Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7397/19.7T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
PRESCRIÇÃO
PRESUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
LAUDOS DA ORDEM DOS ADVOGADOS
VALOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.– A prescrição estabelecida no Art. 317.º al. c) do C.C., para créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais, funda-se na presunção de cumprimento.

2.– Essa presunção de cumprimento, pelo decurso do prazo de 2 anos, só pode ser ilidida por confissão do devedor (Art. 313.º n.º 1 do C.C.), mas essa confissão pode resultar também da recusa do devedor em depor ou a prestar juramento no tribunal, ou da prática em juízo de atos incompatíveis com a presunção de cumprimento (Art. 314.º do C.C.).

3.–No caso, o Réu, apesar ter invocado que procedeu ao pagamento de honorários ao Autor, também pôs em causa a existência da obrigação, alegando que não foram prestados todos os serviços alegados, que alguns deles foram prestados no interesse do advogado-credor, sendo que também pôs em causa o valor da dívida ao apresentar um pedido de laudo na Ordem dos Advogados, questionando desse modo o valor efetivo dos serviços prestados.

4.–Tal corresponde a comportamento incompatível com a presunção de pagamento, nos termos do Art. 314.º “in fine” do C.C., ficando desse modo o devedor com o ónus de prova da exceção perentória do pagamento (Art. 342.º n.º 2 do C.C.).

5.–Os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.

6.–Na fixação dos honorários pela prestação de serviços no exercício da atividade da advocacia há que ter em atenção tempo despendido, a dificuldade do assunto, a importância dos serviços prestados, os resultados obtidos, as responsabilidades assumidas e os demais usos profissionais, para o que releva indiciariamente a valoração feita em parecer pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados.

7.–Provando-se que foram prestados determinados serviços, mas sem ter sido demonstrado o tempo despendido nesse trabalho, nem já se afigurando possível vir a fazer essa prova, deverá o tribunal, por analogia com o disposto no Art. 566.º n.º 3 do C.C., julgar qual o valor devido, dentro dos limites que tiver por provados, fixando a remuneração devida de forma equitativa.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


A, advogado, veio propor a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, a título de honorários e despesas, acrescida de IVA e juros de mora vencidos, contabilizados à data da propositura da ação em €4.053,70, e dos vincendos desde a data da propositura da ação, à taxa legal e sobre o capital em dívida, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto veio alegar, em síntese, ter prestado diversos serviços jurídicos e concedido várias consultas ao R., pelos quais emitiu e apresentou ao R. uma nota de despesas e honorários que totalizava o montante de €26.250,00.
O R. não procedeu ao pagamento do montante reclamado e pediu laudo à Ordem dos Advogados, o qual foi emitido e se mostra junto aos autos, aí se concluindo que seria de fixar laudo em €15.000,00.
Em conformidade, concluiu ser credor da quantia de €15.000,00, acrescida de IVA e de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Citado o R. contestou a ação confirmando que o mandato forense em causa se iniciou em 2006 e terminou em julho de 2008, mas alegou a prescrição dos juros de mora peticionados e a prescrição presuntiva dos créditos reclamados por serviços prestados há mais de dois anos (desde 2006 a junho de 2008), invocando que, no âmbito de esquema de usura  montado pelo A., efetuou entre 2006 e 2008 vários pagamentos em numerário ao A., alguns dos quais refletidos em sentença-crime, mas não todos, na medida em que esta só reflete os pagamentos dos juros usurários e os pagamentos do imposto de selo que o A., enquanto advogado do R., lhe cobrou. Assim, 11 anos volvidos sobre a data da execução do último ato de advogado referido na nota de honorários, o R. não consegue afirmar quando procedeu ao pagamento de honorários e os valores dessas prestações, mas pode afirmar que desde 2006 e até 2008 fez inúmeros pagamentos em numerário (a título de pagamentos de honorários e despesas) ao A. que nunca deu quitação dos mesmos, invocando mesmo que pagou em excesso, já que parte dos serviços jurídicos que o A. menciona na nota de honorários ou não foram prestados ou foram prestados no interesse do próprio A. e não do mandante R..

Alegou ainda que a propositura da presente ação encerra em si um abuso de direito, quer por dificultar a defesa dado o tempo decorrido, quer por fazer parte da senda judicial vingativa do A., que altera a verdade dos factos e omite factos relevantes para a decisão da causa, pelo que deve ser condenado, como litigante de má-fé, ao pagamento de multa e indemnização.

Concluiu no final no sentido da sua absolvição do pedido.

Findos os articulados o A. foi convidado a aperfeiçoar a petição inicial (cfr. fls. 130 e 131), o que este veio satisfazer (cfr. fls. 132 e seguintes), tendo o R. exercido o contraditório relativamente esse articulado (cfr. fls. 144 e seguintes).

Por seu turno, o A. também exerceu o contraditório relativamente à matéria de exceção inscrita no articulado de resposta de fls. 144 e seguintes.

Dispensada a realização de audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador que fixou os temas de prova e o objeto do litígio, admitindo os meios de prova requeridos pelas partes.

Designada audiência de julgamento, foi produzida a prova e finda a discussão da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada, nos seguintes termos:
a)-Julgou improcedente a exceção perentória de prescrição presuntiva;
b)-Julgou procedente a exceção de prescrição de juros de mora relativamente aos juros vencidos desde 22 de julho de 2008 até 08 de julho de 2014 e, consequentemente, absolveu o R. do pedido de pagamento de juros vencidos por referência a tal período;
c)-Condenou o R. a pagar ao A. a quantia de €9.000,00, acrescida de IVA, e de juros de mora legais, à taxa civil, vencidos desde 9 de julho de 2014, e nos vincendos até integral pagamento;
d)-Absolveu o R. do remanescente peticionado; e
e)-Não condenou o A. como litigante de má-fé.

É dessa sentença que o R. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1)–Na presente ação não se peticiona o pagamento de um crédito mas de vários, já que cada serviço jurídico prestado por um advogado será gerador de uma concreta dívida do seu cliente.
2)–O Réu não admitiu terem sido prestados todos os serviços dados como provados mas apenas e tão-só os referidos nos artigos 24.º, 25.º e 27.º do presente recurso, nos moldes ali indicados, pelo que só esses poderiam considerar-se demonstrados.
3)–À falta de prova documental dos serviços – e nenhuma foi junta – só poderiam, no máximo, ser dados como confessados os serviços indicados nos artigos a que nos referimos na conclusão anterior, dando-se como não provados todos os outros que se incluem no facto provado 4, por aplicação das regras que regem o ónus da prova, nomeadamente o disposto no número 1 do artigo 342.º do CC.
4)–A confissão judicial feita pelo Autor de que o Réu procedeu ao pagamento de honorários, bem como a inversão do ónus da prova por via da prescrição presuntiva não ilidida e da impossibilidade de prova dos pagamentos pelo onerado (por culpa do Autor que não faturou os serviços nem deu quitação dos pagamentos que confessou ter recebido), impunham que se desse como provado o facto não provado EE) e que o Réu pagou os serviços que o Autor alegou serem-lhe devidos - e, por maioria de razão, os que, desses, sejam dados como provados -, pelo que foi violado o disposto nos artigos 312.º, 314.º e 317.º/alínea c) do CC, bem como o número 2 do artigo 344.º do mesmo diploma.
5)–O mesmo efeito tem o abuso de direito com que a presente ação foi movida mais de 10 anos após a data do último serviço cujo pagamento é peticionado (o que, tendo sido desconsiderado, consubstancia violação do disposto no artigo 334.º do CC) e a obrigação de imputar os pagamentos feitos à conta final, como impõe o número 4 do artigo 7.º do regulamento de laudos por honorários.
6)–Na medida em que cada serviço jurídico prestado por um advogado será gerador de uma concreta dívida do seu cliente – e que o caso sub judice não é exceção -, impendia sobre o Autor o ónus de alegar o tempo dedicado a cada concreto serviço, que é pressuposto da responsabilidade civil contratual que pretende reconhecida, o que não fez na P.I. nem na P.I. aperfeiçoada.
7)–Tal falta não era suscetível de ser objeto de convite ao aperfeiçoamento – cf. n.º 3, 4 e 5 do artigo 590.º do CPC - e nem assim foi sanada, pois que afirmar que o “Autor estima que tenha despendido em todos estes trabalhos um número de horas claramente superior a 330”, como se fez na P.I. aperfeiçoada, não cumpre o referido desiderato de alegar o tempo dedicado a cada concreto serviço, pelo que se violou o disposto no número 1.º do artigo 5.º e na alínea d) do número 2 do artigo 552.º do CPC, que impunham a total improcedência do pedido.
8)–O Autor alegou serem-lhe devidos pagamentos por serviços que foram apreciados em decisões judiciais.
9)–Em sentença junta aos autos e proferida no processo 16616/08.4YYLSB, deu-se como provado que a confissão de dívida que constituía título executivo é falsa – tal confissão foi forjada pelo Autor, tanto que consta da nota de honorários e é indicada na P.I. como sendo um dos serviços em dívida.
10)–Em sentença penal condenatória já transitada e junta aos autos foi dado como demonstrado que os serviços a que se refere o facto dado como provado 4 (V a IX, inclusive) foram instrumentais ao esquema de usura pensado, executado, mantido e aprofundado pelo Autor, por esses factos condenado a pena de prisão
11)–Contrariar o decidido pelos tribunais que proferiram estas decisões é violador do disposto no número 2 do artigo 205.º da CRP e as constatações inscritas nas duas conclusões antecedentes terão que ter, obrigatoriamente e salvo mais esclarecido entendimento, um duplo efeito.
12)–Por um lado, tais serviços não poderão ser considerados devidos pelo Réu, já que serviram apenas e tão-só os interesses e intuitos comprovadamente criminosos do Autor, violando-se, caso se considere o contrário, o caso julgado penal.
13)–Por outro, ao pretender cobrar esses serviços que visaram franquear os seus interesses ilícitos, o Autor omitiu factos relevantes, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e alterou a verdade dos factos – cf. alíneas a) e b) do número 2 do artigo 542.º do CPC -, de tal forma que em poucos casos a litigância de má-fé será tão clara, ainda para mais quando a isto se soma a confissão de que o Réu pagou honorários, em todas as fases do processo omitida pelo Autor, que os recebeu e confessou ter recebido, embora o tenha feito em autos diversos destes.
14)–A condenação do Autor como litigante de má-fé não pode deixar de ter lugar e de forma exemplar, como se peticionou na contestação e se requer a esse Venerando Tribunal, não sendo prejudicada sequer pelo facto de se dar como provada a realização dos “serviços” instrumentais do crime, pois que foi precisamente a sua realização que vitimou o seu cliente (aqui Réu) e compôs a motivação da decisão que condenou o Autor a pena de prisão, sendo que este nem assim se coibiu de nestes autos tentar cobrá-los.

Pede assim o provimento do recurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)-A impugnação da matéria de facto;
b)-A prestação de serviços por advogado;
c)-A prescrição presuntiva;
d)-O pagamento dos honorários e ónus de prova;
e)-A fixação dos honorários com recurso à equidade; e
f)-O abuso de direito; e
g)-A litigância de má-fé do A..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.–O A. é advogado, inscrito na respetiva Ordem, com a cédula profissional n.º 4900C do Conselho Distrital de Coimbra, como domicílio profissional no endereço supra indicado, fazendo da Advocacia profissão habitual e onerosa.
2.–O R. conferiu ao A., em procurações datadas de 04.12.2006 e 25.02.2008, cujas cópias se mostram insertas a fls. 35v e 36-37, poderes para o representar em juízo em diversos processos judiciais, resolução de litígios, e outros serviços jurídicos, nomeadamente a prestação de serviços de consultoria, informação e assistência jurídica, com elaboração de minutas de contratos, correspondência negocial, bem como o acompanhamento em negociações.
3.–Esses serviços foram prestados pelo A. entre novembro de 2006 e junho de 2008, à medida que lhe foram solicitados pelo R..

4.–O A. prestou ao R., a solicitação deste, os seguintes serviços:
I)–No âmbito do Processo n.º 2072/08.0TDLSB, junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, em que foi participante o R. e participada a Dra. Carla .....:
- Em 31.01.2008 o A. reuniu com o R. a fim analisar e estudar juridicamente as questões a tratar;
- Em 12.02.2008 o A. deslocou-se e reuniu com o R. a fim de preparar a queixa-crime;
- Em 12.02.2008 o A. pesquisou documentação para instrução da queixa-crime;
- Em 09.04.2008 o A. elaborou e expediu participação criminal ao DIAP de Lisboa;
- Em 10.04.2008 o A. elaborou carta justificativa para a falta de comparência do R. no DIAP (Proc. n.º 405/08.9TDLSB);
- Em 02.06.2008 o A. acompanhou o R. à Divisão de Investigação Criminal na Rua da Cintura do Porto de Lisboa, a fim de prestar declarações.

II)–No conflito com a sócia do R., Dra. Carla ..... na sociedade:
- Em 05.09.2007 o A. analisou a petição da sócia, relativamente à movimentação contabilística e retirada de 27.500€ por parte do R.;
- Em 05.09.2007 o A. elaborou relatório e carta resposta à sócia do R.;
- Em 01.10.2007 o A. analisou nova petição da sócia, relativamente à ameaça de participação de crime de abuso de confiança e burla contra o R.;
- Em 19.10.2007 o A. estudou e preparou uma assembleia geral, da sociedade do R., B Clínica Médica Dentária, Lda.
- Em 19.10.2007 o A. elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios do R.;
- Em 05.11.2007 o A. elaborou e expediu carta à sócia, com anuência quanto à nova data e ordem de trabalhos;
- Em 09.11.2007 o A. deslocou-se à sede da empresa e acompanhou o R. à assembleia de sócios;
- Em 09.11.2007 o A. elaborou a ata da assembleia de sócios;
- Em 12.11.2007 o A. elaborou carta que expediu, com cópia da ata, à sócia Dra. Carla .....;
- Em 20.11.2007 o A. estudou a situação económico-financeira da empresa da qual o R. era sócio, e elaborou a proposta de cedência de quota à sócia Dra. Carla .....;
- Em 11.12.2007 o A. analisou a contraproposta da sócia Dra. Carla .....;
- Em 28.12.2007 o A. conferenciou com o advogado da sócia Dra. Carla ....., Dr. Lopes ....., relativamente aos assuntos de ambos os sócios;
- Em 04.01.2008 o A. estudou e preparou uma assembleia geral da sociedade B Clínica Médica e Dentária, Lda. para o dia 31.01.2008;
- Em 14.01.2008 o A. elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios;
- Em 15.02.2008 o A. elaborou a ata da assembleia de sócios.
- Em 15.02.2008 o A. elaborou carta e expediu com cópia da ata à sócia do R., Dra. Carla ..... .
- Em 15.02.2008 o A. elaborou e expediu carta de renúncia à gerência da empresa do R.;
- Em 21.02.2008 o A. elaborou e expediu carta à sócia do R. com nova proposta e comunicação da instauração de queixa-crime;
- O A. obteve certidões de registo comercial, IES, Declarações de IRC Mod. 22.

III)–Relativamente ao dissídio com o T.O.C.- LF .....:
- Em 18.10.2007 o A. elaborou e enviou carta de rescisão da prestação de serviços do T.O.C.
- Em 5.11.2007 o A. elaborou e enviou carta a solicitar devolução de documentos ao TOC.

IV)–No processo de mediação do conflito com a trabalhadora, assistente dentária Sra. Rute .....:
- Em 09.01.2008 o A. deslocou-se à sede da empresa para reunião com o R. a trabalhadora assistente dentária Rute .....;
- Em 21.05.2008 o A. elaborou carta enviar à trabalhadora,
- Em 21.05.2008 o A. elaborou e enviou carta à ACT-Autoridade para as Condições do Trabalho.

V)–Relativamente às obras da denominada "c___ g___" da Rua dos R____ em A____, L____:
- Em 27.10.2007 o A. estudou e analisou a situação económica financeira do R., em face do incumprimento bancário que se verificava;
- Em 27.10.2007 o A. fez a proposta de reestruturação de todos os créditos do R. na Banca, tendo para o efeito reunido com várias Instituições Bancárias, nomeadamente com o Montepio, BCP e CGD;
- Em 27.10.2007 o A. apresentou novas propostas de recuperação de crédito, em face do R. ter deixado de ter acesso a crédito bancário por enquadramento do R. em mora na Central de Risco do Banco de Portugal;
- O A. deslocou-se ao Banco de Portugal, para obtenção do Registo de novembro de 2007 a junho de 2008 de incidentes da central de responsabilidades para efeitos de enquadramento da nova operação ativa.

