Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4867/08.6TBOER-H.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PENHORA
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O artº 65º, da Constituição da República Portuguesa não obriga o legislador ordinário a estabelecer a impenhorabilidade da casa de morada de família do executado.
II - À luz do Código de Processo Civil vigente, a penhorabilidade do imóvel em causa não é afastada pelo facto de na casa de morada de família residir um dos filhos do executado que sofre de problemas de saúde, nem pela circunstância da habitação ter sido modificada e adaptada em função dessa especial situação.
III - Não há base legal que permita proteger o executado/devedor da ( legítima ) investida patrimonial do credor sobre o imóvel de que é titular, em virtude de nele ter a seu cargo e cuidar de filho deficiente
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
No âmbito da execução que B. move a J. e M. procedeu-se à penhora, entre outros bens, do imóvel sito na Alameda, nº…,  .. pertencente aos executados.
Vieram estes apresentar a oposição de fls. 18 a 26.
Essencialmente alegaram que :
Já em desespero de causa, sentem a necessidade de trazer ao conhecimento de V. Excia uma realidade que não pode aqui passar despercebida.
O imóvel sito na … é a casa de morada de família, onde reside o agregado familiar dos executados.
Ali residem os três filhos dos executados, dois dos quais menores de idade, sendo que um deles padece de um grave problema de desenvolvimento, espécie de autismo, com uma comprovada deficiência de 80%.
Como consequência da deficiência do seu filho, os executados prepararam o imóvel de modo a proporcionar aos seus filhos, e em especial o seu filho que padece da sobredita deficiência, a melhor qualidade de vida, e sobretudo de mobilidade, eliminando as barreiras que dificultam a sua autonomia e equipando o imóvel com vista à independência de seu filho.
O referido imóvel reveste condições que os executados não encontrarão, sem gastos por demais dispendiosos, tais como os que suportaram com a preparação daquele imóvel, e que não têm à data condições de suportar novamente, em qualquer outro imóvel.
O imóvel penhorado reveste assim características que o tornam insubstituível à habitação dos executados, e muito particular do seu filho.
Consideram os executados como obrigação, moral e legal, obstar à penhora do imóvel.
Apresentaram rol de testemunhas.
Concluem o seu requerimento da seguinte forma :
“ Termos em que requer a V. Excia :
a) Se digne ordenar o levantamento da penhora que incide sobre o bem imóvel sito na … ;
b) Se digne ordenar a rectificação da penhora que incide sobre as acções ao portador na sociedade A. SA..”.
Foi proferido despacho de fls. 50 a 53, nos seguintes termos :
“ ( … )
Os autos contêm elementos para, sem necessidade de mais provas, decidir do mérito da oposição.
J. e M. deduziram oposição à penhora do imóvel a que respeita o auto de penhora elaborado com data de 6 de Outubro de 2009, a fls. 304 da execução, em que pediram que a penhora seja julgada ilegal por manifestamente excessiva face ao montante efectivo da dívida e se ordene a redução da mesma pelo montante de um milhão de euros
Para tanto alegaram, no essencial, que ao imóvel foi atribuído o montante de € 2.299.983,12, correspondente ao valor da dívida exequenda e das despesas prováveis da executada C. Lda.. Sendo o valor pelo qual são responsáveis os opoentes € 1.000.000,00, o referido imóvel nunca poderia ter sido penhorado para pagamento do montante inscrito no auto de penhora.
Notificada nos termos do artº 229º-A, do CPC, a exequente contestou, alegando no essencial que a indicação no auto de penhora do limite e do valor da casa por referência ao valor da execução movida contra a C. se tratou de um mero lapso de escrita, pedindo a final a condenação dos opoentes como litigantes de má fé.
( … )
Com base nos elementos documentais existentes nos presentes autos e nos autos de execução, bem como na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, dão-se por assentes os seguintes factos :
1 - Na execução de que os presentes autos são apenso a exequente peticionou, além do mais, a citação dos executados J. e M. , na qualidade de fiadores, para no prazo de 20 dias pagarem à exequente a quantia de um milhão de euros.
2 - Em 9 de Setembro de 2009, foi inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras penhora a favor da exequente, incidente sobre o imóvel descrito na Conservatória sob o nº  da freguesia de … e …, inscrito em nome dos opoentes, com o valor patrimonial € 69.036,76, sendo a quantia exequenda € 2.190.460,11 ( cfr. fls. 289 a 292 da execução ).
3 - Com data de 6 de Outubro de 2009 foi elaborado auto de penhora relativo à penhora referida em 2. com o teor de fls. 304/305 da execução que aqui se dá por reproduzido, no qual, além do mais, se indica € 2.299.983,12 como valor limite da penhora e se atribui ao imóvel penhorado o mesmo valor
Quanto à oposição à penhora.
