Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1600/19.0T9OER.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: DEVASSA DA VIDA PRIVADA
FACEBOOK
PERFIS PÚBLICOS E PRIVADOS
UTILIZAÇÃO PÚBLICA DE IMAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - O argumento que os recorrentes avançam, radica na circunstância de considerarem que se não pode presumir que o 1º assistente, pelo mero facto de ter postado uma foto sua, juntamente com os seus filhos, na sua página de uma rede social, estaria a permitir o seu uso, designadamente para efeitos jornalísticos.
II. Não restam dúvidas que é dever de um pai proteger a imagem dos seus filhos, em termos públicos. Sucede, todavia, que não foi esse o caminho tomado pelo 1º assistente, que decidiu postar uma foto familiar, naquilo que era a sua página pessoal de uma rede social.
III. A imagem foi tornada pública por quem tinha legitimidade para o fazer (o 1º assistente, na sua página do Facebook) e, a partir desse momento, a sua utilização, desde que lícita, não é proibida por lei. Um dos riscos da publicação e partilha de conteúdos de carácter muito pessoal, é precisamente essa – o seu uso por terceiros, para fins lícitos, que pode ser muito pouco apreciado por quem tomou a inicial decisão de destinar essa imagem ao consumo público.
IV. O problema da publicação desse tipo de imagens é precisamente essa; ao torná-la acessível ao público em geral (qualquer pessoa pode aceder ao Facebook, mesmo que não tenha conta, e tomar conhecimento do que lá se mostra publicamente postado), o dono da imagem perde o controlo sobre o seu uso e não se pode opor à sua divulgação, desde que os fins que presidem à mesma se não mostrem ilícitos ou ilegítimos. Se não quer perder tal controlo – o que é sensato e razoável – não publique e não partilhe. Ninguém o obriga a postar nada que não queira…
V. Questão diversa é a de saber se, em sede de princípios morais, não deveria ter havido lugar, desde o início, à desfocagem da imagem de todas as pessoas presentes na foto, que não fossem o 1º assistente e a resposta afigura-se óbvia – devia sim. Tanto devia que, na segunda publicação da notícia, tal foi feito.
VI. Mas uma crítica em sede moral ou ética nem sempre corresponde ou configura um ilícito criminal. E, no caso, de facto, não existe tal correspondência, pela singela razão de que os pressupostos do tipo exigem um comportamento que vai para além dessa mera censura moral; ou melhor, o que a lei previne e pune é o aproveitamento e utilização de uma imagem, que retrata alguém, imagem essa que o próprio não tornou acessível ao público e a quem não foi pedido consentimento para tal fim.
VII. O que o art.º 199 do C.Penal não permite é a utilização de fotos que não sejam destinadas ao público, ainda que licitamente obtidas e usadas para fins lícitos. Não é esse o caso dos autos.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I – relatório
1. Identificação dos intervenientes processuais
Assistentes: VCCB, CFCP e VAECF
Arguido: LVA.
2. No seguimento da queixa apresentada e findo o inquérito, o MP, procedeu ao arquivamento dos autos porquanto entendeu que, relativamente ao crime de devassa da vida privada não estaria preenchido o elemento subjectivo do tipo de crime e quanto ao crime de fotografias ilícitas os factos não integrariam os elementos objectivos do tipo de ilícito.
3. Vieram então os assistentes requerer abertura de instrução, pugnando pela pronúncia dos arguidos, pela prática dos crimes de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelo art.º 199.º, n.º 2, al. b), do CP, conjugado com os art.ºs 199.º, n.º 3, e 197.º e de devassa da vida privada, pep pelo art.º 192 do mesmo diploma legal.
4. Finda a instrução, em 19 de Abril de 2022, foi proferida a seguinte decisão, pela Mª JIC:
Em face do exposto, decide-se não pronunciar os arguidos LVA e SPSJF, pela prática dos crimes de devassa da vida privada, p.p. pelo artigo 192º e de gravações e fotografias ilícitas, p.p. no artigo 199º, n.º 2 alínea b) e n.º 3 e 197º do CP, ou por quaisquer outros.
5. Inconformados, os assistentes interpuseram recurso desta decisão, pugnando pela revogação do despacho de não pronúncia e a sua substituição por outro que pronuncie o arguido LVA pela prática do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelo art.º 199. º, n.º 2, al. b), do CP, conjugado com os art.ºs 199.º, n.º 3, e 197. º, que lhes haviam imputado.
6. O recurso foi admitido.
7. O M.º P.º respondeu à motivação apresentada, defendendo a sua improcedência.
8. Neste tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se em idêntico sentido.
 9. Na sua resposta, os recorrentes mantiveram o já por si invocado.

II – questão a decidir.
Enquadramento jurídico dos factos.
 
iii – fundamentação.
1. A decisão sobre a qual recai a censura dos recorrentes, tem o seguinte teor:
 Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico-criminal efectuada no mesmo douto despacho.