VI)–Relativamente a intervenção no Banco Santander (Rua C_____ em L____):
- Em 28.01.2008 o A. reuniu duas vezes com a Dra. Paula ..... gerente do Balcão Rua C_____/L____ do banco Santander, relativamente aos créditos pessoais vencidos e em mora do R.;
- Em 07.02.2008 o A. conferenciou com a Dra. Paula ......gerente do Santander, no Balcão Rua C_____/L____, relativamente à responsabilidade pessoal do R. em face da comunicação de denúncia da conta corrente caucionada da empresa, em que o mesmo é avalista;
- Em 22.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander, ao cuidado da Dra. Ana .....;

VII)–Relativamente a intervenção contratual atinente à fração sita no Beco do S_____, Nº.....57, em L____:
- Em 17.11.2006 o A. elaborou o Contrato de Promessa de compra e venda da fração sita no Beco do S_____, N.º ...../L_____.

VIII)–Relativamente a intervenção contratual atinente à venda da clínica à Dra. Sofia ....., médica dentista dos Açores e respetiva mandatária:
- Em 06.05.2008 o A. reuniu com a Dra. Sofia ....., interessada na aquisição da clínica médica do R.;
- Em 14.05.2008 o A. fez três conferências telefónicas com a Dra. Sofia ..... sobre o assunto e condições do negócio;
- Em 14.05.2008 o A. fez duas conferências telefónicas com a advogada da Dra. Sofia .....;
- Em 14.05.2008 o A. elaborou e enviou fax com documentos à advogada da Dra. Sofia .....;
- Em 20.05.2008 o A. elaborou um contrato de cessão de exploração da clínica médica e dentária para a Dra. Sofia .....;
- Em 20.05.2008 o A. elaborou e enviou fax com o Contrato e documentos à advogada da Dra. Sofia ....., Dra. Isabel ......;
- Em 27.05.2008 o A. fez três conferências telefónicas com a advogada da Dra. Sofia....., Dra. Isabel .....;

IX)–Relativamente a intervenção contratual com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda.:
- Em 02.06.2008 o A. elaborou Contrato de Exploração da clínica Médica Dentária.
5.–O A. reuniu com a T.O.C, Dra. Marília ....., a pedido do R., relativamente ao passivo exigível transito para 2007 por ter sido esta a T.O.C. responsável pela contabilidade da sociedade comercial até 31.12.2006, nomeadamente no fornecimento de documentação diversa tal como mapa de reintegrações e amortizações dos ativos, situação líquida da empresa e declarações de IRC.
6.–O A. elaborou e enviou ao R. a nota de despesas e honorários, datada de 11.07.2008, cuja cópia se mostra inserta a fls. 138v a 142, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no valor total de €33.450,00, sendo de €7.200,00 a titulo de despesas e de €26.250,00 a título de honorários.
7.–Após interpelado para pagar o valor reclamado na referida nota de despesas e honorários, o R. solicitou, em 01.08.2008, à Ordem dos Advogados que emitisse laudo relativamente aos honorários fixados e que lhe foram apresentados pelo A..
8.–Pedido que deu origem ao processo n.º 290/2008 - CS/L e ao parecer cuja cópia se mostra inserta a fls. 5 a 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que não concedeu laudo ao montante de €26.250,00 fixado a título de honorários e que concluiu que seria de conceder caso os honorários tivessem sido fixados em €15.000,00.
9.–Em 07.07.2008 o R. revogou a procuração outorgada ao A. em 25.02.2008.
10.–Em 22 de julho de 2008 o A. intentou, a título pessoal, ação executiva contra o R. à qual foi atribuído o n.º 16620/08.2YYLSB e correu termos pelo 1º Juízo, 2ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, sendo a quantia exequenda de €189.048,00.
11.–Em 22 de julho de 2008 o A. intentou, enquanto mandatário do Centro Clínico Dra. Sandrina ....., ação executiva contra o R. à qual foi atribuído o n.º 16616/08.4YYLSB e correu termos pelo 1º Juízo, 1ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, sendo a quantia exequenda de €92.013,00.
12.–Ambas as ações tinham por título executivo “confissões de dívida”.
13.–Na execução 16616/08.4YYLSB a “confissão de dívida” era acompanhada por 27 cheques.
14.–Em 2009 o R. denunciou a prática pelo Autor de um crime de usura, o que deu origem ao processo-crime 3295/09.0TDLSB.
15.–O R. requereu a suspensão da execução 16620/08.2YYLSB, sem sucesso.
16.–O R. requereu a suspensão da execução 16616/08.4YYLSB, com sucesso.
17.–Na execução 16620/08.2YYLSB foi proferida decisão, transitada em julgado, que julgou improcedente a oposição e condenou o executado (aqui R.) como litigante de má-fé.
18.–No processo-crime 3295/09.0TDLSB, em 02.07.2015, foi proferida sentença, transitada em julgado em 26.01.2017, que condenou o A. pela prática de um crime de usura qualificada, previsto e punível pelo artigo 226º, n.º 1 e n.º 4, alínea b) do CP, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita às condições na mesma indicadas, designadamente de pagar ao demandante Caetano ..... a quantia de €15.000,00, acrescida de juros de mora, arbitrada a título de pedido de indemnização cível, cuja certidão se mostra inserta a fls. 181 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
19.–Em 2019 na execução 16616/08.4YYLSB foi proferida decisão que julgou procedente a oposição do executado (aqui R.) extinguiu a execução, e condenou a exequente Sandrina ....., na qualidade de cessionária de Centro Clínico Dra. Sandrina ....., Lda. como litigante de má-fé.
20.–O A. intentou a presente ação em 6 de abril de 2019.
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Foram julgados por não provados os seguintes factos:

A)–Em 28.12.2007 o A. elaborou e enviou fax ao Dr. Lopes ..... .
B)–Em 8.01.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Dr. Lopes ..... .
C)–Em 14.01.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Dr. Lopes ..... .
D)–No dia 15.01.2008 o A. contactou telefonicamente com o advogado da sócia.
E)–A 17.03.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Dr. Lopes ..... .
F)–Em 14.09.2007 o A. elaborou e enviou fax ao T.O.C após análise da documentação da empresa.
G)–Em 21.09.2007 o A. respondeu, elaborou e enviou fax ao T.O.C.
H)–Em 09.10.2007 o A. respondeu, elaborou e enviou novo fax ao T.O.C.
I)–Em 11.10.2007 o A. respondeu, elaborou e enviou novo fax ao T.O.C.
J)–Em 12.10.2007 o A. respondeu, elaborou e enviou novo fax ao T.O.C.
K)–Em 05.12.2007 o A. respondeu, elaborou e enviou novo fax ao TOC.
L)–No âmbito do Proc. n.º 28830/2008, em 10.12.2007 o A. contactou telefonicamente com o Colega do Requerente, o Dr. Gustavo .....;
M)–Em 11.12.2007 o A. preparou a resposta ao fax do Dr. Gustavo ..... .
N)–No dia 11.12.2007 o A. elaborou e enviou fax ao Dr. Gustavo ..... .
O)–Em 21.05.2008 o A. fez duas conferências telefónicas com a trabalhadora Rute ..... .
P)–Em 22.04.2008 o A. elaborou e enviou fax à Euro Free Direct para obtenção de novas propostas e/ou soluções financeiras para o R..
Q)–Em 23.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander, ao cuidado da Dra. Ana ..... .
R)–Em 23.04.2008 o A. recebeu fax com documentos da Dra. Ana ....., analisou e estudou o mesmo.
S)–Em 23.04.2008 o A. recebeu, analisou e estudou fax com documentos da Dra. Ana ..... .
T)–Em 23.04.2008 o A. fez duas conferências telefónicas com a Dra. Ana ..... relativamente às propostas apresentadas.
U)–Em 24.04.2008 o A. recebeu fax da Dra. Ana ....., analisou e
estudou o mesmo.
V)–No dia 26.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander com proposta de operação financeira dos intervenientes e Eng. Fernando ..... .
W)–Em 29.04.2008 o A. recebeu, analisou e estudou fax da Dra. Ana ..... .
X)–Em 29.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander, ao cuidado da Dra. Ana ..... .
Y)–Em 15.07.2007 o A. elaborou Contrato de "Acordo de revogação de contrato" ao Dr. Gonçalo ..... e Eng. Mário ..... .
Z)–Em 15.07.2007 o A. estudou e minutou Contrato de Confissão de Dívida.
AA)–Em 31.10.2007 o A. deslocou-se à sede da Segurança Social para análise e conferência do passivo exigível de 15.916,64€ à sociedade, imputado ao R..
BB)–Em 31.10.2007 o A. deslocou-se ao Serviço de Finanças para análise e conferência dos impostos em mora relativos à sociedade do R..
CC)–Em 07.05.2008 o A. respondeu ao e-mail da Dra. Maria ..... relativamente a solicitações de assuntos do R..
DD)–O A. despendeu com os serviços prestados 330 horas.
EE)–O R. pagou ao A. a quantia de €15.000,00, reclamada na presente ação a título de honorários e despesas.

Tudo visto, cumpre apreciar.
***

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Estabelecidas as questões que fazem parte do objeto da presente apelação, iremos então sobre elas nos debruçar, começando inevitavelmente pela questão prévia da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

1.–Da impugnação da matéria de facto.
Como referido, a primeira questão suscitada pela presente apelação refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo o Recorrente, em termos sucintos, pôr em causa o julgamento do ponto 4 dos factos provados, por forma a que daí sejam retirados todos os serviços alegadamente prestados pelo A. sobre que não foi produzida qualquer prova, devendo apenas subsistir aqueles que nos artigos 24.º, 25.º e 27.º das alegações de recurso confessou terem efetivamente ocorrido. Por outro lado, pretende ainda que o facto não provado na alínea EE) da sentença recorrida passe a constar dos factos provados.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/5/2016 (Relatado por Maria Amélia Ribeiro - Proc. n.º 1393/08) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».

No Acórdão da Relação do Porto de 6/3/2017 (Relator: Miguel Morais, Proc. n.º 632/14), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do Art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do Art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»

Posto isto, o Recorrente convoca para reapreciação os dois pontos da factualidade da sentença recorrida, um relativo a factos dados por provados e outro relativo a facto não provado, explicitando qual a decisão que em cada caso haveria de caber e o iter que deveria conduzir a essa decisão, que em parte decorre da prova gravada, cujos extratos relevantes o Recorrente nunca reproduziu, mas foi indicando o tempo das gravações dos depoimentos donde resultariam os segmentos de prova que pretendia realçar. Por outro lado, fundou ainda a sua impugnação na apreciação da prova documental, ou da sua ausência, na posição das partes nos articulados e em questões de natureza jurídica que no seu entender seriam suficientes para ser produzida decisão diversa. Assim, poderemos dizer que o Recorrente cumprir os seus ónus de impugnação, cumprindo agora apreciar cada uma das situações de forma individualizada.

1.1.-Dos factos provados no ponto 4.

A primeira decisão sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente tem a ver com os vários serviços prestados pelo A. ao R., no quadro do contrato de mandato, que foram dados por provados essencialmente no ponto 4 da sentença recorrida.
No ponto 4 dos factos provados ficou assente que o A. prestou vários serviços relativos: ao processo-crime que correu termos no DIAP de Lisboa, com n.º 2072/08.0TDLSB (grupo I); ao conflito societário com a sócia do R., Dra. Carla ..... (grupo II); ao dissídio com o T.O.C. Luís ..... (grupo III); ao processo de mediação do conflito com a trabalhadora, assistente dentária Sra. Rute ..... (grupo IV); ao problema das obras da Rua dos R____ (grupo V); a intervenção junto do Banco Santander (grupo VI); à intervenção atinente contrato-promessa relativo à fração sita no Beco do S____, Nº....., em L____ (grupo VII); à intervenção atinente à venda da clínica à Dra. Sofia ..... (grupo VIII); e à intervenção contratual com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda. (grupo IX).

O tribunal recorrido sustentou a sua convicção nos seguintes termos:
«O Réu prestou declarações de parte e deu a saber o circunstancialismo em que conheceu o Autor (tendo, designadamente, discorrido sobre a relação pessoal e profissional estabelecida entre as partes no período de 2006 a 2008) e em que este lhe prestou os seus serviços de Advocacia.
«Com interesse, as declarações de parte prestadas pelo Réu deram a conhecer a matéria atinente aos serviços prestados pelo Autor.
«Com efeito, o Réu pronunciou-se sobre todos os serviços descriminados na nota de despesas e honorários dos autos, e admitiu que o Autor prestou, entre Novembro de 2006 e Junho de 2008, os serviços que se mostram descriminados nos pontos 4) e 5) [e apenas estes] da matéria assente.
«No que concerne aos serviços prestados pelo Autor e que têm atinência à intervenção junto do Banco Santander (Rua C_____ em L_____), em associação ao que foi admitido pelo Réu (em sede de declarações de parte), foi ainda considerado o depoimento da testemunha Ana ....., bancária, que, na qualidade de gestora de conta do Réu, demonstrou ter conhecimento direto dos factos sobre que depôs, designadamente dos contactos (que estimou terem sido dois ou três) que o Autor estabeleceu consigo relativamente aos créditos pessoais vencidos do Réu e no âmbito de um processo de restruturação da dívida deste (que o Dr. Fernando ..... lhe transmitiu que ia aconselhar o seu cliente a não fazer a restruturação e que lhe referiu que posteriormente talvez fosse mais fácil arranjar outra solução quando o processo fosse para contencioso, que nessa altura tinha forma de negociar melhor e que seria mais vantajoso para o cliente).
«Porém, a sobredita testemunha revelou não ter memória de ter trocado faxes com o Autor. Pelo que neste particular (elaboração e envio de faxes) apenas resultou assente o serviço que foi espontaneamente admitido pelo Réu (quando interrogado pelo tribunal) reportado à data de 22.04.2008.
«No que respeita aos demais serviços que integram a nota de despesas e honorários dos autos e que se mostram descriminados na petição inicial aperfeiçoada (relativamente aos quais não se verificou confissão do Réu, que constam do elenco da matéria não provada), foi considerado o facto de o Autor não ter produzido prova de que os mesmos foram prestados.
«O Autor (apenas) juntou aos autos o laudo de honorários de fls. 5 a 12 e a nota de despesas e honorários de fls. 138v a 142. Porém, tal parecer (que constitui meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal) e a nota de despesas e honorários (documento particular da autoria do demandante), mesmo conjugados, não autorizam concluir pela prestação dos serviços que não integram a confissão (neste particular) realizada pelo Réu e que não resultaram da prova testemunhal produzida (nos termos já exarados).
«O Conselho Superior da Ordem dos Advogados “deu como assente” que todos os serviços constantes da nota de honorários foram prestados ao Requerido e à sociedade comercial por este representada “Caetano Varela, Clínica Médica Dentária, Lda.”
«O que, neste particular, não vincula.
«Como é consabido, na emissão do laudo haverá que partir do pressuposto de que os serviços profissionais referenciados pelo Advogado como tendo sido prestados o foram efetivamente, uma vez que não é da competência da Ordem dos Advogados (mas do Tribunal quando tal matéria se mostre controvertida) decidir, se, na verdade, tais serviços foram efetivamente prestados (no todo ou em parte).
«O Autor não juntou aos autos quaisquer documentos que evidenciem a prestação dos serviços que não foram confessados (em sede de declarações de parte) pelo Réu e que também não resultaram demonstrados do conjunto da prova produzida, e não produziu qualquer prova testemunhal sobre os mesmos.
«O que explica que todos os serviços que se mostram descriminados na nota de honorários dos autos e que não foram admitidos pelo Réu, nem resultaram demonstrados do conjunto da prova produzida, tenham resultado necessariamente como não provados». (sublinhado nosso).

