Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
137/13.6TMLSB-B.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Respeita o superior interesse da criança a decisão que, determinando que o menor residirá habitualmente com a requerente (irmã do menor), decidindo a mesma quer as questões da vida corrente quer as de particular importância do menor, determina a atribuição à progenitora das responsabilidades parentais na parte não prejudicada pela confiança do menor à requerente, mais determinando que o progenitor, em paradeiro desconhecido e não mantendo contactos com o menor, poderá estar com este sempre que quiser, desde que combine previamente com a requerente e sem prejuízo do descanso do menor e das actividades escolares.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.


Relatório:


S.M., irmã de R., nascido a 5/11/2009, intentou acção de regulação das responsabilidades parentais contra S.P. e A.P., progenitores do menor R., alegando, em síntese, que os requeridos não viveram juntos, o menor reside com a requerente desde 15/7/2013, na sequência de acordo de promoção e protecção, o menor tem pouco contacto com a mãe e nenhum com o pai, sendo que nenhum dos pais contribui para as despesas do filho, e pedindo a final que o exercício das responsabilidades parentais lhe seja atribuído, de forma definitiva.

Designou-se dia para a conferência a que alude o art.º 35º do RGPTC, efectuada a 4/10/2016, para a qual não se logrou a citação do progenitor. Em conferência foram tomadas declarações à progenitora e à requerente. Mais foi fixado regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, nos termos do art.º 28º do RGPTC.

Os autos prosseguiram nos termos do art.º 21º do RGPTC.

O requerido progenitor foi citado editalmente, estando representado pelo Ministério Público.

Efectuada nova conferência a 9/1/2017, nos termos do art.º 36º do RGPTC, não compareceu o progenitor.

Foram juntos documentos pela requerente quanto às suas condições de vida e da criança.

Após parecer do Ministério Público, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório:

Pelo exposto, ponderando tudo e o preceituado no art. 40º do RGPTC e arts. 1905º, 1906º, 1911º, 1912º, 2003º e seguintes do CC, regulam-se as responsabilidades parentais relativamente a [R.], pela forma seguinte:
- O menor residirá habitualmente com a irmã [S.M.], a qual decide quer as questões da vida corrente quer as de particular importância da criança;
- À progenitora caberão as responsabilidades parentais na parte não prejudicada;
- O pai poderá estar com o menor sempre que quiser, desde que combine previamente com a [S.M.] e sem prejuízo do descanso do menor e das actividades escolares;
- O menor poderá estar com a mãe na companhia de [S.M.] ao domingo de 15 em 15 dias às 19 horas e 30 minutos no Centro Comercial das Amoreiras;
- O menor poderá estar com a mãe no dia 25 de Dezembro, um período de duas horas, entre as 16 horas e as 18 horas, local a combinar com [S.M.];
- O menor no dia do seu aniversário poderá estar com a mãe por volta das 19 horas e 30 minutos na companhia de [S.M.];
- A título de alimentos para o filho, cada progenitor contribuirá com a quantia de 50€ mensais, a pagar por transferência ou depósito para conta bancária da requerente, até ao dia 8 de cada mês e com actualização em janeiro de 2018 e anos subsequentes, em função do índice de inflação publicado pelo INE”.

A requerente recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A)–A Requerente interpõe o presente recurso da douta Sentença recorrida, que apenas em alguns pontos, não salvaguardou totalmente o superior interesse deste menor, nomeadamente, no que toca ao regime fixado ao progenitor e à progenitora do R.
B)–Além de ser necessária a retificação dos lapsos materiais que foram identificados nestas alegações.

C)–A nível de matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, relativamente ao pai do R., temos que o Tribunal deveria ter feito constar o seguinte:
- O pai do menor deixou de contactar ou de relacionar-se com ele há mais de 3 anos - artigo 21º do RI.
- O pai do menor não contribui para o sustento do menor - artigo 22º do RI.