O artº 863º-A, nº 1, do CPC enumera dos fundamentos de oposição à penhora legalmente admissíveis, sem síntese, inadmissibilidade dos bens concretamente apreendidos ou da sua extensão, penhora de bens que só subsidiariamente respondem ou incidência da mesma sobre bens que, não respondendo pela dívida nos termos do direito substantivo, não deviam ser atingidos pela diligência.
O fundamento de oposição à diligência concretamente invocado pelos opoentes refere-se a valores indicados pela srª agente de execução no registo da penhora e no auto de penhora relativamente ao valor do imóvel penhorado e ao valor da quantia exequenda da responsabilidade dos opoentes.
A questão não se trata assim de excesso de penhora mais sim de excesso de execução tal como consta da documentação concretizadora da penhora, quanto ao valor da quantia pela qual os opoentes são responsáveis. Também não se compreendendo o critério que pode ter levado a srª agente de execução a apôr quanto ao valor do imóvel, o valor da execução movida contra a C., acrescido de despesas prováveis.
Importa não perder de vista que a penhora se destina a assegurar a satisfação dos fins da execução, cujo objecto é delimitado pelo título executivo.
No presente caso, sem prejuízo do que se venha a decidir em sede de oposição à execução, está em causa a penhora de bens destinados a assegurar o pagamento de uma obrigação de garantia liquidada em € 1.000.000 ( um milhão de euros ).
As menções efectuadas pela srª Agente de Execução no registo e no auto de penhora quanto ao valor da execução e do imóvel podem ser geradoras de mal entendidos e confusão, mas não relevantes para a delimitação da execução ou da penhora. Nomeadamente não criam qualquer direito ao exequente no sentido de, pelo produto da venda do bem penhorado, se fazer pagar por valor superior ao que é exigido aos titulares do mesmo.
Porém, sendo manifestamente enganosas, não podem deixar de ser corrigidas o que a final se determinará.
( … )
Decide-se, assim, nos termos e pelos fundamentos expostos :
1 - Julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinado em consequência : a rectificação do registo da penhora quanto ao valor da quantia exequenda assegurado pela penhora - € 1.000.000,00 ( um milhão de euros ) ; a correcção do auto de penhora, especificando o valor pelo qual são responsáveis os executados titulares do bem penhorado e alterando o valor atribuído ao bem em conformidade com o que consta do registo como sendo o valor patrimonial ou, em alternativa, em conformidade com o que a srª. Agente de execução considere ser o valor comercial do mesmo.
( … )   “.
Interpuseram os executados recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 540 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 4 a 15, formularam os apelantes, as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal a quo desconsiderou a realidade material em causa, optando por se cingir à determinação da rectificação do registo da penhora e à correspondente correcção do auto de penhora, ainda que conhecendo que sobre o imóvel de … pendia uma razão fundamental de impenhorabilidade.
2ª - Os recorrentes alegaram nos presentes autos - e aqui reiteram - que há circunstâncias ( não valoradas pelo Tribunal ) que impedem, ou militam contra, a penhora do referido imóvel que constitui a sua casa de morada de família.
3ª - No referido imóvel residem os recorrentes com os seus três filhos, sendo que um deles é menor e padece de uma deficiência comprovada por certificado oficial junto aos autos ; tal resultou numa preparação e adaptação do imóvel de modo a proporcionar aos seus filhos, e em especial ao seu filho que padece da sobredita deficiência, uma melhor qualidade de vida e, sobretudo, facilidade de mobilidade, eliminando as barreiras que dificultam a sua autonomia e equipando o imóvel com vista à independência de seu filho.
4ª - Ao desconsiderar aqueles factos e ao ordenar o levantamento da penhora sobre aquele imóvel, o Tribunal a quo olvidou que, ao abrigo do artº 10º, da Lei nº 38/2004 : “ a pessoa com deficiência tem direito aos bens e serviços necessários ao seu desenvolvimento ao longo da vida “ e que tal tarefa é cometida à sua família ( artigo 12º, da Lei nº 9/89 ).
5ª - O Tribunal a quo igualmente não atendeu à circunstância de o legislador impor no artº 13º, da lei nº 9/89 que a autonomia e plena participação na vida social da pessoa portadora de deficiência seja conseguida através da eliminação de barreiras físicas, tal como fizeram os recorrentes no imóvel de ….
6ª - Isto quando o Estado e os Tribunais em particular são os garantes da plena participação em sociedade das pessoas portadoras de deficiência ( artigos 12º e 22º, da Lei nº 38/2004 e 16º, nº 1, da Lei nº 9/89 e 28º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ).