Contrapõe agora o Recorrente que a prova da esmagadora maioria dos serviços alegados carecia de ser demonstrada pelo A., por documentos que o mesmo não juntou. Por outro lado, das declarações do R. o que resultou, quanto à esmagadora maioria dos serviços dados como provados, é que houve certos assuntos que foram confiados pelo R. ao A., esclarecendo que  só podia afirmar que foram efetivamente prestados os serviços cuja execução, numa primeira linha, presenciou (cfr. gravação entre os 21m29s e os 21m50s e também a partir de 1h36m00s) e que são os seguintes:
«Quanto ao grupo I
«- Em 31.01.2008 o A. reuniu com o R. a fim analisar e estudar juridicamente as questões a tratar;
«- Em 12.02.2008 o A. deslocou-se e reuniu com o R. a fim de preparar a queixa-crime;
«- Em 02.06.2008 o A. acompanhou o R. à Divisão de Investigação Criminal na Rua da C____do ..... de L____, a fim de prestar declarações.
«Quanto ao grupo II
«- Em 09.11.2007 o A. deslocou-se à sede da empresa e acompanhou o R. à assembleia de sócios;
«Quanto ao grupo IV
«- Em 09.01.2008 o A. deslocou-se à sede da empresa para reunião com o R. a trabalhadora assistente dentária Rute .....» - (cfr. artigo 24.º das alegações).
Relativamente ao ponto III do ponto 4 dos factos provados, das declarações do R., apesar de não o ter presenciado, resulta a confirmação de que foi elaborada uma carta de rescisão e que foi devolvida, pelo TOC em causa, documentação (gravação aos entre os 31m35s e 36m35s) - (cfr. artigo 25.º das alegações).
Finalmente, quanto aos postos V a IX do ponto 4 dos factos provados (gravação das declarações do R. entre os 27m01s e 28m35s) o R. só reconheceu terem sido efetivamente realizados os seguintes serviços:
«- Em 27.10.2007 o A. fez a proposta de reestruturação de todos os créditos do R. na Banca, tendo para o efeito reunido com várias Instituições Bancárias, nomeadamente com o Montepio, BCP e CGD;
«- Em 27.10.2007 o A. apresentou novas propostas de recuperação de crédito, em face do R. ter deixado de ter acesso a crédito bancário por enquadramento do R. em mora na Central de Risco do Banco de Portugal;
«- Em 28.01.2008 o A. reuniu duas vezes com a Dra. Paula ..... gerente do Balcão Rua C____/L____ do banco Santander, relativamente aos créditos pessoais vencidos e em mora do R.;
«- Em 07.02.2008 o A. conferenciou com a Dra. Paula ...... gerente do Santander, no Balcão Rua C_____/L_____, relativamente à responsabilidade pessoal do R. em face da comunicação de denúncia da conta corrente caucionada da empresa, em que o mesmo é avalista;
«- Em 22.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander, ao cuidado da Dra. Ana .....;
«- Em 17.11.2006 o A. elaborou o Contrato de Promessa de compra e venda da fração sita no Beco do S_____, Nº...../L_____.
«- Em 20.05.2008 o A. elaborou um contrato de cessão de exploração da clínica médica e dentária para a Dra. Sofia .....;
- Em 02.06.2008 o A. elaborou Contrato de Exploração da clínica Médica Dentária» - (cfr. artigo 27.º das alegações de recurso).
Portanto, ressalvados esses serviços, alegadamente admitidos pelo R. em declarações de parte, todos os restantes dados por provados no ponto 4 deveriam passar a constar dos factos não provados, por sobre eles não ter sido produzida prova, nem por declarações do R., nem por documentos, nem por prova testemunhal.
Apreciando, cumpre realçar que a impugnação se sustenta no binómio: ausência de prova, nomeadamente documental ou testemunhal, e teor das declarações de parte do próprio R.. O que, de algum modo, é consistente com a fundamentação da sentença recorrida, havendo apenas uma verdadeira divergência sobre o que efetivamente foi, ou não, confessado pelo R. relativamente aos nove grupos de serviços prestados pelo A. dados por provados, tendo por referência a nota de honorários a que a presente ação se reporta.
Assim, em primeiro lugar, quanto ao “grupo I” do ponto 4 provado na sentença recorrida – relativo aos serviços prestados no âmbito do processo n.º 2072/08.0TDLSB, pendente no DIAP de Lisboa – verificamos que o próprio Recorrente aceita nas suas alegações que, em declarações de parte, admitiu que em 31/1/2008 reuniu com o A. para analisar e estudar juridicamente as questões a tratar e que em 12/2/2008 ambos aí se deslocaram a fim de preparar a queixa-crime. No entanto, não aceita o Recorrente que, no mesmo dia, o A. tenha pesquisado documentação para instrução da queixa-crime; que no dia 9/4/2008 o A. elaborou e expediu participação criminal ao DIAP de Lisboa; e que em 10.04.2008 o A. elaborou carta justificativa para a falta de comparência do R. no DIAP (Proc. n.º 405/08.9TDLSB). Aceitando, depois apenas, que no dia 02.06.2008 o A. acompanhou o R. à Divisão de Investigação Criminal na Rua da C____ do ..... de L_____, a fim de prestar declarações.

É certo que, reconhecidamente, não existe prova documental desses factos, mas ouvida atentamente a gravação das declarações de parte do R., constatamos que os serviços que constam deste “grupo I” foram explicitamente aceitos como tendo sido efetivamente prestados pelo A.. Diga-se que a Mm.ª Juíza que presidiu à audiência final teve o cuidado de ler todos os segmentos dessa parte da nota de honorários e o R., confrontado com essa leitura, acabou por confirmar que foram todos prestados (cfr. gravação dos minutos 11:39 a 13:10). Portanto, nesta parte, não existe motivo algum para alterar a redação dos factos provados.

Passando agora ao “grupo II”, relativo ao conflito societário entre o R. e a sua sócia, Dr. Carla ....., o Recorrente só aceita que o A. se deslocou à sede da empresa em 09.11.2007, acompanhando o R. à assembleia de sócios. Nega assim que se tenha feito prova de que o A. tenha analisado a petição da outra sócia e elaborado de relatório e carta em 5/9/2007; que em 1/10/2007 tenha analisado nova petição da mesma sócia relativamente à ameaça de participação de crime de abuso de confiança e burla contra o R.; que em 19.10.2007 estudou e preparou uma assembleia geral, da sociedade do R., elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios do R.; e que em 05.11.2007 elaborou e expediu carta à sócia, com anuência quanto à nova data e ordem de trabalhos; que foi o A. quem em 09.11.2007 elaborou a ata da assembleia de sócios; e em 12.11.2007 elaborou carta que expediu cópia da ata à sócia Dra. Carla .....; que em 20.11.2007 estudou a situação económico-financeira da empresa da qual o R. era sócio, e elaborou a proposta de cedência de quota à sócia Dra. Carla .....; que em 11.12.2007 analisou a contraproposta da sócia Dra. Carla .....; e em 28.12.2007 conferenciou com o advogado da sócia Dra. Carla ....., Dr. Lopes ....., relativamente aos assuntos de ambos os sócios; em 04.01.2008 estudou e preparou uma assembleia geral da sociedade B Clínica Médica e Dentária, Lda. para o dia 31.01.2008; em 14.01.2008 elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios; em 15.02.2008 elaborou a ata da assembleia de sócios, a carta que expediu, com cópia da ata, à sócia do R., e elaborou e expediu carta de renúncia à gerência da empresa do R.; e em 21.02.2008 elaborou e expediu carta à sócia do R. com nova proposta e comunicação da instauração de queixa-crime e obteve certidões de registo comercial, IES, Declarações de IRC Mod. 22.
Relativamente a estes factos confirma-se que não existe nos autos qualquer prova documental que sustente a nota de honorários e também não existe confissão explícita e categórica por parte do R. relativamente a nenhum dos factos impugnados do “grupo II” do ponto 4 da matéria de facto provada na sentença recorrida.
Nesta parte, as declarações de parte do R. foram muito mais reticentes e inconclusivas. Muitas vezes o R. confirmava certos factos, ou dizia que seriam prováveis, para logo de seguida passava a dizer que não sabia e que só poderia confirmar aqueles que ocorreram na sua presença. Daí que se ficou apenas pelo reconhecimento de que o A. tratou desta questão societária, mas não a acompanhou até à sua conclusão final, não sabendo que concretas diligências o A. realizou, nem sabendo de quaisquer contactos realizados por fax ou carta, esclarecendo que até terá havido sentença em que se veio a provar que não foram praticados muitos dos atos que o R. inicialmente até admitia que tivessem ocorrido (cfr. gravação dos minutos 13:30 a 29:02). A tudo acresce que, esses factos impugnados referem-se matéria de que o R. não tinha de ter conhecimento necessário, porque não ocorreram na sua presença, sendo natural que se tenha verificado alguma erosão na sua memória provocada pelo decurso natural do tempo. Por outro lado, há ainda que realçar que o A. não teve sequer o cuidado de documentar minimamente estes factos, quando era a si que competia o ónus de prova (Art. 342.º n.º 1 do C.C.), o que é agravado pela circunstância de ser advogado de profissão e os serviços em causa referirem-se ao exercício da sua atividade profissional, o que o obrigaria a ter organizado um dossierem condições que não permitiriam que restassem quaisquer dúvidas sobre estas matérias. Assim, o facto de o R. ter demonstrado não saber, ou não se recordar, desses factos, que sempre deveria ser valorado livremente pelo tribunal (cfr. Art. 356.º n.º 2 do C.C.), no caso, deve funcionar contra quem tem o ónus de prova, ou seja o A. (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.). Consequentemente, os factos impugnados na presente apelação relativamente ao “grupo II” do ponto 4 da sentença recorrida devem passar a constar dos factos não provados e ser eliminados na redação desse ponto.
Relativamente ao “Grupo III” – referente ao dissídio com o T.O.C. Luís ..... –, o Recorrente aceita nas suas alegações que em declarações de parte admitiu que foi elaborada uma carta de rescisão e que o TOC devolveu documentação. Pelo que não existem fundados motivos para pôr em causa que essa carta foi elaborada em 18/10/2007 e a devolução de documentação não tenha ocorrido na sequência de carta elaborada pelo A. em 5/11/2007, tal como consta da nota de honorários, concertando-se assim as versões das partes relativas aos mesmos factos, sobre os quais acaba por não haver uma real dissidência.
No que se refere ao “grupo IV” do ponto 4 dos factos provados – relativo ao processo de mediação do conflito com a trabalhadora, assistente dentária –, o Recorrente só aceita em alegações que admitiu em declarações de parte que no dia 9.1.2008 o A. se deslocou à sede da empresa para ter uma reunião com o R. relativa a essa trabalhadora, negando que tenha sido feita prova da elaboração e remessa das cartas de 21.05.2008 a essa assistente dentária e à ACT.
De facto, não há prova documental desses factos, mas não é verdade que o R. não os tenha confessado em declarações de parte, porque é isso mesmo que decorre da gravação do seu depoimento (cfr. gravação aos minutos 42:10 a 42:58). Pelo que, nessa parte não existem motivos para alterar o ponto 4 dos factos provados.
Quanto ao “grupo V” do ponto 4, que se refere às obras da casa da Rua dos R_____, o Recorrente admite em alegações que das suas declarações de parte decorre a confissão de que em 27.10.2007 o A. fez a proposta de reestruturação de todos os créditos do R. na Banca, tendo para o efeito reunido com várias instituições bancárias, nomeadamente com o Montepio, BCP e CGD, embora negue que no mesmo dia o A. tenha estudado e analisado a situação económica financeira do R. em face do incumprimento bancário que se verificava. No entanto, em abono da verdade, tem que se dizer que uma proposta de reestruturação a um banco teria de ter como pressuposto esse estudo e análise, sem a qual não faria qualquer sentido qualquer solução apresentada. Portanto, recorrendo às regras da experiência comum e como decorrência da prova do facto base, que o Recorrente admite ter sido confessado, aqueloutro facto também se deve julgar por provado (Art. 349.º e 351.º do C.C.).

Depois o Recorrente também admite que na mesma data o A. apresentou novas propostas de recuperação de crédito, em face do facto de o R. ter deixado de ter acesso a crédito bancário por enquadramento em mora na Central de Risco do Banco de Portugal, mas nega que se tenha feito prova de que o A. se deslocou ao Banco de Portugal para obtenção do Registo de novembro de 2007 a junho de 2008 de incidentes da central de responsabilidades para efeitos de enquadramento da nova operação ativa.

Em abono da verdade, temos de dizer que aqui a impugnação da decisão sobre os factos provados diverge consideravelmente do sentido do depoimento do R., tal como consta da gravação da audiência final. Sem prejuízo, respeitando os pressupostos da impugnação, nesta parte teremos de dizer que, sobre o primeiro facto, que o Recorrente tem por confessado, deve prevalecer a “confissão” admitida nas alegações de recurso, mas relativamente ao segundo impõem-se a verificação de que sobre esse facto não consta dos autos qualquer prova documental ou outra relevante que sobre ele tenha incidido e, portanto, deve ser eliminado dos factos provados e ser aditado aos não provados.

No que tange ao “grupo VI” relativo à intervenção do A. junto do Banco Santander (Rua C_____ em L____), o Recorrente, nas suas alegações de recurso, aceitou todos os factos dados por provados, nada havendo a apreciar sobre esta matéria. O mesmo se dizendo relativamente ao “grupo VII”, que se refere à intervenção contratual atinente à fração sita no Beco do S_____, Nº....., em L_____.
Já quanto às questões do “grupo VIII” o Recorrente apenas reconhece que nas suas declarações de parte admitiu que em 20.05.2008 o A. elaborou um contrato de cessão de exploração da clínica médica e dentária para a Dra. Sofia ..... Quanto a tudo o mais, nega que tenha sido feita qualquer prova, nomeadamente por confissão, pondo assim em causa que em 06.05.2008 o A. tenha reunido com a Dra. Sofia ....., interessada na aquisição da clínica médica do R., que com ela tenha feito 3 conferências telefónicas em 14.05.2008 sobre o assunto e condições do negócio, a que acrescem duas outras conferências telefónicas com a advogada dessa outra parte, e a elaboração e envio de fax com documentos à advogada da Dra. Sofia ..... Nega também que se tenha feito prova que em 20.05.2008 o A. elaborou e enviou fax com o Contrato e documentos à advogada da Dra. Sofia ..... e que em 27.05.2008 o A. tenha feito três conferências telefónicas com a advogada da Dra. Sofia ....., Dra. Isabel ..... .
Efetivamente, uma vez mais, temos de reconhecer que não existe prova documental de nenhum desses factos, mas não é verdade que o R. não tenha confessado as reuniões com a Dra. Sofia ....., as conferências telefónicas com a interessada na aquisição da clínica, e com a sua mandatária, e que tenham sido remetidos os documentos à advogada. Pelo contrário, todos os factos ora impugnados foram expressamente confessados pelo R., como decorre da gravação do seu depoimento (cfr. gravação dos minutos 59:04 a 1:07:42). No entanto, o R. depois apresenta outros pormenores desse negócio que extravasam claramente o sentido da impugnação ora apresentada nas alegações de recurso, pelo que restringimos a nossa apreciação ao objeto estrito da impugnação, não havendo nesse aspeto qualquer motivo para alterar os factos aqui dados por provados.
Finalmente, quanto ao “grupo IX” do ponto 4 dos factos provados, relativos à intervenção do A. no contrato de cessão de exploração da Clínica Médica dentária, o único facto aí dado por provado foi admitido pelo R. em declarações de parte, tal como é reconhecido nas alegações de recurso.
Cumpre ainda fazer um pequeno parêntesis quanto à matéria do ponto 5 dos factos provados, relativamente ao qual não se percebe se era efetiva intenção do Recorrente impugná-lo, pois as conclusões do recurso são omissas sobre esse aspeto, apesar desse ponto aparecer reproduzido nas alegações na parte referente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Em todo o caso, temos de dizer que o único facto dado por provado, relativo à T.O.C., Dra. Marília ....., foi admitido em declarações de parte pelo R. (cfr. gravação aos minutos 1:17:26)
Igualmente omissa nas conclusões está o alegado em 17.º das alegações de recurso, referente a uma alegada omissão nos factos provados duma anterior reclamação pelo A. do pagamento da mesma nota de honorários, circunstância que não nos parece ter a mínima relevância para o caso.