D)–E tanto assim é que quando os menores foram retirados à mãe, por se encontrarem em perigo, em 2013 pela CPCJ, já o paradeiro do pai era desconhecido e a progenitora sofria de maus-tratos e violência doméstica, tendo apresentado queixa-crime contra o progenitor.
E)–Este pai nunca demonstrou interesse pelo filho e deixou de se relacionar com o filho quando este tinha cerca de 3 anos - tal como ficou demonstrado que, pelo menos, desde setembro de 2012 que não havia qualquer contacto, pois o pai já “vivia em parte incerta no Reino Unido” – v. facto assente com a al. C).
F)–O R. não tem qualquer ligação ou memória do pai.
G)–A “cláusula genérica” estabelecida pelo douto Tribunal é, no entender da Requerente, uma medida extremamente violenta e totalmente desadequada face à realidade do R. e aos contornos do caso concreto além de consubstanciar uma decisão-surpresa, que em nada beneficia o bem-estar psicológico e emocional do menor.
H)–Nesta conformidade, a medida que foi fixada para o pai do menor carece, assim, de qualquer fundamento ou sentido, dado que não corresponde ao superior interesse desta criança, tal como ficou demonstrado no processo.
I)–Pelo que esta decisão violou os art. 25º do RGPTC e bem assim os art. 3º e 4º CPC, devendo ser nesta parte revogada e substituída por outra que seja coincidente com o superior interesse do menor.
J)–Relativamente à mãe do menor, também diremos que não se concorda com o que ficou estabelecido nesta decisão.
K)–Porque por forma a salvaguardar o superior interesse deste menor, nem as decisões respeitantes à vida do R. “na parte não prejudicada” deveriam ter sido atribuídas à progenitora, por tudo o que ficou demonstrado nestes autos e dada a sua conduta.
L)–A progenitora tem (e sempre teve) uma grave dependência do álcool.
M)–Aliás, esta foi a razão pela qual os menores lhe foram retirados.
N)–E inclusivamente a visita que era para ter sido realizada no passado dia 2 de abril, a progenitora não compareceu por se encontrar num estado de embriaguez notório.
O)–Assim, considera a Requerente que deverá ser a responsável por todas as decisões que envolvam o menor R., visto não ser benéfico para o R., nem salvaguardar o seu superior interesse, dada a referida incapacidade da progenitora em fazê-lo, pelo menos, até ao momento, em razão da sua incapacidade do álcool, como ficou demonstrado.

Os requeridos não apresentaram contra-alegação, também não o tendo feito o Ministério Público.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Novo Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se:
a)- Com a alteração da matéria de facto;
b)-Com o erro de julgamento na determinação do regime de convívios entre o menor e o seu pai;
c)-Com o erro de julgamento na determinação das responsabilidades parentais atribuídas à mãe do menor.
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A sentença recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
A)–R. nasceu a 5/11/2009.
B)–É filho de S.P., actualmente residente em parte incerta e A.P., residente em Lisboa.
C)–Em Setembro de 2012, R. vivia com a mãe e os irmãos uterinos T. e N., de respectivamente 16 e 14 anos de idade. O progenitor vivia em parte incerta no Reino Unido.
D)–Nessa altura, os menores foram sinalizados à CPCJ, em suma, por consumo de álcool em excesso e ausências de casa prolongadas, com os menores entregues a si próprios.
E)–A 19/4/2013, na CPCJ, foi subscrito acordo de promoção e protecção relativamente a R., com aplicação de medida de apoio junto da progenitora.
F)–Por incumprimento do acordo pela progenitora, o processo foi remetido a tribunal. A 15/7/2013 foi aplicada à criança a medida de promoção e protecção de apoio junto da irmã uterina S.M., por um ano.
G)–Aquela medida de promoção e protecção foi cessada a 13/5/2015, tendo atingido o período de duração de 18 meses e por já não se justificar a intervenção judicial.
H)–R. continua a viver com a irmã S.M. e os irmãos T. e N.
I)–S.M. trabalha numa loja. Em 2015 auferiu o rendimento global de 14.697,00 €.
J)–A progenitora trabalha num lar de idosos e recebe 586,66 €.
L)–R. frequenta o 2° ano de escolaridade. Tem aproveitamento ao nível “Bom”, é bem comportado e assíduo.
M)–R. apresenta-se na escola bem cuidado ao nível da higiene, alimentação e saúde.
N)–A encarregada de educação, S.M., participa activamente no acompanhamento do percurso escolar de R.
O)–R. está com a mãe de 15 em 15 dias, durante um período da tarde, na companhia da irmã S.M.
P)–O progenitor mantém-se em paradeiro desconhecido e não contacta a criança.
Q)–A progenitora desde Novembro de 2016 que contribui com 50,00 € mensais para as despesas do filho.
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A sentença recorrida considerou inexistirem factos não provados de relevo.
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Da alteração da matéria de facto.

Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Novo Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.

Nas conclusões da sua alegação a requerente indica quais os dois pontos que alegou no seu requerimento inicial e que deviam ter sido dados como provados, não o tendo sido. Mais refere que a matéria em questão resulta do processo judicial de promoção e protecção relativo ao menor, e que se mostra apenso aos presentes autos. E refere ainda que a relevância de tal matéria decorre da circunstância de se tratar de factualidade relativa ao pai do menor, sendo que está em causa a regulação das responsabilidades parentais do mesmo.

Na decisão recorrida tal matéria não foi considerada como provada ou não provada, na medida em que se considerou que não apresentava relevo para a decisão da causa.

Ora, relativamente à necessidade de afirmar que “o pai do menor deixou de contactar ou de relacionar-se com ele há mais de três anos”, já resulta demonstrado que “o progenitor mantém-se em paradeiro desconhecido e não contacta a criança”. Pelo que afirmar tal matéria, na redacção pretendida pela requerente, mais não é que afirmar um juízo conclusivo, que decorre da cronologia dos factos provados (de onde se retira que há mais de três anos que o pai do menor se mantém em paradeiro desconhecido e não contacta com o mesmo), mais decorrendo conclusivamente que quem não contacta com outrem não se relaciona com o mesmo.

O que equivale a concluir que a primeira das matérias que a requerente pretende ver provada não corresponde a um facto que se revele essencial para a decisão da causa, mas antes a um juízo conclusivo, não havendo assim que a integrar nos factos provados, e improcedendo, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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Quanto à segunda das matérias, a saber, que “o pai do menor não contribui para o sustento do menor”, dos relatórios de acompanhamento juntos aos autos apensos do processo judicial de promoção e protecção relativo ao menor, elaborados pela Equipa de Apoio Técnico ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa (EATTL) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), decorre a factualidade em questão, tal como foi sinalizada pela ora requerente, através do requerimento aí apresentado em 21/7/2014 (fls. 103 do referido apenso).

Tal matéria de facto foi, ainda que implicitamente, considerada na decisão recorrida, quando se afirma que “apesar de presentemente não se saber a actividade que o pai desenvolverá é expectável que o pai tenha alguma fonte de rendimentos”, o que deixa antever a necessidade de considerar a sua capacidade económica para contribuir para os alimentos do menor R., bem como a ausência efectiva dessa contribuição.

Todavia, não foi a mesma factualidade elencada nos factos provados, como o devia ter sido.

Assim, e nesta parte, procede a impugnação da matéria de facto, aditando-se à matéria de facto provada o seguinte ponto:
R)–O pai do menor não contribui para o sustento do mesmo.
Do regime de convívios entre o menor e o seu pai
Quanto a esta questão, foi decidido que “O pai poderá estar com o menor sempre que quiser, desde que combine previamente com a [S.M.] e sem prejuízo do descanso do menor e das actividades escolares”.