***
Da prova produzida no inquérito e na instrução e do enquadramento jurídico:
Factos indiciariamente apurados:
No dia 01 de Outubro de 2018, para ilustrar a notícia sobre duas publicações feitas pelo primeiro assistente na sua página pessoa na rede social facebook, a TVI, no jornal da uma, apresentado pela jornalista CR, divulgou uma fotografia do perfil do primeiro assistente onde está retratada a sua família (incluindo os segundo e terceiro assistentes e seus filhos menores).
A referida fotografia, durante a supra referida reportagem noticiosa da autoria de LVA, aparece três vezes para ilustrar uma notícia que nada tem a ver com a vida pessoal e familiar do assistente, mas sim com as publicações que o mesmo decide fazer na sua página de facebook e nas quais alude ao processo XYZ.
A fotografia em que o ora 1º assistente surge acompanhado pelos seus filhos menores, pelo seu filho maior, V e pela sua mulher surge durante a referida reportagem, aos minutos 14.38, 15.03, 15.38 do programa jornal da uma do referido dia.
Mais tarde, a própria TVI, no dia 01.10.18, no jornal das 8, apresentado pelo jornalista PP, voltou a usar a fotografia por duas vezes, numa versão mais curta da mesma reportagem e já com as caras da família do 1º assistente distorcidas.
O autor da reportagem foi o arguido LVA.
Os arguidos não obtiveram autorização dos retratados para divulgarem tal fotografia no contexto da reportagem.
A reportagem teve uma enorme divulgação pública, pois, como é sabido, o jornal da uma da TVI é um dos telejornais com maiores níveis de audiência em Portugal e a matéria em apreço estava a suscitar uma grande atenção pública.
Na imagem divulgada pelos arguidos está em causa a família do assistente e a sua imagem no contexto dessa mesma família, pela 2ª assistente e pelo 3º assistente, igualmente retratado na fotografia divulgada.
Os assistentes ficaram magoados pela divulgação pública da sua imagem de família, que ficou assim exposta à curiosidade e maledicência públicas.
Factos não indiciariamente apurados:
A exibição da reportagem foi do conhecimento do arguido SPSJF que, à época, era o director da informação da TVI, que autorizou e determinou tal divulgação.
Os arguidos previram necessariamente que a divulgação da imagem em apreço devassaria a vida privada dos ali retratados, que viam a sua imagem exposta no contexto de uma reportagem que se reportava ao envolvimento do 1º assistente no processo relativo ao desaparecimento das armas de XYZ, onde lhe era imputada uma actividade de índole criminosa.
Os arguidos sabiam que ao divulga-la estavam a agir contra a sua vontade presumida, o que não lhes era permitido.
Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas.
Da fundamentação relativamente aos factos que se consideram estar suficientemente indiciados ou não indiciados:
No que concerne aos factos indiciariamente apurados os mesmos resultam da inquirição dos ofendidos, que se constituíram assistentes, VCCB, CFCP e VAECF que confirmaram na íntegra o teor da queixa-crime apresentada, tendo a última acrescentado que a situação a afetou psicologicamente, tendo-lhe sido diagnosticada uma depressão, que a obrigou a ficar de baixa um mês.
Foi constituído arguido o diretor de informação da TVI, SPSJF, o qual não prestou declarações.
Indagada pelo Tribunal veio a TVI informar que o jornalista responsável pela reportagem foi LVA, o qual também constituído arguido não prestou declarações.
Foi ainda junta aos autos uma pen drive com a reportagem em apreço.
No que se refere aos factos não indiciariamente apurados, os mesmos são o resultado de não se ter feito prova acerca deles, designadamente que o arguido SPSJF tivesse tido conhecimento da reportagem, e, quanto aos factos referentes aos elementos subjectivos, a falta de indiciação resulta de os factos objectivamente apurados apontarem em sentido diverso.
 Na verdade, sendo o próprio assistente VCCB que publica conteúdos que pretende sejam vistos pelas pessoas em geral, no seu facebook, sem que restrinja a publicidade, e que divulga como fotografia de perfil, sabido pela generalidade dos utilizadores de facebook que é pública, uma fotografia dos seus filhos menores e da sua mulher, não há razão para alguém presumir que a divulgação da tal fotografia devassa a vida privada ou é contrária à sua vontade.
O assistente podia ter qualquer outra fotografia de perfil, designadamente só com a sua imagem, mas, no uso do seu poder paternal, decidiu revelar, no facebook, de forma pública, uma fotografia dos seus filhos menores, certamente sabendo que qualquer pessoa a poderia ver desde que aceda ao seu facebook. Isto é, no momento da reportagem, qualquer pessoa que acedesse ao facebook do assistente poderia ver a imagem que foi exibida na televisão. Num mundo dominado pelas redes sociais, é do domínio comum que a foto de perfil é pública, e os assistentes não invocam desconhecimento dessa definição de privacidade da rede social Facebook.