Em suma, quanto ao ponto 4 dos factos provados passará o mesmo a ter a seguinte redação:

«4.–O A. prestou ao R., a solicitação deste, os seguintes serviços:
«I)- No âmbito do Processo n.º 2072/08.0TDLSB, junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, em que foi participante o R. e participada a Dra. Carla .....:
«- Em 31.01.2008 o A. reuniu com o R. a fim analisar e estudar juridicamente as questões a tratar;
«- Em 12.02.2008 o A. deslocou-se e reuniu com o R. a fim de preparar a queixa-crime;
«- Em 12.02.2008 o A. pesquisou documentação para instrução da queixa-crime;
«- Em 09.04.2008 o A. elaborou e expediu participação criminal ao DIAP de Lisboa;
«- Em 10.04.2008 o A. elaborou carta justificativa para a falta de comparência do R. no DIAP (Proc. n.º 405/08.9TDLSB);
«- Em 02.06.2008 o A. acompanhou o R. à Divisão de Investigação Criminal na Rua da C_____ do ..... de L____, a fim de prestar declarações.

«II)–No conflito com a sócia do R., Dra. Carla ..... na sociedade:
«- Em 09.11.2007 o A. deslocou-se à sede da empresa e acompanhou o R. à assembleia de sócios;

«III)–Relativamente ao dissídio com o T.O.C. Luís.....:
«- Em 18.10.2007 o A. elaborou e enviou carta de rescisão da prestação de serviços do T.O.C.
«- Em 5.11.2007 o A. elaborou e enviou carta a solicitar devolução de documentos ao TOC.

«IV)–No processo de mediação do conflito com a trabalhadora, assistente dentária Sra. Rute .....:
«- Em 09.01.2008 o A. deslocou-se à sede da empresa para reunião com o R. a trabalhadora assistente dentária Rute .....;
«- Em 21.05.2008 o A. elaborou carta enviar à trabalhadora,
«-Em 21.05.2008 o A. elaborou e enviou carta à ACT-Autoridade para as Condições do Trabalho.

«V)–Relativamente às obras da denominada "c____ g____" da Rua dos R_____ em A_____, L_____:
«- Em 27.10.2007 o A. estudou e analisou a situação económica financeira do R., em face do incumprimento bancário que se verificava;
«- Em 27.10.2007 o A. fez a proposta de reestruturação de todos os créditos do R. na Banca, tendo para o efeito reunido com várias Instituições Bancárias, nomeadamente com o Montepio, BCP e CGD;
«-Em 27.10.2007 o A. apresentou novas propostas de recuperação de crédito, em face do R. ter deixado de ter acesso a crédito bancário por enquadramento do R. em mora na Central de Risco do Banco de Portugal;

«VI)–Relativamente a intervenção no Banco Santander (Rua C____ em L____):
«- Em 28.01.2008 o A. reuniu duas vezes com a Dra. Paula ..... gerente do Balcão Rua C_____/L_____ do banco Santander, relativamente aos créditos pessoais vencidos e em mora do R.;
«- Em 07.02.2008 o A. conferenciou com a Dra. Paula ..... gerente do Santander, no Balcão Rua C_____/L_____, relativamente à responsabilidade pessoal do R. em face da comunicação de denúncia da conta corrente caucionada da empresa, em que o mesmo é avalista;
«- Em 22.04.2008 o A. elaborou e enviou fax ao Banco Santander, ao cuidado da Dra. Ana .....;
«VII)–Relativamente a intervenção contratual atinente à fração sita no Beco do S_____, Nº....., em L_____:
«- Em 17.11.2006 o A. elaborou o Contrato de Promessa de compra e venda da fração sita no Beco do S_____, N.º ...../L_____.
«VIII)–Relativamente a intervenção contratual atinente à venda da clínica à Dra. Sofia ....., médica dentista dos Açores e respetiva mandatária:
«- Em 06.05.2008 o A. reuniu com a Dra. Sofia ....., interessada na aquisição da clínica médica do R.;
«- Em 14.05.2008 o A. fez três conferências telefónicas com a Dra. Sofia ..... sobre o assunto e condições do negócio;
«- Em 14.05.2008 o A. fez duas conferências telefónicas com a advogada da Dra. Sofia .....;
«- Em 14.05.2008 o A. elaborou e enviou fax com documentos à advogada da Dra. Sofia .....;
«- Em 20.05.2008 o A. elaborou um contrato de cessão de exploração da clínica médica e dentária para a Dra. Sofia .....;
«- Em 20.05.2008 o A. elaborou e enviou fax com o Contrato e documentos à advogada da Dra. Sofia ....., Dra. Isabel .....;
«- Em 27.05.2008 o A. fez três conferências telefónicas com a advogada da Dra. Sofia ....., Dra. Isabel .....;
«IX)–Relativamente a intervenção contratual com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda.:
«- Em 02.06.2008 o A. elaborou Contrato de Exploração da clínica Médica Dentária».

Por consequência, são aditadas aos factos não provados as alíneas FF) e GG), com a seguinte redação:
«FF)- No conflito com a sócia do R., Dra. Carla ..... na sociedade:
«- Em 05.09.2007 o A. analisou a petição da sócia, relativamente à movimentação contabilística e retirada de 27.500€ por parte do R.;
«- Em 05.09.2007 o A. elaborou relatório e carta resposta à sócia do R.;
«-Em 01.10.2007 o A. analisou nova petição da sócia, relativamente à ameaça de participação de crime de abuso de confiança e burla contra o R.;
«- Em 19.10.2007 o A. estudou e preparou uma assembleia geral, da sociedade do R., B Clínica Médica Dentária, Lda.
«- Em 19.10.2007 o A. elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios do R.;
«- Em 05.11.2007 o A. elaborou e expediu carta à sócia, com anuência quanto à nova data e ordem de trabalhos;
«- Em 09.11.2007 o A. elaborou a ata da assembleia de sócios;
«- Em 12.11.2007 o A. elaborou carta que expediu, com cópia da ata, à sócia Dra. Carla .....;
«- Em 20.11.2007 o A. estudou a situação económico-financeira da empresa da qual o R. era sócio, e elaborou a proposta de cedência de quota à sócia Dra. Carla .....;
«- Em 11.12.2007 o A. analisou a contraproposta da sócia Dra. Carla .....;
«- Em 28.12.2007 o A. conferenciou com o advogado da sócia Dra. Carla ....., Dr. Lopes ....., relativamente aos assuntos de ambos os sócios;
«- Em 04.01.2008 o A. estudou e preparou uma assembleia geral da sociedade B Clínica Médica e Dentária, Lda. para o dia 31.01.2008;
«- Em 14.01.2008 o A. elaborou a ordem de trabalhos e expediu as convocatórias para ambos os sócios;
«- Em 15.02.2008 o A. elaborou a ata da assembleia de sócios.
«- Em 15.02.2008 o A. elaborou carta e expediu com cópia da ata à sócia do R., Dra. Carla ..... .
«- Em 15.02.2008 o A. elaborou e expediu carta de renúncia à gerência da empresa do R.;
«- Em 21.02.2008 o A. elaborou e expediu carta à sócia do R. com nova proposta e comunicação da instauração de queixa-crime;
«- O A. obteve certidões de registo comercial, IES, Declarações de IRC Mod. 22.
«GG)Relativamente às obras da denominada "casa grande" da Rua dos R____ em A____, L____:
«-O A. deslocou-se ao Banco de Portugal, para obtenção do Registo de novembro de 2007 a junho de 2008 de incidentes da central de responsabilidades para efeitos de enquadramento da nova operação ativa».

1.2.–Dos factos não provados na alínea EE).

O Recorrente pretende ainda que o facto não provado na alínea EE) da sentença recorrida passe a constar dos factos provados.
Em causa está que a sentença deu por não provado que: «O R. pagou ao A. a quantia de €15.000,00 reclamada na presente ação a título de honorários e despesas».
Para tanto, realça o Recorrente que na contestação alegou o seguinte:
«Artigo 42.º- No âmbito do esquema de usura montado pelo A. de forma a produzir a ruína patrimonial do R., este fez-lhe vários pagamentos em numerário, desde meados de 2006 – vide SC, factos provados 9.º a 73.º;
«43.º- Alguns dos pagamentos estão refletidos na sentença-crime mas não todos, na medida em que esta só reflete os pagamentos dos juros usurários e os pagamentos do imposto de selo que o A., advogado do R., ilegitimamente lhe cobrou, sobre o empréstimo de 40.000€ que lhe concedeu a 10 de Abril de 2007;
«44.º- Na SC não estão refletidos outros pagamentos em numerário feitos pelo R.;
«45.º-11 (onze) anos volvidos sobre a data da execução do último ato de advogado referido pelo A. na nota de honorários (2 de junho de 2008), o R. não consegue afirmar quando procedeu ao pagamento de honorários e os valores dessas prestações;
«46.º- Podendo apenas afirmar que, desde 2006, fez inúmeros pagamentos em numerário ao A., o que, pelas piores razões, era costume entre as partes, conforme descreve a SC;
«47.º- Nunca o A. deu quitação destes pagamentos ao R., nem emitiu qualquer fatura, seja de honorários, seja de despesas, pelo que tornou impossível a demonstração, por via de prova documental, dos pagamentos, seus valores e das datas em que ocorreram;
«48.º-Na confissão de dívida por si redigida e que determinou o R. a assinar, com data de 26 de maio de 2008, 7 dias antes da prática do último serviço jurídico alegadamente prestado, o A. “apenas” insiste que dela constem, de forma encapotada, os juros usurários e os valores correspondentes a imposto de selo (factos provados 59 e 61 da SC), sem que tenha sido inscrito qualquer valor respeitante a honorários ou despesas, o que confirma, através de um documento produzido pelo próprio A., que naquela data, o R. já não devia quaisquer honorários ou despesas;»

Realça ainda que nesse processo-crime ficou provado, por sentença transitada em julgado, a permanente transferência de valores entre A. e R., no âmbito do esquema usurário e em paralelo a este, tendo o A. confessado a ocorrência do pagamento de honorários pelo R. de que nunca deu quitação. Nessa medida, não poderia reconhecer-se que o R. pagou honorários, mas que esses pagamentos visavam serviços que não os dados como provados, tal como alegadamente consta da decisão recorrida.

O tribunal recorrido, relativamente a este facto, explicitou a sua convicção nos seguintes termos:
«Por último, o Réu alegou o pagamento dos serviços em causa e invocou a prescrição presuntiva do crédito reclamado pelo Autor na presente ação.
«Porém, ao mesmo passo, veio alegar que não consegue afirmar quando procedeu ao pagamento de honorários e os valores dessas prestações, impugnar parte dos serviços em causa e o tempo despendido e afirmar ainda que parte dos serviços foram prestados no exclusivo interesse do Autor. E que nunca foi e continua a não ser devedor do valor de tais serviços que o Autor pretende cobrar.
«O que, ao negar factos constitutivos do direito do Autor, constitui ato contraditório com a presunção de pagamento a que alude o artigo 317.º al. c) CC, incompatível com a presunção de cumprimento invocada.
«Em adição, de salientar que o Réu em sede de declarações de parte afirmou que as quantias que liquidou a título de despesas e honorários (cujos valores e montante total não sabe precisar) foram todas entregues ao Autor em 2007 e 2008, em momento anterior à emissão da nota de despesa e honorários (e ao “nascimento da dívida”) e ao pedido de laudo de honorários que solicitou à Ordem dos Advogados.
«E que posteriormente a ter sido interpelado para pagar o valor inscrito na nota de despesas e honorários nada mais pagou e solicitou a emissão de laudo.
«O que também se afigura incompatível com a presunção de cumprimento invocada.
«Em face disso, afastada a presunção legal, incumbia ao Réu demonstrar o pagamento da quantia reclamada na presente ação.
«O que não fez.
«Nestas condições, a matéria inscrita na alínea EE) resultou como não provada».

Apreciando, cumpre ter em atenção que esta “questão de facto” prende-se com uma “questão de direito”, relativa à alegada exceção da prescrição (presuntiva) da obrigação de pagamento dos honorários reclamados nesta ação pelo A..
Efetivamente, é nos artigos 42.º a 51.º da contestação que o R. veio invocar a exceção da prescrição presuntiva do crédito do A., mas, ao fazê-lo, não se limitou a invocar o pagamento puro e simples dos honorários reclamados, pois logo de seguida ao articulados em 42.º a 48.º, que supra reproduzimos, acrescentou no artigo 50.º da contestação: «50.º E a presunção é a de que o R. pagou em excesso, já que, como se verá de seguida, parte dos serviços jurídicos que o A. refere na nota de honorários ou não foram de todo prestados ou foram-no no interesse do próprio mandatário/A. e não do mandante/R.».
Esta linha de argumentação é depois repetida várias vezes ao longo do articulado, dela se evidenciando que o R., não só põe em causa os factos constitutivos do direito de crédito do A., como sustenta que não seria devida a obrigação de pagamento, no todo ou em parte.
Ora, o que está em causa é a prescrição presuntiva estabelecida no Art. 317.º al. c) do C.C., nos termos do qual: «prescrevem no prazo de dois anos: c) os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes». Este preceito está incluído na Subsecção III, relativa a “prescrições presuntivas”, da Secção II referente à “prescrição” e capítulo III da Parte Geral do Código Civil, que regula “O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”. Esclarecendo o Art. 312.º do C.C. que as prescrições de que trata essa subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.
Essa presunção de cumprimento pelo decurso de prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor (Art. 313.º n.º 1 do C.C.). No entanto, o Art 314.º do C.C. prevê que se considera confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento.

No caso, o R. prestou depoimento em audiência final, sendo o meio de prova mais relevante que foi produzido em julgamento sobre esta matéria. Aliás, seria mesmo o único admissível, para efeito de ilidir a presunção de cumprimento (cfr. Art. 313.º n.º 1 do C.C.).
Ora, nós tivemos oportunidade de ouvir o depoimento do R., que sucintamente se encontra bem resumido na fundamentação da sentença recorrida, tal como atrás deixámos reproduzida. E, de facto, o que podemos constatar é que o R., uma vez mais, não aceitou que tenham sido prestados parte dos serviços, sustentando não ser devedor do seu valor. Isto, para além de sustentar que foi efetuando pagamentos de honorários ao longo do tempo e que até terá pago em excesso, embora também tenha dito expressamente que não pagou a nota de honorários que o A. lhe apresentou, nem efetuou qualquer pagamento ao A. depois da apresentação desse documento a pagamento (cfr. gravação dos minutos 1:20:09 a 1:33:14). Portanto, relativamente ao concreto facto que consta da alínea EE) dos factos não provados, o que se constata da gravação do seu depoimento é que o R. confessou que não pagou a quantia de €15.000,00 reclamada nesta ação a título de honorários, desde logo porque entendia não ser devida, seja em parte, ou no seu todo.

É certo que o R. também sustentou que efetuou vários pagamentos de honorários ao A., sempre em numerário. Isto para além dos vários pagamentos que lhe fez no quadro do esquema de usura de que foi vítima, pelo qual o A. veio a ser condenado em processo-crime (cfr. doc. de fls. 101 a 126). Em todo o caso, em face da sua posição de princípio, o R. não pode beneficiar da presunção de pagamento, porque não abdicou da demonstração de que o crédito reclamado pelo A. não existe em substância, seja porque os serviços não foram prestados, seja porque o foram alegadamente no interesse do próprio A.. Esse posicionamento é claramente incompatível com a presunção de pagamento que invoca e é o suficiente para não beneficiar da previsão do Art. 317.º al. c) do C.C., tendo em atenção a exceção estabelecida na parte final do Art. 314.º do C.C..

Na mesma medida, o facto controvertido revelante provar, nesta ação de dívida, deixou de ser “o não pagamento” pelo devedor, por beneficiar da presunção estabelecida no Art. 317.º al. c) do C.C., mas sim “o pagamento”, enquanto exceção perentória, cujo ónus de prova compete ao devedor, por se referir a facto extintivo da obrigação (Art. 342.º n.º 2 do C.C.).

Sucede que, no que se refere à exceção perentória de pagamento, a única prova produzida em audiência foi feita pelo próprio R., que efetivamente alegou ter feito vários pagamentos ao A., em numerário, que não quantificou. Estamos assim perante o depoimento da parte interessada na solução a dar ao mérito da ação, à qual falta a necessária neutralidade e credibilidade para só com base nele se poder sustentar a convicção sobre a prova do pagamento.

Importaria ainda assim ter em consideração que o próprio A. teria admitido, noutros contextos, que o R. lhe efetuou vários pagamentos a título de honorários. Simplesmente, ainda assim, não sabemos que valores foram pagos, ou se os mesmos se destinavam ao pagamento dos concretos serviços a que se refere a nota de honorários a que se reporta a presente ação.