Tal decisão ficou assim fundamentada:
Quanto aos convívios dos pais com o filho, será de reproduzir o já acordado quando do regime provisório:
“- O menor poderá estar com a mãe na companhia de [S.M.] ao domingo de 15 em 15 dias às 19 horas e 30 minutos no Centro Comercial das Amoreiras;
- O menor poderá estar com a mãe no dia 25 de Dezembro, um período de duas horas, entre as 16 horas e as 18 horas, local a combinar com [S.M.];
- O menor no dia do seu aniversário poderá estar com a mãe por volta das 19 horas e 30 minutos na companhia de [S.M.].”
Os dias e horários em causa foram estipulados ouvidas as interessadas, permitindo conjugar os horários de trabalhos de ambas e as actividades do pequeno.
Estes convívios poderão vir a ser ampliados pelos intervenientes, por acordo e sem recurso a tribunal, desde que tal vá ao encontro do superior interesse de [R.].
Quanto ao progenitor, é preferível estabelecer uma cláusula genérica, admitindo que o pai possa ressurgir na vida do filho:
“O pai poderá estar com o menor sempre que quiser e puder, desde que combine previamente com a mãe e sem prejuízo do descanso do menor e das actividades escolares”.”.

A requerente insurge-se contra o decidido, nesta parte, sustentando que se mostra violado o superior interesse da criança, dado que o decidido em nada beneficia o bem-estar psicológico e emocional do menor, tratando-se, para além do mais, de uma decisão que viola o disposto no art.º 25º do RGPTC e nos art.º 3º e 4º do Novo Código de Processo Civil.

Dispõe o art.º 25º do RGPTC que as partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessárias, e bem ainda que é garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas por tais meios.

Já do disposto nos art.º 3º e 4º do Novo Código de Processo Civil decorre que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja ouvida, mais decorrendo que não é lícito ao tribunal decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e ainda que ao longo de todo o processo deve ser assegurado um estatuto de igualdade substancial das partes.

A questão que, para a requerente, constitui surpresa na decisão (assim podendo configurar a violação do princípio do contraditório), corresponde à fixação de uma cláusula genérica para o regime de convívios entre o progenitor e o menor, apesar de tal nunca ter sido falado nas conferências ou considerado no âmbito dos autos.

Do art.º 1906º do Código Civil, aplicável ex vi art.º 1912º do Código Civil, decorre que, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, sendo que ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho, e sendo a decisão tomada sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

E do nº 3 do art.º 5º do Novo Código de Processo Civil resulta que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

O que significa, desde logo, que o cumprimento do princípio do dispositivo reporta-se à regulação do exercício das responsabilidades parentais, no seu conjunto, e não apenas sobre uma parcela desse exercício, mais concretamente, a da guarda do menor (aquela visada pela requerente, como decorre do seu requerimento inicial).

E dos preceitos legais acima citados decorre ainda que o cumprimento do princípio do contraditório reporta-se à factualidade englobada na causa de pedir, mas já não à aplicação e interpretação das normas que enformam essa causa de pedir, onde a actividade do tribunal não está limitada pelo que vem invocado pelas partes, apenas estando impedido de proferir decisões decorrentes da aplicação e interpretação de preceitos legais que as partes não tinham obrigação de prever, por ir além dos limites da causa de pedir.

Neste sentido, veja-se o decidido no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 7/5/2009 (relatado por Lúcia Sousa e disponível em www.dgsi.pt), quando se refere que “uma situação é não se concordar com a decisão ou até haver um eventual erro de julgamento, outra é uma decisão surpresa, totalmente inesperada, face à factualidade alegada, causa de pedir e legislação aplicável”.

Que não é o caso dos autos, já que é da legislação aplicável ao pedido e causa de pedir da requerente que decorre a decisão em questão, quanto ao regime de convívios entre o progenitor e o menor.

Já quanto ao desrespeito pelo interesse do menor, importa recordar que o exercício das responsabilidades parentais, quer para os actos da vida corrente do menor, quer para as questões de particular importância para a vida do mesmo, foi entregue à requerente, sendo determinado que o menor residirá habitualmente com a mesma.

Já relativamente ao progenitor, nem sequer lhe foram atribuídas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pela confiança do menor à requerente.

