indicada”.
[3]Vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-11-2015, Processo 761/15.2YRLSB.L1-6, relatado pela ora relatora, disponível em www.dgsi.pt
[4]Neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, anotação ao art.º 496.º.
[5]Vide acórdãos do tribunal da Relação do Porto de 17-10-84, Col. Jur., Tomo IV, p.246 e de 19-10-1999, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão da Relação de Coimbra de 08-07-97, BMJ 469-663 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-1998, in www.dgsi.pt.
[6]VideAbrantes Geraldes, Temas de Responsabilidade Civil,I Volume, Indemnização do dano da privação do uso, 3.ª edição, p.43.
[7]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-10-2009, disponível em www.dgsi.pt
[8]Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2009, disponível em www.dgsi.pt.
[9]Acórdão do STJ de 09-03-2010, Processo 1247/07.4, disponível em www.dgsi.pt.
[10]Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2011, Processo 6948/08.7TMSNT.L1-1, disponível em www.dgsi.pt