A este propósito, a sentença recorrida, na formalização da sua convicção, deixou consignado o seguinte:
«Em adição, o Réu veio referir que o próprio Autor reconheceu que lhe pagou honorários no âmbito de um processo judicial que contra si correu termos.
«O registo fonográfico junto aos autos pelo Réu e (posteriormente) pelo Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 9 que contem o registo das declarações prestadas nos autos de Oposição à Execução (Apenso B) Comum n.º 16620/08.2YYLSB pelo Dr. Fernando ..... (aqui Autor), dá conta da existência de pagamentos realizados pelo executado (aqui Réu), que era seu cliente, a título de despesas e honorários, sendo que no que respeita a estes últimos afirmou: “Havia era pagamentos relativamente a honorários. Houve muitos que ele não pagou, mas houve outros que pagou. Não há dúvidas que há pagamentos e esses pequenos pagamentos (…) reduzidos (…). Admito que ele me tenha pago alguns serviços”.
«Todavia, desconhece-se que montantes foram efetivamente pagos (que o Autor refere tratarem-se de “pequenos pagamentos e serem “reduzidos”) e sobretudo a que serviços prestados respeita tal afirmação e se a mesma tem, ou não, correspondência com algum dos serviços mencionados na nota de honorários dos autos.
«Acresce que não é pacífico que inexistam outros serviços jurídicos (como referiu o Réu em sede de declarações de parte) que possam ter sido prestados pelo Autor ao Réu para além daqueles que se mostram descriminados na nota de despesas e honorários dos autos e que os pagamentos que o Autor admitiu (no âmbito da identificada ação executiva) que lhe foram efetuados (de montante não apurado) a título de honorários respeitem aos serviços cujo pagamento reclama na presente ação.
«Sendo que a este propósito se anota que o Autor alega que à nota de despesas e honorários dos autos “deveriam ainda acrescer diversos serviços jurídicos e consultas concedidas ainda ao aqui Réu, bem como vários contactos telefónicos, os quais não foram incluídos pelas razões supra referidas, ou seja, com a proximidade pessoal que se criou entre Autor e Réu, muito trabalho foi prestado, como já se disse, em circunstâncias menos formais, almoços, deslocações, telefonemas, cuja contabilização é agora impossível” (cfr. artigo 87º da petição inicial aperfeiçoada).
«Razões pelas quais o teor das declarações de parte prestadas pelo Réu mesmo associadas ao que resultou da audição do registo fonográfico junto aos autos não autorizou concluir que o Réu procedeu ao pagamento da quantia reclamada (€ 15.000,00), a título de despesas e honorários, na presente ação.
«De referir ainda que as declarações de parte (que o tribunal aprecia livremente, salvo se constituírem confissão, cfr. artigo 466º, n.º 3, do Código de Processo Civil), prestadas pelo Réu, nos segmentos que não constituíram confissão (esta integrada pela factualidade acima indicada), que foram avaliadas tomando em atenção a sua natureza supletiva e as cautelas que doutrinal e jurisprudencialmente são enumeradas a este propósito (tendo sido construída uma linha de atuação que se baseia na ideia que inexistindo outros meios de prova que mínima e validamente corroborem a versão da parte, a mesma não deve ser valorada, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório, evitando que as ações se decidam apenas com base nas declarações das próprias partes), face à existência de um interesse próprio, direto e imediato na resolução da causa, na ausência de produção de prova testemunhal ou documental que validamente as corroborasse, não se mostraram suficientes e idóneas e não autorizaram concluir pelo alegado (mas não concretizado) pagamento.
«Por último, nesta sede foi ainda considerado (e valorado negativamente) o facto de o Réu ter afirmado que os pagamentos que efetuou foram realizados em 2007 e 2008, em momento anterior à emissão da nota de despesas e honorários (e ao “nascimento da dívida”) e ao pedido de laudo de honorários que (o próprio) solicitou à Ordem dos Advogados». (sublinhado nosso).

Contra ao assim exposto, volta o Recorrente a contrapor nas alegações do presente recurso que, das suas declarações de parte, decorre que todos os serviços que solicitou ao A. estão todos refletidos na nota de honorários. No entanto, não só o próprio R. põe isso em causa, pois não aceita que muitos desses serviços tenham sido prestados, ou que tenham sido prestados no seu interesse, como estamos uma vez mais perante um meio de prova consistente no depoimento da pessoa interessada na solução a dar ao mérito desta ação, pelo que dificilmente só com base no seu depoimento poderíamos sustentar essa conclusão de princípio. Daí que se nos afigurem legítimas todas as objeções que foram colocadas na sentença recorrida à alegada prova do pagamento dos honorários.
Em suma, entendemos que a prova produzida relativamente ao pagamento da dívida reclamada nesta ação é claramente insuficiente e não nos permite alterar a redação da alínea EE) dos factos não provados.

1.3.-Da conclusão da impugnação da matéria de facto.
Em conformidade com todo o exposto, a impugnação da matéria de facto é julgada apenas parcialmente procedente, determinando-se a alteração dos factos provados e não provados nos termos que ficaram a constar da parte final do ponto 1.1. do presente acórdão. No mais, a factualidade constante da sentença recorrida mantém-se com a mesma redação.

2.–Da prestação de serviços de advocacia.
Fixada a factualidade provada e não provada relevante para o conhecimento do mérito, cumpre então agora apreciar do fundo da causa.
Relembramos que o A. veio propor a presente ação de condenação pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, a título de honorários e despesas, acrescida de IVA e juros de mora.
Sustentou a sua pretensão na circunstância de, na qualidade de advogado, ter prestado diversos serviços jurídicos e concedido várias consultas ao R., pelos quais emitiu e apresentou uma nota de despesas e honorários que totalizava o montante de €26.250,00. No entanto, como o R. pediu laudo à Ordem dos Advogados, que veio a fixar os honorários devidos em €15.000,00, sendo esse o valor que o A. agora vem peticionar nesta ação.
A sentença recorrida veio a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o R. ao pagamento de €9.000,00, apenas a título de honorários, acrescidos de IVA e de juros de mora legais, vencidos desde 9 de Julho de 2014 e até integral pagamento.
O Recorrente, na presente apelação, vem pôr em causa a sua condenação nos termos constantes da decisão recorrida, repetindo no essencial a mesma argumentação que já constava da sua contestação, pondo muito o seu enfoque na exceção da prescrição presuntiva.
Em todo o caso, não existe a mínima dúvida que entre A. e R. existiu uma relação contratual de prestação de serviços de advocacia.
Nos termos do Art. 1154.º do C.C. o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Entre as várias modalidades de contrato de prestação de serviços tipificadas no Código Civil (cfr. Art. 1155.º do C.C.) está o contrato de mandato, que se carateriza pela assunção por uma das partes da obrigação de praticar um ou mais atos por conta da outra (Art. 1157.º do C.C.).
No caso, ficou provado que o A. é advogado, fazendo da advocacia profissão habitual e onerosa (cfr. facto provado 1), sendo que o R. conferiu ao A., em procurações datadas de 04.12.2006 e 25.02.2008 (cfr. doc.s de fls. 35 verso e 36 a 37), poderes para o representar em juízo em diversos processos judiciais, resolução de litígios, e outros serviços jurídicos, nomeadamente a prestação de serviços de consultoria, informação e assistência jurídica, com elaboração de minutas de contratos, correspondência negocial, bem como o acompanhamento em negociações (cfr. facto provado 2), tendo esses serviços sido prestados pelo A., entre novembro de 2006 e junho de 2008, à medida que eram solicitados pelo R. (cfr. facto provado 3).
Dito isto, inquestionavelmente que as partes estiveram vinculadas por relação contratual de prestação de serviços oneroso e de mandato forense (cfr. Art.s 1154.º, 1155.º e 1157.º do C.C. e Art. 62.º do EOA), nos termos da qual o A. se obrigou, mediante retribuição, a proporcionar o resultado do seu trabalho intelectual de advogado, por conta do R..
O A. prestou ao R., a sua solicitação, os serviços descritos nos pontos 4 e 5 (com a redação retificada em 1.1. do presente acórdão), entre novembro de 2006 e junho de 2008, tendo elaborado e remetido ao R. a nota de despesas e honorários de fls. 138 verso a 142, no valor total de €33.450,00, sendo de €7.200,00 a título de despesas e de €26.250,00 a título de honorários.
No entanto, na sequência do pedido dirigido pelo R. à Ordem dos Advogados veio a ser emitido laudo que deu parecer no sentido de serem fixados a título de honorários o valor de €15.000,00, que é o valor que o A. reclamou ao R. pagar nesta ação.
De facto, tendo sido prestados serviços de advocacia, como se provou, competia ao R. pagar a correspondente retribuição e reembolsar o mandatário das despesas (cfr. Art. 1167.º al.s b) e c) do C.C.), tendo em atenção que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (Art. 406.º n.º 1 do C.C.). O que nos conduz aos temas seguintes relativos à prova do pagamento e à determinação do valor efetivo da dívida.

3.–Da prescrição presuntiva.

O R. alegou ter pago os valores solicitados a título de despesas e honorários, invocando a prescrição presuntiva dos créditos reclamados, por terem decorrido mais de 2 anos, tal como estabelece o Art. 317.º al. c) do C.C..
Como já vimos, nos termos do Art. 312.º do C.C., essa prescrição funda-se na “presunção de pagamento”, não havendo dúvida que os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais, como é o caso da advocacia, podem prescrever no prazo de 2 anos, por presunção de pagamento (cfr. Art. 317.º al. c) do C.C.).
A consagração da prescrição presuntiva assenta na ideia de que determinados tipos de obrigações são cumpridos de forma imediata ou em curto prazo, sendo usual que o devedor não exija quitação ou não a conserve por muito tempo.
Conforme ensinam Ana Prata e outros (in “Código Civil Anotado”, Vol. I., Almedina, pág. 417): «Do fundamento apontado às prescrições presuntivas – a presunção de cumprimento, considerados os contornos das obrigações em causa – decorre a sua finalidade específica: a tutela da posição do devedor, obviando ao pagamento duplicado da obrigação, por se entender não ser, nestes casos, exigível a conservação de quitação».

Na mesma linha de raciocínio, segundo Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed. Revista e atualizada, págs. 281 e 282), a finalidade da prescrição presuntiva é: «proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo».
Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, Parte I– Tomo IV, 2005, pág. 181) também explicita que: «As prescrições presuntivas baseiam-se numa presunção de que as dívidas visadas foram pagas. De um modo geral, elas reportam-se a débitos marcados pela oralidade ou próprios do dia-a-dia. Qualquer discussão a seu respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível dirimir em consciência».
Não estamos propriamente perante uma típica situação de penalização da inércia do credor em exercer o seu direito durante um largo período de tempo, o que poderia conduzir à prescrição extintiva da obrigação. O que se consagra é uma presunção de que o pagamento já se terá verificado, decorrido que se mostra algum tempo. Parte-se do princípio de que o pagamento já se efetivou.
Portanto, na prescrição presuntiva, o decurso do tempo não determina a extinção da obrigação, mas apenas libera o devedor de provar o cumprimento, invertendo o ónus da prova, que deixa de onerar o devedor, cabendo ao credor o encargo de demonstrar o não pagamento.
A particularidade desta presunção é que a lei exige que os meios de prova do não pagamento do crédito sobre o qual a prescrição presuntiva é invocada provenham do próprio devedor (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 282), o que apenas se alcançará por confissão do mesmo (cfr. Art. 313.° do C.C.).

No entanto, nos termos do Art. 314.º do C.C. considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou a praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento (confissão tácita).
No caso dos autos, a ação foi instaurada mais de dois anos volvidos desde a data de prestação dos serviços, não existindo qualquer causa interruptiva ou suspensiva. Pelo que, estariam reunidas as condições de tempo para funcionar a prescrição presuntiva, fundada na presunção de pagamento.
Sucede que, apesar do R. ter invocado que procedeu ao pagamento de honorários ao A., também pôs em causa a existência da obrigação, invocando que não foram prestados todos os serviços alegados pelo A., que alguns deles foram prestados no seu próprio interesse e não do mandante, sendo que também pôs em causa o valor da dívida ao apresentar um pedido de laudo na Ordem dos Advogados, questionando desse modo o valor efetivo dos serviços prestados.
A este propósito, resumindo o entendimento jurisprudencial dominante, escreve Menezes Cordeiro (in Ob. Loc. Cit., pág. 182): «Na base do afinamento jurisprudencial temos a ideia de confissão tácita, assente, segundo o artigo 314.º, em que o devedor pratica em juízo atos incompatíveis com a presunção de incumprimento. Assim:
«- os opositores a uma ação de honorários de um advogado que se põem a discutir o seu montante ilidem, obviamente, a presunção de que pagaram» (cfr. STJ 24-Mai.1974 (João Moura, BMJ 237 (1974), 182.184 e STJ 24-Mai.1974 (Manuel Fernandes Costa) BMJ 237 (1974), 186-189 (189)
«- o opositor ao pedido de condenação no preço de serviços, que nega a dívida, ilide a presunção de que pagou;
«- o próprio devedor que, em contestação, reconheça não ter efetuado o pagamento, ilide a presunção;
«- o réu que queira fazer valer a prescrição presuntiva terá de alegar claramente que pagou;
«- na falta de impugnação especificada dos factos invocados pela autora, o réu confessa tacitamente, ilidindo a presunção de prescrição».

Pires de Lima e Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit., pág. 283) também exemplificam situações de confissão tácita, ou atos incompatíveis com a presunção de pagamento, nos seguintes termos: «ter o devedor negado, por exemplo, a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ter invocado a gratuitidade dos serviços, etc.»
Integram factos e atos concludentes que contrariam a presunção de pagamento, nos termos da parte final do Art. 314º: negar a existência originária do crédito; discutir o montante em dívida; remeter a determinação do montante em dívida para o tribunal; invocar uma causa de nulidade e/ou anulabilidade da obrigação; alegar o pagamento de importância inferior à reclamada, sob o pretexto de que aquele pagamento corresponde à liquidação integral do débito; invocar a gratuitidade dos serviços (cfr. Ana Filipa Morais Antunes in “Prescrição e Caducidade”, 2008, pág. 100; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 761; e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 1/7/2013 (António Eleutério) - Proc. n.º 355/11; e de 21.1.2014 (Pinto dos Santos) – Proc. n.º 409815/09).

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/11/2020 (Proc. n.º 86607/19.1YIPRT.P1 – Relatora: Maria José Simões, disponível em www.dgsi.pt), consta exatamente o mesmo tipo de factos índice de confissão tácita da dívida, quando no seu sumário é dito: «II – Considera-se confissão tácita, fundada na prática de atos incompatíveis com a presunção de cumprimento pelo devedor, entre outros: i) discussão do montante pedido em ação de honorários; ii) negação da dívida referente ao preço dos serviços prestados; iii) falta de alegação clara e expressa do pagamento». O mesmo é dito no acórdão da mesma Relação do Porto de 18/10/2001 (Proc. n.º 0131354 – Relator: Leonel Serôdio, disponível no mesmo sítio), quando no seu sumário é dito: «São exemplos de atos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços».
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8/9/2015 (Proc. n.º 932/13.6TBPBL.G1 – Relator: Fernando Monteiro, também disponível no mesmo sítio) foi decidido que: «4. Os “atos incompatíveis com a presunção de cumprimento”, a que se refere o artigo 314º do Código Civil, podem traduzir-se, como no caso, na alegação sobre o exagero da cobrança, da parcial responsabilidade do credor e no pedido de esclarecimento da concreta cobrança, alegadamente nunca feito».