E da matéria de facto provada não se pode retirar que os convívios que se revelem possíveis entre o progenitor e o menor são susceptíveis de causar a este danos psicológicos e emocionais. Desde logo porque não está demonstrada qualquer conduta passada ou presente do mesmo que possa ser caracterizada como culposamente violadora dos seus deveres para com o menor e que, por isso e pela gravidade do prejuízo causado no menor, fosse susceptível de desencadear a aplicação do disposto no art.º 1915º do Código Civil, inibindo-o do exercício das suas responsabilidades parentais.

Ou, dito de outra forma, a interpretação do conceito de superior interesse da criança que a requerente defende conduziria a suprimir, na sua totalidade, as responsabilidades parentais do progenitor, quer por ficar afastado do exercício das mesmas no que concerne aos actos da vida corrente do menor e às questões de particular importância para a vida do mesmo, quer por ficar afastado dos convívios com o menor, com os quais sempre se visará o desenvolvimento intelectual e moral do mesmo, através da fixação, ao longo do seu crescimento, da importância das figuras parentais como referenciais de vida. Que é o mesmo que afirmar que a não consideração de convívios entre o progenitor e o menor, ainda que nos termos genéricos que foram decididos (justificado pelo desconhecimento actual do seu paradeiro), e sempre condicionados ao prévio acordo com a requerente, corresponderia à violação do disposto no art.º 1885º, nº 1, do Código Civil.

Pelo que, nesta parte, improcedem as conclusões da requerente, havendo que manter a decisão recorrida, quanto ao regime de convívios entre o menor e o seu pai.
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Das responsabilidades parentais atribuídas à mãe do menor.
Quanto a esta questão, foi decidido que “o menor residirá habitualmente com a irmã [S.M.], a qual decide quer as questões da vida corrente quer as de particular importância da criança”, e bem ainda que “À progenitora caberão as responsabilidades parentais na parte não prejudicada”.
Tal decisão ficou assim fundamentada:
(…) em face do circunstancialismo descrito, o bem-estar do menino e a sua formação integral recomenda que se mantenham junto da irmã, com quem tem vivido até esta data. Ademais, está junto dos irmãos [T. e N.], que também viveram consigo quando estava com a mãe e depois com a irmã.
Residirá pois habitualmente com a irmã [S.M.], a qual decidirá os actos da vida corrente do irmão - art. 1906º, nº1 do Código Civil.
Quanto às questões de particular importância, estas questões serão nomeadamente:
-intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos para a saúde dos menores;
-interrupção da gravidez;
-prática de actividades desportivas radicais;
-saídas do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo;
-educação religiosa do menor;
-frequência de actividades extra-curriculares;
-matrícula em estabelecimento de ensino privado;
-mudança de residência para local distinto da pessoa a quem foi confiado o menor;
-actos de disposição ou oneração de bens do menor;
-autorização para menor com mais de 16 anos contrair matrimónio (v. “O Divórcio e Questões Conexas”, Dr. Tomé Ramião, Quid Juris, pág. 147).
No presente caso, dadas as circunstâncias em que a criança foi entregue à irmã, pouca comunicação entre a mãe e irmã e desconhecimento do paradeiro do pai, é crucial que [S.M.] possa decidir estas questões sozinha, sob pena de total inoperacionalidade, aplicando-se a exceção contida no art. 1906º, nº 2 do CC. Tal já havia sido decidido em regime provisório e tem o acordo da irmã e mãe.
Dispõe o nº 6 do art. 1906º do CC:
“Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.”
Pelo que, deverá a irmã informar a progenitora da questões mais relevantes da vida de [R.].
Atento o disposto no art. 1907º do CC, sendo o menor confiado a terceira pessoa, que não é o pai nem a mãe, cabe atribuir a um destes as responsabilidades parentais na parte não prejudicada. Sendo a mãe a única que tem contacto com o filho, caberá a esta a vigilância da forma como [S.M.] desempenha as funções de cuidar de [R.]”.