Não se vê, pois, como possa invocar-se que os arguidos agiram de forma consciente com intenção de devassar a privacidade dos assistentes ou publicar contra a sua vontade uma fotografia relativamente à qual não obtiveram autorização para publicitar porque se alguém o fez primeiramente foi o assistente, que, aliás, propositadamente, para que as pessoas acedessem a esse conteúdo, veio tecer considerações acerca do processo XYZ. Aliás, a fotografia é mostrada de forma muitíssimo breve e o destaque vai para os comentários feitos pelo assistente VCCB, donde se retira que não havia intenção do arguido de colocar enfase na fotografia. Mas, qualquer pessoa que nesse momento acedesse ao facebook do assistente poderia ver, aliás com muito mais calma e pormenor, a dita fotografia cuja divulgação os assistentes entendem ser uma devassa da sua vida privada.
O crime de devassa da vida privada está previsto no art.º 192.º do Código Penal, dispondo o artigo que “Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio electrónico ou facturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.”. O bem jurídico protegido pelo preceito é o direito à intimidade.
Como elemento subjetivo do ilícito-tipo, o legislador optou por exigir o dolo direto, previsto no n.º 1 do art.º 14 do Código Penal, fazendo depender a punibilidade da intenção de devassar a vida privada das pessoas.
 No caso, não existindo essa intenção, não está preenchido o elemento subjectivo deste tipo de crime.
O crime de gravações e fotografias ilícitas está consagrado no art.º 199.º do Código Penal, dizendo, na parte que respeita aos presentes autos: “Na mesma pena (pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias) incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.”
Pretendeu-se proteger aqui o direito à imagem, de forma específica, como bem jurídico pessoal, com a estrutura de uma liberdade fundamental, que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.
No caso dos autos, foi o assistente quem permitiu que a sua imagem e da sua família ficasse à disposição de quem a quisesse ver e os brevíssimos instantes em que a fotografia é visível em nada se comparam à possibilidade que o assistente concedeu ao público em geral de visualizar constantemente a sua fotografia, da sua mulher e dos seus filhos, a qual, aliás, tinha obrigação de proteger, por se tratarem de menores.
Quanto ao arguido SPSJF, dispõe o artigo 31º, n.º 3 da lei 2/99 que o director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.
 Portanto, a esse respeito, dúvidas não restam que os factos descritos na acusação não são suficientes para imputar algum tipo de responsabilidade criminal a este arguido.
Quanto ao arguido LVA, atentos os considerandos acima tecidos, considero não estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime que lhe eram imputados.

2. O recorrente manifesta a sua discordância alegando, em sede conclusiva:
A. Os Recorrentes não se conformam com a não pronúncia do autor da reportagem, o Arguido LVA, pela prática do crime previsto no art.º 199.º, n.º 2, al. b), e n.º 3 do Código Penal, devidamente conjugado com o art.º 197.º do mesmo diploma.
B. A decisão instrutória deu como indiciariamente apurados os factos supra transcritos no n.º 9 da motivação do recurso, o que foi adequado, sem prejuízo de dever ser aditado que, quando a notícia se refere ao processo de XYZ, se reporta a uma alegada participação criminosa do 1.º Assistente nesse processo (como decorre do teor da própria notícia).
C. No que ora releva, o Tribunal não considerou indiciariamente provada a seguinte matéria:
i) O Arguido LVA sabia que ao divulgá-la estavam a agir contra a vontade presumida dos Assistentes;
ii) O Arguido LVA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.
D. A questão fundamental tem a ver com a circunstância de se dar ou não como indiciariamente provado que o Arguido LVA sabia que, ao divulgar a fotografia em causa, estava a agir contra a vontade presumida dos Assistentes.
E. A decisão recorrida considera que, tendo o 1.º Assistente publicado a fotografia em causa como fotografia de perfil no seu Facebook, não há razão para alguém presumir que a sua divulgação na reportagem da TVI é contrária à vontade dos Assistentes.
F. Ressalvado o devido respeito, é manifesto que, pelo menos indiciariamente, se deve considerar que a divulgação da fotografia na reportagem em causa foi contra a vontade presumida dos Assistentes, pelas seguintes razões:
i) primeiro, porque a divulgação de uma fotografia como fotografia de perfil numa página privada do Facebook não tem o mesmo significado, alcance ou difusão dessa mesma fotografia no serviço noticioso da TVI ou em qualquer outro canal de televisão de projecção idêntica;
ii) segundo, porque, de acordo com um critério de experiência comum e do mais elementar bom senso, é de presumir que os membros de uma família — marido, mulher e filhos — não autorizariam a divulgação da sua fotografia familiar para ilustrar, numa reportagem televisiva, uma notícia acerca do envolvimento de um dos seus membros numa actividade alegadamente criminosa e de grande impacto público (como então acontecia com o chamado processo XYZ);
iii) terceiro, porque, mesmo que se pudesse considerar que não era de presumir que a divulgação da fotografia do 1.º Assistente fosse contra a sua vontade (considerando que já era do domínio público o seu envolvimento no chamado processo XYZ), é evidente a presunção de que pelo menos a divulgação da mulher e dos filhos do Assistente estava a ser feita contra a vontade de todos eles, atendendo a que a notícia relatava uma actividade alegadamente criminosa do seu marido e pai;
iv) quarto, porque foi o próprio Arguido quem acabou por reconhecer que essa seria a vontade presumida pelo menos da 2.ª e do 3.º Assistentes, bem como dos demais filhos dos Assistentes, porque, como a decisão instrutória reconhece, no Jornal das 8, numa versão mais curta da mesma reportagem, as caras da família do 1.º Assistente já aparecem distorcidas;
v) quinto, porque a própria decisão instrutória, ora recorrida, reconhece que a imagem familiar divulgada nada tem a ver com a notícia da TVI que incidia sobre o processo XYZ (onde alegadamente o 1.º Assistente estaria criminalmente envolvido), o que magoou os Assistentes, que assim ficaram expostos à "curiosidade e maledicência públicas".