De igual modo, no Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 27/6/2019 (Proc. n.º 448/17.1T8MNC.G1 – Relator: Alcides Rodrigues) foi decidido que: «II– Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, o vencimento ou outras características dos honorários reclamados, como seja o número de horas despendidas no estudo da causa e preparação da petição inicial (art. 314º do CC)». E no acórdão de 26/6/2014 (Proc. n.º 2393/05.4TBFLG-C.G1 – Relatora: Manuela Fialho) concluiu-se que: «É incompatível com a presunção de cumprimento decorrente do disposto no Artº 317º/c) do CC, a alegação da falsidade de apresentação da nota de honorários ou a da sua justeza, bem como a omissão da alegação do pagamento».
Finalmente, do Tribunal da Relação de Évora, destacamos o sumário do acórdão de 13/2/2020 (Proc. n.º 4495/15.0T8LLE.E1 – Relator: Tomé Carvalho), onde se afirma que: «3) Relativamente às prescrições presuntivas, quer a negação da existência ou validade da dívida, quer a impugnação do seu quantitativo ou da data do seu vencimento, quer o reconhecimento da sua existência total ou parcial são exemplos de uma atuação contraditória e nesses casos a presunção de cumprimento fica ilidida». E ainda do acórdão de 22/2/2018 (Proc. n.º 125/145T8SSB.E1 – Relator: Francisco Xavier) que explicita: «III - Ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efetuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento, cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu. IV - Invocando o interessado a prescrição presuntiva, sem alegar o pagamento da dívida e discutindo o teor e exigibilidade da mesma, adotou conduta incompatível com o instituto da presunção prescritiva, pelo que esta não opera».
No caso, o R., como vimos, prestou depoimento em audiência, refletindo as suas declarações que não pagou a nota de honorários, quando a mesma lhe foi apresentada pelo A., desde logo por não concordar sequer com a existência da dívida, pondo em causa o crédito relativo a alguns dos alegados serviços, seja porque não foram prestados, seja porque o foram no interesse do próprio A., sem prejuízo de invocar igualmente que fez vários pagamentos a título de honorários e despesas, sempre em numerário e em montantes que não quantificou, concluindo até que teria pago em excesso. Ora, esta última conclusão só se compreende na medida em que o R. considera inexistente a dívida, porque não aceita que todos os alegados serviços foram efetivamente prestados, porque não aceita que todos os que foram prestados foram no seu interesse e, finalmente, porque não aceita o valor dos que foram prestados no seu interesse.

Portanto, concordamos com a sentença recorrida quando pondera, não só a posição do R. constante da sua contestação, como ainda o que decorre do seu depoimento, nomeadamente quando aí se refere:
«O Réu invocou o pagamento do preço dos serviços prestados pelo Autor e reclamados nos presentes autos.
«Porém, ao mesmo passo veio alegar, entre outra factualidade, que não consegue afirmar quando procedeu ao pagamento de honorários, nem os valores dessas prestações, impugnar parte dos serviços em causa e o tempo despendido e afirmar ainda que parte dos serviços foram prestados no exclusivo interesse do Autor/mandatário e não do Réu. E que nunca foi e continua a não ser devedor do valor de tais serviços (que alega terem sido prestados no próprio interesse do demandante) que o Autor pretende cobrar.
«Com efeito, mostra-se alegado no requerimento de resposta de fls. 144 e seguintes (apresentada pelo Réu em sede de exercício do contraditório relativamente à nova petição inicial junta aos autos pelo Autor):
«40º
«(…)
«i) A cobrança de serviços que o R., 10 anos depois e dada a cadência de pagamentos feitos em numerário durante os dois anos em que durou a usura, não pode afirmar quando pagou - nem o A. deu quitação de qualquer dos muitos pagamentos feitos pelo R. entre 2006 e 2008 – podendo apenas afirmar que pagou inclusivamente “serviços jurídicos” prestados pelo A. que hoje sabe que nunca lhe deveriam ter sido cobrados, por terem servido os interesses do próprio mandatário;
«(…)
«45.º
«11 (onze) anos volvidos sobre a data da execução do último acto de advogado referido pelo A. na nota de honorários (2 de Junho de 2008), o R. não consegue afirmar quando procedeu ao pagamento de honorários e os valores dessas prestações;
«46.º
«Podendo apenas afirmar que, desde 2006, fez inúmeros pagamentos em numerário ao A., o que, pelas piores razões, era costume entre as partes, conforme descreve a SC;
«47.º
«Nunca o A. deu quitação destes pagamentos ao R., nem emitiu qualquer fatura, seja de honorários, seja de despesas, pelo que tornou impossível a demonstração, por via de prova documental, dos pagamentos, seus valores e das datas em que ocorreram;
«(…)
«49.º
«Razões pelas quais se invoca desde já a prescrição presuntiva a que se refere a alínea c) do artigo 317.º do CC;
«50.º
E a presunção é a de que o R. pagou em excesso, já que, como se verá de seguida, parte dos serviços jurídicos que o A. refere na nota de honorários ou não foram de todo prestados ou foram-no no interesse do próprio mandatário/A. e não do mandante/R.;
«(…)
«57.º
«O laudo refere 11 grupos de atos de advogado alegadamente praticados pelo A. no interesse do R. e da sociedade comercial que este representava;
«58.º
«Porém, os atos a seguir referidos foram praticados no interesse do A./mandatário e não do R./mandante, pelo que os respetivos honorários não podiam sequer ter-lhe sido cobrados, quanto mais incluídos na nota de honorários que o laudo apreciou – esses atos são:
«a)-A elaboração da confissão de dívida ao Centro Clínico (honorários de 1.500€), alegada no artigo 76.º da nova P.I., que na execução 16616/08.4YYLSB foi dada como formal e intelectualmente falsa e é também referida na página 24 da SC, foi um título executivo elaborado pelo A. de forma a que o Centro Clínico (de que A. e sua cônjuge eram sócios) pudesse executar uma dívida de 100.000€ que o R. nunca contraiu, penhorando o seu património e dificultando de sobremaneira a prova da oposição à execução;
«b)-A elaboração do contrato-promessa de compra e venda da fração do Beco do S____, (honorários de 1.000€), alegada no artigo 66.º da nova P.I. e referido nos factos dados como provados 13 a 19 na SC como marcando o início do pior ciclo do esquema de usura montado pelo A., que só o próprio beneficiou;
«c)-A intervenção junto do banco Santander (honorários de 1.000€), alegada nos artigos 54 a 65 da nova P.I. e a que se refere o facto dado como provado 35 e a página 26 da SC, que contribuiu para escavar ainda mais o fosso da usura, na medida em que o A., obviamente mandatado para o efeito oposto, tudo fez para que a restruturação da dívida do R. não ocorresse, permitindo que este se libertasse do esquema de usura;
«d)-As supostas negociações com instituições bancárias (honorários de 4.000€), supostamente realizadas a 27 de Outubro de 2007, alegadas nos artigos 50.º a 52.º da nova P.I. e a que se referem os factos dados como provados 25 a 28 e 67 da SC, que mais não serviram de embuste para o aqui A. ficar com 36 cheques emitidos pelo R., no valor de 3.295€ cada, dos quais 1 depositou em conta própria e 27 pretendeu executar na execução 16616/08.4YYLSB, valendo também a pena referir que o A. nunca afirmou ser arquiteto ou engenheiro para fazer acompanhamentos de obra, muito menos de uma obra que já tinha sido finalizada e totalmente paga em 25 de Maio de 2007 (cf. Doc. 11);
«e)-A elaboração dos contratos de cessão de exploração/aquisição da clínica que era propriedade do R., primeiro à Dra. Sofia ..... (honorários de 2500€) e depois ao Centro Clínico (honorários de 1500€ que abrangem também a confissão de dívida) de que o A. era sócio, sendo a outra sócia a sua cônjuge (cf. Doc. 12), alegada nos artigos 68.º a 75.º e 77.º da nova P.I. – tais contratos, além de serem praticamente idênticos, não foram mais do que atos jurídicos destinados permitir que o A. colhesse os frutos do crime de usura:
«i)- fosse pela cessão de exploração da clínica pelo preço de 150.000€ à Dra. Sofia ..... (valor que o R. “devia” ao A. nessa data e que o A. confessa como sendo o “real” apesar de ter feito constar do contrato o preço de 25.000€ - cf. cláusulas 9 e 22 do draft elaborado pelo A. e que se junta como Doc. 13, em conjugação com a confissão judicial feita pelo A. no artigo 36.º da sua contestação que se junta como Doc. 14);
«ii)- fosse através da exploração da clínica, fazendo seus os lucros oriundos de uma carteira com mais de 3.000 clientes e nada pagando pela cessão de exploração (no contrato refere-se que o R. recebeu 25.000€ de preço, em “numerário” – cláusula 7 do contrato que se junta como Doc. 15 – mas o A. afirmou que esse preço tinha sido pago, afinal, por 8 dos 36 cheques de que se apossou ilegitimamente – cf. confissão judicial feita pelo A. no artigo 39.º da sua contestação que se juntou como Doc. 14);
«59.º
«O R. nunca foi e continua a não ser devedor do valor destes serviços que o A. pretende cobrar, na medida em que os mesmos serviram apenas para beneficiar o último, permitindo-lhe gerar, manter e desenvolver o esquema de usura e colher os respetivos frutos ilegítimos,
«(…)
«84º
«Ao pretender cobrar nesta ação serviços já pagos e outros que praticou exclusivamente em interesse próprio, o A. deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, altera a verdade dos factos e omite factos relevantes para a decisão da causa;
«106.º
«(…) intentou a presente ação nos termos em que a intentou, pretendendo cobrar serviços já pagos, entre os quais estão serviços que fizeram parte do esquema de usura que planeou e executou e do esquema de apropriação de 36 cheques do R., conforme descrito na sentença-crime transitada em julgado e que lhe foi notificada».
«Ao negar factos constitutivos do direito do Autor, a defesa apresentada em juízo pelo Réu constitui ato contraditório com a presunção de pagamento a que alude o artigo 317.º alínea c) do Código Civil, incompatível com a presunção de cumprimento invocada.
«Em adição, em sede de declarações de parte o Réu afirmou que as quantias que liquidou a título de despesas e honorários (cujos valores e montante total não sabe precisar) foram todas entregues ao Autor em 2007 e 2008, em momento anterior à emissão da nota de despesa e honorários (e ao “nascimento da dívida”) e ao pedido de laudo de honorários que solicitou à Ordem dos Advogados. E que posteriormente a ter sido interpelado para pagar o valor inscrito na nota de despesas e honorários nada mais pagou e solicitou a emissão de laudo.
«O que não se compatibiliza com a presunção de cumprimento invocada.
«Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, ou outras características dos honorários reclamados, como acontece quando questiona a prestação da totalidade dos serviços, a quem aproveitaram parte dos serviços prestados, o número de horas despendidas com os serviços prestados e a complexidade dos assuntos (artigo 314º, segunda parte, do Código Civil).
«Na hipótese “sub judice” como se deixou expresso, o Réu deduziu defesa incompatível com a prescrição presuntiva que invocou.
«Nestas condições, é meramente consequencial a improcedência da exceção de prescrição presuntiva suscitada pelo Réu».

Julgamos assim improcedentes as conclusões que sustentam o contrário do exposto.

4.–Do pagamento dos honorários e ónus de prova.

Excluída a aplicação ao caso da prescrição fundada na presunção de pagamento, por força do Art. 314.º “in fine” do C.C., o ónus de prova do pagamento competirá ao devedor, nos termos gerais estabelecidos no Art. 342.º n.º 2 do C.C., por se traduzir num facto extintivo da obrigação.
Sustenta, no entanto, o Recorrente, que mesmo que não houvesse prescrição presuntiva, ou que a mesma se considerasse ilidida, sempre o pagamento dos honorários peticionados pelo A. teria que ser dado como provado. Por um lado, porque o A. teria confessado em processo judicial o pagamento de honorários por parte do R. e, por isso, passou a estar onerado com a prova de que deu quitação desses pagamentos, pois que caso contrário onerar-se-ia o R. com a prova de que não lhe foi dada quitação, ou seja, com a prova de facto negativo, sendo que se tornou impossível para o R. a prova dos concretos valores pagos e dos concretos serviços “cobertos” por tais pagamentos, devendo aplicar-se ao caso o disposto no Art. 344.º n.º 2 do C.C..
A tudo isto acresceria ainda que, nos termos do disposto no n.º 4 do Art. 7.º do Regulamento n.º 40/2005 OA (2.ª série), de 29 de abril de 2005, correspondente ao “Regulamento de Laudos por Honorários”: «Presume-se que todas as quantias recebidas antes da apresentação da conta final o são a título de provisão».
Com o devido respeito, julgamos que o disposto no Art. 344.º n.º 2 do C.C. não tem aplicação ao caso concreto, porque não foi suscitada antes no processo a impossibilidade de produção de prova provocada diretamente pelo A.. Na verdade, o problema, no caso dos autos, é outro completamente diferente. O que se passou foi que o R. desbaratou, injustificadamente, a presunção de que poderia beneficiar nos termos do Art. 317.º al. c) do C.C., pretendendo agora imputar ao A. uma alegada impossibilidade de prova do pagamento, quando estava na posição dominante decorrente da possibilidade de imposição ao credor do ónus de apenas poder fazer prova do não pagamento por confissão do devedor (cfr. Art. 313.º n.º 1 do C.C.). Nessa medida, o A. não pode ser responsabilizado pela deficiente estratégia de defesa apresentada pelo R., que pretendeu simultaneamente beneficiar da presunção de pagamento e por em causa a dívida por honorários.

O pagamento, enquanto exceção perentória, traduz-se na invocação do facto concreto que satisfaz de forma pontual e integral o interesse do credor, por corresponder à realização da prestação efetivamente devida (Art.s 406.º n.º 1, 762.º e 763.º do C.C.). O pagamento não é mais que o cumprimento da obrigação pecuniária correspondente ao direito de crédito da contraparte. Logo, não há pagamento, nem há cumprimento, se o devedor sustenta que o crédito não existe, ou que o valor não é devido. De igual modo, defender que não era sequer devido o pagamento, no todo ou em parte, não traduz a alegação do cumprimento da correspondente obrigação.

Diga-se ainda que “dificuldade de prova” do pagamento não é sinónimo de “impossibilidade de prova”, sendo que o Art. 344.º n.º 2 do C.C. tutela essencialmente as situações em que havia prova, mas por motivo de comportamento culposo da outra parte, ficou a pessoa onerada com a prova impossibilitada de demonstrar os factos que lhe eram favoráveis.

Como exemplificam Pires de Lima e Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit., pág. 309): «No n.º 2 [do Art. 344.º do C.C.] está previsto, por exemplo, o seguinte caso: a parte contrária inutilizou um documento que servia ao autor para fazer a prova do fundamento do seu direito», ou ainda o caso em que a prova da culpabilidade do médico dependia de ser gaze ou algodão a compressa usada no tratamento e o médico inutilizou a compressa.
No caso, o R. sustenta-se apenas na dificuldade de prova motivada pela ausência de emissão do recibo de quitação pelo A., mas daí não resulta que não pudesse fazer prova dos pagamentos que realizou por outros meios, independentemente do tempo que entretanto já teria decorrido.

Por outro lado, a presunção prevista no Art. 7.º n.º 4 do “Regulamento de Laudos de Honorários” em nada releva, porque apesar do A. ter admitido em depoimento prestado noutro processo judicial que recebeu do R. quantias de valor reduzido a título de honorários e despesas, desse depoimento não decorre que se referiam aos serviços que concretamente se mostram descritos da nota de honorários a que a presente ação se refere. Portanto, daqui também não decorre qualquer inversão do ónus de prova, que efetivamente compete por regra ao R., por força do disposto no Art. 342.º n.º 2 do C.C., improcedendo as conclusões que sustentam o contrário do exposto.

5.–Da fixação dos horários devidos.

Aqui chegados, já concluímos pelo tipo de relação contratual estabelecida entre as partes, que nesse quadro contratual o A. prestou serviços no exercício da sua atividade de advogado, a solicitação do R., sendo que este não provou ter pago os honorários que foram reclamados através da apresentação da “nota discriminativa de despesas e honorários” datada de 11 de julho de 2008 (cfr. doc. de fls. 138 verso a fls 142), nem os €15.000,00 que eram reclamados nesta ação, na sequência da elaboração, a pedido do R., do laudo pericial pela Ordem dos Advogados (cfr. doc. de fls. 5 a 11 verso), tendo em atenção o facto que ficou julgado por não provado constante da alínea EE) da matéria de facto da sentença recorrida.

A sentença recorrida, no entanto, desde logo porque não julgou provados muitos dos serviços que constavam dessa “nota discriminativa de despesas e honorários”, somente condenou o R. ao pagamento de €9.000,00, e apenas a título de retribuição do trabalho intelectual prestado pelo A. no exercício da sua atividade de advogado.