A requerente insurge-se contra o decidido, nesta parte, sustentando que a circunstância do menor ter sido retirado à progenitora em sede de medida de promoção e protecção, bem como os hábitos alcoólicos desta, justifica que nem sequer devam ser atribuídas à progenitora as responsabilidades parentais, na parte não prejudicada pela atribuição, à requerente, do exercício das responsabilidades parentais no que concerne aos actos da vida corrente do menor e às questões de particular importância para a vida do mesmo.

Repetindo o que acima já se referiu, do art.º 1906º do Código Civil, aplicável ex vi art.º 1912º do Código Civil, decorre que, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, sendo que ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho, e sendo a decisão tomada sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Mais decorre do art.º 1907º do Código Civil que, por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918º, o filho pode ser confiado à guarda de terceira pessoa, cabendo a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções e decidindo o tribunal em que termos são exercidas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pela confiança do menor à terceira pessoa e pela atribuição à mesma dos poderes e deveres dos pais.

E do art.º 1918º do Código Civil decorre que quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais, pode o tribunal decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência.

Ou seja, a atribuição do exercício das responsabilidades parentais a terceira pessoa pressupõe a existência de uma situação em que a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo. Mas sem que a gravidade dessa situação signifique que qualquer um dos progenitores (ou mesmo ambos) deve ser inibido do exercício das responsabilidades parentais. E é por isso que esse ou esses progenitores, não ficando inibidos do exercício das responsabilidades parentais, mas ficando sem a guarda do menor e sem o exercício do conjunto de poderes e deveres correspondentes àqueles exigidos para o adequado desempenho das funções pela terceira pessoa a quem a guarda em questão é confiada, apenas “reservam” para si o exercício do remanescente das responsabilidades parentais.

E é através desta distribuição do exercício das responsabilidades parentais que fica assegurado o superior interesse da criança, já que a parte não prejudicada do exercício das responsabilidades parentais tem sempre por medida e limite as necessidades com a segurança, a saúde, a formação moral e a educação do menor que se encontrava em perigo, e que, por isso, justificam a sua guarda por terceira pessoa, com a atribuição a esta dos poderes e deveres necessários à prossecução desse fim.

Ora, no caso concreto dos autos e como decorre da matéria de facto provada, a situação pessoal da progenitora e a sua conduta relativamente aos seus filhos menores justificou apenas a aplicação de uma medida de promoção e protecção de apoio junto da requerente, com carácter temporalmente limitado, não determinando qualquer decretamento judicial da inibição do exercício das responsabilidades parentais da progenitora nem justificando esse raciocínio que, como já acima se disse (relativamente ao progenitor), passa por poder caracterizar uma conduta como culposamente violadora dos seus deveres para com o menor e que seja causadora de graves prejuízos ao mesmo.

O que equivale a afirmar que o superior interesse do R. está salvaguardado com a atribuição da sua guarda à requerente e com o exercício por esta das responsabilidades parentais, quer para os actos da vida corrente do menor, quer para as questões de particular importância para a vida do mesmo, como são aquelas elencadas na fundamentação da decisão recorrida, cabendo à progenitora o exercício das responsabilidades parentais na parte não prejudicada por aquela atribuição a terceira pessoa, a par do exercício do direito à informação sobre o modo como são exercidas por esta as referidas responsabilidades parentais, em respeito pelo disposto no art.º 1906º, nº 6, do Código Civil, e sempre tendo em vista a manutenção da relação de proximidade do menor com a sua progenitora, como impõe o nº 7 do referido art.º 1906º do Código Civil.

Pelo que, nesta parte, improcedem igualmente as conclusões da requerente, havendo que manter a decisão recorrida, quanto à determinação das responsabilidades parentais atribuídas à mãe do menor.

Ou seja, pese embora a procedência parcial da impugnação quanto à decisão da matéria de facto, improcedem no mais as conclusões da requerente, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida.

DECISÃO.
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza).



Lisboa, 20 de Dezembro de 2017



António Moreira
Lúcia Sousa
Magda Geraldes