7ª - Não obstante esses factos terem sido enxertados pelo ora recorrentes no seu requerimento de 12 de Novembro de 2009 - e ainda que trazidos ao conhecimento do Tribunal a quo por referência a uma outra penhora face à qual os recorrentes apresentaram oposição, qual seja, a penhora do imóvel da Parede - certo é que o Tribunal a quo conhecia, como nem poderá deixar de conhecer, daquela matéria enquanto julgador comum dos diversos apensos ao processo de execução.
8ª - Fica assim demonstrado que o Tribunal a quo conhecia esta matéria, comprovada, aliás, pelo certificado de deficiência do filho menor, pelo que, atendendo à sua sensibilidade e aos valores e direitos envolventes, a decisão nunca poderia ter procedido pela penhora do imóvel de …. Tanto mais que, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 514º, do Código de Processo Civil, “ não carecem de alegação os factos de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções “.
9ª - Assim sendo, atendendo a que o imóvel supra identificado reveste características particulares, sendo um bem insubstituível para o assegurar de um nível de vida adequado, com condições de conforto indispensáveis ao filho menor dos recorrentes portador de deficiência, configurando garantia do menor, na medida em que lhe assegura autonomia pessoal e independência indispensáveis à sua completa integração e participação social.
10ª - E porque o direito a uma “ habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar “ constitui um direito constitucionalmente consagrado ( artigo 65º, nº 1, da CRP ) que justifica medidas de protecção contra a privação de habitação, nomeadamente “ limites à penhora da casa de morada da família “.
11ª - Consideram os recorrentes como obrigação, moral e legal, obstar à penhora do imóvel.
12ª- Por tudo o exposto, o Tribunal violou o disposto no artigo 65º, da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 7º, 19 e 28º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no artº 514º, nº 2, do Código de Processo Civil, nos artigos 10º, 12º, 15º e 22º, da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto e nos artigos 12º, 13º e 16º, da Lei nº 9/89, de 2 de Maio.
Apresentou a apelada contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
I - Da ausência de pedido concreto quanto ao levantamento da penhora realizada relativamente ao imóvel sito em …
II - Da penhorabilidade do bem imóvel habitado pelos executados e seu agregado familiar.
Passemos à sua análise :
I - Da ausência de pedido concreto quanto ao levantamento da penhora realizada relativamente ao imóvel sito em ….
No requerimento apresentado a fls. 18 a 26, os executados não incluem formalmente, na sua conclusão final, qualquer referência ao pedido do levantamento ou substituição da penhora que incidiu sobre o imóvel sito na ….
Porém, ao longo do seu articulado, é manifesto o propósito de solicitar, pelas razões aduzidas, o levantamento ou a substituição dessa mesma penhora ( cfr. respectivos artsº 25º a 48º ).
Logo, entende dever conhecer-se dessa matéria.
II - Da penhorabilidade do bem imóvel habitado pelos executados e seu agregado familiar.
O imóvel em referência constitui um bem penhorável, nos termos gerais do artº 821º, nº 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual : “ Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda. “.
A situação relatada pelos executados não se subsume à impenhorabilidade prevista em qualquer das alíneas do artº 822º, do Cód. Proc. Civil.
Assim sendo,
Não obstante o maior respeito que merece a melindrosa situação do filho dos executados que sofre de problemas de saúde, não é possível, com esse fundamento, retirar o imóvel habitado pelo seu agregado familiar do âmbito dos bens que, pertencendo aos devedores, constituem garantia geral dos seus credores, nos termos gerais dos artsº 601º, nº 1 e 817º, do Código Civil.
É, ainda, evidente que a efectivação do crédito exequendo através da penhora com vista à ulterior venda do imóvel em causa não ofende qualquer disposição legal destinada a salvaguardar os legítimos direitos e interesses das pessoas afectadas por deficiência.
A única ressalva que a lei consagra neste tocante reporta-se aos “ instrumentos indispensáveis aos deficientes e os objectos destinado aos tratamento de doentes “, conforme se prevê na alínea g), do artº 822º, do Cod. Proc. Civil.
Tal previsão não abarca o imóvel onde habita um agregado familiar que integra um filho deficiente, ainda que esse bem tenha sofrido alterações e adaptações, introduzidas em virtude da necessidade de apoio e melhor acompanhamento dos seus problemas de saúde específicos.
Neste tocante,
Suscita o apelante a violação pelo Tribunal a quo das seguintes disposições legais: artigo 65º, da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 7º, 19 e 28º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no artº 514º, nº 2, do Código de Processo Civil, nos artigos 10º, 12º, 15º e 22º, da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto e nos artigos 12º, 13º e 16º, da Lei nº 9/89, de 2 de Maio.
Vejamos :
Dispõe o artº 65º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa : “ Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto e que perserve a intimidade pessoal e a privacidade da família. “.
Referem, a este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada “, Volume I, pag. 835 :
“ O direito à habitação é não apenas um direito individual mas também um direito das famílias ( … ). Quanto ao seu objecto, como direito de defesa, o direito à habitação justifica medidas de protecção contra a privação da habitação ( limites à penhora da morada de família, limites mais ou menos extensos aos despejos ). Como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação ( … ). “.
Ora, esta norma constitucional, de cariz marcadamente programático, não obriga o legislador ordinário a estabelecer a impenhorabilidade da casa de morada de família onde o executado reside.  
E o que é certo é que não o fez, conforme resulta do artº 822º, do Cod. Proc. Civil.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “ Constituição Portuguesa Anotada “, Volume I, pags. 665 a 666 :
“ O direito à habitação não se confunde com direito de propriedade, mesmo na sua dimensão positiva enquanto direito à aquisição de propriedade. O direito à habitação, por si só, “ não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão “ ( acórdão nº 649/99 ). Daí que uma norma que admite a penhora de um imóvel onde se situe a casa de habitação do executado e seu agregado familiar não viole o direito que todos têm de haver, para si e para a sua família, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, pois a habitação em causa, desligada da titularidade do direito real de propriedade sobre o imóvel onde essa habitação se situa, não é afectada, já que pela penhora o executado e a sua família não são privados da respectiva habitação, podendo, pois, manter-se no imóvel. “.
Neste mesmo sentido, referem Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, in “ Curso de Direito da Família “, Volume I, pags. 390 a 391 : “ No direito português actual - ao contrário do que se passava nos anos vinte e trinta, em que as leis estabeleciam a impenhorabilidade do “ casal de família “ - a casa de morada de família não está protegida contra uma penhora. “.
Diversas decisões jurisprudenciais extraíram, em termos desenvolvidos, esta mesma conclusão - vide, em especial, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 649/99, de 24 de Novembro de 1999 ( relator Bravo Serra ), publicado in www.tribunalconstitucional.pt e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Maio de 2003 ( relator Manso Rainho ), publicado in www.dgsi.pt.
À luz do Código de Processo Civil vigente, a penhorabilidade do imóvel em causa - que constitui uma significativa garantia para os credores dos executados - não é afastada pelo facto de nele residir também um dos filhos do executado que sofre de problemas de saúde, nem pela circunstância da habitação ter sido modificada e adaptada em função dessa especial situação.
Os diplomas legais invocados pelos apelantes ( Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto - que revogou a Lei nº 9/89, de 2 de Maio - ) não têm reflexo directo na aplicação  das normas de processo civil à situação sub judice.
Os mesmos limitam-se, em termos puramente programáticos e de forma abstracta e genérica, a impor diversas obrigações sobre o Estado no sentido de criar e implementar políticas de apoio, salvaguarda e não discriminação em favor das pessoas afectadas por deficiência, sem que daí decorra a imposição de, num litígio concreto mantido entre particulares, o credor deixar de poder satisfazer o seu crédito através da penhora da casa de habitação do agregado familiar do executado onde resida igualmente pessoa com deficiência.
A protecção das pessoas com deficiência constitui uma obrigação do Estado, competindo as respectivas famílias e às instituições vocacionadas para o seu acolhimento e assistência desenvolver todas as acções adequadas e tendentes a proporcionarem-lhes uma melhor qualidade de vida, optimizando condições no sentido da possibilidade da sua afirmação pessoal e social[1].
Contudo,
Quando se trata da efectivação coerciva de obrigações assumidas por familiar de pessoa deficiente, o regime de responsabilidade do património do devedor não se altera - o que redundaria em frontal, infundado e injusto prejuízo para o respectivo credor - pela simples presença daquela no interior do bem a penhorar, ou em função dos deveres sociais de solidariedade para com as pessoas afectadas com problemas de deficiência, em geral[2].
Ou seja,
Não há base legal que permita proteger o executado/devedor da ( legítima ) investida patrimonial do credor em relação ao imóvel de que aquele é titular, em virtude de nele ter a seu cargo e cuidar de filho deficiente.
A apelação improcederá.

IV - DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 4 de Outubro de 2011

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
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[1] Sem nunca estar em causa o direito de propriedade sobre os bens das famílias de pessoas com deficiência, nem a legítima posição dos respectivos credores que pretendam fazer-se pagar através da execução desse - penhorável - património.
[2] A mesma questão se poderia suscitar relativamente à presença no agregado familiar de menores de tenra idade, absolutamente dependentes das condições habitacionais de que os progenitores que os tenham a cargo disponham.