Sustenta a sentença recorrida a sua decisão nos seguintes termos:
«Aqui chegados, sendo o mandato oneroso, ao mandatário assiste o direito à remuneração devida pela execução do mandato, remuneração que, quanto à sua medida, não havendo acordo das partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na sua falta, pelos usos, e na falta daquelas tarifas e destes usos, por juízos de equidade [artigos 1158º n.º 2 e 1167º b), 1ª parte, do Código Civil e artigo 100º nsº 1 a 3 do EOA].
«No caso “sub judice”, o “quantum” dos honorários peticionados pelo Autor foi questionado por referência ao facto de não terem sido prestados todos os serviços, de parte dos serviços terem sido prestados em interesse e proveito do Autor, de não ter sido especificado os montantes que efetivamente cobrou relativamente a cada serviço, de não ter esclarecido o número de horas efetivas que o Autor trabalhou e de este não se ter pronunciado sobre a complexidade dos serviços.
«No que respeita aos serviços prestados efetivamente o Autor não logrou demonstrar, como lhe competia, que prestou todos os serviços descriminados na nota de despesa e honorários dos autos.
«Neste capítulo os serviços a considerar são apenas os que resultam do conspecto factual apurado nos pontos 4) e 5).
«No que respeita à alegação de que parte dos serviços foram prestados no interesse e em proveito exclusivo do Autor e de que a propositura da presente ação encerra abuso de direito por fazer parte da senda judicial vingativa do Autor, a tese apresentada pelo Réu não encontra agasalho na matéria de facto assente.
«Com efeito, o conspecto factual apurado, mesmo à luz dos factos considerados assentes na sentença proferida no processo crime e nas sentenças proferidas nos incidentes de oposição à execução dos processos acima identificados (que se mostram juntas aos autos), e do que resultou das declarações de parte prestadas pelo Réu e do depoimento prestado pela testemunha Ana ....., não autoriza concluir pela tese trazida pelo Réu (e pela conclusão por este alcançada) de que os serviços que menciona no artigo 58º da contestação (e para o que releva na parte em que resultaram assentes) foram praticados no interesse do Autor/mandatário e não do Réu/mandante e que a presente ação faz parte da alegada “senda judicial vingativa do Autor”.
«Por outro lado, não é verdade que o Autor não tenha esclarecido o número de horas que trabalhou.
«O Autor alegou que despendeu com os serviços prestados 330 horas.
«Mas não o logrou demonstrar.
«O que é diverso.
«Finalmente, o Autor pronunciou-se sobre a complexidade dos serviços alegando que no geral apresentam uma dificuldade técnica jurídica média.
«Na fixação dos honorários, deve o Advogado proceder com moderação e atender, designadamente, aos seguintes fatores:
«- tempo despendido;
«- dificuldade do assunto;
«- importância dos serviços prestados;
«- resultados obtidos;
«-Às responsabilidades assumidas e aos demais usos profissionais (cfr. artigo 100º, n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
«Na fixação dos honorários, deve o Advogado proceder com moderação e atender, designadamente, aos seguintes fatores: ao tempo despendido, à dificuldade do assunto, à importância dos serviços prestados, às posses dos interessados, à praxe do foro e estilo da comarca, aos resultados obtidos, às responsabilidades assumidas e aos demais usos profissionais (cfr. artigo 100º, n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
«O tempo gasto e a dificuldade do assunto são os elementos em primeiro lugar referidos no citado normativo e sem dúvida os mais decisivos pois refletem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado.
«“A importância em honorários do advogado não se afere somente pelo trabalho material, mas essencialmente pelo intelectual, no esforço despendido para a satisfatória resolução do problema jurídico no interesse do constituinte, e na seriedade com que esse problema é tratado” (Ac. da Relação do Porto, de 22.01.96, www.dgsi.pt.).
«Na interpretação de António Arnaut (Iniciação à Advocacia, 10ª edição, pág. 151-153) o papel preponderante cabe ao tempo despendido, sustentando em abono desta tese a jurisprudência do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.
«Já Orlando Guedes da Costa (Direito Profissional do Advogado, 6ª edição, 2008, pág. 253) entende que os critérios legais não são taxativos, mas meramente exemplificativos. E, nessa medida, são de compensar o esforço e a urgência do serviço, a reputação do profissional forense e o local e o tempo da prestação do serviço [v. g. fora do domicílio profissional ou em férias e fins de semana]. E, buscando inspiração na lição de Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, volume III, pág. 204), entende que o tempo gasto não é tanto o despendido no estudo do assunto, porque depende da ciência e da inteligência de quem presta o serviço.
«A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça também tende a considerar como fatores decisivos o tempo despendido e a dificuldade do assunto (entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2009, in CJ STJ, Ano VII, tomo II, pág. 19).
«É indiscutível que na fixação dos honorários intervém um momento de discricionariedade, que se não confunde com discricionariedade administrativa, mas se insere num certo sentido civilístico em que deve imperar a boa fé que impregna toda a relação contratual, para além de que haverão de ser levados em conta os custos fixos, elevados, de um escritório de advogado e, bem assim, os riscos da profissão liberal (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2000 e de 27/04/2006, in www.dgsi.pt.).
«Nesta equação devem ser sopesados os custos fixos de manutenção e funcionamento do escritório do advogado e a remuneração justa do trabalho diretamente investido pelo jurista no assunto que lhe está confiado, em conexão com a complexidade do caso tratado.
«Como se decidiu no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15.4.2015, «O laudo da Ordem dos Advogados está sujeito à livre apreciação do julgador. Para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. / A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade».
«No mesmo sentido veja-se ainda o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 13.2.2020, em que é relator o Exmo. Sr. Desembargador, Tomé de Carvalho, onde se decidiu:
««Sempre se entendeu que, na emissão do laudo, haverá que partir do pressuposto de que os serviços profissionais referenciados pelo Advogado como tendo sido prestados o foram efetivamente, uma vez que não é da competência da Ordem dos Advogados decidir, se, na verdade, tais serviços foram efetivamente prestados. Tal competência, sob pena de usurpação de poderes, cabe aos Tribunais enquanto órgãos de soberania a quem cabe a função jurisdicional e não à ordem dos Advogados.
««É indiscutível que os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal. Porém, como contrapeso, a credibilidade que merece o laudo de honorários só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade».
«Na hipótese “sub judice”, como resulta do parecer elaborado pela Ordem dos Advogados (por profissionais do ramo, eleitos pela Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, que possuem elevados conhecimentos técnicos par aferir sobre o montante dos honorários devidos), que nesta sede, inexistindo razões para afastar, se valora (sem prejuízo do juízo de equidade que afinal se realizará em função dos serviços que resultaram assentes e dos que não resultaram provados), no que respeita à dificuldade do assunto e à importância dos serviços importa considerar que os assuntos em causa se revestiram de um grau médio de dificuldade jurídica.
«No que respeita ao valor de €100,00/hora que o Autor alega ter considerado, não se afigura excessivo e mostra-se adequado ao trabalho efetivamente desenvolvido e ao local do escritório.
«Finalmente, no que concerne ao tempo gasto o Autor alegou que despendeu com os serviços prestados 330 horas, mas não o logrou demonstrar.
«A Ordem de Advogados, partindo do pressuposto (não totalmente demonstrado na sequência do julgamento realizado) que o Autor prestou todos os serviços descriminados na nota de honorários dos autos, lançando mão da experiência comum e do conhecimento da prática da advocacia, estimou, segundo um critério de equidade, que o Autor terá gasto 150 horas com os serviços prestados e concluiu que seria de conceder laudo caso os honorários tivessem sido fixados em €15.000,00.
«In casu o Autor não fez prova do número de horas por si despendido com os serviços prestados ao Réu.
«Todavia, com base em juízos de equidade, há que considerar que tendo parte dos serviços sido efetuados, independentemente do tempo exato em que foram realizados, o Autor terá de ser remunerado por esse trabalho.
«Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (artigo 1158º, n.º 2 do Código Civil).
«O critério da equidade, que tem a sua dinâmica na conjugação e interligação de todos os elementos relevantes disponíveis, à luz das regras de experiência comum, do “bonus pater famílias”, da realidade e razão das coisas, do justo equilíbrio e da serena ponderação, com a margem de discricionariedade que a lei confere ao julgador, é o adequado a resolver o caso concreto.
«Assim, os serviços prestados que resultaram demonstrados são os que se mostram inscritos nos pontos 4) e 5) dos factos assentes.
«Dos cerca de 76 atos e ou serviços descriminados na nota de despesas e honorários dos autos resulta assente a prática de 45 dos mesmos, correspondente a cerca de 60% dos serviços.
«Tudo visto e ponderado, na situação vertente não existe um critério de razoabilidade na emissão da nota de honorários e mesmo o valor pretendido e reclamado na presente ação (€15.000,00, inferior ao valor inscrito na nota de honorários) não tem correspondência com os serviços que o Autor logrou demonstrar ter efetivamente prestado (que são apenas aqueles que se mostram descriminados na matéria assente).
«O que legítima e justifica o afastamento do juízo pericial efetuado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados (e a conclusão alcançada de que seria de conceder laudo se o valor dos honorários fosse fixado em € 15.000,00), na medida em que assenta num pressuposto não verificado (ao presumir como efetivamente prestados todos os serviços descriminados na nota de honorários dos autos, o que não se comprovou integralmente).
«Assim, no binómio do trabalho efetivamente desenvolvido e da dificuldade dos assuntos, à falta de outro critério, segundo um juízo de equidade, justifica-se que o valor dos honorários corresponda à quantia de € 9.000,00  (nove mil euros), a que acresce IVA, e não à totalidade do valor reclamado (€15.000,00) (sublinha nosso).

Contra o exposto, sustenta o Recorrente nas suas alegações de recurso, que o Tribunal não poderia fazer recuso à equidade para fixação dos honorários devidos, porque competia ao A. alegar o tempo despendido com cada serviço concreto e o convite ao aperfeiçoamento não poderia sanar o incumprimento do ónus de alegação (cfr. Art.s 590.º n.º 3, 4 e 5 do C.P.C.). Por outro lado, a petição aperfeiçoada também não cumpriu esse ónus de alegação, porque não discriminou, para cada ato, o tempo despendido, não bastando invocar uma estimativa global de 330 horas.

Em primeiro lugar, temos de referir que a petição inicial originalmente apresentada nos autos limitava-se a alegar os serviços de forma remissiva para a nota de honorários (cfr. artigos 3.º a 5.º da p.i.), que então ainda não tinha sido junta, e para o resultado do parecer de laudo da Ordem dos Advogados (cfr. artigos 7.º a 10.º da p.i.). Sendo que o R. não teve qualquer dificuldade em identificar, seja nesse articulado, seja nos documentos para o qual se remetia, quais os serviços que estavam em discussão, não tendo sequer alegado a ineptidão da petição. Em todo o caso, o tribunal entendeu por bem que deveria ser na petição que deveriam ser alegados os concretos serviços jurídicos prestados ao R., as datas em que ocorreram, as despesas realizadas, o tempo despendido e a dificuldade dos assuntos que justificaram o valor dos honorários peticionados, explicitando que: «Perfilha-se a corrente jurisprudencial que propende no sentido da inadmissibilidade de alegação por remissão, referindo que os documentos são meios de prova e não factos, pelo que a obrigação de expor estes não pode ser suprida pela referência ou remissão a documento junto (no caso, laudo de honorários) / Nestas condições, deve o Autor delinear com precisão o fundamento da sua pretensão, esclarecendo a factualidade (…) correspondente à causa de pedir». (cfr. fls. 130 a 131 verso).

O A. assim fez, apresentando petição inicial aperfeiçoada, explicitando quando foram prestados os serviços (artigo 3.º) e reproduzindo na íntegra os vários itens da nota de honorário, com menção à data e descrição do serviço prestado (artigos 5.º a 82.º), concluindo que estimava ter despendido em todos os trabalhos um número de horas claramente superior a 330 (artigo 83.º) e que utilizou o critério 100€/hora (artigo 86.º), juntando no final a “nota discriminativa de despesas e honorários”.

O R. exerceu o contraditório relativamente a todos esses factos, impugnando os mesmos, sem suscitar qualquer questão relativa a “excesso” do A. no cumprimento do despacho de aperfeiçoamento.
Não há dúvida que deveria ser na petição inicial que o A. deveria expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direitos que servem de fundamento à ação (Cfr. Art. 552.º n.º 1 al. d) do C.P.C.), cumprindo assim o ónus de alegação estabelecido no Art. 5.º n.º 1 do C.P.C. a cargo das partes.

No entanto, nos termos do Art. 590.º n.ºs 2 e 3 do C.P.C., findos os articulados, o juiz pode convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, ou para juntar documento que se tenha por essencial. O n.º 4 do mesmo preceito incumbe ainda ao juiz convidar as partes para suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de articulado que complete ou corrija o inicialmente produzido. O n.º 5 estabelece depois a regra do cumprimento do contraditório relativo ao aperfeiçoamento feito a convite do juiz. E o n.º 6 define como limite à alteração da matéria de facto alegada em aperfeiçoamento a sua conformação com os limites previstos no Art. 265.º, quando em causa esteja o exercício do direito do A.. Ou seja, não pode haver, sem acordo do R., alteração ou ampliação da causa de pedir, exceto se ela decorrer de confissão do R. aceita pelo A. (cfr. Art. 265.º do C.P.C.).

A este propósito, Jorge Augusto Pais do Amaral (in “Direito Processual Civil”, 14.ª Ed., pág. 279) esclarece que a parte convidada a aperfeiçoar o articulado tem de manter-se dentro da causa de pedir, não pode aproveitar o convite para apresentar um articulado diferente, com uma completa alteração dos factos.

Paulo Pimenta (in “Processo Civil Declarativo”, 2.ª Ed., págs. 237 a 255) admite o despacho de aperfeiçoamento relativamente a “articulados facticamente insuficientes (incompletos)”, que define como sendo aqueles em que: «a exposição fáctica, permitindo embora determinar ou descortinar a causa de pedir ou a exceção invocada, não se revela suficiente ou bastante para o preenchimento da figura em causa, isto é, não contém todos os factos necessários para que possa operar-se a subsunção na previsão da norma jurídica (ou normas jurídicas) de que a parte quer prevalecer-se». Esclarecendo que o convite ao aperfeiçoamento não prescinde do “limite fático mínimo” que permita individualizar a causa de pedir, conforme esta seja simples ou complexa. Sempre que seja possível, dos elementos constantes dos autos, individualizar a causa de pedir, apesar da insuficiência da alegação, justificar-se-á o convite ao aperfeiçoamento, de modo a completar a alegação, fazendo chegar ao processo os factos omitidos e que era suposto terem logo sido alegados no articulado devido.

Francisco Ferreira de Almeida (in “Direito Processual Civil”, 2.ª Ed., pág. 204) estabelece como limite ao aperfeiçoamento o induzir a parte a suscitar uma nova ou distinta causa de pedir, não sendo também permitido suprir-se uma ineptidão da petição, ainda que só a omissão do cerne ou núcleo essencial da “causa petendi” não seja suprível pela via do despacho de aperfeiçoamento.

Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, 2.º Vol., 3.ª Ed., pág. 634) também admite o aperfeiçoamento quando os factos alegados sejam insuficientes ou não sejam suficientemente concretizados, cabendo no primeiro caso a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica, expressa ou implicitamente invocada. Já no segundo caso cabem situações de alegações meramente conclusivas, abstratas ou jurídicas, ou equívocas. Excluídas ficam apenas as situações em que se convide a parte a alegar questões novas ou distintas da causa de pedir constante da petição inicial.

Ora, na verdade, tendo por referência o disposto no Art. 265.º do C.P.C., o A. não ampliou, nem alterou a causa de pedir, pois limitou-se a esclarecer e concretizar os factos que já havia alegado, embora de forma meramente remissiva para prova que já constava dos autos.

A pretensão do A., com o aperfeiçoamento, manteve-se dentro das balizas previamente definidas na petição inicial original como constituindo a causa de pedir da ação de honorários. O pedido continuou a emergir dos mesmos serviços que se encontravam descritos na nota de honorários, os quais eram integralmente são coincidentes com os descritos no laudo da Ordem dos Advogados, para o qual a petição inicial remetia.

No que se refere ao aperfeiçoamento relativo ao tempo despendido no trabalho (330 horas) e ao critério remuneratório (€100,00/hora), não se traduzem em novas causas de pedir ou na introdução de factualidade que importe na discussão de causa de pedir distinta da que estava inicialmente definida na petição original.