G. Assim sendo, os incisos supra referido na conclusão C devem ser dados como indiciariamente provados. Idem, quanto ao inciso aditado e referido na conclusão B.
H. O direito à imagem abrange o direito de uma pessoa definir a sua própria auto-exposição.
I. O art.º 199.º, n.º 2, al. b) do CP, dispõe que deve ser punido quem utilizar, contra a sua vontade, fotografia de outra pessoa, mesmo que licitamente obtida (com o seu consentimento).
J. Como refere o ac. do TRP de 05/06/2015, aquilo que está em causa na incriminação é a proibição da intromissão não consentida de outrem no direito à imagem de cada um, designadamente através da divulgação de uma fotografia contra a vontade presumida do retratado, mesmo que a fotografia tenha sido obtida licitamente:
I — O direito à imagem constitui um bem jurídico penal autónomo tutelado em si e independentemente do ponto de vista da privacidade ou intimidade retratada.
II — O direito à imagem abrange dois direitos autónomos: o direito a não ser fotografado e o direito a não ver divulgada a fotografia.
III — O visado pode autorizar ou consentir que lhe seja tirada uma
fotografia e pode não autorizar que essa fotografia seja usada ou divulgada.
IV — Contra vontade do visado não pode ser fotografado nem ser usada uma sua fotografia.
V — É suscetível de preencher o tipo legal de crime de Gravações e fotografias ilícitas, do art.º 199. º nº 2. do Cód. Penal, a arguida que, contra a vontade do fotografado, utiliza uma fotografia deste, ainda que licitamente obtida e a publicita na Facebook. (sublinhados nossos). — cfr. sumário do ac. proferido no proc. n.º 101/13.5TAMCN.P1, rel. JOSÉ CARRETO, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
K. In casu, é evidente que o Arguido devia presumir que a divulgação daquela fotografia era contra a vontade dos Assistentes (e dos filhos menores do 1.º Assistente), atento o enquadramento familiar e o contexto da sua divulgação relativamente a uma potencial actividade criminosa do 1.º Assistente; pelo menos, devia presumir que essa divulgação era contra a vontade da 2.a e do 3.º Assistentes (bem como dos demais filhos do 1.º Assistente).
L. Que a vontade possa ser uma vontade presumida é o que resulta do ensinamento de COSTA ANDRADE (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 833).
M. Pelo exposto, deve o Arguido LVA ser pronunciado pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelo art.º 199.º, n.º 2, al. b), do CP, conjugado com os art.ºs 199.º, n.º 3, e 197.º, al. b), do CP, uma vez que o mesmo foi praticado através de meio de comunicação social, nos termos constantes do RAI, com as alterações decorrentes de não estar abrangido neste recurso nem a não pronúncia do outro Arguido, nem a prática do crime de devassa da vida privada.
3. Apreciando.
Como se vê, os recorrentes aceitam a não imputação a ambos os arguidos do crime de devassa da vida privada e não pretendem impugnar a não pronúncia do arguido SPSJF.
Assim, o presente recurso resume-se a apurar se a decisão de não pronúncia, relativamente ao arguido LVA, da prática do crime de p.e.p pelo art.º 199 do C.Penal, se mostra errada.
4. Vejamos então.
No que se refere à matéria factual que se mostra indiciada, os recorrentes não discordam da consideração a esse propósito realizada pela Mª juiz “a quo”, no seu despacho, na sua globalidade. No caso, discordam apenas que não tenha sido considerado como indiciariamente comprovado que:
i) O Arguido LVA sabia que ao divulgá-la estavam a agir contra a vontade presumida dos Assistentes;
ii) O Arguido LVA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.
E é com fundamento nessa errada apreciação probatória, de acordo com a sua perspectiva, que peticionam que tal matéria seja adicionada aos factos indiciados e, atendendo a tal aditamento, se pronuncie o arguido pela prática do sobre mencionado ilícito.
5. O argumento que os recorrentes avançam, para justificar esse erro conviccional, radica na circunstância de considerarem que se não pode presumir que o 1º assistente, pelo mero facto de ter postado uma foto sua, juntamente com os seus filhos, na sua página de uma rede social, estaria a permitir o seu uso, designadamente para efeitos jornalísticos, sendo que o que estava em questão era uma notícia que relatava o alegado envolvimento de um dos seus membros, numa actividade também ela alegadamente criminosa.
6. De facto, não restam dúvidas que é dever de um pai proteger a imagem dos seus filhos, em termos públicos.
Sucede, todavia, que não foi esse o caminho tomado pelo 1º assistente, que decidiu postar uma foto familiar, naquilo que era a sua página pessoal de uma rede social. Ora, se o 1º assistente, de facto, não pretendia que essa imagem pudesse ser observada e divulgada publicamente, para fins lícitos (e a notícia em questão não apresenta quaisquer contornos de preenchimento de fim ilícito ou ilegítimo), parece mais ou menos óbvio que a solução era simples – arranjava outra imagem de perfil (foto sua, uma paisagem, um objecto, o que quer que fosse…) ou não punha nenhuma. E postava a foto familiar, querendo, na parte privada, tornando-a apenas acessível a quem entendesse que à mesma devia poder aceder.
Não foi isto o que sucedeu.
7. Assim, ao divulgar publicamente uma imagem que o retrata, juntamente com a sua família, que se mostra acessível ao público em geral, não se vê como se mostra possível afirmar que tal foto não se destinava ao público.
Ao inverso, destinava-se sim. E quem a publicou (por alguma razão, quando se insere algo, sem ser em regime privado, numa rede social, se fala em publicação e partilha, isto é, em algo que se dirige ao público em geral) tornou-a, precisamente, do domínio público.
8. O que o art.º 199 do C.Penal não permite é a utilização de fotos que não sejam destinadas ao público, ainda que licitamente obtidas e usadas para fins lícitos.
Não assiste assim razão aos recorrentes quando alegam que a questão fundamental tem a ver com a circunstância de se dar ou não como indiciariamente provado que o Arguido LVA sabia que, ao divulgar a fotografia em causa, estava a agir contra a vontade presumida dos Assistentes.
9. No caso, as fotos estavam expostas ao público e, como tal, não está aqui em questão se é de presumir ou não que alguém se opusesse à sua divulgação pública, numa matéria jornalística ou num contexto de crítica. Não é essa a óptica da proibição. O que se previne e pune é o uso de uma imagem que não foi destinada ao público, isto é, que tenha sido obtida sem o consentimento dos retratados e que não lhes tenha sido pedido que consintam em a publicar.
10. Não é este o caso dos autos, já que estamos perante uma foto de família tirada com o consentimento dos próprios e, no que respeita aos menores, com o acordo dos seus progenitores (se assim não fosse, não teria sido postada por um dos retratados, sendo certo que nenhum dos restantes suscita a questão de, para tal não ter dado o seu consentimento), foto esta que foi tornada pública e que foi usada para um fim lícito.
11. Questão diversa é a de saber se, em sede de princípios morais, não deveria ter havido lugar, desde o início, à desfocagem da imagem de todas as pessoas presentes na foto, que não fossem o 1º assistente e a resposta afigura-se óbvia – devia sim. Tanto devia que, na segunda publicação da notícia, tal foi feito. Mas uma crítica em sede moral ou ética nem sempre corresponde ou configura um ilícito criminal. E, no caso, de facto, não existe tal correspondência, pela singela razão de que os pressupostos do tipo exigem um comportamento que vai para além dessa mera censura moral; ou melhor, o que a lei previne e pune é o aproveitamento e utilização de uma imagem, que retrata alguém, imagem essa que o próprio não tornou acessível ao público e a quem não foi pedido consentimento para tal fim.
12. No presente, tal não foi o caso. A imagem foi tornada pública por quem tinha legitimidade para o fazer (o 1º assistente, na sua página do Facebook) e, a partir desse momento, a sua utilização, desde que lícita, não é proibida por lei.
Um dos riscos da publicação e partilha de conteúdos de carácter muito pessoal, é precisamente essa – o seu uso por terceiros, para fins lícitos, que pode ser muito pouco apreciado por quem tomou a inicial decisão de destinar essa imagem ao consumo público. O problema da publicação desse tipo de imagens é precisamente essa; ao torná-la acessível ao público em geral (qualquer pessoa pode aceder ao Facebook, mesmo que não tenha conta, e tomar conhecimento do que lá se mostra publicamente postado), o dono da imagem perde o controlo sobre o seu uso e não se pode opor à sua divulgação, desde que os fins que presidem à mesma se não mostrem ilícitos ou ilegítimos. Se não quer perder tal controlo – o que é sensato e razoável – não publique e não partilhe. Ninguém o obriga a postar nada que não queira…
13. Do que se deixa dito resulta que os factos que os assistentes pretendem aditar se não mostram indiciados, sendo certo que, no que respeita ao mencionado em i. (i) O Arguido LVA sabia que ao divulgá-la estavam a agir contra a vontade presumida dos Assistentes) nem sequer tal factualidade tem, neste caso concreto, qualquer relevo para preenchimento dos elementos do tipo.

14. A instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Tem-se em vista a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art.º 308º nº1 do C.P.Penal). Concluindo-se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia; caso contrário, o despacho será de não pronúncia.
15. Atento tudo o que se mostra acima referido, resta-nos apenas considerar que a matéria probatória indiciária apurada nos presentes autos não nos permite concluir que se possa formular um juízo de probabilidade séria, qualificada, de que o arguido tenha, através de uma sua conduta dolosa, praticado o crime que lhe era imputado pelos assistentes, por falta de preenchimento dos elementos do tipo, o que, desde logo, determina a justeza da sua não pronúncia.
                                                            
iv – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelos assistentes VCCB, CFCP e VAECF, mantendo-se o despacho alvo de recurso.
Condenam-se os recorrentes no pagamento da taxa de justiça de 4 UC. Cada.
                                                          
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2023
Maria Margarida Almeida
Ana Costa Paramés
Maria da Graça Santos Silva

Segue voto de vencida:
DECLARAÇÃO DE VOTO (1ª Juíza adjunta)

Os assistentes VCCB, CFCP e VAECF, vieram interpor recurso da decisão não pronúncia do autor da reportagem, o arguido LVA, da prática do crime, previsto e punível, no art.º 199.º, n.º 2, al. b), e n.º 3 do Código Penal, devidamente conjugado com o art.º 197.º do mesmo diploma legal.
E, em nossa opinião, assiste razão aos assistentes pelos seguintes fundamentos que passamos a expor:
Contrariamente ao que acontece em muitos sistemas jurídicos, nomeadamente, o francês e o alemão, o ordenamento jurídico português consagra na Constituição da República Portuguesa o direito à imagem, no art.º 26.º nº.12 da C.R.P.
O direito à imagem constitui, assim, um direito fundamental, um direito de personalidade, absoluto, como os demais direitos de personalidade, pois que não se lhe contrapõe um dever jurídico de pessoas determinadas mas antes uma obrigação universal.
Uma vez que a constituição não delimita o âmbito de protecção deste direito torna-se necessário recorrer à lei ordinária para esse efeito.
 O art.º 79º do Código Civil, constitui a base para a delimitação do conceito constitucional do direito o à imagem.
Dispõe o nº1 do citado art.º 79.º sobre a epigrafe de direito á imagem:
«1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada
2.  Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente».
O direito da imagem de uma pessoa é um bem jurídico pessoal, uma forma particular de respeito da sua personalidade, cuja tutela penal assenta no consentimento do próprio em relação a esse reduto da sua intimidade/privacidade, ou, por outras palavras, cuja tutela penal reside no reconhecimento à pessoa do domínio exclusivo sobre a sua própria imagem, cabendo-lhe a ela e apenas a ela, decidir quem pode gravar, registar, utilizar, ou divulgar a sua imagem.
A tutela penal do direito à imagem está prevista no art.º 199, do C. Penal que sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”, dispõe:
“1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
O direito à imagem era protegido, nos termos do art.192º, do Código Penal, na versão de 1992, no âmbito do crime de violação da reserva da vida privada.
O texto adoptado pelo Código Penal de 1982 no art.192º que era «ser o de fotografar, filmar ou registar aspectos da vida particular de outrem» com a alteração ao Código Penal de 1995 é substituído pela expressão «fotografar ou filmar outra pessoa» - cf. art.º 199º, nº 2, al. a do C.P.
Com esta alteração ao Código Penal, o direito à imagem passa, assim, a ser protegido criminalmente como um tipo autónomo e individualizado, no citado art.º 199º do Código Penal, relativamente ao crime   de violação da reserva da vida privada, previsto no art.º 192º do Código Penal.
Estamos de acordo que se mostram indiciados nos autos os factos supra elencados no acórdão deste Tribunal da Relação, designadamente:
«No dia 01 de Outubro de 2018, para ilustrar a notícia sobre duas publicações feitas pelo primeiro assistente na sua página pessoal na rede social Facebook, a TVI, no jornal da uma, apresentado pela jornalista CR, divulgou uma fotografia do perfil do primeiro assistente onde está retratada a sua família (incluindo os segundo e terceiro assistentes e seus filhos menores).
A referida fotografia, durante a supra referida reportagem noticiosa da autoria de LVA, aparece três vezes para ilustrar uma notícia que nada tem a ver com a vida pessoal e familiar do assistente, mas sim com as publicações que o mesmo decide fazer na sua página de Facebook e nas quais alude ao processo de XYZ.
A fotografia em que o ora 1º assistente surge acompanhado pelos seus filhos menores, pelo seu filho maior, V. e pela sua mulher surge durante a referida reportagem, aos minutos 14.38, 15.03, 15.38 do programa jornal da uma do referido dia.
Mais tarde, a própria TVI, no dia 01.10.18, no jornal das 8, apresentado pelo jornalista PP, voltou a usar a fotografia por duas vezes, numa versão mais curta da mesma reportagem e já com as caras da família do 1º assistente distorcidas.
O autor da reportagem foi o arguido LVA.
O arguido não obtive autorização dos retratados para divulgarem tal fotografia no contexto da reportagem.
A reportagem teve uma enorme divulgação pública, pois, como é sabido, o jornal da uma da TVI é um dos telejornais com maiores níveis de audiência em Portugal e a matéria em apreço estava a suscitar uma grande atenção pública.
Na imagem divulgada pelo arguido está em causa a família do assistente e a sua imagem no contexto dessa mesma família, pela 2º assistente e pelo 3º assistente, igualmente retratados na fotografia divulgada.
Os assistentes ficaram magoados pela divulgação pública da sua imagem de família, que ficou assim exposta à curiosidade e maledicência públicas».
Defende o acórdão de que o presente voto de vencido faz parte que o assistente VCCB ao divulgar no Facebook publicamente como imagem de perfil uma fotografia que o retrata, juntamente com a sua família, isto é, os demais assistentes, CFCP e VAECF e os seus dois filhos menores, destinou essa fotografia ao público em geral e portanto tornou essa fotografia do domínio publico.
E que, no caso dos autos, tendo a referida fotografia sido tirada com o consentimento dos próprios e tornada pública pelo próprio assistente, este perdeu (dono da imagem)  o controlo sobre o seu uso e não se pode opor à sua divulgação, desde que os fins que presidem à mesma se não mostrem ilícitos ou ilegítimos.
Deste modo, considera o acórdão que não  se encontra preenchido o tipo e crime previsto no   art.º 199º do C.Penal, pois, o que este artigo não permite é a utilização de fotos que não sejam destinadas ao público, ainda que licitamente obtidas e usadas para fins lícitos, o que não foi o caso dos autos pois a imagem foi tornada pública por quem tinha legitimidade para o fazer (o 1º assistente, na sua página do Facebook ), pelo que, a partir daí, a sua utilização por terceiros, desde que licita, não é proibida por lei.
Salvo o devido respeito, estamos, em total, desacordo com o decidido e com os seus fundamentos.
Em nosso entender, a publicação (utilização) da fotografia do 1º assistente acompanhado da sua mulher do seu filho maior de idade, todos assistentes nos autos e, ainda, dos seus dois filhos menores, fotografia que foi obtida do perfil do  Facebook do 1º assistente, pelo arguido, jornalista que a  utilizou para ilustrar uma  reportagem jornalística que passou num meio de comunicação social, a  TVI, a propósito de um processo crime em que era arguido o 1º assistente, constitui quanto a nós uma violação ilegítima e grave do direito à imagem dos assistentes 
Estamos de acordo que as redes sociais como é o Facebook  constituem espaços abertos ao público e permitem a visualização pública das publicações e fotografias aí expostas, o que já  não podemos concordar é que essa possibilidade de visualização das fotografias comporte qualquer consentimento para a  utilização por terceiros dessas fotografais sem o consentimento do visado, isto é, que qualquer pessoa se possa apoderar  de uma fotografia pessoal e utilizá-la para os fins que lhe aprouver (publicitários, jornalísticos, postagens em bancos de imagens  etc.)  desde que os mesmos sejam lícitos
O facto de a fotografia ser de aceso público no sentido de poder ser visualizada por quem aceder à rede não significa que que seja um fotografia destinada ao público em geral e, muito menos, que esteja excluída da área protegida pelo direito à própria imagem do visado a possibilidade de ser utilizada por terceiro para os fins que lhe aprouver  desde que lícitos, porquanto, quanto a nós tal utilização carece sempre de consentimento expresso do visado, salvo, nos casos excepcionais, expressamente previstos na lei, para as figuras públicas .
Como tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais o conteúdo do direito à própria imagem é constituído por dois aspectos, um positivo e o outro negativo.
O seu aspecto positivo ou de «autodeterminação», significa que o seu titular tem o poder de dispor da representação da sua aparência física que permita a sua identificação e decidir quais informações gráficas da sua imagem podem ter uma dimensão pública.
Relativamente ao seu aspecto negativo ou "exclusivo", o titular do direito de a própria imagem tem o poder de impedir a obtenção, reprodução ou publicação de sua própria imagem por terceiros sem o seu consentimento- cf. neste Carlos Pinto e Abreu in «O DIREITO À IMAGEM: TODA A IMAGEM TEM O SEU PREÇO» pág. 2 e o  Ac. da  Relação do Porto  de 5/06/2015 proferido no proc. n.º 101/13.5TAMCN.P1, em que foi relator o Sr. Desembargador  JOSÉ CARRETO, disponível para consulta em www.dgsi.pt onde se afirma:
 «(…)  II. O direito à imagem abrange dois direitos autónomos: o direito a não ser fotografado e o direito a não ver divulgada a fotografia.
III.  O visado pode autorizar ou consentir que lhe seja tirada uma fotografia e pode não autorizar que essa fotografia seja usada ou divulgada.
IV. Contra vontade do visado não pode ser fotografado nem ser usada uma sua fotografia.
V. É suscetível de preencher o tipo legal de crime de Gravações e fotografias ilícitas, do art.º 199º nº 2. do Cód. Penal, a arguida que, contra a vontade do fotografado, utiliza uma fotografia deste, ainda que licitamente obtida e a publicita na Facebook».
Deste modo, o facto de a fotografia poder ser livremente visualizada através do Facebook não dava ao arguido qualquer legitimidade para a utilizar sem o consentimento dos assistentes, configurando essa conduta uma utilização ilícita da referida fotografia, por ter sido feita contra a vontade de quem ela retratava, isto é, dos assistentes.
A publicação de uma imagem numa rede social comporta o consentimento para que tal fotografia seja visualizada por contactos da própria rede ou até por terceiros segundo a configuração da privacidade escolhida mas, esse consentimento, não abrange a utilização de tal fotografia, sendo que, para tal é necessário o consentimento expresso e explícito do visado.
Acresce que,  contrário do que se afirma no despacho recorrido (pese embora tal circunstância  não tenha merecido relevância no acórdão da Relação a sua abordagem é necessária ao nosso raciocínio)  o facto de  o 1.º Assistente ter publicado a fotografia em causa como fotografia de perfil no seu Facebook, não permite concluir e nem há  razão válida para alguém presumir que a sua divulgação na reportagem da TVI, ainda, para mais, estando aquele  acompanhado dos restantes assistentes, sua mulher, filho maior e ainda dos seu dois filhos menores, absolutamente estranhos à noticia, está implicitamente consentida pelo 1º assistente.
Como já referimos o consentimento do vidado, embora não tenha que obedecer a qualquer formalidade, tem de ser expresso e inequívoco.
Por outro lado, de acordo com um critério de experiência comum e de normalidade dos acontecimentos, nunca seria de presumir que os membros de uma família — marido, mulher e filho — autorizariam a divulgação da sua fotografia familiar para ilustrar, numa reportagem televisiva, uma notícia acerca do envolvimento de um dos seus membros numa actividade alegadamente criminosa.
E tanto, assim, é que mais tarde, conhecedor da ilicitude da sua conduta, a própria TVI, no dia 01.10.18, no jornal das 8, apresentado pelo jornalista PP, voltou a usar a referida fotografia por duas vezes, numa versão mais curta da mesma reportagem mas já com as caras da família do 1º assistente distorcidas
No sentido por nós defendido pode ler-se a Sentencia do Tribunal Constitucional de Espanha 27/2020, que coincide com o critério seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça Espanhol, em STS 91/2017, e que fixou jurisprudência no sentido de que «(…) la publicación de una foto en el perfil de una red social de una persona anónima, configurado con carácter público o sin restricciones de privacidad, comporta —exclusivamente— el consentimiento expreso del titular a que dicha imagen sea accedida por los usuarios de Internet. Nada más.
Dicha actuación no constituye consentimiento expreso para que sea utilizada por cualquier tercero, para cualquier acto y con cualquier finalidad, como, por ejemplo, la futura publicación en una crónica de sucesos en la que, en principio, nadie espera verse envuelto. Tampoco constituye, en modo alguno, un acto propio que pudiera generar en el periódico la confianza de que contaba con la aquiescencia de la víctima para que publicara su foto de perfil»- (cf.https://revista-estudios.revistas.deusto.es/article/view/1827/2251 e Laura Flores Anarte em «FACEBOOK Y EL DERECHO A LA PROPIA IMAGEN: REFLEXIONES EN TORNO A LA STC 27/2020, DE 24 DE FEBRERO e «Derecho a la propia imagen versus libertad de información en redes sociales: la STC 27/2020, de 24 de febrero» Professor Jesús Alberto Messía de la Cerda Ballesteros- Universidad Rey Juan Carlos).
Face a todo o exposto e indiciando os autos que o arguido agiu, deliberada e conscientemente, da forma como o fez, considero existirem elementos indiciários suficientes nos autos da prática pelo arguido do crime previsto no art.º 199. º, n.º 2, al. b), e n.º 3 do Código Penal, conjugado com o art.º 197. º do mesmo diploma legal.
Em conclusão
Julgaria o recurso dos assistentes procedente e, em consequência, revogaria o despacho de não pronúncia e determinaria a sua substituição por outro que pronunciasse o arguido LVA pela prática do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelo art.º 199. º, n.º 2, al. b) e nº3 conjugado com o art.º 197. º, todos do Código Penal.

Ana Costa Paramés (voto de vencida da 1ª Juíza adjunta)