Veja-se que a mera descrição dos trabalhos, tal como consta da nota de honorários, tem em si ínsita a conclusão necessária de que houve um tempo despendido para o efeito, o qual pode efetivamente ser concretizado pelo A., a convite do juiz. O mesmo se devendo dizer relativamente ao esclarecimento do critério remuneratório, já que a nota de honorários inclui um pedido de pagamento de quantia certa que o pressupõe.

A circunstância de o A. não ter discriminado, serviço a serviço, o tempo despendido, mas indicando um tempo estimado global, não é sequer muito relevante, porque, no final, como decorre da sentença recorrida, nem sequer se fez prova desse facto.

Com o que certamente não podemos concordar é com a conclusão de que, nestas condições, não seria sequer legítimo o recurso à equidade. Com o devido respeito, provando-se que foram prestados serviços em determinados dias, os quais, por evidentes razões lógicas, importaram necessariamente em determinado tempo de trabalho, que concretamente não se logrou apurar, nem se afigura agora possível vir a fazê-lo, deverá o tribunal, por analogia com o disposto no Art. 566.º n.º 3 do C.C., julgar qual o valor devido, dentro dos limites que tiver por provados, fixando a remuneração no quadro legal do Art. 100.º do EOA e respetivo Regulamento, tal como a sentença recorrida fez.

Numa segunda linha de argumentação, o Recorrente vem sustentar que muitos dos serviços prestados foram no interesse do próprio A. e, portanto, o seu pagamento não seria devido.

Em causa estariam os serviços que o Recorrente identificou no artigo 92.º das suas alegações de recurso, que se reconduzem apenas a parte dos dados por provados no ponto 4 da sentença recorrida que, entretanto, tem nova redação, em face exposto na parte final do ponto 1.1. do presente acórdão.

Em todo o caso, o núcleo essencial dos factos postos em causa são os relativos ao “Grupo V” – obras da denominada “c___ g____” da Rua dos R____ em A____, L____ (um dos quais já dado por não provado na alínea GG), conforme ponto 1.1. do presente acórdão) –, ao “Grupo VI” – intervenção no Banco Santander (Rua Castilho em Lisboa) –, ao  “Grupo VII” – intervenção contratual atinente à fração sita no Beco do S____, Nº....., em L_____ –, ao “Grupo VII” – intervenção contratual com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda. – e ao “Grupo IX” – a intervenção contratual com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda..
Quanto aos serviços do “Grupo V” (promessa de venda da casa da Rua dos R____/L____), os serviços prestados pelo A., que foram dados por provados no ponto 4, estão todos relacionados com a realização de diligências junto de bancos e com as diligências para restruturação da dívida especificamente junto do Santander, que já se incluem o “Grupo VI”.
O que resulta da matéria de facto provada na sentença proferida no processo crime, que condenou o A. pelo crime de usura (Proc. n.º 3295/09.0TDLSB – cfr. fls. 101 a 126) é que o R. fez obras de recuperação e transformação na Rua dos R____/L____ (facto 5), cujo custo sofreu agravamentos no decurso da sua execução (facto 7), tendo o R. deixado de ter acesso ao crédito por motivo de incumprimentos bancários (facto 8), tendo-se o A. oferecido para lhe emprestar o dinheiro necessário (facto 9), assim se tendo sucedido um conjunto vários de empréstimos, com juros elevadíssimos, que chegaram a 121,66% ao ano (facto 71).

Mas da matéria de facto aí provada não decorre que as diligências realizadas junto dos bancos tenham sido no interesse do A.. Aliás, não vemos como é que as restruturações de dívida pudessem trazer proveitos de que o A. pudesse beneficiar diretamente. Normalmente, as restruturações determinam unicamente eventuais moratórias transitórias, prorrogação dos prazos de pagamento das dívidas ao banco e a fixação de novos valores das prestações para liquidação do crédito em termos que se pretendem mais exequíveis para o devedor. Portanto, sendo essa a finalidade normal das restruturações não vemos como é que os serviços prestados pelo A. tenham sido no seu interesse. Nem o R. logrou demonstrar isso nas declarações de parte que prestou em audiência final, tal como tivemos oportunidade de ouvir através das gravações.

As negociações para restruturações dos créditos bancários só poderiam ter um benefício direto para o próprio R., ainda que se possa admitir que, indiretamente, o A. pudesse delas também beneficiar na medida em que assim garantisse uma maior disponibilidade financeira para o R. pagar os empréstimos com juros usurários que lhe estava a cobrar.

No que se refere ao “Grupo VII”, apenas ficou provado que foi o A. quem elaborou o contrato promessa de venda da fração sita no Beco do Surra, n.º 57.

O Recorrente, a este respeito, limita-se a alegar que este negócio marca o início do esquema de usura que beneficiou o próprio A.. No entanto, nada disso decorre dos factos provados no processo-crime já supra mencionado e, na verdade, da gravação das declarações do R. também só resulta que essa venda tinha por objetivo obter meios financeiros para liquidar as dívidas que o próprio tinha assumido em decorrência da derrapagem orçamental das obras na sua casa na Rua dos Remédios. A ter por certo o que o mesmo disse em audiência, o interesse direto desse negócio era do R., ainda que, uma vez mais, indiretamente tivesse beneficiado o A., na medida em que o R. obteria meios financeiros para pagar os empréstimos e juros usurários que aquele lhe estava a cobrar. Simplesmente, não sabemos se isso corresponde à verdade, pois traduz apenas uma versão dos factos que assenta unicamente no depoimento do R., que tem interesse na solução a dar ao mérito da causa. Essa versão não está sequer traduzida nesses termos na matéria de facto provada na sentença proferida no processo-crime.

Quanto ao “Grupo VIII”, relativo à venda da clínica à Dra. Sofia ....., a questão repete-se. Sobre ela a sentença crime nada refere e somos de novo confrontados com a versão unilateral do R. sobre a intervenção do A. nesses factos, que se referem a um negócio que não se chegou a concretizar, mas que foi efetivamente negociado pelo A., em representação do R..

Ouvimos a gravação do seu depoimento nesta parte, que se afigura particularmente confuso, talvez motivado pelo alegado nervosismo e revolta sentida pelo R.. Seja como for, a conclusão mantém-se: a prova produzida foi claramente insuficiente, unilateral e parcial para poder motivar a convicção sobre a demonstração do que o R. pretendia.

De acordo com esse mesmo depoimento, a frustração desse negócio com a Dra. Sofia ..... estaria também ligada ao posterior negócio com a Sociedade Comercial Centro Clínico S.N.F., Lda., que teria o mesmo objetivo de beneficiar o A., sendo que, uma vez mais, na matéria de facto da sentença do processo-crime nada disso é referido, sendo as justificações apresentadas na defesa sustentadas unilateralmente pelo R., que tem interesse direto na causa.

A condenação do A. em processo-crime não tem assim as virtualidades que o R. dela pretende extrair. O que se constata é um esforço da defesa no sentido da extrapolação do que ali foi dado por provado, para concluir pela verificação doutras realidades que são estranhas à matéria penal que justificou a condenação do A. pelo crime de usura.

Resumindo e concluindo, não só a matéria de facto não reflete o alegado interesse direto do A. nos serviços prestados, como a prova produzida a esse respeito é insuficiente, assenta praticamente em exclusivo nas declarações de parte do R., que tem interesse na solução a dar ao mérito da causa, não existindo suficiente segurança para dar tal por provado.

Em abono da verdade, toda essa factualidade justificativa apresentada pelo R. deveria constar explicitada nos factos não provados, com fundamento na insuficiência da prova produzida. Em todo o caso, realçamos que na parte das alegações de recurso que se referem concretamente à impugnação da decisão da matéria de facto não se suscitou a questão da omissão desses factos, sendo que por se tratar de factos que deveriam ser dados não provados, na prática, não tiveram, nem têm, influência no conhecimento do mérito da causa.

Cumpre ainda dizer que a alegada inclusão na nota de honorários dos serviços relativos à “confissão de dívida”, sendo que no processo n.º 16616/08.4YYLSB se deu por provado que esse documento não foi outorgado pelo R. (facto provado 7 – cfr. doc. de fls. 389 verso), é para o caso completamente irrelevante, porque a prestação desse serviço ficou a contar dos factos não provados da sentença aqui recorrida (cfr. alínea Z) a fls. 353).

Ainda assim, temos de reconhecer que houveram factos, que constavam do ponto 4 da factualidade provada, que se encontram agora dados por não provados (cfr. ponto 1.1. do presente acórdão) e, consequentemente, tal determina que, com base precisamente nos mesmos critérios de decisão equitativa que estiveram subjacentes à prolação da sentença recorrida, quando fixou os honorários em €9.000,00, se opere agora uma nova quantificação dos honorários devidos.

Assim, dos cerca de 76 atos e/ou serviços descriminados na nota de despesas e honorários dos autos, relativamente aos quais o laudo pericial deu parecer que seriam adequados, de acordo com os usos da comarca, honorários no valor de €15.000,00, resultam agora assentes apenas a prática de 29 dos mesmos, o que corresponde a cerca de 38% dos serviços.

Também há que ter em atenção que o trabalho jurídico mais complexo estará mais relacionado com o processo-crime n.º 2072/08.0TDLSB (Grupo I), com o estudo e negociação da restruturação financeira junto dos bancos (Grupo V e VI) e as intervenções relativas à elaboração de contratos e sua negociação (Grupos VII, VIII e IX). No entanto, quer quanto às negociações com os bancos, quer no que se refere aos contratos, realça-se que os serviços do A. parece que não tiveram particular êxito.

Os conflitos laborais ou com o TOC (Grupo III e IV) resumiram-se à emissão de cartas e uma deslocação à empresa, sem prejuízo do necessário estudo das pertinentes questões jurídicas subjacentes. Sendo que, relativamente ao conflito com a sócia (Grupo II), só se provou uma deslocação à sede da empresa para acompanhamento do R. na assembleia de sócios.

Assim, atento ao trabalho efetivamente desenvolvido, ao seu resultado e da dificuldade dos assuntos, à falta de outro critério, segundo um juízo de equidade, justifica-se que o valor dos honorários seja fixado na quantia de €5.000,00, a que acresce IVA e juros à taxa legal das obrigações cíveis, contados de 9 de julho de 2014 até integral pagamento, tendo em atenção a procedência da exceção da prescrição da obrigação de juros, tal como decidida na sentença recorrida.

6.–Do abuso de direito.

O Recorrente veio ainda suscitar a questão do abuso de direito, nomeadamente por motivo do A. ter proposto a presente ação volvidos mais de 10 anos sobre o fim da prestação dos serviços cujo pagamento reclama, omitindo factos relevantes como os pagamentos que o R. realizou, o interesse do próprio A. nos serviços cujo pagamento reclamou, a elaboração de confissão de dívida que por si foi forjada, que o próprio A. tudo fez para que não houvesse restruturação da dívida e todas as ações que realizou com o propósito de manter o R. preso ao esquema de usura que montou.
Sucede que, como já vimos, o R. não logrou provar essa factualidade e, portanto, o apelo à aplicação ao caso do instituto do abuso de direito, previsto no Art. 334.º do C.C., fica prejudicado, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário.

7.Da litigância de má-fé do A..

Resta a questão da litigância de má-fé, que em rigor também assenta, no essencial na mesma argumentação e factualidade em que se centrava o abuso de direito, agora dirigido à demonstração de que o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar, à alteração da verdade dos factos, nomeadamente omitindo que recebeu do R. o pagamento de honorários e que a maior parte dos serviços que prestou foram instrumentais à realização do crime por que foi condenado.

Conforme resulta do Art. 542.º do C.P.C.:
«1.- Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
«2.- Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)- Tiver deduzido pretensão ou contestação cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)- Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)- Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)- Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Este preceito, que corresponde ao Art. 456.º n.º 1 do C.P.C. pretérito, na redação dada pelo Dec.Lei n.º 180/96 de 25/09, mudou o âmbito objetivo da litigância de má-fé resultante dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961.
Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pág. 262) distinguia entre a lide cautelosa, a lide simplesmente imprudente, a lide temerária e a lide dolosa. Ora, os Códigos do Processo Civil de 1939 e de 1961 compatibilizavam a boa-fé processual com essas primeiras 3 formas de litigância e apenas sancionava a lide dolosa (Vide: Alberto dos Reis, Ob. Loc. Cit. pág. 258 e 261 a 263; e Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 343).

A reforma de 1995-1996 veio a incluir no âmbito da litigância de má-fé a litigância temerária (vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “in Agendo”, 2006, pág.s 19 a 23; e Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., pág. 456).

Assim, como refere Lebre de Freitas (in Ob. Loc. Cit.) «A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, autuado culposamente, mas apenas com culpa leve, a qual só excecionalmente é sancionada, como acontece no domínio particularmente sensível das providências cautelares».
Penalizando agora o legislador como litigante de má-fé quem age “com negligência grave” e deduz pretensão “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, tal introduz como fator novo a possibilidade de a parte ser condenada mesmo nos casos em que, não obstante desconhecer a falta de fundamento da pretensão, lhe era exigível que a conhecesse (Vide: Paula Costa e Silva in “A Litigância de Má-fé”, pág. 393).

Em qualquer caso, convirá relembrar o que a propósito foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/02/2015 (Proc. 1120/11.TBPFR.P1.S1), de cujo sumário resulta: «I- A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II- Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento

A isto acresce que: «os tribunais devem usar de circunspeção em matéria de condenação por litigância de má-fé (…). De contrário, todo aquele que perde, por não conseguir provar as suas asserções, poderá incorrer em condenação como litigante de má-fé» (cfr. Acórdão do STJ, de 28.02.2002, Agr. n.º 4429/01 - 4ª: Sumários, 58º).

Dito isto, não vemos como se possa sustentar que o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar. O A. limitou-se a exercer um direito que lhe assistia de ser remunerado por serviços que prestou enquanto advogado do R., sendo certo que não logrou provar que tenha prestado todos os que discriminou na nota de honorários. Mas, o mero incumprimento do ónus de prova não justifica a condenação da parte como litigante de má-fé.

Por outro lado, quanto aos pagamentos que o A. admitiu ter recebido do R. a título de honorários, não se provou que se reportassem aos que se mostram discriminados na nota de honorários a que se reporta a presente ação.

Finalmente, quanto à alegada instrumentalidade dos serviços prestados para o esquema de usura de que o R. foi vítima por parte do A. ela também ficou por demonstrar, por insuficiência da prova produzida nos presentes autos, sendo que a factualidade provada em sede do processo-crime, constante dos autos n.º 3295/09.0TDLSB, não resulta evidenciada essa relação com os serviços descritos na nota de honorários.

Muito em particular, no que se refere à “declaração de dívida” que serviu de título executivo na ação executiva n.º 16616/98.4YYLSB, o que nós constatamos é que nos embargos de executado ficou provado que o R., ali executado, não outorgou o documento “declaração de dívida” (cfr. facto 7 do doc. junto com as alegações a fls. 389 verso). Sendo que, apesar desse serviço constar da nota de honorários desta ação, não se provou que o mesmo tenha efetivamente sido prestado (facto não provado na alínea Z). Portanto, não se conhecendo as razões subjacentes à produção desse documento, ficamos pela mera constatação de que não foi cumprido o ónus de prova, que aqui incumbia ao A..

Aliás, em função do exposto no presente acórdão, acabámos por concluir que assiste, em parte, ao A. o direito que se arrogou nesta ação, tendo o mesmo se limitado a fazer uso dos meios processuais ao seu dispor de forma que se nos afigura conforme ao direito processual aplicável, não se vislumbrando comportamento censurável que justifique o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.

Tudo sopesado, a sentença recorrida deverá ser alterada apenas na parte em que condenou o R. a pagar ao A. a quantia de €9.000,00, acrescidos de IVA e juros de mora contados de 9 de julho de 2014, reduzindo-se o valor dessa condenação aos €5.000,00, acrescidos de IVA e juros de mora, procedendo assim parcialmente a apelação.

V–DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente por provada, quer quanto à impugnação da matéria de facto da sentença recorrida, que é alterada nos termos constantes da parte final do ponto 1.1. do presente acórdão, quer quanto ao mérito da causa, reduzindo a condenação do R. constante da alínea c) da parte dispositiva da sentença, passando o mesmo a ser condenado ao pagamento ao A. da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescidos de IVA e juros de mora, à taxa legal, atualmente fixada em 4% (Art. 559.º do C.C. e Portaria n.º 291/2003 de 8/4), vencidos desde 9 de julho de 2014 até integral pagamento.
- Custas por apelante e apelado, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 22 de fevereiro de 2022



Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva