Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4695/15.2T9PRT.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO AGRAVADA
CRIME DE INJÚRIA AGRAVADA
DIREITOS DE PERSONALIDADE
PEDIDO CIVIL E QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor – a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 26º e 37º da CRP ), sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra.
Atendendo a que a CEDH , como todo o direito convencional de que Portugal é parte contratante, tem valor infra-constitucional, mas supra-legal , na indagação sobre se determinada conduta constitui crime contra a honra há que ter em atenção o disposto nesta convenção, interpretada pela jurisprudência do TEDH , nomeadamente a produzida a propósito do art.º 10º, Liberdade de expressão;
II-Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se  a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal"  ;
III- Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras - ou mesmo infundadas - que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça - contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições - com o jus puniendi do Estado.
Naturalmente, este tipo de preocupações não implicam que se deva descurar a necessidade de adequada tutela do (também fundamental) direito à honra e, muito menos, o reconhecimento do direito ao insulto;
IV-Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas. Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social";
V-Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas;
VI-Assim não merece censura a decisão do Tribunal “a quo“ ao entender e sustentar na sentença que, no hipotético confronto entre dois direitos fundamentais– a putativa liberdade de expressão do recorrente e direito à honra da Assistente – deveria prevalecer concretamente o direito da assistente, justamente na medida em que os comentários do Recorrente ultrapassam a crítica sustentada, objetiva e equilibrada, constituindo antes uma ofensa gratuita e desmedida que não satisfaz qualquer propósito informativo ou crítico com utilidade nem constitui qualquer exercício lícito de um direito do recorrente – tais expressões jamais poderiam ser consideradas lícitas a coberto do alegado exercício do direito à liberdade de expressão sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana – enquanto princípio regulativo primário da nossa ordem jurídica, pois  para o cidadão médio as expressões “A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!” e “Aquela jornalista com mau aspecto” são ofensivas, porque nelas “... não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas ...”, isto é, não correspondem a qualquer crítica ao desempenho profissional da Assistente, que era o que estava em causa, mas são meramente depreciativas da sua pessoa, pelo que são ofensivas da honra e consideração;
VII. Logo tais expressões jamais poderiam ser consideradas lícitas a coberto do alegado exercício do direito à liberdade de expressão sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana – enquanto princípio regulativo primário da nossa ordem jurídica.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo Local Criminal de Lisboa, por sentença de 24/04/2019, constante de fls. 649/659, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 649 – sentença recorrida), condenado e absolvido pela seguinte forma:
“… Por todo o exposto, julgo procedente por provada a acusação pública e consequentemente:
Condeno o arguido AA pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos art.º 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa;
Condeno o arguido pela prática de um crime de injúria agravada, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa.
Em cúmulo jurídico condeno o arguido na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 20€ (vinte euros) perfazendo 4.600€ (quatro mil e seiscentos euros).
Julgo parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido, e consequentemente condeno o demandado a pagar à assistente a quantia de 8.000€ (oito mil euros), acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido deduzido até integral pagamento, calculados à taxa legal.
Absolvo o demandado do remanescente do pedido de indemnização civil.
Condeno o arguido a suportar as custas judiciais do procedimento criminal, que fixo em 2 UC de taxa de justiça, e demais encargos com os autos, cf. artigos 513º e 514º do Código Penal, 8º, n.º 5, tabela III e 16º do Regulamento das Custas Processuais.
As custas do pedido de indemnização civil deduzido serão suportadas por demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento, que fixo em 1/3 para o demandado e 2/3 para a demandante – cf. artigos 523º, n.ºs 1 e 2 º do Código de Processo Civil e 523º do Código de Processo Penal. …”.
*
Não se conformando, a Assistente, BB, interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 664/673, com as seguintes conclusões:
“… 1) No âmbito dos presentes autos a assistente, ora recorrente, acusou o arguido, ora recorrido da prática de um crime de injúria agravado, previsto e punido pelos artigos 181º e 183º, n.º 1, alínea a) do código penal (CP) e de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do mesmo diploma tendo este sido condenado por ambos os crimes na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €20,00 (vinte euros), perfazendo €4.600,00€ (quatro mil e seiscentos euros).
2) A assistente deduziu ainda um pedido de indemnização civil peticionando a condenação do arguido no pagamento de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos em consequência dos crimes praticados.
3) O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido, e em consequência, condenou o ora recorrido a pagar à recorrente a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido deduzido até integral pagamento, calculados à taxa legal, absolvendo-o do remanescente peticionado.
4) Não pode a recorrente conformar-se com a douta sentença no que respeita ao quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo quanto aos danos não patrimoniais.
5) Entende a recorrente, sem perder de vista que ao Tribunal cabe a livre apreciação da prova, que em face da matéria de facto que se encontra provada nos autos, a sua respetiva interpretação e aplicação do direito à mesma, imporia decisão de igual sentido, contudo, bem mais pesada na parte do quantum indemnizatório.
6) A recorrente vem impugnar a decisão proferida, quanto à matéria de direito, designadamente, no que diz respeito ao valor atribuído à indemnização civil devida, razão pela qual ignorou o Tribunal a quo as exigências contidas no artigo 496º do Código Civil (CC) e a sua correta ponderação.
7) Refere a sentença ora recorrida: “Quanto ao valor da indemnização poder-se-á dizer que o critério a adotar, deverá ter em conta o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias que se apresentem relevantes, e ainda a comparação com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais (..)Ora, considerando a situação financeira do arguido e da assistente, o conteúdo concreto das expressões proferidas, o contexto, o veiculo de difusão envolvido nas duas ocasiões (meios de comunicação social e o elevado potencial de disseminação), a culpa manifestada, e sobretudo a comparação com situações análogas, parece-nos exacerbada a quantia peticionada, desproporcional à gravidade dos factos  praticados bem como às consequências dos mesmos, que se reconduzem aos sentimentos experimentados por quem se sente ofendido com um  juízo  depreciativo feito a seu respeito, sem ignorar, no plano das consequências, a  difusão publica veiculada pela comunicação social enquanto elemento típico dos crimes. De facto não resulta dos autos que a assistente  tenha  sofrido  consequências pessoais que a tenham afetado de forma vincada e/ou irreversível.
Por todo o exposto, tendo presente o critério equitativo determinado pelo art.º 496º, n.º 3 do Código Civil o Tribunal entende equitativo condenar o arguido no pagamento da quantia de 8.000€ (oito mil euros)”.- Destaque e sublinhado nossos.
8) Não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo quando na verdade, da matéria de facto dada como provada, resulta claro que tendo em conta os critérios supra elencados, a indemnização deverá ser fixada em valor superior ao que foi atribuído pela primeira instância, sob pena de violação do preceituado nos artigos 494º e 496º do CC.
9) Se é verdade que existe dificuldade no que toca à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, é hoje ponto assente, na jurisprudência, que, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, “os tribunais não se devem guiar por  critérios miserabilistas”. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-05-2010, Processo nº. 1054/06.6TBALM.L1.S1 disponível in www.dgsi.pt)
10) Ora, concretizando e seguindo a linha de raciocínio do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, no que toca à extensão e gravidade dos danos causados não podem restar dúvidas acerca da gravidade dos factos praticados pelo recorrido já que o mesmo foi condenado pela prática de um crime de difamação agravada e um crime de injúria agravada.
11) Perante o quadro factual que resulta provado dos autos e em concreto os pontos s), t), v), w e x), não se compreende nem se admite que o Tribunal a quo considere que “não resulta dos autos que a assistente tenha sofrido consequências pessoais que a  tenham afetado de forma vincada e/ou irreversível” quando, por outro lado, refere expressamente que “dos autos resultou provado que em consequência dos factos praticados pelo arguido assistente sentiu-se humilhada, perante o público em geral   e perante os seus colegas de profissão, e atingida no seu bom nome e reputação, sendo associada até ao presente como “aquela jornalista que cheira mal”.- Destaques nossos. Neste âmbito, o entendimento do Tribunal a quo configura uma verdadeira incongruência.
12) Note-se que os factos ocorreram a 17 de março de 2015. Ora, volvidos 4 anos e 2 meses da prática dos crimes aqui em causa, o que é facto é que a recorrente permanece aos dias de hoje rotulada como “a jornalista que cheira mal”.
13) Ora, ser catalogada, “ad aeternum”, como “a jornalista que cheira mal” não consubstancia um dano irreversível na vida da recorrente? A resposta  é, sem  sombra  de dúvidas, positiva.
14) As declarações públicas do recorrido provocaram danos irreversíveis na imagem da recorrente. Basta uma visualização dos suportes áudio/vídeo juntos aos autos das reportagens visadas para verificar o impacto causado e em consequência, o estigma que recaiu sobre a recorrente, quer no plano pessoal, quer profissional.
15) Ora, por uma simples pesquisa pela expressão “jornalista que cheira mal” em qualquer motor de busca eletrónico (v.g., “Google”, “Yahoo”, “sapo.pt”, etc.), aparece de imediato a imagem da recorrente e diversas notícias sobre os acontecimentos objeto dos  presentes autos.
16) Note-se que o vídeo deste episódio então transmitido em direto onde se vislumbra a prática dos crimes em apreço nos presentes autos permanece disponível na plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube, à mercê de ser reproduzido, comentado, reenviado e publicado em outros órgãos de comunicação e em inúmeras redes sociais eletrónicas, sendo virtualmente conhecido ou cognoscível por todos os cidadãos minimamente informados.
17) Mais se atente que enquanto ser humano, a recorrente move-se numa comunidade onde figura também uma vida familiar (inclusive uma filha de 18 anos em plena adolescência), a qual, a reboque, também sofreu e sofre as consequências da difamação e injúrias sofridas pela recorrente.
18) Assim, a compensação a atribuir à recorrente tem de ser “proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida[2]” e para haver uma efetiva compensação têm de ser ponderados os danos suportados  e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, sem margem para dúvidas, se irão prolongar no tempo.
19) No que diz respeito ao grau de culpa do agente, o mesmo é elevado  sendo  que a  ofensa não podia ser mais intensa como revelam em  concreto os pontos b), i), j), p),q)  e t) dos factos provados. O arguido sabia que ao atuar como atuou, difundindo as afirmações que difundiu, estaria a afetar a imagem, credibilidade e bom nome da recorrente. Mais releva que o recorrido no mesmo dia, no jornal da noite da TVI voltou a humilhar a recorrente identificando-a como “aquela jornalista com mau aspeto”, expressão que, mais uma vez, foi proferida com o mero intuito de continuar a ofender a jornalista, rebaixando-a numa televisão nacional e no canal com mais audiência em Portugal.
20) O arguido é Advogado de profissão (no âmbito de um dos processos mais mediáticos do nosso país, representando uma figura igualmente mediática) o que o torna ainda mais ciente do teor das suas declarações e do impacto das mesmas junto da comunicação social, as quais se propagaram criando-se desse modo uma imagem negativa da recorrente, lesando os seus direitos de personalidade e causando-lhe danos à sua imagem, honra e consideração.
21) Sendo a honra a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade  em que se insere e em que coabita e convive com outras pessoas,  viu a recorrente a sua honra afetada na sua esfera pessoal e profissional com uma amplitude desmedida.
22) Está-se, pois, aqui perante uma indemnização com natureza não estritamente reparadora, mas também sancionatória, devendo, em consequência, considerar-se o grau de culpa do agente, o qual é elevado face ao supra exposto, constituindo causa do sofrimento da recorrente, o qual foi sem mais desconsiderado pelo Tribunal a quo.
23) No que diz respeito à situação económica do recorrido  e  da  recorrente cumpre  atentar aos pontos y), z), e aa) dos factos provados, e considerando a situação financeira do arguido e da assistente (€ 50.000/60.000. brutos anuais e €2.500 mensais, assim respectivamente) não nos parece que o montante compensatório que foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, de €8.000,00, seja suficiente para a compensar dos danos a este título sofridos, tendo em conta a gravidade da repercussão deles resultantes.
24) A indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica (cfr. Ac. STJ de 18.06.2015, Processo 4323/12.8TBVNG.P1.S1 disponível in www.dgsi.pt).
25) Na verdade, o valor atribuído pelo Tribunal a quo representa um nada.
26) Sobre esta temática debruça-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-05- 2010 Processo nº.1054/06.6TBALM.L1.S1 quando refere “É que, vistas bem as cousas, a dor de alma é, sem receios de exageros, incomensurável, mau grado os esforços (louváveis) da Psiquiatria em tentar medi-la. - Destaque nosso.
27) Assim sendo, e acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta as circunstâncias em que as ofensas foram proferidas, o impacto que teve na comunicação social, e o sofrimento da recorrente e a vergonha sentida no seu universo profissional, considera-se adequada e justa a quantia de €20.000,00.
28) No que diz respeito ao critério das “demais circunstâncias que se apresentam relevantes” cumpre atentar aos factos dados como provados a), b), e), m), r) x), y), z) e aa) sendo que o recorrido dirigiu à recorrente as palavras insultuosas, as quais foram ditas em voz alta, em frente dos colegas de profissão da recorrente e perante um conjunto alargado de órgãos de comunicação social que  recolheram  essas declarações e porque, estavam a emitir em direito, não tiveram possibilidade de editar ou cortar o referido conteúdo e é dentro deste ponto de vista, que reiteramos que também à luz dos circunstancialismos descritos, €8.000 é um nada.
29) Da comparação com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais a indemnização de €25.000,00 então peticionada pela recorrente insere-se dentro dos padrões jurisprudenciais, nomeadamente, em circunstancialismos e crime análogos ao que o arguido vem acusado (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05- 2016, Processo nº. 2544/10.7TDLSB.L1-9; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2007, Processo 07B566JSTJ000 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.07.2016, Processo nº. 3737/09.5TDLSB.L2.E2 todos disponíveis in www.dgsi.pt)
30) Demonstrou-se, com relevância para a determinação do quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais a atribuir à recorrente, que perante o anteriormente referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a gravidade dos danos sofridos, ao conteúdo concreto das expressões proferidas, a experiência traumática e perturbadora vivida pela recorrente, o contexto, o veículo de difusão envolvido nas duas ocasiões (mediante os meios de comunicação social o que contribuiu em larga medida para o agravamento dos danos), o grau de culpa do arguido, a situação financeira do arguido e da assistente e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização no valor de €20.000,00 (vinte mil euros).
31) Pelo que, ao condenar o arguido no pagamento à recorrente da indemnização no valor de apenas 8.00,00 (oito mil euros), violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 494º e 496º nº. 3 º do CC, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que se afigure justa e proporcional ao quadro factual em apreço.
32) Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida no que diz respeito ao quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo e, em consequência, ser o arguido condenado a pagar à recorrente a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida no que diz respeito ao quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo e, em consequência, ser o arguido condenado a pagar à Assistente a quantia de €20.000,00 (vinte euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por esta sofridos acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da notificação da parte contrária calculados à taxa legal. …”.
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Também inconformado, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 677/714, com as seguintes conclusões:
“… A. Perscrutada a Acusação Particular, acompanhada pelo Ministério Público, quase integralmente dada como provada na decisão sob escrutínio e tendo como pano de fundo que o recorrente não negou o proferir das expressões alegadamente ilícitas, perspícuo emerge que o busílis da razão de desacordo com o decidido se prende com a subsunção jurídica dos factos.
B. Ora, enquanto crimes de comissão pura, os crimes de difamação e injúria, para se verificarem, necessitam do preenchimento das seguintes acções típicas: - a imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de mera suspeita; - a formulação de um juízo de desvalor e/ou - a reprodução de uma imputação ou de um juízo.
C. Assim, as injúrias ver-se-ão verificadas, quanto ao seu elemento objectivo, com a imputação feita directamente à vítima, de factos ofensivos ou o vituperar de palavras ofensivas, sempre da sua honra e consideração, ao passo que, no crime de difamação, o agente dirige a terceiros a imputação de um facto ofensivo ou formula sobre ela um juízo de desvalor, outrossim e em ambas as hipóteses atentatórios da honra e consideração do visado.
D. Destarte, ambas as normas incriminadoras tutelam a honra e consideração, de carácter eminentemente pessoal.
E. Logo, e quanto à honra, o agente deverá violar o elenco de valores éticos que a vítima possui, o seu património pessoal e interno, enquanto que, no que atine à consideração, visará atingir o merecimento desta no meio social, isto é, a sua reputação, boa-fé, estima, dignidade objectiva, ou seja, a conduta típica visa manchar a opinião pública sobre a pessoa, a forma com a sociedade a vê.
F. Quanto ao elemento subjectivo e para ambas as normas incriminadoras, o tipo subjetivo do ilícito exige o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14º do CP, não se exigindo o propósito de ofender a honra ou consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir essa ofensa.
G. Nessa senda, a jurisprudência tem sido pacífica quanto à não exigência de dolo específico, um propósito de ofender a honra e consideração de alguém. Demanda- se, assim, a comprovação de que, pelo menos, o agente representou genericamente a perigosidade da conduta ou do meio da acção, conformando-se com esse resultado. Não será, assim, exigível a especial intenção de ofender alguém. Isto tanto no crime de difamação como no crime de injuria.
H. Por outro lado, o legislador criminal consagrou, no nº 2 do art. 180º, casos especiais de certas condutas que integrariam a previsão legal do nº 1, mas que, por terem subjacentes motivos sérios e de grande relevo, se devem considerar não puníveis.
I. Tal preceito é aplicável ao crime de injúria, tratando-se de imputação de factos, por remissão expressa do n.º 2 do art.º 181.º do CP.
J. Estará assim excluída a punibilidade quando, cumulativamente: - a imputação visar a realização de interesses legítimos (como, por exemplo, do exercício do direito de informar, ou o caso da prestação de um depoimento em juízo); - se faça a prova da verdade da imputação ou a mesma seja tida, em boa-fé, como verdadeira (sendo a boa fé afastada, atento o previsto no nº 4 do mesmo preceito, se o agente omitir os cuidados de informação acerca da verdade da imputação).
K. Por outro lado, para além das situações em que se verifiquem as circunstâncias previstas cumulativamente no n.º 2 do art. 180º ou que ocorra alguma das causas que, em termos gerais, excluem a ilicitude, nomeadamente as consagradas no n.º 2 do artigo 31º do CP, a difamação também não é punida se funcionar a cláusula geral de adequação social, quer se considere a mesma como uma causa de justificação implícita ou supra legal, quer como uma causa de exclusão da tipicidade[3].
L. Concluindo: as expressões proferidas devem revestir um cariz ofensivo, em termos objectivos e não com base na sensibilidade própria da vítima, assentando no sentir geral da comunidade.
M. Todavia, o facto de o agente proferir uma expressão objectivamente injuriosa, apesar de fazer presumir a existência de dolo da sua parte, consubstancia uma presunção ilidível desse dolo.
N. Quanto ao que se deve entender por expressões objectivamente ofensivas, torna-se materialmente impossível de catalogá-las, sendo que a determinação do carácter ofensivo será assim casuística, na sequência de um juízo valorativo, de forte cunho normativo, que abarque todas as circunstâncias da facti species, valoração esta a ser feita em sede de subsunção jurídica e não na determinação dos factos provados ou não provados.
O. Outrossim, dir-se-á que o direito fundamental ao bom nome e reputação de qualquer pessoa – artigo 26º da Constituição da República Portuguesa (abreviadamente CRP) – tem de ser compatibilizado com o também direito fundamental da liberdade de expressão e informação, o qual tem como manifestação o direito de divulgar a sua opinião e exercer o direito de crítica – outrossim protegido pelo artigo 26º, n.º 1, da Lei Fundamental, conjugadamente com a liberdade de expressão garantido pelo seu artigo 37º.
P. Por sua vez, o artigo 38º da Magna Carta portuguesa garante a liberdade de imprensa e meios de comunicação social.
Q. Ora, conforme referem Helena Leitão e Pacheco Ferreira, em 2010, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenara já por oito vezes o Estado Português por violação do art. 10º da CEDH, por considerar que os tribunais portugueses subvalorizaram a liberdade de expressão no conflito entre direitos de personalidade e a liberdade de expressão ou liberdade de imprensa.
R. Posto isto, previamente ao elenco da factualidade erroneamente julgada, não pode o recorrente deixar de sublinhar que o Tribunal a quo não extraiu da prova produzida em Audiência, seja por declarações do arguido recorrente que foi eleito pela decisão recorrida como o meio de prova por excelência da condenação, seja dos suportes audiovisuais juntos aos autos – o vídeo que retrata os factos alegadamente ilícitos, assim como aqueloutros juntos a pedido da defesa e deferidos pelo Tribunal recorrido – toda a factualidade relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, mormente no que diz respeito às concretas circunstâncias que circundaram os factos.
S. Sucede que tal modo de proceder afigura-se como violador dos princípios do acusatório e da investigação oficiosa e do disposto no artigo 368º, n.º 2, do CPP, segundo o qual: Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela  acusação e pela  defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da  causa, relevantes para as questões de saber: (…).
T. Com efeito, a estrutura acusatória do nosso processo penal, consagrada no n.º 5, do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, significa, desde logo, que é pela acusação que se define o objecto do processo, isto é, o thema decidendum, em cabal cumprimento do princípio da vinculação temática.
U. Efectivamente, como decorre do disposto nos artigos 124.º e 339.º, nº 4, ambos do CPP, em julgamento devem ser  apresentados todos os factos invocados pela acusação, pela defesa, e pelo demandante civil, quando o haja, e bem assim aqueles que decorrem das provas produzidas em audiência, mormente, quando requeridas pela defesa, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa, podendo e devendo, para tal, o Tribunal lançar mão do disposto nos artigos 358º e 359º do CPP, isto é, da alteração factual, seja ela não substancial, seja ela substancial.
V. Acresce que os referidos preceitos legais devem ser interligados com o disposto no artigo 374º, n.º 2, do CPP, nos termos do qual deve contar da fundamentação da sentença a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”, respaldo da exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da CRP quanto ao dever de fundamentação, nos termos da qual as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente, devem obedecer ao dever de fundamentação que, quando referente à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.
W. Tal exigência visa outrossim assegurar o efectivo exercício do direito de recurso constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 1 da Lei Fundamental.
X. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 374.º e 368º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, consiste na tomada de posição, por parte do Tribunal, sobre todos os factos submetidos à sua apreciação e sobre os quais a decisão tem que incidir – sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, do pedido de indemnização, da contestação e daqueles que, não constando de qualquer uma das referidas peças processuais, resultem da discussão da causa e tenham interesse para a decisão.
Y. Sucede que, quanto aos factos que defluem das declarações prestadas pelo arguido, ou ainda dos documentos e das filmagens constantes dos autos – seja da putativa entrevista do arguido por parte do arguido, seja aqueloutras juntas pela defesa ou pelos meios de comunicação social a pedido da defesa –, o Tribunal a quo não tomou posição, considerando apenas lhe ser lícito e devido conhecer dos factos alegados pela acusação e pela defesa, transformando o processo penal num processo de partes, à semelhança do pleito civil.
Z. Tais factos são de crucial relevância para a decisão de facto, porquanto demonstram, por um lado, as entrevistas anteriores do Correio da Manhã e da Assistente ao arguido, a postura da assistente no dia dos factos, o que moveu o arguido e o sentido das palavras proferidas por este, como adiante se revelará em sede de impugnação alargada.
AA. Logo, ao não ter apreciado todos os factos carreados ao longo do julgamento, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 124º, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2 e 374º, n.º 2, todos do CPP, incorrendo na nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP, que desde já se invoca com as legais consequências.
BB. Em sede de impugnação alargada, dando cumprimento ao normativo plasmado no artigo 412º, n.º 3 do CPP, cumprirá ao recorrente proceder à indicação dos pontos indevidamente julgados provados: f) Nessa altura, o arguido foi interpelado por vários jornalistas para prestar declarações à comunicação social sobre a diligência que acabara de decorrer e os desenvolvimentos naquele processo; i) A assistente tentou terminar a questão que lhe pretendia colocar, tendo sido novamente interrompida pelo Arguido que, desta vez, dirigindo-se à jornalista disse- lhe: "A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!"; j) A assistente persistiu com os seus intuitos, questionando o arguido acerca do comportamento que acabara de adoptar relativamente à comunicação social, tendo o arguido repetido, "Oh minha senhora, já lhe disse desampara-me a loja!"; k) Ao que a assistente retorquiu "não quer então comentar", tendo o arguido respondido: "não falo consigo"; l) Neste momento, o arguido dirigiu-se ao seu colega, Dr. João Delille, que o acompanhava e referindo-se aos jornalistas presentes, incluindo a assistente, proferiu a expressão: "Esta gajada mete- me nojo”, seguida da expressão: "temos de andar com esta canzoada?"; m) As expressões referidas foram proferidas em voz bem alta, num local publico diante de colegas de profissão da assistente e de vários órgãos de comunicação social, que filmavam o arguido e transmitiam em directo para diferentes canais de TV, incluindo a CMTV, o que era do conhecimento do arguido; n) Ao proferir a expressão transcrita na alínea i) o arguido sabia que eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e ciente dessas características não deixou de as proferir, no  local e nos moldes referidos, conformando-se com essa possibilidade; o) O arguido proferiu a expressão transcrita na alínea i) impulsionado pela insistência da  assistente em obter, da sua parte, respostas às questões que aquela lhe colocava declarações acerca do resultado do incidente de habeas corpus instaurado no âmbito do procedimento criminal referido na alínea b), não obstante ter manifestado intenção de não responder; q) Ao proferir as expressões transcritas na alínea l) e ao identificar a assistente como “aquela jornalista com mau aspecto”, o arguido sabia que estas expressões eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e agiu deliberadamente com esse propósito, sabendo que proferia a segunda expressão em contexto de programa televisivo de estação de TV portuguesa, transmitido em directo; r) Nas duas ocasiões o arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era contrária à lei.
CC. A fundamentação, neste particular, resume-se no seguinte: Alegou que com as expressões ditas pretendia que a assistente deixasse de o abordar/insistir nas respostas a questões que colocava, ou na obtenção de uma reacção sua, facto que por ser credível à luz da dinâmica dos acontecimentos e sobretudo quando visualizado o suporte áudio/vídeo da reportagem em causa, foi consignado na matéria provada, todavia, não colide com os demais factos provados, porquanto, a motivação da prática dos factos não invalida a consciência da aptidão insultuosa e a conformação com a possibilidade de efectivamente insultar a destinatária, podendo e devendo ser valorada em sede de graduação do juízo de censura; Alegou que não tinha consciência de que estava a ser gravado ou que estaria em directo em várias estações de TV, facto desmentido também  pela simples visualização daquele suporte áudio/vídeo, porquanto, dado o aparato da comunicação social, que apenas poderia ser ignorado pelo arguido acaso este padecesse de deficiências profundas de visão ou audição, o que, de todo, não se apurou, ou tampouco foi alegado. (…) Duas notas finais no que diz respeito ao processo decisório quanto à matéria de facto: Retira-se da visualização dos suportes áudio/vídeo da reportagem à porta do STJ que, tal como relatou o arguido nas suas declarações, a assistente foi persistente e até invasiva no exercício da sua profissão e na prossecução dos seus próprios intentos – obter material jornalístico para a reportagem transmitida em directo, consubstanciado em reacções/declarações do arguido – dai que o Tribunal tenha consignado como provado que o arguido agiu impulsionado por esta comportamento da assistente. No entanto, não pode confundir-se a motivação da prática dos factos com a postura interna do agente, e, sendo o arguido cidadão instruído, advogado de profissão, é garantido que, melhor do que o cidadão que não domina os limites do direito, tem consciência da aptidão ofensiva das expressões que proferiu – a senhora devia tomar mais banho; cheira mal; canzoada e gajada; a advogada com mau aspecto – e não se trata de uma opinião individual mas antes de uma concepção generalizada da comunidade, que não admite negação ou interpretação diversa. Assente que o arguido tinha consciência desta aptidão ofensiva, ao proferir estas expressões necessariamente estava consciente de que agia contra a lei. Este raciocínio suportou a decisão no que diz respeito aos elementos subjectivos dos crimes imputados como também no elenco dos factos não provados que agiu intencionalmente no que toca ao crime de injúria.
DD. Os sublinhados e realces não constam do original e visam, desde logo, sublimar quais os pontos de discórdia do recorrente.
EE. Em primeiro lugar, dando cumprimento ao estatuído na alínea b), do n.º 2, do artigo 412º, do CPP, dir-se-á que a discórdia quanto à decisão da matéria de facto tem suporte nos seguintes meios de prova que foram totalmente arredados do iter cognoscitivo que presidiu à decisão de facto sem qualquer fundamento: no vídeo de 17-03-2015, junto aos autos pela Assistente no requerimento datado de 17-04-2015, sob a referência 370428931, bem revelador do comportamento persecutório e não apenas provocador assumido pela Assistente e do qual se percepciona a integralidade do diálogo havido entre Assistente e Recorrente, o qual deveria constar dos factos dados como provados, pois que apenas a integralidade da transcrição das palavras proferidas parte à  parte permite apreender as circunstâncias em que foram proferidas as expressões alegadamente ilícitas: “BB (…): Sempre o problema com o Correio da Manhã. Sr. Dr. AA, acha normal ter este tipo de comportamento? (…) AA (AA): Já lhe disse, não falo consigo. AA: Não fala com o Correio da Manhã habitualmente? O Recorrente prossegue a sua marcha com a Assistente sempre no seu encalce, e, dirigindo-se ao seu Colega Dr. PP, ao mesmo tempo que esfrega o nariz, continua o diálogo entre Assistente e Recorrente: “AA: Esta gajada mete-me nojo. BB: O colega agora acabou de cair. O Dr. AA mais uma vez não presta declarações. Esta não é aliás a primeira vez que tem este tipo de comportamentos. Esta sua animosidade perante a CMTV, perante o Correio da Manhã, aliás, recorrente. Também  nem sequer cumprimentou os jornalistas à entrada. Disse apenas, tal como já tinha dito aliás, uma vez numa conferência de imprensa onde então, ai sim, chamou os jornalistas todos. AA: Temos de andar com esta canzoada? (pouco audível) BB: Esta canzoada, é assim que o AA habitualmente se refere à  comunicação social e é  aliás  uma  prática absolutamente corrente deste advogado, que entende em determinados momentos chamar a comunicação social mas noutros não. Já o primeiro comportamento à entrada foi assim. AA também não cumprimentou as pessoas que entravam neste Tribunal. Faz agora um momento    de paragem. Não vale a pena insistir com AA que já disse que não queria falar com os jornalistas. Também disse que não falava com a CMTV.”.
FF. Do agora transcrito e visionado, conclui-se, primo, que a única jornalista  que questionou o recorrente foi a Assistente.
GG. Secundo, ressumbra manifesto que o comportamento da Assistente não foi movido pelo intuito de informar e noticiar, mas sim de provocar, até à exaustão, o Recorrente, em clara violação dos deveres que sobre si  recaem,  nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 1, alíneas a), e) e n.º 2, alíneas d), h) e i), do Estatuto do Jornalista, consagrado pela Lei  n.º 1/99, de 01 de Janeiro.
HH. Com efeito, novamente e sem qualquer fundamento já que, como a própria Assistente o reconhece, o recorrente não iria responder às suas perguntas, aquela persistiu em seguir o recorrente e a falar-lhe mais do que colocar-lhe perguntas, nem sequer ensaiando questionar o colega de profissão e outrossim mandatário do Eng. SS quando tal lhe era perfeitamente possível.
II. De resto, as declarações prestadas pelo Recorrente confirmam o acabado de referir e explicitam o porquê do comportamento assumido pela Assistente, sem deixar de transmitir ao Tribunal as razões de ser das expressões proferidas, conforme declarações prestadas na Audiência de Julgamento do dia 08-01-2019, entre as 11h45’35 e as  12h20’22, conforme resulta da respectiva Acta com a referência, gravadas através do sistema H@bilus, no ficheiro n.º 20190107114535_19276636_2871134
JJ. Assim, o recorrente explicitou que: - a Assistente se encontrava demasiadamente perto de si, mais concretamente encostada, com um odor que o incomodava por o considerar horrível, achando que a Assistente primava pelo desasseio, ambas circunstâncias que o recorrente não tolera; - pretendia, com as palavras proferidas a senhora cheira mal, devia tomar mais banho, que esta se afastasse e o deixasse em paz. Note-se que o recorrente não usou palavras que, comumente, são utilizadas quando uma pessoa considera que outra não prima pelo cuidado de higiene, como porca; - entendia que a postura assumida pela Assistente, à semelhança  do corrido dias antes à porta do DIAP, era uma provocação; - existiam vários processos judiciais entre a Cofina e o seu constituinte, o que, note-se e em termos estatutários, obrigava e obriga o recorrente a assumir uma postura de cautela quanto aos meios de comunicação social detidos pela Cofina, quais sejam, Correio da Manhã e Correio da Manhã TV; - o termo canzoada e gajada são figuras de estilo, a primeira que representa uma matilha; a segunda, de origem alentejana que consiste na expressão usada por ciganos quanto a pessoas não pertencentes de tal etnia e que os perseguem; - quando proferiu estas últimas expressões as dirigiu ao seu colega e não tinha consciência que estavam a ser gravadas, o que, de resto, se conclui atenta a diferença de volume sonoro em que as mesmas são reproduzidas. Isto é, é manifesto que as mesmas só são audíveis porque os jornalistas do Correio da Manhã se encontravam encostados ao recorrente, no seu encalce, o que, naquele momento, não era perceptível ao recorrente.
KK. Toda esta factualidade assume crucial relevo e deveria ter sido consignada em sede de matéria de facto dada como provada e em sede de fundamentação, a fortiori de razão quando o Tribunal recorrido estriba a sua fundamentação nos dois meios de prova acabados de apelar.
LL. Por outro lado, suportam tais declarações a prova audiovisual e documental junta no requerimento apresentado pela defesa em 25-02-2018, sob a referência 28307971 (no Citius, referência 18047996), dos quais constam: - dois documentos, consistentes numa petição inicial, datada de 16-03-2015, e numa missiva endereçada ao recorrente, datada de 13-03-2015, comprovativos de que a detentora do Correio da Manhã TV e do periódico escrito Correio da Manhã – a Cofina, S.A. –, assim como a testemunha de Acusação OO moveram contra o arguido uma acção cível,  de responsabilidade civil, cujo petitório ascende a € 847.997,45, sendo que em 13 de Março de 2015, o Causídico que representa a Assistente informara o  recorrente  de tal facto, em obediência ao disposto no artigo 91º do Estatuto da Ordem dos Advogados; - a peça jornalística, transmitida pela RTP conforme documento identificativo da página informática onde foi colhido, isto é: https://www.rtp.pt/noticias/casosocrates/advogado-de- socrates-chama-nazi-a-mario-machado_v806986, outrossim junta aos autos  pela RTP,  em  15-02-2018,  através  do  requerimento  de 16-02-2018,  sob  a referência 17943974, corroborada pela peça Primeiro Jornal da SIC, datada de 23-02-2015, junta aos autos em 16-02-2018, pela SIC, sob a referência 17943974, na qual se pode ouvir o seguinte diálogo entre Assistente e recorrente e a peça jornalística datada de 17-03- 2015, elaborada pelo Correio da Manhã TV, sob o título Animosidade de AA com CM dura há meses, acompanhado de documento identificativo da página informática onde foi colhido, isto é: http://videos.sapo.mz/PPy3zNoIWeOHUjz3PpZ3, a qual inclui os episódios dos dias 24-12-2014 e de 23-02-2015, nos quais ressumbram patentes quer o facto de o arguido repetidamente ter pedido aos jornalistas do Correio da Manhã para que não lhe colocassem questões, quer o verdadeiro assédio a que o arguido foi sujeito, também constante dos ficheiros juntos pela Cofina em 26 02-2018, sob a referência 18056983.
MM. Do acima exposto e demonstrado, lapidar se torna que a sentença recorrida padece dos vícios de insuficiência e de erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, de conhecimento oficioso e que, atento o disposto no artigo 426º, n.º 1, do CPP a contrario sensu, deverão ser sanados por este Venerando Tribunal.
NN. Resta ao recorrente, em obediência ao disposto no artigo 412º, n.º 3, alínea a), do CPP, indicar a decisão da matéria de facto consentânea com a prova produzida nos autos: 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. FACTOS PROVADOS: Com relevância para a decisão provou-se que: a) A Assistente é jornalista portadora da Cédula Profissional …. e exerce a sua actividade no jornal "Correio da Manhã" e na "CMTV". b) O Arguido é Advogado, e conhecido por representar o Ex-Primeiro-Ministro no inquérito crime conhecido por "Operação Marquês" no qual aquele é visado. c) No âmbito daquele inquérito, o arguido apresentou um pedido de Habeas Corpus solicitando a imediata libertação do seu constituinte, por este, no entendimento da defesa, se encontrar detido ilegalmente no Estabelecimento Prisional de Évora. d) No dia  17 de Março de 2015, decorreram  no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, as alegações e a audiência de julgamento no âmbito do pedido de Habeas Corpus. e) Dado o impacto público do procedimento criminal em causa, vários órgãos de comunicação social portugueses estavam presentes quando, finda a audiência de julgamento, por volta das 14h, o arguido saiu do edifício do Supremo Tribunal de Justiça. f) Nessa altura, o arguido  foi interpelado pela Assistente para prestar declarações à comunicação social sobre a diligência que acabara de decorrer e os desenvolvimentos naquele processo. g) Neste contexto e no  exercício das suas funções de jornalista, a assistente, dirigiu-se ao arguido e tentou colocar-lhe uma questão: "continua a acreditar que a sede de competência para ” h) Contudo foi interrompida pelo arguido que lhe dirigiu a afirmação: “desampare-me a loja”. i) A Assistente, encostada ao arguido, tentou terminar a questão que lhe pretendia colocar, tendo sido novamente interrompida pelo Arguido que, desta vez, dirigindo-se à jornalista disse- lhe: "A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!" j) A assistente persistiu com os seus intuitos, prosseguindo no seu  encalce, referindo Sempre o problema com o Correio da Manhã. Sr. Dr. AA, acha normal ter este tipo de comportamento?, ao que o arguido lhe respondeu Já lhe disse, não falo consigo, esfregando o nariz, continuando a Assistente a questioná-lo Não fala com o Correio da Manhã habitualmente?, e ao que este respondeu "Oh minha senhora, já lhe disse desampara-me a loja!", k) Ao que a assistente retorquiu "não quer então comentar", tendo o arguido respondido: "não falo consigo". l) Neste momento, o arguido dirigiu-se ao seu colega, Dr. DD, que o acompanhava e referindo- se aos jornalistas presentes, incluindo a assistente, proferiu a expressão Esta gajada mete-me nojo, sendo que a Assistente verbalizou O colega agora acabou de cair. O Dr. AA mais uma vez não presta declarações. Esta não é aliás a primeira vez que tem este tipo de comportamentos. Esta sua animosidade perante a CMTV, perante o Correio da Manhã, aliás, recorrente. Também nem sequer cumprimentou os jornalistas à entrada. Disse apenas, tal como já tinha dito aliás, uma vez numa conferência de imprensa onde então, ai sim, chamou os jornalistas todos, sendo que o arguido referiu então em tom pouco audível ao Dr. DD Temos de andar com esta canzoada?, ao que a Assistente prosseguiu, dizendo: Esta canzoada, é assim que o Dr. AA habitualmente se refere à comunicação social e é aliás uma prática absolutamente corrente deste advogado, que entende em determinados momentos chamar a comunicação social mas noutros não. Já o primeiro comportamento à entrada foi assim. AA também não cumprimentou as pessoas que entravam neste Tribunal. Faz agora um momento de paragem. Não vale a pena insistir com AA que já disse que não queria falar com os jornalistas. Também disse que não falava com a CMTV.”. (…) o) O arguido proferiu a expressão transcrita na alínea i) impulsionado pela provocação da assistente em obter, da sua parte, respostas às questões que aquela lhe colocava declarações acerca do resultado do incidente de habeas corpus instaurado no âmbito do procedimento criminal referido na alínea b), não obstante ter manifestado intenção de não responder ao Correio da Manhã, pelo menos em 24-12-2014 e 23-02-2015, e ainda para lograr afastá-la já que insistia em colocar-lhe questões. p) No mesmo dia, no jornal da noite da TV o Arguido identificou a Assistente como "aquela jornalista com mau aspecto". (…) * 2.2 Com relevância para a decisão, NÃO SE PROVOU QUE: m) As expressões referidas foram proferidas em voz bem alta, num local publico diante de colegas de profissão da assistente e de vários órgãos de comunicação social, que filmavam o arguido e transmitiam em directo para diferentes canais de TV, incluindo a CMTV, o que era do conhecimento do arguido. n) Ao  proferir   a   expressão transcrita na alínea i) o arguido sabia que eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e ciente dessas características não deixou de as proferir, no local e nos moldes referidos, conformando-se com essa possibilidade. q)  Ao proferir as expressões transcritas na alínea l) e ao identificar a assistente como “aquela jornalista com mau aspecto”, o arguido sabia que estas expressões eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e agiu deliberadamente com esse propósito, sabendo que proferia a segunda expressão em contexto de programa televisivo de estação de TV portuguesa, transmitido em directo. r) Nas duas ocasiões o arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era contrária à lei.
OO. É tempo agora de demonstrar que, e ainda que não se dê provimento à alteração fáctica propugnada o que apenas por cautela de raciocínio se pondera sem conceder, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, sendo consignado, em sede de fundamentação, o seguinte:  No caso dos  autos, releva, para o preenchimento deste ilícito, a prolação pelo arguido das expressões: “Esta gajada mete-me nojo” e "temos de andar com esta  canzoada?", dirigidas a  colega  de profissão, referenciadas aos jornalistas presentes no local, onde se incluía a assistente, e "aquela jornalista com mau aspecto", proferida em programa de TV, referindo-se à assistente. Já  quanto ao crime de injúria, releva, no plano objectivo, a prolação da  expressão:  "A  senhora devia tomar mais banho, cheira mal!" A problemática subjacente ao enquadramento jurídico das condutas do arguido é a do estabelecimento da fronteira entre a liberdade de expressão e a actuação criminosa, pois encontram-se ultrapassados os argumentos da defesa no sentido da actuação sem propósitos ofensivos (atenta a prova do elemento subjectivo e tendo presentes as considerações supra expendidas na motivação da decisão sobre a matéria de facto). Assim, apreciando a questão, refere-se que é nosso entendimento que a liberdade de expressão de qualquer cidadão, frequentemente só é possível à custa de sacrifícios drásticos de bens jurídicos pessoais correspondentes a outros tantos direitos fundamentais, e como tais, também eles configurando instituições basilares e irrenunciáveis da organização democrática, como por exemplo, a honra. É consabido que a liberdade de expressão é, ao lado, do direito à honra e á consideração, um valor constitucionalmente protegido. Nestes autos, há que colocar esses dois direitos lado a lado e, sabendo que um não pode apagar o outro, determinar em que medida é que um deles terá de ser comprimido para que o outro não desapareça. Nesta matéria, os Tribunais portugueses têm decidido no sentido de não negarem o direito à crítica mas considerando que tudo quanto resvale para o uso de palavreado ofensivo dirigido ao criticado é passível de censura penal. A propósito, ensina O Prof. Manuel da Costa Andrade que “no âmbito da crítica ou seja, na emissão de juízos de valor, prevalece uma presunção de legitimidade das posições que contribuam para o confronto de opiniões que é um dos pilares da democracia. Esta presunção tem como limite a crítica caluniosa, aquela que tem em vista apenas a degradação da pessoa visada. Enquanto a opinião se mantiver nos limites da crítica, ainda que virulenta e exagerada, ainda que com linguagem descortês e contundente, a conduta não é penalmente ilícita. Só quando abandonar de todo o pano da referência objectiva para se dirigir no sentido do rebaixamento das pessoas, é que cessa a presunção da legitimidade da crítica”. Com isto queremos concluir que é entendimento do Tribunal que a liberdade de expressão tem de ser exercida sempre dentro dos limites do respeito à honra e reputação alheios, constitucionalmente garantidos. O direito de crítica e censura tem o seu limite racional no respeito devido à honra e reputação das pessoas e constitui ofensa se, com a crítica e censura, se agrava e desonra o criticado. Assim, em termos simples, uma coisa é criticar objectivamente um comportamento, admitindo-se que tal crítica possa envolver uma linguagem mais ou menos rude, mais ou menos polida, consoante a preparação do seu autor, outra, distinta, e que a nosso ver é merecedora de censura penal, é desqualificar o autor do comportamento, atingindo o seu “eu” enquanto núcleo de características mais ou menos virtuosas, mas sempre merecedoras de respeito. Face ao exposto, duvidas não restam que as expressões acima referidas são, quer em abstracto, quer concretamente, ofensivas da honra e consideração da visada, e extravasam o âmbito da liberdade de expressão, porque, abandonando o plano da crítica objectiva, entram no domínio do juízo de valor subjectivo gratuito, incidente sobre a pessoa enquanto núcleo de virtudes e defeitos merecedores da tutela penal.
PP. O primeiro reparo que a sentença recorrida merece é que, não obstante e conforme se explicitou no ponto I do presente recurso, seja necessária uma ponderação casuística das expressões proferidas, enformadas no contexto em que foram verbalizadas, o Tribunal a quo não cuidou de explicitar em que termos e porque razões as palavras a senhora devia tomar mais banho, cheira mal; temos de andar com esta canzoada atrás; esta gajada mete-me nojo e aquela jornalista com mau aspecto são ofensivas. Isto é,
QQ. Atentos os tipos imputados, surge linear que, em sede de crime de injúrias, terá sido considerada a seguinte expressão: a senhora devia tomar mais banho, cheira mal. RR. Ora, consistindo o crime de injúrias na imputação de um facto ofensivo ou no dirigir de uma palavra ofensiva da honra e consideração da vítima, conclui-se que não foram dirigidas palavras ofensivas e não se vislumbra a imputação de um facto ofensivo, pois que o recorrente não mencionou que  a Assistente não tomava banho mas sim que, porque cheirava  mal, no sentir do recorrente, devia tomar mais banho.
SS. Quanto ao crime de difamação, no proferir das expressões temos de andar com  esta canzoada atrás; esta gajada mete-me nojo e aquela jornalista com mau aspecto, dir-se-á que não foi imputado qualquer facto ofensivo da pessoa da Assistente, nem qualquer juízo de desvalor ofensivo.
TT. Assim, as injúrias e difamação não se podem confundir com a mera indelicadeza ou mesmo com a grosseria. De facto, as expressões a senhora cheira mal, devia tomar mais banho e aquela jornalista com mau aspecto não ultrapassam o nível discursivo da indelicadeza ou grosseria, apta a qualificar pejorativamente quem a produziu, mas inócua para atingir as referenciadas honorabilidade ou respeitabilidade da pessoa a quem são dirigidas.
UU. In casu, as expressões em causa, mesmo que se considere que raiam a fronteira dos limites corretos, o certo é que não os ultrapassam, mormente tendo em consideração todo o circunstancialismo anterior, o comportamento da Assistente e as vestes por esta e pelo Recorrente trajadas – uma jornalista e um advogado, ambos no exercício dos seus ofícios.
VV. Logo, tais expressões não assumem relevância penal.
WW. Por outro lado, quanto às demais expressões, as mesmas consistem no uso de metáforas pelo recorrente, dirigidas ao seu colega, para designar o grande conjunto de jornalistas que seguiam no seu encalce, mais nada do que isso. Sublinhe-se, novamente, que a sentença recorrida acaba por nem sequer explicitar em que termos e medida é que tais expressões são difamantes da honra e consideração da Assistente, o que esta tão-pouco esclarece.
XX. A fundamentação da sentença, neste particular e como acima se sublinha, deve dar a conhecer ao leitor o exercício percorrido pelo julgador, na análise quer dos factos em que as expressões foram proferidas, quer em termos de adequação social, o motivo pelo qual conclui que as expressões são atentatórias da honra e consideração da vítima. Não será despiciendo focar que, a grande maioria nem sequer domina a semântica e etimologia das palavras em causa.
YY. Não resiste o recorrente em citar, em jeito conclusivo, a crónica do humorista RR, na revista VISÃO, nº 1365, de 2 de Maio, sob o título “UM CHEIRINHO A ANTIGAMENTE”, não deixando de sublinhar que o mesmo já fora conferencista, a convite do Centro de Estudos Judiciários, quanto à problemática do conflito entre liberdade de imprensa, liberdade de expressão e crimes atentatórias da honra e consideração, sob o tema HUMOR, “BOM GOSTO”, EXCESSOS, LIMITES, AUTOCENSURA, ETC, que exara o seu espanto pela condenação proferida e no qual conclui pelo carácter lícito das expressões proferidas. ZZ.      Concluindo: a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 180º e 181º, ambos do CP e padece, manifestamente, de contradição insanável, nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, do CPP, ao julgar preenchido o elemento objectivo dos tipos imputados, de conhecimento oficioso e que, atento o disposto no artigo 426º, n.º 1, do CPP a contrario sensu, deverá ser sanado por este Venerando Tribunal, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra  que absolva o recorrente dos crimes pelos quais vinha acusado.
AAA. Quanto ao elemento subjectivo, numa forma enxuta que não fica incólume a críticas, exara a decisão recorrida o seguinte: “Quanto ao tipo subjectivo, os crimes de difamação e injuria consubstanciam um crime doloso, a que basta, para uma plena imputação ao agente, o mero dolo eventual. Não sendo exigível no tipo de crime em apreço um dolo específico, mas apenas o dolo genérico, conclui-se que o comportamento do arguido preenche os elementos típicos dos crimes, na modalidade de dolo eventual quanto ao crime de injuria e de dolo directo quanto ao crime de difamação. Prevê o art.º 183º do CP que se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, e se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias. (…) Face ao exposto e mostrando-se que as condutas do arguido preencheram, os elementos típicos do crime de difamação agravada e de injuria agravada, mais não resta do que concluir pela sua condenação.”.
BBB. Iniciando, dir-se-á que a fundamentação eleita pelo Tribunal  a quo se não inexistente é manifestamente insuficiente, atentas as exigências legais previstas, como já acima já suscitado.
CCC. Dito isto, o acervo fáctico e séquito  probatório  produzido  não se coaduna com a conclusão, sempre com  salvaguarda do devido respeito e melhor opinião, menos ponderada quanto à existência de actuação dolosa por parte do recorrente, nem sequer na modalidade de dolo eventual, já que não houve qualquer conformação com esse resultado, já que o arguido nem sequer o previu.
DDD. Em suma e dando aqui por repristinado tudo quanto acima se alegou a fim de evitar repetições maçadoras, o comportamento do recorrente não aparece, face ao contexto em que actuou e ao modo como o fez, como susceptível de atingir, de forma a justificar a tutela jurídico-penal – e considerar a intervenção do ordenamento jurídico-penal justificada numa sociedade democrática, critério que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sucessivamente recordado aos Tribunais portugueses ser-lhes imposto pelas suas obrigações convencionais à luz do sistema instituído pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem – a honra (internae externa) da Assistente, e nessa medida não pode dizer-se típico no sentido dos crimes que aqui lhe são imputados.
EEE. Recorde-se, novamente, que a tutela jurídico-penal da honra, não serve para punir a emissão de todo e qualquer juízo de valor sobre (ou toda e qualquer imputação de um facto de conteúdo negativo a) outrem, sob pena de coarctar qualquer comunicação inter-subjectiva significativa, o que seguramente o  nosso ordenamento jurídico não busca, nem pode fazê-lo atento o disposto no artigo 10º da CEDH e no artigo 37º da CRP.
FFF. Logo, mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela verificação do elemento subjectivo dos crimes pelos quais vinha o recorrente acusado, em clara violação da norma incriminadoras previstas nos artigos 180º e 181º, ambos do CP, vendo-se novamente inquinada dos vícios de insuficiência e erro notório na apreciação da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP, de conhecimento oficioso e que, atento o disposto no artigo 426º, n.º 1, do CPP a contrario sensu, deverão ser sanados por este Venerando Tribunal, revogando-se a sentença recorrida e substituindo- a por outra que absolva o recorrente dos crimes pelos quais vinha acusado.
GGG. Last but not the least, em sede de contestação, invocou o  recorrente a provocação ilegítima e insuportável a que o votou a Assistente.
HHH. Em sede de julgamento, demonstrou o recorrente o verdadeiro assédio a que esta o submeteu, não lhe permitindo, inclusive, falar com os outros jornalistas, perseguindo-o não obstante as diversas vezes em que, de forma cordata e educada, lhe havia determinantemente dito que não responderia às suas perguntas, nem a qualquer outro jornalista do Correio de Manhã – vide as reportagens de 24-12-2014e 23-02-2015, assim como as filmagens dos factos.
III. Explicitou, em declarações que mereceram a valoração do Tribunal a quo, que uma das suas idiossincrasias residia em não suportar nem  o  contacto  físico  nem maus odores.
JJJ. A Assistente nunca acatou os pedidos do Recorrente, continuando sempre a questioná-lo quando, e ainda que se consentisse legítimas as perguntas a coberto da liberdade de imprensa e do direito a informar e noticiar, poderia fazê-lo ao Colega do Recorrente Dr. Pedro Delille.
KKK. Mais: da filmagem em causa nos autos é manifesto que o intento da Assistente não era de informar mas sim, na linha editorial comumente conhecida, colher imagens sensacionalistas, provocando, para o efeito, o recorrente, como sucedera, de resto, em momento posterior ao dos factos (15-02- 2017) com o Dr. Pinto da Costa, numa forma de actuar em tudo semelhante e que levou o referido Presidente do Futebol Clube do Porto a advertir a Assistente para que não fosse mentirosa, nem provocadora, episódio visível em https://www.impala.pt/noticias/nao-seja-mentirosa-pinto-da-costa-perde-a-cabeca-com-jornalista-da-cmtv/, o que lhe valeu a abertura de um procedimento disciplinar, como se alcança da notícia publicada in https://www.ojogo.pt/futebol/1a- liga/porto/noticias/interior/jornalista-do-cm-com-procedimento-disciplinar-6246974.html.
LLL. Ora, nos termos do disposto nos artigos 31º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), 32º, 34º e 35º do CP, o facto não será punível quando a sua ilicitude for excluída pela Ordem Jurídica, nomeadamente a coberto do exercício da legítima defesa e do estado de necessidade desculpante.
MMM. Logo, mesmo que se entenda que os factos praticados pelo recorrente têm relevância criminal, o que só por cautela de patrocínio aqui se cogita, sempre se deveria, salvo o devido respeito concluir que lhe era lícito repelir o ataque sistemático por parte da Assistente ao seu direito de não responder a perguntas colocadas pelo Correio da Manhã – vertente negativa do direito e liberdade de expressão – e à sua liberdade de movimentos.
NNN. Assim, ressumbra evidente o preenchimento das causas de exclusão da ilicitude da legítima defesa, do direito de necessidade e do estado de necessidade desculpante.
OOO. Por outro lado, sempre por cautela de raciocínio, dir-se-á que, ocorreu conflito entre o direito à informação e os direitos da personalidade do recorrente – o direito à sua liberdade de movimento, o direito e liberdade de expressão.
PPP. Por conseguinte, ainda que adquirido que esteja o interesse público da notícia, não pode o jornalista ignorar que sacrifica o direito de alguém, quando conflitua com a sua privacidade.
QQQ. Sara Pina[4], a tal respeito, entende que nenhum interesse público justifica o desrespeito pela dignidade da pessoa humana, que “é, em si própria, um valor superior, limitativo do próprio poder constituinte”, rematando que a excepção do interesse público é, portanto, apenas invocável “se o trabalho jornalístico rigorosamente respeitar o exigível dever de cuidado com a proporcionalidade e adequação da ingerência ao estritamente necessário para a efetivação do interesse público”.
RRR. Destarte, mal andou a sentença recorrida ao não extrair da factualidade provada nos  autos  como  verificadas  as  causas  de  exclusão da ilicitude previstas nos artigos 31º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), 32º, 34º e 35º do CP – legítima defesa, direito de necessidade e estado de necessidade desculpante –, que emergem violados, devendo ser revogada e substituída por outra que, em conformidade, absolva o recorrente dos ilícitos pelos quais vinha acusado.
SSS. Quanto à agravação dos crimes, citar-se-á neste capítulo o decidido pelo Tribunal a quo: Tendo presente que a expressão dirigidas directamente à assistente, ou proferidas a seu respeito mas dirigidas a terceiro foram proferidas em circunstâncias que facilitaram amplamente a sua divulgação – em contexto de emissão televisiva em directo, no âmbito de reportagem televisiva, e que tais circunstancias eram do conhecimento do arguido, está preenchida a circunstancia agravante prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 183º  do  CP. De igual modo, quanto à expressão  “aquela jornalista com mau aspecto” proferida no âmbito de um programa de TV transmitido em directo, porque o crime foi  cometido através de meio de comunicação   social, o que o arguido, obviamente, sabia, está também preenchida a circunstância agravante prevista no n.º 2 daquele normativo.
TTT. O recorrente realça que a presente abordagem decorre de mera cautela de patrocínio e não pretende, pois, criar qualquer contradição com o anteriormente expendido que tem importância principal, enquanto o presente excurso apresenta natureza subsidiária.
UUU. Como acima se enfatizou, o recorrente não tinha consciência, nem sabia que as suas palavras canzoada e esta gajada mete-me nojo iriam ser audíveis.
VVV. Outrossim, não convocara nenhuma conferência de imprensa, pelo que a presença dos media no dia 17-03-2015, à saída da porta do Supremo não foi por si provocada.
WWW. Logo, não se entende como pode o Tribunal a quo dar como provada e verificada a circunstância agravante prevista no artigo 183º, n.º 1, alínea a) do CP.
XXX. Tal normativo resulta violado, devendo, em consequência a sentença em apreço ser revogada e substituída por outra que dê como não verificada a circunstância agravante prevista no artigo 183º, n.º 1, alínea a), do CP.
YYY. Mais uma vez, no que agora respeita à pena aplicada, o recorrente realça que a presente abordagem decorre de mera cautela de patrocínio, não pretende criar qualquer contradição com o anteriormente expendido, devendo aqui realçar-se que a discussão infra operada pressupõe a lógica contrafactual (e se fosse punível?) que o recorrente não aceita, pelo que o que ora alegará não o será a título principal, mas antes em via e com natureza subsidiária.
ZZZ. Após um discurso sobre as finalidades e modos de determinação da pena, o Tribunal a quo decidiu do seguinte jeito: Posto isto, no concerne à escolha do tipo de pena, julga o Tribunal ser adequada às exigências de prevenção geral e suficiente advertência para que os arguidos se afaste da prática de comportamentos semelhantes, a aplicação de pena não privativa de liberdade, pelo que se impõe a opção pela pena de multa.
AAAA. Ora, tendo como pano de fundo o quadro próprio ao tipo de ilícito em questão, bem como o leque das penas aplicáveis, e deixando para momento posterior, por razões de clareza, o dissídio quanto à pena de multa aplicada, deveria o Tribunal a quo ter procedido à aplicação do disposto no artigo 186º, n.º 2, do CP, quanto à dispensa depena aí prevista.
BBBB. Destarte, tendo sido dado como provado o comportamento provocatório e até persecutório da assistente para com o recorrente no ponto o), ao ponto de tirar o ora recorrente do sério, não existe harmonia com a não aplicação de tal normativo.
CCCC. É que, concluindo-se pelo grau de ilicitude mediana e a culpa atenuada do recorrente, reconduzível até à acção ou atuação do arguido a uma provocação da ofendida, que até podendo ser lícita – que não é, já se disse, quer por configurar violação dos deveres que sobre si impendem, enquanto jornalista, nos termos do artigo 14º do Estatuto que rege a sua profissão, quer por configurar uma violação dos direitos da personalidade do recorrente, isto é, a sua liberdade de expressão, no sentido negativo, e sua integridade física por invasão do seu espaço –, é de qualificar de repreensível, no caso concreto, para efeitos do artigo 186, n° 2, do CP, o que deveria ter determinado a própria dispensa de pena, nos termos do comando legal referido, que não sucedeu.
DDDD. Violou, assim, o Tribunal recorrido o disposto no artigo  186º, nº 2 ao não aplicar tal ditame legal, devendo, em consequência, a sentença revidenda ser revogada e substituída por outra que ordene a dispensa da pena aplicada ao recorrente.
EEEE. Sem prescindir, por verificados os seus requisitos formais e substanciais, era outrossim de convocar o instituto da admoestação, previsto no artigo 60º, do CP, o que não sucedeu.
FFFF. Com efeito, é o Tribunal recorrido que conclui pela culpa atenuada do recorrente, pela ilicitude mediana e pelas concretas circunstâncias em que cometeu o ilícito, agindo em resposta a uma provocação da assistente, pelo que atenta também a natureza dos bens jurídicos tutelados, o facto de as exigências de prevenção geral não serem elevadas e serem as exigências de prevenção especial muito reduzidas, tratando-se de pequena criminalidade, a pena de admoestação satisfaz de forma plenamente adequada e suficiente as finalidades da punição.
GGGG. Por conseguinte, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 60º do CP, devendo a sentença ser revogada e ser  determinada a aplicação da pena de admoestação em substituição da fixada pena de multa.
HHHH. Outrossim, não obstante os factos dados como provados e a fundamentação consignada, nesta sede, o Tribunal recorrido não fez correcta determinação da pena de multa a aplicar, pois que, quer no que tange à medida da pena, quer no que se refere ao quantitativo diário que o Tribunal a quo encontrou para condenar o recorrente, afigura-se, salvo melhor opinião, que os mesmos pecam por excesso.
IIII. Na fundamentação da sua  determinação,  reza  a  sentença  revidenda o seguinte: Considerando que como factores relevantes: O dolo eventual do arguido quanto ao crime de injúria e directo quanto ao crime de difamação; - A ilicitude mediana (o conteúdo das expressões não é exageradamente gravoso, apesar de ofensivo, fazendo-se aqui uma ligeira distinção entre o comportamento reportado ao crime de injuria, mais gravoso, embora ambos de elevadíssima ilicitude no plano do desvalor do resultado dada a difusão consequente da intervenção dos meios de comunicação social); - A culpa atenuada pela motivação no que diz respeito ao crime de injúria e mais elevada no que concerne ao crime de difamação acompanhando a postura interna do agente; - A ausência de antecedentes criminais; - A inserção pessoal, familiar, profissional do  arguido; -      Em desabono do arguido a total indiferença e incapacidade para a assunção do desvalor dos actos que praticou. Em face dos factores supra enunciados entendo ser adequadas e suficientes as penas: -140 (cento e quarenta) dias de multa para o crime de injúria agravada; - 130 (cento e trinta) dias de multa para o crime de difamação agravada.
JJJJ. Quer no que tange à medida da pena, quer no que se refere ao quantitativo diário que o Tribunal a quo encontrou para condenar o recorrente, afigura-se, salvo melhor opinião, que os mesmos pecam por excesso.
KKKK. Primeiro, porque não será de aplicar a agravante prevista no artigo 183º do CP, devendo a pena de multa aplicada, atenta a factualidade dada como provada, a ilicitude mediana, a culpa atenuada e as circunstâncias que rodearam os factos, ser no limite mínimo legalmente previsto. Por outro lado,
LLLL. In casu, os crimes pelos quais foi o recorrente condenado estabelecem, como pena abstractamente aplicável, quanto às injúrias agravadas, a pena de prisão até 2 (dois) anos ou a pena de multa até 160 (cento e sessenta) dias e, quanto à difamação agravada, a pena de prisão até 2 (dois) anos ou a pena de multa até 320 (trezentos e vinte) dias, mas não inferior a 120 (cento e vinte) dias em ambos os casos por força do disposto no artigo 183º, n.º 2, do CP.
MMMM. Em segundo lugar, e de acordo com o preceituado no artigo 70.º do CP, bem andou o Tribunal a quo ao preferir a pena de multa em detrimento da pena de prisão, pois que aquela é, só por si, suficiente para realizar as finalidades da punição. Atente- se que o recorrente não tinha, à prática dos factos, antecedentes, é pessoa inserida nos seus círculos social, cultural, económico-financeiro, laboral e familiar.
NNNN. Em terceiro lugar, o tribunal deve determinar a pena concretamente aplicável, ou seja, fixar a pena de multa (em dias), atendendo, para o efeito, aos diversos critérios enunciados no artigo 71.º, aplicável ex vi o previsto no artigo 47.º, n.º 1 do CP.
OOOO. Aqui, é necessário não olvidar que a culpa é o pressuposto e o patamar máximo da pena (princípio da culpabilidade - artigo 40.º do CP), id est, o máximo inultrapassável e deve corresponder à concepção de gravidade do crime aceite pela comunidade; dentro da moldura da pena que a culpa fornece devemos encontrar a moldura de prevenção geral positiva, “cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” .
PPPP. Dentro destes limites, determinar-se-á a medida concreta da pena através da realização das exigências de prevenção especial, isto é, da medida necessária à reintegração do individuo na  sociedade por forma a dissuadir o infractor do cometimento de futuros crimes. Para o juiz “balizar” estes limites máximos e mínimos, o legislador fixou, no n.º 2  do  mesmo inciso legal, os vários critérios a observar (vide artigo 71.º, n.º 2 do CP).
QQQQ. Resulta, assim, que a determinação da pena não é nem uma operação de pura subjectividade, como tal insindicável e incontrolável, mas também não é, seguramente, uma mera actividade lógico-subsuntiva, apenas iluminada por critérios lógico-aritméticos, antes revestindo a tendencial objectividade que há-de presidir a todas as decisões judiciais.
RRRR. Posto isto, a fundamentação precipitada pela sentença não suporta a dosimetria aplicada porquanto, no crime de difamação, aproxima-se do meio da pena abstractamente aplicável quando no caso das injúrias aproxima-se do limite máximo, pois que corresponde a 90% do tecto máximo legalmente previsto!
SSSS. Logo, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos    40º, 47º e 71º, todos do CP, assim como o disposto no artigo 375º, nº 1, do CPP e da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP, a qual desde já se invoca com as legais consequências, aplicando penas claramente desproporcionais.
TTTT. Ressumbra perspícuo, desde logo, que a pena de multa deveria ser fixada perto dos seus limites mínimos, pelo que, nesta sede, mal andou a sentença recorrida, devendo ser substituído por outro que assim o determine. Por outro lado,
UUUU. E na fixação do quantitativo diário, preceitua o n.º 2 do artigo 47.º que o quantitativo diário da multa deve ser determinado tendo, apenas, em atenção a “situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.
VVVV. Aqui, releva a situação real e concreta do recorrente, sendo que o montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”.
WWWW. Ora, o Tribunal a quo fixou como quantitativo diário o montante de € 20,00 (vinte euros), o que se reputa excessivo, tendo em consideração a situação económica do recorrente, devendo antes ser fixado em valor mais próximo do mínimo legalmente previsto.
XXXX. Resultaram, assim, violados os artigos 40.º, 47.º, 71.º, todos do CP, devendo a sentença revidenda ser revogada e ser decidido em conformidade com o ora alegado.
YYYY. É tempo agora de manifestar o inconformismo do Recorrente quanto à operação de cúmulo eleita para a determinação da medida da pena única, padecendo, de novo, o Acórdão sob análise de nulidades de conhecimento oficioso.
ZZZZ. É consabido que, perante o teor do normativa ínsito no artigo 77º do  CP, a moldura da pena única tem como limite mínimo a pena parcelar mais elevada do cúmulo e como máximo a soma material respectiva sem poder exceder 25 anos de prisão, sendo que o conjunto global dos factos e a personalidade do agente ditam a medida concreta da pena de concurso, servindo de pressupostos de uma nova fundamentação, de um novo esforço dialéctico de concretização da sua determinação, de que tal pena depende e não prescinde, atenta a letra da Lei consignada no artigo 77º, nº 2 do CP.
AAAAA. Assim, e por um lado, é manifesto que se torna imprescindível para uma cabal e segura determinação da pena que os factos se encontrem justa e  equitativamente demonstrados. E tal decorre primacialmente do princípio da culpa. Com efeito,
BBBBB. O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de Direito, proíbe que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa, princípio este que emana da Constituição e que visa o respeito pela dignidade da pessoa humana, consagrada no artigo 1º da CRP e a protecção do direito de liberdade consignado no artigo 27.º, n.º 1 da Lei Fundamental. Ora,
CCCCC. O Tribunal a quo, novamente, incorre em manifesta falta de fundamentação, pois que, nesta sede, apenas consignou e decidiu da seguinte forma: “Cumpre, pois, proceder ao cúmulo das penas determinadas para o arguido, tornando-se necessário construir a moldura penal do concurso, com o seu limite mínimo na mais elevada das penas parcelares aplicadas e máximo na soma das penas concretamente aplicadas. - (cf. art.º 77º/2 do Código  Penal).  A moldura abstracta da pena única a aplicar é então de 140 a 270 dias de  multa. Ponderando os factores acima elencados relativos às características das infracções e a personalidade do agente nelas reflectida, sem descurar a ausência de antecedentes criminais, julgo adequada e suficiente a pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa. * Da taxa diária: Tendo em conta os rendimentos e encargos do arguido, e o critério fornecido pelo art.º 47º, n.º 2 do Código Penal, entendo adequado à sua situação financeira do arguido AA, a taxa diária de 20,00 (vinte euros), perfazendo o total de 4.600€ (quatro mil e seiscentos euros).”.
DDDDD. ORA,
EEEEE. Não pode o recorrente anuir a tal modo de proceder por consubstanciar violação do dever de fundamentação da pena única aplicada, conquanto, é jurisprudência pacífica e unânime deste Venerando Tribunal que, perante o preceituado no artigo 77º do CP, conjugadamente com os artigos 374º, nº 2 e 375º do CPP, que a sentença condenatória, quanto à determinação da pena única aplicada em caso de concurso deve revelar os fundamentos que presidiram ao seu cômputo, com base nos critérios legais já elencados.
FFFFF. Nesta confluência, padece a sentença recorrida da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, por violação do dever de fundamentação exigido pelas disposições conjugadas contidas nos artigos 77º do CP, 374º, nº 2 e 375º, nº 1, ambos do CPP, nulidade esta aplicável por força do disposto no artigo 425º, nº 4 do CPP e de conhecimento oficioso, atento o preceituado nos artigos 379º, nº 2 e 434º, ambos do CPP.
GGGGG. Finalmente, no que diz respeito à condenação civil, não será vão repristinar que os seus pressupostos serão, nos termos das disposições conjugadas contidas nos artigos 71º e ss. do CPP e 483º e 496º, ambos do CC por força do alegado preenchimento das incriminações imputadas de injúrias e difamação agravadas: -o facto ilícito - facto este praticado com negligência, atento o tipo imputado, - a  lesão do bem jurídico tutelado e os danos daí advenientes e - o nexo causal entre o facto ilícito e a lesão, assim como os danos padecidos pela demandante.
HHHHH. Logo, emergindo a prática dos ilícitos penais como a  causa de pedir, e não se encontrando verificado o seu  preenchimento, deverá o recorrente ser absolvido do pedido contra si formulado. Sem prescindir,
IIIII. Não se deverá perder de vista que, em sede de danos não patrimoniais, não se trata de indemnizar a vítima de tais danos por ser óbvia e evidentemente impossível a reposição natural da sua situação, mas sim compensá-la dos danos morais por si suportados em consequência do facto culposo ilícito, sempre em obediência ao princípio ex aequo et bono.
JJJJJ. Logo, deverá o julgador colher, como factor de ponderação, as regras da experiência e a razoabilidade do curso natural das coisas, e como parâmetro, os casos análogos, em obediência ao princípio da unificação e padronização do seu valor, conforme ordenado pelo artigo 8º, n.º 3 do CC.
KKKKK. Com efeito, ainda que a fixação dos danos não patrimoniais seja casuística e se insira no poder do julgador sempre dentro dos limites da equidade, tal não significa que se trata de um poder arbitrário mas sim de uma actividade judicial vinculada do julgador que deverá, como tal, exteriorizar o iter cognoscitivo-valorativo trilhado, explicitando os critérios eleitos para a quantificação dos mesmos e fundamentando o arredar dos demais.
LLLLL. O quantum indemnizatório foi fixado, para ressarcimento dos danos morais sofridos pela demandante, em € 8.000,00 (oito mil euros).
MMMMM. Sucede que, se tomarmos por referência os Valores Orientadores de Proposta Razoável para Indemnização do Dano Corporal Resultante de Acidente Automóvel, consagrados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, o valor arbitrado é superior ao dano moral suportado pela vítima em caso de morte ocorrida após 72h a contar do sinistro, fixado em € 7.182,00, ao dano moral por perda de feto, até 10 semanas de gravidez, para ambos os pais, ou após 10 semanas no caso de ser o segundo filho, fixado em € 7.695,00…
NNNNN. É manifesto que o valor fixado viola os princípios da reposição natural da situação do lesado, previsto no artigo 562º do CC, da proibição do enriquecimento do lesado, o princípio da proporcionalidade, da equidade, da igualdade e ex aequo et bono, pelo que
OOOOO. Deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que fixe uma indemnização que se coadune com o grau de culpa do recorrente, as circunstâncias concretas do caso, a provocação e atitude repreensível da demandante, em montante muto inferior  àquele  arbitrado  pelo  Tribunal a quo.
PPPPP. Terminar-se-á o esforço recursório citando, de novo: “If liberty means anything at all, it means the right to tell people what they do not want to hear.” - George Orwell e “Qu'est-ce que la liberté d'expression? Sans la liberté d'offenser elle cesse d'exister.” - Salman Rushdie.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida, assim se fazendo a Costumada Justiça! …”.
*
A Assistente respondeu ao recurso do Arg., a fls. 718/732, concluindo nos seguintes termos:
“... 1. Por sentença proferida nos presentes autos, foi o arguido, ora recorrente condenado na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €20,00 (vinte euros), perfazendo €4.600,00€ (quatro mil e seiscentos euros) pela prática de um crime de injúria agravado, previsto e punido pelos artigos 181º e 183º, n.º1, alínea a) do código penal (CP) e de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do mesmo diploma, na sequência de, num local público e diante de vários órgãos de comunicação social, em voz alta, proferir graves afirmações e insultos dirigidos à assistente, ora recorrida, ofendendo o seu bom-nome e a sua reputação, sendo esta, em consequência, associada até ao presente como “aquela jornalista que cheira mal”.
2. Em consequência dos crimes praticados, o recorrente foi ainda condenado a pagar à ora recorrida a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido deduzido até integral pagamento, calculados à taxa legal.
3. Não se conformando com douta a sentença condenatória, veio o recorrente interpor o presente recurso, resultando à evidência que todo o trilho fáctico-jurídico percorrido carece de lógica, não tendo as suas alegações qualquer correspondência com o vertido na decisão condenatória do Tribunal “a quo”, a qual não merece censura quanto aos pontos expostos pelo recorrente.
4. Confrontando o teor da decisão recorrida com a fundamentação do recorrente, denotamos que na expectativa de a todo o custo ver alterada a decisão do Tribunal “a quo”, o recorrente, em sede de impugnação alargada tenta descontextualizar a decisão recorrida, associando-lhe conclusões desfasadas da realidade, com o intuito claro de atribuir à matéria factual já devidamente provada, significado diverso daquele que decorre da decisão e que é facilmente alcançável.
5. Desta forma, salvo melhor opinião, e conforme se demonstrará, não assiste ao recorrente qualquer razão, devendo o recurso interposto improceder na sua totalidade, mantendo-se a douta decisão recorrida (à exceção do quantum indemnizatório, o qual deveria mais pesado conforme já peticionado em sede própria).
6. A escolha da matéria de facto relevante para a decisão da causa e verdade material, cabe apenas e tão só ao Tribunal a quo, o qual cumpriu e bem a sua douta tarefa.
7. A sentença proferida nos presentes autos não enferma qualquer nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP tendo sido devidamente apreciados pelo Tribunal a quo todos os factos carreados ao longo do julgamento conforme se demonstrará.
8. Contrariamente ao alegado pelo recorrente – sendo inclusive a base da interposição do presente recurso - não corresponde à verdade que o Tribunal “a quo” não tenha valorado no seu iter cognoscitivo o comportamento da recorrida – o qual se pautou pelo cumprimento dos seus deveres deontológicos enquanto jornalista.
9. Mais refere o recorrente que “a única jornalista que questionou o recorrente foi a Assistente”.
10. Ora, mediante a simples visualização do vídeo de 17-03-2015, junto aos autos pela própria Assistente no requerimento datado de 17-04-2015, sob a referência 370428931, verifica-se que tal não corresponde à verdade.
11. Se é certo que se ouve maioritariamente as interpelações de voz da Assistente, tal justifica-se pelo facto de o vídeo mostrado ser da autoria do Correio da Manhã, e de o microfone estar centrado na assistente, ora recorrida BB, e não nos demais jornalistas que ali se encontravam.
12. Ainda assim, são audíveis e visíveis as interpelações de outros jornalistas que não a Assistente.
13. Existem vários excertos da sentença em que o Tribunal se pronuncia expressamente quer quanto ao depoimento do arguido, quer quanto às gravações do episódio  objeto dos presentes autos.
14. O facto do Tribunal a quo não retirar desses meios de prova as consequências que o recorrente pretende não implica que daí advenha qualquer nulidade.
15. Por sua vez, com o intuito de colmatar a alegada omissão do Tribunal “a quo” – a qual não se verifica como já supra evidenciado - o Recorrente, a seu bel-prazer, procede a um verdadeiro “aditamento” da matéria de facto, a qual considera que deverá apreciada e provada utilizando como sustento legal para o efeito do artigo 412 nº.3 do CPP.
16. Ora, sucede que esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, limitações entre as quais consta que a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
17. In casu, não se vislumbram sequer razões para considerar que as provas constantes nos autos, “permitam” uma decisão diversa da recorrida não padecendo as sentença dos alegados vícios de insuficiência e erro notório na apreciação da prova previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. não havendo fundamento factual ou legal permita evitar o reenvio do processo para novo julgamento (cfr. artigo 426.º do C.P.P.).
18. Não compete ao recorrente introduzir o mencionado “curativo de eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida” em face da apreciação da prova constante dos autos, apenas por considerar que o Tribunal a quo (não retira desses meios de prova as consequências que o recorrente pretende alcançar, razão pela qual encontram-se esvaziados de sentido e efeito útil todas as considerações  elencadas  pelo  recorrente no que diz respeito à apreciação da matéria de facto.
19. Não restam dúvidas que as expressões proferidas, por constituírem comentários gratuitos e despojados de qualquer juízo crítico objetivo e justificável, contrariamente ao alegado pelo recorrente, extravasam a fronteira daquilo que é aceitável no ordenamento jurídico-penal, situando-se para lá das condutas meramente “rudes” ou “menos polidas”.
20. Ademais, atento o quadro situacional em que o recorrente atuou, em que a Recorrida desempenhava as suas funções de jornalista acompanhando uma reportagem sobre um processo mediático, dúvidas não há de que esta expressão exprime e carrega consigo um desvalor objetivamente ofensivo sem necessidade de mais considerações, estando indubitavelmente preenchidos os elementos objetivos dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, não se vislumbrando qualquer violação aos artigos 180º e 181º do CP nem tampouco qualquer contradição insanável nos termos do artigo 410º do CPP.
21. As condutas do arguido preencheram os elementos típicos do crime de difamação agravada e de injúria agravada nos termos dos artigos 180º e 181º do CP, bem andou o Tribunal a quo ao concluir pela condenação do recorrente, decisão que deverá manter- se na íntegra.
22. Por outro lado, não merece censura a decisão do Tribunal “a quo“ ao entender e sustentar na sentença que, no hipotético confronto entre dois direitos fundamentais– a putativa liberdade de expressão do recorrente e direito à honra da Assistente – deveria prevalecer concretamente o direito da Assistente, justamente na medida em que os comentários do Recorrente ultrapassam a crítica sustentada, objetiva e equilibrada, constituindo antes uma ofensa gratuita e desmedida que não satisfaz qualquer propósito informativo ou crítico com utilidade nem constitui qualquer exercício lícito de um direito do recorrente – tais expressões jamais poderiam ser consideradas lícitas a coberto do alegado exercício do direito à liberdade de expressão sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana – enquanto princípio regulativo primário da nossa ordem jurídica.
23. Nos termos do artigo 31º, nºs 1 do CP, não se verifica qualquer exclusão de ilicitude por legítima defesa, desde logo porque as ofensas proferidas pelo recorrente não se  mostram como meio adequado, necessário nem proporcional ao suposto “ataque” ou “ofensa” dirigido pela Assistente enquanto jornalista.
24. Também nos termos do artigo 34º do CP não se encontra preenchida a causa de exclusão da ilicitude do comportamento do recorrente por estado de necessidade já que não se verificou qualquer perigo atual que pudesse ameaçar interesses juridicamente protegidos do recorrente.
25. Nem tampouco o recorrente agiu sem culpa ao abrigo do estado de necessidade desculpante nos termos do artigo 35º do CP desde logo porque, atendendo à sua profissão e à sua experiência e formação, era exigível ao mesmo que conhecesse os limites jurídicos aplicáveis à sua conduta quotidiana e era igualmente exigível que se coibisse de proferir as mesmas expressões, não se vislumbrando qualquer colisão entre bens jurídicos.
26. Em conformidade com o decidido na sentença, e uma vez que a forma como as palavras dirigidas à assistente foram produzidas em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, está preenchida a agravante aplicada pelo Tribunal “a quo” com referencia  à alínea a) do nº 1 do artigo 183º do CP.
27. Mostra-se manifestamente inaplicável aos factos em apreço a faculdade de dispensa de pena contida na norma do artigo 186º, n.º 2 do CP.
28. Igualmente improcede a pretensão do recorrente ao alegar que devia o Tribunal a quo ter aplicado a pena de admoestação prevista no artigo 60º do CP.
29. Com efeito, prescreve expressamente o artigo 60º, n.º 2 que só poderá ser aplicada tal pena quando o dano sofrido pelo ofendido tenha sido reparado, pressuposto esse aliás mencionado pelo próprio recorrente nas alegações apresentadas.
30. Remetendo para as considerações supra expostas em sede de pronúncia sobre os pressupostos necessários à dispensa de pena, também, carece de fundamento o alegado pelo recorrente ao entender ser aplicável a pena de admoestação.
31. Conforme resulta evidente, decidiu o Tribunal a quo pela aplicação de penas de multa bastantes próximas do limite mínimo concretamente aplicável, não se entendendo, face aos factos provados, designadamente a ilicitude e gravidade dos factos em apreço, bem como o grau de culpa do recorrente, de que forma é que as penas aplicáveis poderão ser consideradas excessivas.
32. Por outro lado, no que concerne ao montante do quantitativo diário aplicado, no valor de 20,00 Euros, muito menos se entende a discordância demonstrada pelo recorrente quanto à fixação do mesmo.
33. Como efeito, e conforme resulta provado, foi apurado em audiência que o recorrente aufere “rendimentos brutos anuais médios cerca de 50.000 / 60.000 €”. Ora, atendendo aos limites mínimos e máximos aplicáveis por força do artigo 47º, n.º 2 do CP – respetivamente, 5,00 Euros a 500,00 Euros –, certo é que, não obstante os rendimentos anuais do Recorrente serem claramente acima da média nacional, o Tribunal fixou um valor quantitativo diário muito aproximado do valor mínimo legalmente previsto, pelo que carece de qualquer fundamento o alegado pelo recorrente nesta matéria.
34. Por fim, no que diz respeito à violação do dever de fundamentação da sentença no que relativamente à multa aplicada, inexiste igualmente qualquer violação das disposições aplicáveis neste âmbito
35. Não padecendo a sentença de fundamentação substancialmente deficitária que torne ininteligível a sua apreensão por parte do intérprete, improcede igualmente a alegada falta de fundamentação.
36. No que diz respeito à condenação civil, requer o recorrente que o mesmo seja reduzido em montante muto inferior àquele arbitrado pelo Tribunal a quo (€ 8.000,00).
37. Ora, €8.000,00 representa um NADA face à realidade fáctica vivida pela assistente - pelo que, não procedem os argumentos invocados pelo recorrente.
38. A indemnização de €20.000,00(já peticionada pela recorrida em sede própria) afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada atendendo à correta gravidade  dos  danos sofridos, ao conteúdo concreto das expressões proferidas, a experiência traumática e perturbadora vivida pela recorrente, o contexto, o veículo de difusão envolvido nas duas ocasiões (mediante os meios de comunicação social o que contribuiu em larga medida para o agravamento dos danos), o grau de culpa do arguido, a situação financeira do arguido e da assistente e pondera os casos similares dentro dos padrões jurisprudenciais, nomeadamente, em circunstancialismos e crime análogos ao que o recorrente vem acusado (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2016, Processo nº. 2544/10.7TDLSB.L1-9, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03- 2007, Processo 07B566JSTJ000 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.07.2016, Processo nº. 3737/09.5TDLSB.L2.E2 disponíveis in www.dgsi.pt).
39. Assim, por todo o exposto, não assiste ao recorrente qualquer razão, devendo o recurso interposto improceder na sua totalidade, mantendo-se a douta decisão condenatória na sua íntegra com as devidas consequências legais.
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de
V. Exa., deverá o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!!! ...”.
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A Exm.ª Magistrada do MP[5] respondeu ao recurso do Arg., a fls. 734/739, concluindo nos seguintes termos:
“... 1. Por sentença proferida nos autos, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos art.º 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa; e pela prática de um crime de injúria agravada, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 20€ (vinte euros) perfazendo 4.600€ (quatro mil e seiscentos euros).
2. Da leitura das conclusões da motivação de recurso resulta essencialmente que o recorrente põe em causa a livre apreciação da prova efectuada pelo Tribunal, a qual tem por função a demonstração da realidade dos factos e deve ser analisada segundo as regras da experiência e da livre convicção – artº 127º do Código do Processo Penal.
3. A sentença recorrida contém os factos provados e a fundamentação que o tribunal efectuou para sustentar a sua convicção acerca dos mesmos, havendo que concluir que não se verifica uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida.
4. Com efeito nela se comparam, através da análise crítica, os diversos elementos de prova, especificando-se aqueles que foram decisivos para a formação da convicção do julgador e quais as razões que a determinaram, dando cumprimento ao disposto no artº 374º nº 2 do Código do Processo Penal.
5. O recorrente, ao invocar que houve uma errada avaliação e incorrecta interpretação da prova produzida em audiência, fá-lo não aceitando que o tribunal a quo tivesse formado convicção em sentido diverso.
6. Com efeito, o recorrente não questiona a coincidência das declarações prestadas na audiência com o relato que delas se fez na motivação da decisão de facto constante da sentença ora posta em crise, não divergindo sobre o exacto conteúdo dessas declarações.
7. O recorrente não invoca qualquer ilegalidade ou violação de regras legais de prova, vício no processo de formação da convicção, ou quebra de objectividade na apreciação da matéria de facto.
8. O que vêm mesmo é questionar a convicção que, através da análise dos mesmos, o tribunal formou.
9. É ao tribunal que incumbe apreciar a prova, com plena observância das regras legais e, uma vez observadas, como é o caso, não tem que ser confrontada a sua convicção, porque diversa daquela a que chegaram os demais intervenientes processuais, no caso o arguido.
10. É, em nosso entender, manifesta a falta de razão do recorrente quando pretende atacar a convicção do tribunal apenas porque difere daquela que ele próprio formou, pugnando, no fundo, que se substitua esta última pela primeira.
11. O tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insusceptível de qualquer crítica.
12. Da leitura atenta da decisão, não só do enquadramento dos factos, como também do seu enquadramento jurídico, legal e jurisprudencial, resulta que a mesma se mostra lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artº 127º do CPP.
Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos. ...”.
*
Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 743, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso do Arg..
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A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja os princípios da verdade material, da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.
A decisão em crise fixou da seguinte forma a matéria de facto:
“… 2.1. FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão provou-se que:
a) A Assistente é jornalista portadora da Cédula Profissional ……….e exerce a sua actividade no jornal "Correio da Manhã" e na "CMTV".
b) O Arguido é Advogado, e conhecido por representar o Ex-Primeiro-Ministro no inquérito crime conhecido por "Operação Marquês" no qual aquele é visado.
c) No âmbito daquele inquérito, o arguido apresentou um pedido de Habeas Corpus solicitando a imediata libertação do seu constituinte, por este, no entendimento da defesa, se encontrar detido ilegalmente no Estabelecimento Prisional de Évora.
d) No dia 17 de Março de 2015, decorreram no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, as alegações e a audiência de julgamento no âmbito do pedido de Habeas Corpus.
e) Dado o impacto público do procedimento criminal em causa, vários órgãos de comunicação social portugueses estavam presentes quando, finda a audiência de julgamento, por volta das 14h, o arguido saiu do edifício do Supremo Tribunal de Justiça.
f) Nessa altura, o arguido foi interpelado por vários jornalistas para prestar declarações à comunicação social sobre a diligência que acabara de decorrer e os desenvolvimentos naquele processo.
g) Neste contexto e no exercício das suas funções de jornalista, a assistente, dirigiu-se ao arguido e tentou colocar-lhe uma questão: "continua a acreditar que a sede de competência para “
h) Contudo foi interrompida pelo arguido que lhe dirigiu a afirmação: “desampare-me a loja”.
i) A assistente tentou terminar a questão que lhe pretendia colocar, tendo sido novamente interrompida pelo Arguido que, desta vez, dirigindo-se à jornalista disse- lhe: "A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!"
j) A assistente persistiu com os seus intuitos, questionando o arguido acerca do comportamento que acabara de adoptar relativamente à comunicação social, tendo o arguido repetido, "Oh minha senhora, já lhe disse desampara-me a loja!"
k) Ao que a assistente retorquiu "não quer então comentar", tendo o arguido respondido: "não falo consigo".
l) Neste momento, o arguido dirigiu-se ao seu colega, Dr. DD, que o acompanhava e referindo-se aos jornalistas presentes, incluindo a assistente, proferiu a expressão: "Esta gajada mete-me nojo”, seguida da expressão: "temos de andar com esta canzoada?".
m) As expressões referidas foram proferidas em voz bem alta, num local publico diante de colegas de profissão da assistente e de vários órgãos de comunicação social, que filmavam o arguido e transmitiam em directo para diferentes canais de TV, incluindo a CMTV, o que era do conhecimento do arguido.
n) Ao proferir a expressão transcrita na alínea i) o arguido sabia que eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e ciente dessas características não deixou de as proferir, no local e nos moldes referidos, conformando-se com essa possibilidade.
o) O arguido proferiu a expressão transcrita na alínea i) impulsionado pela insistência da assistente em obter, da sua parte, respostas às questões que aquela lhe colocava declarações acerca do resultado do incidente de habeas corpus instaurado no âmbito do procedimento criminal referido na alínea b), não obstante ter manifestado intenção de não responder.
p) No mesmo dia, no jornal da noite da TV o Arguido identificou a Assistente como "aquela jornalista com mau aspecto".
q) Ao proferir as expressões transcritas na alínea l) e ao identificar a assistente como “aquela jornalista com mau aspecto”, o arguido sabia que estas expressões eram aptas a atingir a honra e consideração pessoal e profissional da visada, e agiu deliberadamente com esse propósito, sabendo que proferia a segunda expressão em contexto de programa televisivo de estação de TV portuguesa, transmitido em directo.
r) Nas duas ocasiões o arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era contrária à lei.
s) Ao ouvir as expressões descritas nas alíneas i) e l) a assistente sentiu-se humilhada, perante o público em geral e perante os seus colegas de profissão, e atingida no seu bom nome e reputação.
t) Ao tomar conhecimento da expressão descrita na alínea q) a assistente sentiu-se humilhada, perante o público em geral e perante os seus colegas de profissão, e atingida no seu bom nome e reputação, sendo associada até ao presente como “ aquela jornalista que cheira mal”.
u) Do CRC do arguido não constam registos da prática de crimes.
v) O arguido é casado, vive com a mulher, tem cinco filhos maiores, um deles ainda auxiliado economicamente pelo pai, vive do exercício da advocacia, auferindo rendimentos brutos anuais médios de cerca de 50.000/60.000€.
w) Tem como encargos fixos as despesas correntes com a subsistência do agregado familiar a que acrescem despesas médicas não quantificáveis, fruto de doença oncológica de que padece.
x) A assistente é uma profissional com vários anos de experiência e sempre pautou a sua actuação por elevados critérios de rigor jornalístico.
y) O comportamento do arguido teve uma grande repercussão quer nos órgãos de comunicação social, quer nas redes sociais.
z) A Assistente passou a ser conhecida no seu meio profissional e na comunidade em geral como a jornalista do Correio da Manha que cheira mal.
aa) A assistente é jornalista de profissão, é divorciada, tem uma filha com 18 anos, estudante universitária, a quem presta alimentos no montante de 400€, aufere 2.500€ mensais, e tem como encargos fixos, 600€ de prestação bancária para aquisição de habitação e 200€ de prestações mensais relativos a outros créditos bancários, aos quais acrescem as despesas correntes com o seu sustento.
2.2. Com relevância para a decisão, NÃO SE PROVOU QUE:
O Arguido proferiu as expressões transcritas nas alíneas i) e l) deliberadamente com o propósito de atingir a honra pessoal e profissional da assistente. …”.
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Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[6] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[7].
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:
“… A despeito das várias sessões de audiência e dos extensos depoimentos prestados, a convicção do tribunal acerca dos factos provados e não provados formou-se quase exclusivamente no teor das declarações do arguido, que, sem pretender consignar a confissão dos factos imputados, ao longo das suas declarações acabou por os reconhecer quase integralmente, com excepção de três pontos:
Deu versão ligeiramente diferente do teor da troca de palavras transcrita nas alíneas g) e h), alegando que a assistente o abordou com a expressão “como é que comenta mais esta derrota”, facto rapidamente desmentido pela audição do suporte áudio/vídeo desta reportagem, no qual é perfeitamente perceptível a expressão dada como provada;
Alegou que com as expressões ditas pretendia que a assistente deixasse de o abordar/insistir nas respostas a questões que colocava, ou na obtenção de uma reacção sua, facto que por ser credível à luz da dinâmica dos acontecimentos e sobretudo quando visualizado o suporte áudio/vídeo da reportagem em causa, foi consignado na matéria provada, todavia, não colide com os demais factos provados, porquanto, a motivação da prática dos factos não invalida a consciência da aptidão insultuosa e a conformação com a possibilidade de efectivamente insultar a destinatária, podendo e devendo ser valorada em sede de graduação do juízo de censura;
Alegou que não tinha consciência de que estava a ser gravado ou que estaria em directo em várias estações de TV, facto desmentido também pela simples visualização daquele suporte áudio/vídeo, porquanto, dado o aparato da comunicação social, que apenas poderia ser ignorado pelo arguido acaso este padecesse de  deficiências profundas de visão ou audição, o que, de todo, não se apurou, ou tampouco foi alegado.
No mais, as declarações da assistente serviram para confirmar o que se extrai da simples visualização dos suportes áudio/vídeo juntos aos autos das reportagens de TV visadas, esclarecendo ainda o Tribunal acerca do impacto pessoal e profissional deste evento, focado, sobretudo, no estigma que recaiu sobre a sua pessoa no plano pessoal (cidadã com falta de higiene) e bem assim na larga difusão que o evento teve, perdurando até aos dias de hoje, sendo a assistente ainda hoje identificada como a jornalista “que não toma banho”.
Tais repercussões foram também confirmadas pelas testemunhas EE e OO, dois colegas de trabalho da assistente, que confirmaram não só os efeitos a longo prazo, como sobretudo a mazela emocional sofrida no momento pela assistente, factos que presenciaram pessoalmente através do convívio profissional regular com a assistente nos tempos que se seguiram ao acontecimento.
Ainda no plano da difusão destes acontecimentos foram ponderados os documentos juntos pela assistente com a acusação particular.
Por fim, a ausência de antecedentes criminais do arguido consta documentada no CRC junto aos autos e as condições pessoais, profissionais, familiares e financeiras de arguido e assistente foram obtidas a partir das declarações dos próprios.
Duas notas finais no que diz respeito ao processo decisório quanto à matéria de facto:
Retira-se da visualização dos suportes áudio/vídeo da reportagem à porta do STJ que, tal como relatou o arguido nas suas declarações, a assistente foi persistente e até invasiva no exercício da sua profissão e na prossecução dos seus próprios intentos – obter material jornalístico para a reportagem transmitida em directo, consubstanciado em reacções/declarações do arguido – dai que o Tribunal tenha consignado como provado que o arguido agiu impulsionado por esta comportamento da assistente. No entanto, não pode confundir-se a motivação da prática dos factos com a postura interna do agente, e, sendo o arguido cidadão instruído, advogado de profissão, é garantido que, melhor do que o cidadão que não domina os limites do direito, tem consciência da aptidão ofensiva das expressões que proferiu – a senhora devia tomar mais banho; cheira mal; canzoada e gajada; a advogada com mau aspecto – e não se trata de uma opinião individual mas antes de uma concepção generalizada da comunidade, que não admite negação ou interpretação diversa.
Assente que o arguido tinha consciência desta aptidão ofensiva, ao proferir estas expressões necessariamente estava consciente de que agia contra a lei.
Este raciocínio suportou a decisão no que diz respeito aos elementos subjectivos dos crimes imputados como também no elenco dos factos não provados que agiu intencionalmente no que toca ao crime de injúria.
Os demais factos alegados na acusação particular, mormente os relacionados com eventuais litígios entre o arguido, o seu, então, constituinte e a entidade patronal da assistente ou até a própria assistente, não foram considerados na matéria provada ou  não provada por se entender que se trata de factos acessórios, alheios ao objecto dos autos. ...”.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[8] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, afigura-se-nos que as questões fundamentais que o Recorrente suscita como fundamento do seu recurso são as seguintes:
I – Falta de fundamentação da decisão recorrida (recurso do Arg.);
II - Impugnação da matéria de facto (recurso do Arg.);
III – Vícios da decisão recorrida: insuficiência, contradição e erro notório (recursos de ambos os Recorrentes);
IV - Tipificação da conduta do Arg. (recurso do Arg.);
V – Legítima defesa, direito de necessidade e estado de necessidade desculpante (recurso do Arg.);
VI - Escolha e medidas das penas (recurso do Arg.);
VII – Improcedência do pedido cível e montante da indemnização (recursos de ambos os Recorrentes).
*
Cumpre decidir.
I – O Arg. imputa à decisão recorrida o vício de falta ou insuficiência da fundamentação, porque “... o Tribunal a quo não extraiu da prova produzida em Audiência, seja por declarações do arguido recorrente que foi eleito pela decisão recorrida como o meio de prova por excelência da condenação, seja dos suportes audiovisuais juntos aos autos – o vídeo que retrata os factos alegadamente ilícitos, assim como aqueloutros juntos a pedido da defesa e deferidos pelo Tribunal recorrido – toda a factualidade relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, mormente no que diz respeito às concretas circunstâncias que circundaram os factos.”, pelo que “... ao não ter apreciado todos os factos carreados ao longo do julgamento, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 124º, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2 e 374º, n.º 2, todos do CPP, incorrendo na nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP ...”; porque, quanto ao elemento subjectivo, “... a fundamentação eleita pelo Tribunal a quo se não inexistente é manifestamente insuficiente, atentas as exigências legais previstas ...” e porque não fundamentou devidamente a medida da pena única (conclusões R/AA, AAA/BBB e FFFFF).
A falta de fundamentação da sentença constitui uma nulidade (art.ºs 374º/2 e 379º/1-a) do CPP).
Essa nulidade deve ser arguida e conhecida em sede de recurso (art.º 379º/2 do CPP).
A função da fundamentação é a de “…legitimar a decisão perante as partes e também coram populo, neutralizando as suspeitas de arbítrio; e, por outro lado, de emprestar à decisão os coeficientes indispensáveis de racionalidade e de objectividade, que a tornam objectivamente sindicável e controlável por terceiros, maxime pelos tribunais superiores. O consenso comunica-se também à compreensão normativa da fundamentação: ela deve assegurar a consistência lógico-racional capaz não só de tornar a decisão vinculativa no horizonte subjectivo de quem a proferiu, mas também de lhe emprestar a indispensável plausibilidade intersubjectiva em relação a terceiros. Face aos quais terá de despertar a mesma convicção, a mesma “certeza”.[9].
Ora, o tribunal recorrido deu como provado que “O arguido proferiu a expressão transcrita na alínea i) impulsionado pela insistência da assistente em obter, da sua parte, respostas às questões que aquela lhe colocava declarações acerca do resultado do incidente de habeas corpus instaurado no âmbito do procedimento criminal referido na alínea b), não obstante ter manifestado intenção de não responder.” (facto provado O)), tendo fundamentado esta conclusão de facto nas declarações do Arg., nos seguintes termos: “... [o. Arg.] Alegou que não tinha consciência de que estava a ser gravado ou que estaria em directo em várias estações de TV, facto desmentido também pela simples visualização daquele suporte áudio/vídeo, porquanto, dado o aparato da comunicação social, que apenas poderia ser ignorado pelo arguido acaso este padecesse de  deficiências profundas de visão ou audição, o que, de todo, não se apurou, ou tampouco foi alegado. ... Retira-se da visualização dos suportes áudio/vídeo da reportagem à porta do STJ que, tal como relatou o arguido nas suas declarações, a assistente foi persistente e até invasiva no exercício da sua profissão e na prossecução dos seus próprios intentos – obter material jornalístico para a reportagem transmitida em directo, consubstanciado em reacções/declarações do arguido – dai que o Tribunal tenha consignado como provado que o arguido agiu impulsionado por esta comportamento da assistente. No entanto, não pode confundir-se a motivação da prática dos factos com a postura interna do agente, e, sendo o arguido cidadão instruído, advogado de profissão, é garantido que, melhor do que o cidadão que não domina os limites do direito, tem consciência da aptidão ofensiva das expressões que proferiu – a senhora devia tomar mais banho; cheira mal; canzoada e gajada; a advogada com mau aspecto – e não se trata de uma opinião individual mas antes de uma concepção generalizada da comunidade, que não admite negação ou interpretação diversa.
Assente que o arguido tinha consciência desta aptidão ofensiva, ao proferir estas expressões necessariamente estava consciente de que agia contra a lei.
Este raciocínio suportou a decisão no que diz respeito aos elementos subjectivos dos crimes imputados como também no elenco dos factos não provados que agiu intencionalmente no que toca ao crime de injúria. ...”.
Por outro lado, quanto à determinação da pena única, o tribunal recorrido fundamentou-a, para além do mais, nos seguintes termos: “... Ponderando os factores acima elencados relativos às características das infracções e a personalidade do agente nelas reflectida, sem descurar a ausência de antecedentes criminais, julgo adequada e suficiente a pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa. ...”.
Quer num caso quer noutro, o tribunal recorrido explicou com clareza as decisões que tomou, sendo que essa fundamentação permite controlar a razoabilidade de tais decisões.
Acresce que, a omissão de factos indispensáveis à boa decisão da causa poderá configurar uma omissão de pronúncia, se tiverem sido alegados na acusação ou na contestação, ou uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, se a matéria de facto apurada não for suficiente para a decisão de direito, mas não uma falta de fundamentação.
Ora, o Arg. na sua contestação só alegou que a Assistente “... o provocou ilegítima e ilegalmente até ao insuportável ...”.
Não padece, pois, a decisão recorrida de qualquer falta ou deficiência de fundamentação, bem pelo contrário, nem de omissão de pronúncia.
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II – Entende o Arg. que o tribunal recorrido devia ter dado como provada a sua versão dos factos, relativamente às circunstâncias, nomeadamente o comportamento persecutório e não apenas provocador assumido pela Assistente, em que proferiu as expressões aqui em causa (conclusões BB/NN).
O que invoca, pois, é a existência de erro na avaliação dos depoimentos e declarações dos intervenientes, bem como da restante prova produzida em audiência ou constante dos autos.
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz.
Este princípio da livre apreciação da prova está consagrado no art. 127º do CPP nos seguintes termos «... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
E embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspectos fácticos, e que são os referidos no art. 410º/2/3 do CPP, não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto[10],[11],[12].
A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto[13].
Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» e «as próprias reacções, por vezes quase imperceptíveis, do auditório» que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percebidos, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores»)[14].
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes.
Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal[15]; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram[16]; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado.
Como vimos, o tribunal recorrido fundamentou suficientemente a sua decisão sobre a matéria de facto.
Importa referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes.
A fundamentação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 374º/2 do CPP, implica a “…enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto …”.
Factos são as ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas[17],[18], mas importa precisar que, do ponto de vista jurisdicional, facto é o objecto da prova, pelo que é impossível falar de facto separando-o completamente do direito, sendo que corresponde à enunciação de um facto e não ao objecto empírico que é enunciado e está dependente do sujeito que realiza a enunciação[19].
Os factos a enumerar na sentença penal “… são todos os constantes da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art. 359º, n.º 2. …”[20], ou seja, factos relativos aos elementos (quer objectivos, quer subjectivos) do crime, ao circunstancialismo que deva ser tido em conta na escolha e determinação da medida concreta da pena, nos termos do disposto no art. 71º/1/2 do CP, e à determinação da indemnização, conforme decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 71º do CP, 283º/3-b), 368º/2, 369º e 374º/2 do CPP[21].
Mas só os factos relevantes devem constar da fundamentação de facto[22].
No presente caso, o Recorrente, com base em elementos de prova que indica, pretende que o tribunal deveria ter dado como provados outros factos que ilustram desenvolvidamente as circunstâncias em que proferiu as expressões aqui em causa.
Não estamos, pois, perante erros de julgamento, mas sim perante uma diferente relevância que o tribunal recorrido e o Arg. dão aos factos apurados.
Ora, o tribunal recorrido deu como provado que “O arguido proferiu a expressão transcrita na alínea i) impulsionado pela insistência da assistente em obter, da sua parte, respostas às questões que aquela lhe colocava declarações acerca do resultado do incidente de habeas corpus instaurado no âmbito do procedimento criminal referido na alínea b), não obstante ter manifestado intenção de não responder.”, o que caracteriza suficientemente as circunstâncias em que proferiu as referidas expressões, pelo que improcede, nesta parte, este recurso.
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III – O Arg. imputa à decisão recorrida os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (porque considerou preenchidos os elementos subjectivos dos tipos, mas o Arg. não agiu com dolo, nem mesmo eventual – conclusões CCC/FFF), contradição insanável (porque considerou preenchidos os elementos objectivos dos tipos, mas as expressões proferidas não têm relevância penal – conclusões OO/ZZ) e erro notório na apreciação da prova (de novo, porque considerou preenchidos os elementos subjectivos dos tipos, mas o Arg. não agiu com dolo, nem mesmo eventual – conclusões CCC/FFF).
Também a Assistente imputa à decisão recorrida o vício de contradição insanável, porque perante os factos provados s), t), v), w) e x) “... não se compreende nem se admite que o Tribunal a quo considere que “não resulta dos autos que a assistente tenha sofrido consequências pessoais que a tenham afetado de forma vincada e/ou irreversível” quando, por outro lado, refere expressamente que “dos autos resultou provado que em consequência dos factos praticados pelo arguido assistente sentiu-se humilhada, perante o público em geral e perante os seus colegas de profissão, e atingida no seu bom nome e reputação, sendo associada até ao presente como “aquela jornalista que cheira mal” ...”.
Estes vícios, previstos no art.º 410º/2 do CPP, são de conhecimento oficioso[23] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[24].
Para que exista o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto, é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão[25].
Está-se na presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado.”[26],[27].
Não ocorre esse vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar e os factos dados como provados são suficientes para preencher os elementos do tipo pelo qual o Arg. foi condenado, e para a determinação da respectiva pena, sendo que, a existência da possibilidade de fazer uma diferente tipificação em face dos factos dados como provados, não integra este tipo de vício[28].
O princípio da investigação oficiosa no processo penal, conferido ao tribunal pelos art.ºs 323°/a) e 340°/1 do CPP tem os seus limites na lei e está condicionado pelo princípio da necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa, devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento, ou a requerimento dos sujeitos processuais.
No presente caso, a matéria de facto provada é suficiente para o preenchimento dos elementos dos tipos pelos quais o Arg. vem condenado (nomeadamente, os elementos subjectivos, conforme resulta dos factos provados n), q) e r)) e para a determinação das respectivas sanções, pelo que não padece a decisão recorrida da apontada ou doutras insuficiências.
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“… há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou, quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.[29].
Quanto à contradição apontada pela Assistente, não consideramos que se verifique oposição entre os factos de a Assistente se ter sentido humilhada, perante o público e perante os seus colegas, e atingida nos seus bom nome e reputação e de tais expressões terem tido grande repercussão nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais, passando a ser conhecida como a jornalista do Correio da Manhã que cheira mal, e a consideração de que, apesar disso, a Assistente não sofreu consequências pessoais que a tenham afectado de forma vincada e/ou irreversível.
Na verdade, não se apurou que tenha necessitado de acompanhamento psicológico para superar a humilhação que sentiu, nem que tenha tido perturbações do sono, nem que tenha sido prejudicada na capacidade de trabalho ou sua carreira profissional, nem que tenham sido afectadas as suas relações sociais ou familiares, nem quaisquer outras consequências mais graves ou irreversíveis.
Portanto, como se refere na decisão recorrida, a gravidade dos danos mede-se por padrões objectivos e, ainda que a Assistente se tenha sentido fortemente humilhada e ofendida, não se apuraram factos que permitam concluir que, objectivamente, foi afectada de forma vincada e/ou irreversível.
Não padece, pois, a decisão recorrida da apontada contradição.
Quanto à contradição apontada pelo Arg., mesmo que as expressões em causa não fossem injuriosas, isso não configuraria uma contradição insanável, mas sim um erro de facto e/ou de direito.
Não existem, pois, as apontadas contradições e também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer outra destas contradições.
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Erro notório na apreciação da prova é a “… falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.[30].
O tribunal recorrido explicou cabalmente porque considerou provados os factos n), q) e r), relativos aos elementos subjectivos dos tipos.
Na verdade, as circunstâncias em que foram, pelo Arg., com o seu nível profissional, social e cultural, proferidas as expressões, levam à conclusão lógica de que agiu consciente da “aptidão insultuosa” e que se conformou com tal resultado.
Por isso, não existe qualquer erro, muito menos notório.
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Antes de prosseguirmos, importa consignar que não vislumbramos na decisão recorrida quaisquer outros dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP.
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IV - Entende o Arg. que, ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto, a sua conduta não preenche os elementos dos tipos da difamação nem da injúria, porque não teve a intenção de ofender a Assistente nem as expressões dadas como provadas são suficientemente ofensivas, nem as circunstâncias agravativas previstas no art.º 183º/1-a) do CP (conclusões OO/XX e SSS/XXX).
Está provado que o Arg. dirigiu à Assistente, para além doutras, as expressões “A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!” e, referindo-se à mesma, “Aquela jornalista com mau aspecto”.
Há que decidir se tais afirmações são injuriosas/difamatórias, por forma a determinar se está preenchido o respectivo elemento objectivo dos tipos. Para além disso, há que indagar se se verificam as circunstâncias agravativas.
Nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor – a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 26º e 37º da CRP[31]) -, sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra.
Atendendo a que a CEDH[32], como todo o direito convencional de que Portugal é parte contratante, tem valor infra-constitucional, mas supra-legal[33], na indagação sobre se determinada conduta constitui crime contra a honra há que ter em atenção o disposto nesta convenção, interpretada pela jurisprudência do TEDH[34], nomeadamente a produzida a propósito do art.º 10º (Liberdade de expressão).
Nos termos da jurisprudência deste tribunal, “… as excepções à liberdade de expressão, nomeadamente para proteger a honra de outrem, devem ser interpretadas restritivamente e a necessidade das restrições deve ser determinada de modo convincente. …”[35].
Como se afirma no acórdão da RL de 19/04/2006[36], Pratica o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” (art. 180º/1).
Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos (probidade e lealdade de carácter).
Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege "é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal" [37].
O sentimento médio de honra da comunidade deve constituir o critério (objectivo) à luz do qual deve ser aferida a tipicidade/gravidade das ofensas a este bem jurídico: "ofensivo da honra e consideração (...) [é] aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores. (...). Aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena"[38].
Nesta linha, decidiu o Ac. Rel. Évora, de 2/7/96, CJ 96, IV, 295, que um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda sócio/moral da pessoa, da sua honra e consideração.
Deste modo, "nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180º e 181º, tudo dependendo da "intensidade" da ofensa ou perigo de ofensa" [39].
Por outro lado - considerando que numa sociedade democrática, é do mais elevado interesse público "a actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política económica, cultural" [40] -, não pode deixar de exigir-se a maior prudência na efectivação da tutela penal perante eventuais excessos no exercício das liberdades de expressão/informação, maxime em matérias de indiscutível interesse público.
Constituindo a mais intensa das restrições que - neste âmbito - o Estado tem ao seu dispor, a reacção penal deverá pautar-se por critérios de estrita necessidade e proporcionalidade, sob pena de se desincentivar o cabal exercício de tais liberdades fundamentais.
Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras - ou mesmo infundadas - que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça - contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições - com o jus puniendi do Estado.
Naturalmente, este tipo de preocupações não implicam que se deva descurar a necessidade de adequada tutela do (também fundamental) direito à honra e, muito menos, o reconhecimento do direito ao insulto.
Sobre o critério que permite compreender quando é que "a crítica exagerada, mesmo chocante" (que, só por si, não é merecedora de tutela penal) entra no campo da "difamação", escreve expressivamente Manuel Costa Andrade [41]:
"Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas (...). Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social".
Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se [42].
Com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Explicitando, dir-se-á que o dolo se verifica quando o agente actua por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias, levando a cabo a conduta ou acção nas mesmas previstas (...), sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que seja necessária a previsão do perigo (em concreto). (...) Ao julgador incumbirá, pois, provada que fique a conduta ou a acção (...), referenciadas às normas incriminatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade"[43].
Compreende-se que assim seja, tendo em conta, desde logo, a grande dificuldade - senão mesmo impossibilidade - de, caso a caso, aferir da efectiva violação do bem jurídico protegido pela incriminação ...
Por isto mesmo se considera que o desenho dos crimes contra a honra como crimes de perigo constitui um factor "corrector" das consequências negativas inerentes a contrário entendimento[44].”.
A estas considerações, acrescentaremos ainda que a afectação da honra ou consideração deve ser aferida por um critério situacional, que atente no contexto em que as palavras ou os factos imputados foram proferidos e nos sujeitos da comunicação. O significado das palavras e dos factos “tem um valor de uso[45] que consiste na sua valoração social e apreciação dos próprios interlocutores.
Apliquemos, então estes parâmetros ao caso em apreço.
Ora, para o cidadão médio as expressões “A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!” e “Aquela jornalista com mau aspecto” são ofensivas, porque nelas “... não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas ...”, isto é, não correspondem a qualquer crítica ao desempenho profissional da Assistente, que era o que estava em causa, mas são meramente depreciativas da sua pessoa, pelo que são ofensivas da honra e consideração.
Quanto à verificação das circunstâncias agravativas, previstas no art.º 183º/1-a)/2 do CP, não vemos como se possa discutir a sua verificação perante os factos provados m) e n). Na verdade, ainda que o Arg., no caso das expressões dirigidas directamente à Assistente, possa não ter procurado as circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, não podia ignorar as mesmas e não tomou qualquer cuidado para evitar essa divulgação. Já quanto à forma como se referiu à Assistente num programa da televisão, o Arg. não pode deixar de ter querido a comissão através de um meio de comunicação social, a menos que não tivesse consciência de que estava num programa desse tipo, ou que as suas palavras seriam difundidas, o que não se apurou.
Improcede, pois, também nesta parte o recurso.
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V – Entende o Arg. que “... mesmo que se entenda que os factos praticados pelo recorrente têm relevância criminal, o que só por cautela de patrocínio aqui se cogita, sempre se deveria, salvo o devido respeito concluir que lhe era lícito repelir o ataque sistemático por parte da Assistente ao seu direito de não responder a perguntas colocadas pelo Correio da Manhã – vertente negativa do direito e liberdade de expressão – e à sua liberdade de movimentos. Assim, ressumbra evidente o preenchimento das causas de exclusão da ilicitude da legítima defesa, do direito de necessidade e do estado de necessidade desculpante ...” (conclusões MMM/NNN).
Vejamos, portanto, se existe alguma das causa de exclusão da ilicitude ou da culpa invocadas pelo Arg..
Quanto a estas, reguladas nos art.ºs 31º a 39º do CP, excluem a ilicitude as previstas nos art.ºs 32º (legítima defesa), 34º (o direito de necessidade), 36º (o conflito de deveres) e 38º e 39º (o consentimento), e excluem a culpa, para além da inimputabilidade, as previstas nos art.ºs 33º/2 (excesso asténico de legítima defesa), 35º (o estado de necessidade desculpante) e 37º (a obediência devida desculpante)[46].
Nem sempre sendo clara a delimitação da cada um destes institutos[47], importa que tentemos esboçar, ainda que grosseiramente, os campos de aplicação daqueles que possam ter aplicação ao caso sub judice, por forma a que vejamos se algum deles é aplicável.
Assim a legítima defesa, cujo regime legal se não alterou fundamentalmente do CP de 1886 para o actual[48], tem como requisitos, nos termos do disposto no art.º 32º do CP, a existência de uma agressão ilícita contra bens juridicamente protegidos, do agente ou de terceiro, a actualidade dessa agressão e a defesa contra essa agressão através de meio necessário para a repelir.
O direito de necessidade (ou estado de necessidade justificante, como lhe chama alguma doutrina – cf. por todos Figueiredo Dias, obra citada, p. 61 e 62) terá aplicação nas condições previstas no art.º 34º do CP, desde logo, por exemplo, quando se verifiquem todos os pressupostos da legítima defesa menos a ilicitude da agressão de que o agente pretende defender-se[49].
O estado de necessidade desculpante, pressupõe também uma situação de conflito entre bens jurídicos, que foi resolvida de modo ilícito, isto é fora das condições previstas no art.º 34º do CP, mas em que a prática do facto ilícito naquela situação não for censurável. São seus pressupostos, para além do mais, a actualidade do perigo para bens jurídico-penais (a vida, a integridade física, a honra e a liberdade), a adequação e a indispensabilidade da acção salvadora, que é imposta a pessoa alheia à situação de perigo[50].
Sem necessidade de mais profunda indagação, logo se vê que, no caso concreto, nenhuma destas causas se verifica, uma vez nem as expressões que o Arg. dirigiu à Assistente, nem a forma como a ela se referiu em programa televisivo, eram meio necessário ou adequado a repelir o que o Arg. considerou ser uma agressão, isto é, a proximidade física da Assistente e a sua insistência em lhe formular perguntas. Na verdade, o meio adequado a evitar a proximidade física da Assistente era o afastamento por parte do Arg. e o meio adequado a evitar as perguntas era não lhes responder. O que não tinha qualquer virtualidade de obviar à “provocação” era o uso de expressões injuriosas e difamatórias, sendo que no caso das expressões proferidas no programa de televisão, também não havia actualidade da agressão, pressuposto de qualquer destas causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
Improcede, pois, também nesta parte, este recurso.
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VI – Entende o Arg. que, no caso de se manter a sua condenação, deve ser dispensado da pena (conclusões YYY/DDDD), ou, se assim se não entender, a pena deve ser a de admoestação (conclusões EEEE/GGGG), ou, se ainda assim se não entender, as penas de multa que lhe foram aplicadas, quer parcelares, quer única, são exageradas, quer no número de dias de multa, quer na quantia diária fixada, e deve ser reduzida (conclusões HHHH/WWWW e YYYY/FFFFF).
O tribunal recorrido fundamentou a escolha e as medidas das penas nos seguintes termos:
“... Atento o disposto nos artigos 180º, n.º1, 183º, n.º 2, e 184º, do Código Penal, com referência à alínea j) do n.º 2 do art.º 132º, do mesmo diploma os crimes por que o  arguido vem acusado são puníveis, respectivamente, com pena de prisão até 2 (dois) anos ou multa não inferior a 120 (cento e vinte) dias e pena de prisão até 4 (quatro) meses ou multa até 160 (cento e sessenta) dias.
Da escolha da pena:
Conforme prescreve o art. 70.º do Código Penal, sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal deverá dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com o que se visa combater as penas detentivas, reconhecidamente mais estigmatizantes e com menores potencialidades de ressocialização, sempre que as finalidades das penas possam ser alcançadas de outro modo, o que vale com especial pertinência quando estamos em face de penas de prisão de curta duração.
Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem directamente a ver com o grau de culpa, mas antes com as finalidades da punição. “(...), a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial” – v. Mº, n.º aia Gonçalves em anotação ao art. 70.º do C. , alínea a) e n.º 3 do CP, os crimes praticados pelo arguido são punidos respectivamente, com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa não inferior a 120 dias e com pena de prisão até 4 meses ou pena de multa até 160 dias.
Assim, a escolha do tipo de pena deve ser precedida de uma ponderação no que respeita à adequação da mesma às suas finalidades.
Sendo estas a satisfação das exigências de prevenção geral e especial, há que ponderar, no que respeita às primeiras, que, não obstante a dignidade penal conferida ao bem jurídico violado, o tipo de crime em apreço não reclama, por parte da comunidade, exigências preventivas elevadas, sem prejuízo da necessidade de satisfação a dar ao visado pela reprovação judicial da conduta.
Quanto às segundas, a ausência de antecedentes criminais do arguido, a sua conduta anterior e posterior aos factos, a sua inserção social, familiar e profissional, como factores que revelam exigências mínimas ao nível da prevenção especial.
Posto isto, no concerne à escolha do tipo de pena, julga o Tribunal ser adequada  às exigências de prevenção geral e suficiente advertência para que os arguidos se afaste da prática de comportamentos semelhantes, a aplicação de pena não privativa de liberdade, pelo que se impõe a opção pela pena de multa.
Da medida concreta das penas:
De acordo com o sistema dos dias-de-multa, previsto entre nós, na determinação da pena de multa em concreto aplicável ao arguido, a primeira operação a realizar visa fixar, dentro dos limites legais, o número de dias de multa, em função dos critérios gerais de determinação concreta da pena, o que significa “que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art. 72.º, n.º 1 (actual art. 71.º, n.º 1), concretizadas no n.º 2 do mesmo preceito” - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 127.
A segunda operação é a que visa determinar, dentro dos limites legais previstos no n.º 2 do art. 47.º Código Penal, o quantitativo diário da multa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Ao proceder-se a esta determinação do quantitativo de cada dia de multa, não se poderá perder de vista que “o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa humana, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas...” (não deverá retirar ao condenado a possibilidade de, sem dano injusto, fazer face aos gastos absolutamente indispensáveis) - cfr. ob. cit. p. 119.
Considerando que como factores relevantes:
- O dolo eventual do arguido quanto ao crime de injúria e directo quanto ao crime de difamação;
- A ilicitude mediana (o conteúdo das expressões não é exageradamente gravoso, apesar de ofensivo, fazendo-se aqui uma ligeira distinção entre o comportamento reportado ao crime de injuria, mais gravoso, embora ambos de elevadíssima ilicitude no plano do desvalor do resultado dada a difusão consequente da intervenção dos meios de comunicação social);
- A culpa atenuada pela motivação no que diz respeito ao crime de injúria e mais elevada no que concerne ao crime de difamação acompanhando a postura interna do agente;
- A ausência de antecedentes criminais;
- A inserção pessoal, familiar, profissional do arguido;
- Em desabono do arguido a total indiferença e incapacidade para a assunção do desvalor dos actos que praticou.
Em face dos factores supra enunciados entendo ser adequadas e suficientes as penas:
- 140 (cento e quarenta) dias de multa para o crime de injúria agravada;
- 130 (cento e trinta) dias de multa para o crime de difamação agravada.
Concurso de crimes:
Verifica-se uma situação de concurso real e efectivo, entre os dois crimes praticados pelo arguido (art.º 30º, n.º 1 do Código Penal).
Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do Código Penal que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Cumpre, pois, proceder ao cúmulo das penas determinadas para o arguido, tornando-se necessário construir a moldura penal do concurso, com o seu limite mínimo na mais elevada das penas parcelares aplicadas e máximo na soma das penas concretamente aplicadas. - (cf. art.º 77º/2 do Código Penal).
A moldura abstracta da pena única a aplicar é então de 140 a 270 dias de multa.
Ponderando os factores acima elencados relativos às características das infracções e a personalidade do agente nelas reflectida, sem descurar a ausência de antecedentes criminais, julgo adequada e suficiente a pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa.
Da taxa diária:
Tendo em conta os rendimentos e encargos do arguido, e o critério fornecido pelo art.º 47º, n.º 2 do Código Penal, entendo adequado à sua situação financeira do arguido Custódio, a taxa diária de 20,00 (vinte euros), perfazendo o total de 4.600€ (quatro mil e seiscentos euros). ...”.
Sendo aplicáveis alternativamente penas privativas e não privativas da liberdade, nos termos art.º 70º do CP, há que proceder à escolha da pena, devendo dar-se preferência fundamentada às segundas[51].
No presente caso, está liminarmente afastada a possibilidade de dispensa da pena, ou de substituição da multa por admoestação, porque o dano não foi reparado (art.ºs 74º/1-b) e 60º do CP), pelo que se mantém a opção do tribunal recorrido por penas de multa.
Na fixação concreta da pena de multa deve agir-se segundo os princípios gerais do doseamento da pena[52], isto é, devem considerar-se o grau de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar-se quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o agente[53], sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do Arg., desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude, só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário.
Por sua vez, na determinação da medida da pena do cúmulo devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º/1 do CP)[54],[55].
Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do Arg. e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.
Neste particular, como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores, a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição[56].
Para além de subscrevermos os fundamentos usados para a determinação das medidas das multas, entendemos que a intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[57],[58], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[59].
Verificamos que o tribunal recorrido aplicou correctamente os princípios gerais de determinação das penas, não ultrapassou os limites das molduras das culpas, e teve em conta os fins das penas no quadro da prevenção. Por outro lado, em face da matéria de facto apurada, entendemos que não estamos perante qualquer desproporção da quantificação efectuada das penas, nem face a violação de regras da experiência comum, pelo que não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.
Não pode, pois, deixar de improceder, também nesta parte, este recurso.
*
VII – Entende a Assistente que o montante indemnizatório fixado é demasiado reduzido e deve ser aumentado. Por sua vez, o Arg. entende que que deve ser absolvido da indemnização em que foi condenado e que, se assim se não entender, o seu montante deve ser reduzido.
O tribunal recorrido fundamentou a o arbitramento e a fixação da indemnização nos seguintes termos:
“... A assistente deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido na quantia de 25.000€ cada, a título de danos não patrimoniais.
Trata-se, destarte, de um pedido indemnizatório fundado na responsabilidade civil por factos ilícitos - artigo 483º, 2ª parte, do Código Civil, pelo que o mesmo «há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressupostos da responsabilidade criminal, sendo tal indemnização regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil», como decorre, aliás, do disposto no artigo 129º do Código Penal (Ac. da Relação do Porto, de 16/06/1999, relativo ao proc. 9910418, in www.dgsi.pt).
Como é sabido, são requisitos da responsabilidade civil:
a) A existência de um facto voluntário do agente;
b) A ilicitude do facto;
c) O nexo de imputação do facto ao lesante;
d) O dano;
e) O nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
Em face das considerações supra expendidas na qualificação jurídico-criminal da conduta do arguido, não restam dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos elencados nas alíneas a) a c)..
De facto, verificada a prática do crime, necessariamente se afirma a ocorrência de um facto voluntário, a ilicitude desse facto e o nexo de imputação do facto ao lesante.
Subsiste a necessidade de averiguação dos danos, da sua ressarcibilidade, e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto aos danos, o Código Civil prevê o ressarcimento dos patrimoniais, e nos casos previstos no art.º 496º os não patrimoniais.
Os primeiros constituem despesas e prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão (danos emergentes), bem como benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.
Os segundos, insusceptíveis de avaliação pecuniária, atingem bens que não fazem parte do património do lesado, como seja a dor física, moral, honra, bom-nome, beleza, perfeição física e estética, entre outros.
No que respeita ao nexo causal entre o facto e os danos supra citados, cuja determinação releva também para aferir dos danos indemnizáveis posto que o critério é comum, apela-se à teoria da causalidade adequada.
Assim, será dano juridicamente relevante, e indemnizável, o que resultar directa e necessariamente da acção, constituindo esta a sua causa.
Volvendo aos autos, resultou provado que em consequência dos factos praticados pelo arguido assistente sentiu-se humilhada, perante o público em geral e perante os seus colegas de profissão, e atingida no seu bom nome e reputação, sendo associada até ao presente como “ aquela jornalista que cheira mal”.
Tais sentimentos e estados de espírito configuram, de acordo com a definição supra exposta, danos não patrimoniais, cuja causa foram, indubitavelmente, os factos praticados pelos arguidos.
Actualmente não resta qualquer dúvida sobre a indemnizabilidade do dano não patrimonial, como claramente resulta do artigo 496º, n.º 1 do Código Civil. Ponto é que, pela sua gravidade, medida por padrões objectivos, mereça a tutela do direito.
Estabelece o artigo 496º do Código Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e que o respectivo montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo diploma (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 572 e Ac. STJ, de 12.10.1973, BMJ 230, p. 107, onde o simples incomodo não justificou a indemnização por danos não patrimoniais).
Quer dizer, só são indemnizáveis aqueles danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral como, entre outros, as ofensas à honra, a reputação, a liberdade pessoal, a violação do domicílio ou do segredo que interessa à vítima, as lesões corporais ou de saúde.
A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada e aprecia-se em função de tutela do direito (cfr. Antunes Varela, ob. cit., p. 576; Vaz Serra, RLJ, 109, p. 115 e Ac. STJ, de 22.11.1978, BMJ 275, p. 211).
Não pode, no entanto, esquecer-se que, no caso dos danos não patrimoniais a indemnização visa não só reparar os danos sofridos pela pessoa lesada, mas também reprovar ou castigar, no plano civil, a conduta do agente (cfr. Antunes Varela, ob. cit., p. 578).
Quanto ao valor da indemnização poder-se-á dizer que o critério a adoptar, deverá ter em conta o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias que se apresentem relevantes, e ainda a comparação com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais (cfr. Acs. STJ, de 2.11.1976, in BMJ 261, p. 236; de 23.10.1979, in BMJ 290, p. 390; de 22.01.1980, BMJ 293, p. 237 e de 13.05.1986, in BMJ 357, p. 399).
Ora, considerando a situação financeira do arguido e da assistente, o conteúdo concreto das expressões proferidas, o contexto, o veiculo de difusão envolvido nas duas ocasiões (meios de comunicação social e o elevado potencial de disseminação), a culpa manifestada, e sobretudo a comparação com situações análogas, parece-nos exacerbada a quantia peticionada, desproporcional à gravidade dos factos praticados bem como às consequências dos mesmos, que se reconduzem aos sentimentos experimentados por quem se sente ofendido com um juízo depreciativo feito a seu respeito, sem ignorar, no plano das consequências, a difusão publica veiculada pela comunicação social enquanto elemento típico dos crimes.
De facto não resulta dos autos que a assistente tenha sofrido consequências pessoais que a tenham afectado de forma vincada e/ou irreversível.
Por todo o exposto, tendo presente o critério equitativo determinado pelo art.º 496º, n.º 3 do Código Civil o Tribunal entende equitativo condenar o arguido no pagamento da quantia de 8.000€ (oito mil euros).
A este montante acrescem juros moratórios calculados, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil, até integral pagamento.
No mais, relativamente ao remanescente dos danos não patrimoniais, o pedido de indemnização civil deve improceder, por se entender que a quantia indicada, reflecte um valor equitativo face aos pressupostos enunciados. ...”.
A absolvição do pedido cível dependia da absolvição do crime, pelo que não pode deixar de improceder nesta parte o recurso do Arg..
Nos[60] termos do art.° 496° do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal.
Na perspectiva da responsabilidade civil pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[61].
Os danos sofridos pelo Assistente foram dados como provados em s), t), y) e z).
A dificuldade em quantificar os danos de natureza não patrimonial anda sempre ligada à sua dimensão imaterial, por atingirem valores de carácter espiritual ou moral e se traduzirem em sofrimento de dor (física e moral ou psicológica), desgosto e angústia.
A sua ressarcibilidade baseia-se, actualmente, diz Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”. pág. 376, na generosa formulação do art.° 496° do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas antes o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada.
Também o STJ, no Ac. de 23/03/1995, in CJ, 1, pág. 233, se refere nos mesmos moldes, em sugestiva passagem: “Considerando a natureza e função da indemnização por danos não patrimoniais, estes não podem sujeitar-se a uma medição, mas tão só a valoração”.
O montante da indemnização por este tipo de danos deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, tendo “… uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. …”[62].
Como se refere no Ac. do STJ de 08/06/1999, in BMJ 488(1999)/323. “A compensação dos danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496° do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.”.
Na fixação da indemnização, diz a lei (art.° 496°/3 do CC[63]), que se devem ter em conta as circunstâncias referidas no art.° 494° do CC.
Isto é, deve ter-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, e ainda as “regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida” - Pires de Lima e Antunes Varela, in ‘Código Civil Anotado”. 4 edição, vol. I, pág. 501, ou, como decidiu o referido Ac. do STJ de 08/06/1999, “O juiz para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniário dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado dos danos não patrimoniais que sofreu.”.
Há também que ter em conta as indemnizações que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[64].
Tendo em conta estes parâmetros e os factos, relevantes para este efeito, dados como provados, entendemos que o tribunal recorrido fixou com ponderação e justiça o montante indemnizatório.
Os acórdãos citados pela Assistente, na sua motivação, referem-se todos a situações bastante mais graves do que a presente.
De qualquer forma, o tribunal recorrido fixou os danos não patrimoniais sofridos pela Assistente com recurso a critérios de equidade, o que, como já vimos, podia fazer, porque previsto legalmente (art.º 4º/1-a) e 496º/3 do CC).
Embora os tribunais de recurso possam alterar o valor do dano fixado com recurso a critérios de equidade, só o devem fazer quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”[65].
Entendemos que este não é um desses casos, a merecer intervenção correctiva, pelo que improcedem, também nesta parte os recursos.
*****
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não providos os recursos e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC, para o Arg., e na proporção do decaimento quanto ao pedido cível.
Notifique.
D.N..

Lisboa, 11/12/2019
João Abrunhosa
Maria Leonor Botelho
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[1] Arguido/a/s.
[2] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-02-2018 Processo nº. 3037/15.1T8VCT.G1.
[3] Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Verbo, 2005, p. 83 a 85.
[4] In A deontologia dos jornalistas portugueses, Coimbra: Minerva, pp. 87 a 88.
[5] Ministério Público.
[6] Código de Processo Penal.
[7] Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.
Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.
[8] Supremo Tribunal de Justiça.
[9] Manuel da Costa Andrade, em parecer datado de Março de 2009, junto ao, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1, por nós relatado na Relação de Lisboa.
[10] Importa considerar que, como se afirma no Ac. do STJ de 17/02/2005, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt, processo 04P4324, “1 - O recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. 2 - Se o recorrente aceita que o teor expresso dos depoimentos prestados permite que a 1.ª Instância tenha estabelecido a factualidade apurada da forma como o fez e questiona tão só a credibilidade que, no seu entender, (não) deveria ter-lhes sido concedida, sem indicar elementos objectivos que imponham a sua posição, a sua pretensão fracassa pois a credibilidade dos depoimentos, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso. 3 - Se apesar de se esforçar, a 1.ª Instância não consegue estabelecer o motivo que levou o arguido a agir, mas estão presentes todos os elementos do respectivo tipo legal de crime, nenhuma dúvida se pode levantar sobre a culpabilidade do agente. …”.
E no Ac. do STJ de 12/06/2008, relatado por Raul Borges, in www.dgsi.pt, processo 07P4375, de cujo sumário citamos: “I - A partir da reforma de 1998 passou a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades. II - No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo. Nesta forma de impugnação os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma. III - No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do mesmo diploma. IV - A alteração do art. 412.º do CPP operada em 1998 visou tornar admissível o recurso para a Relação da matéria de facto fixada pelo colectivo, dando seguimento à consagração do direito ao recurso resultante do aditamento da parte final do art. 32.º, n.º 1, da CRP na revisão da Lei Constitucional n.º 1/97, vindo a ser “confirmada” pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005 (in DR, I Série-A, de 07-12-2005), que estabeleceu: «Após as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal colectivo». V - Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação –, por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, quatro tipos de limitações: - desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. …”.
[11] Neste sentido, cf. ainda o Ac. do STJ de 25/03/1998, in BMJ 475/502, com anotação de que neste sentido se vinham orientando a doutrina e a jurisprudência.
[12] Neste sentido, ver também o Ac. RL, de 10/10/2007, relatado por Carlos Almeida, in www.dgsi.pt, processo 8428/2007-3, de cujo sumário citamos: “…XVII – No caso, embora a prova produzida e examinada na audiência permitisse, eventualmente, uma decisão em sentido diferente, ela não impunha decisão diversa da proferida, razão pela qual o recurso não pode ter provimento.”.
[13] No mesmo sentido, cf. o Ac. do STJ de 20/11/2008, relatado por Santos Carvalho, in www.dgsi.pt, processo 08P3269, de cujo sumário citamos: “I - O STJ tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. II - Conhecendo-se pela fundamentação da sentença o caminho lógico que, segundo a 1ª instância, levou à condenação do recorrente, deveria este ter-se limitado a sindicar os pontos de facto que nesse percurso foram erradamente avaliados, com a indicação das provas que impunham uma decisão diversa e com referência aos respectivos suportes técnicos. …”.
[14] Neste sentido, veja-se o acórdão da RG de 16/05/2016, relatado por João Lee Ferreira, no proc. 732/11.8JABRG.G1, com o seguinte sumário: “I) Na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação. II) A função do julgador consiste em determinar como os factos se passaram, raciocinando sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum. III) Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar depende, assim, de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.”.
[15] Neste sentido, ver o acórdão da RP de 04/02/2016, relatado por Antero Luís, no proc. 23/14.2PCOER.L1-9, in www.dgsi.pt.
[16] Veja-se, a este propósito, o acórdão da RC de 25/10/2017, relatado por Inácio Monteiro, no proc. 444/14.0JACBR.C1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “I - A reapreciação da prova, por erro de julgamento, é ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e não se destina a apurar uma interpretação diferente do tribunal a quo....”.
[17] Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, a págs. 391 e ss..
Ou, como diz Alberto dos Reis, “… É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; …”, in “CPC Anot.”, vol. III, 4ª ed., Coimbra editora, 1985, pág. 206.
[18] Ou, como diz Faria e Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, tomo I, Coimbra Editora, 1999, a págs. 609 e 610; “… Utilizando uma linguagem analítica poder-se-á dizer que a noção de facto se traduz naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. Se se diz que César foi assassinado por Brutus estamos a consubstanciar um facto (um facto histórico). Do mesmo jeito é também um facto afirmar que Alves do Reis protagonizou, entre nós, uma das maiores burlas de sempre. Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjuntos de acções (com unidade) que se protelam no tempo. De forma simples; um facto é um juízo de existência ou de realidade. …”.
[19] Nesse sentido, ver Mouraz Lopes, in “A fundamentação da Sentença no Sistema Português”, Almedina, 2011, págs. 223 a 227, donde citamos: “… Os factos são «acontecimentos, circunstâncias, relações, objectos e estados, todos eles situados no passado, espácio-temporalmente ou mesmo só temporalmente determinados, pertencentes ao domínio da percepção externa ou interna e ordenados de forma natural»(…).
Uma definição deste tipo não é suficiente, em termos operativos, para efeitos da decisão. Daí que o conceito utilizado no âmbito da teoria da prova, ou seja, aquele entendimento de que os factos consubstanciam os «eventos» em torno dos quais é possível articular um discurso de verdade ou falsidade sobre um determinado enunciado empírico(…) pode afirmar-se como pragmaticamente vantajoso, constituindo um dado comum nas diversas culturas jurídicas, no sentido de que «o facto é o "objecto" da prova ou a sua finalidade fundamental»(…).
Esta definição aparentemente simples não omite a complexidade da questão da prova dos factos e os múltiplos problemas que suscita ao tribunal, bem como a sua abordagem dogmática. Cingindo-nos ao objecto do trabalho, atente-se desde logo na constatação de que «no processo se demonstrarem factos não para satisfazer exigências de conhecimento em estado puro, mas antes para resolver controvérsias jurídicas»(…), devendo essa circunstância estar bem presente no processo de construção da decisão.
Como primeira consequência do que ficou referido é, desde logo, impossível falar do facto separando-o completamente do «direito», esquecendo as suas implicações jurídicas(…). Trabalhar o facto de um ponto de vista jurisdicional comporta sempre um efeito jurídico vinculante. Os factos não existem por si e para si mesmos mas sim em função das suas consequências jurídicas. Na construção da narrativa judicial aqueles que aí intervêm devem assumir aquela vinculação.
Num segundo momento e já assumindo o conceito «probatório» de facto constata-se a dificuldade de definição de um modo não superficial do que se entende por «facto», enquanto objecto de prova, tendo em conta a «extrema variabilidade e indeterminação dos fenómenos do mundo real»(…).
Uma resposta à determinabilidade do facto para efeitos da prova no processo começa, desde logo, segundo Taruffo, pela compreensão do «facto que constitui o objecto da prova em função do contexto que determina a descrição (o tipo de descrição) apropriada a esse facto»(…). Esse contexto de descrição é, no âmbito do processo, a decisão. Ou seja, segundo Taruffo, a «determinação do facto situa-se no interior da decisão judicial e a prova está dirigida à determinação do facto»(…). O objecto da prova é o facto que deve ser determinado. Ora a individualização do contexto de decisão como esquema de referência em função do qual se define o facto como objecto de prova, permite determinar duas perspectivas distintas mas convergentes para a individualização do que constitui o objecto de prova.
A primeira perspectiva refere-se directamente ao contexto de decisão, «no sentido de que obtém dele as coordenadas que definem teoricamente o objecto da prova. A segunda perspectiva refere-se às modalidades através das quais o objecto de prova é concretamente individualizado e fixado no processo com referência ao concreto suposto de facto controvertido»(…).
Uma aproximação ao facto, como elemento operativo fundamental no domínio do processo (e do processo penal em particular), leva-nos num terceiro momento à constatação de que o facto objecto do conhecimento processual é «o que se disse acerca do facto». Ou seja, quando se fala de factos trata-se «da enunciação de um facto e não o objecto empírico que é enunciado»(…).
No processo de decisão, segundo Jackson, «quando os juízes e o júri têm que decidir questões de facto estão sujeitos (como notou Jerome Frank) a uma dupla refracção: estão sujeitos à percepção original, pelas testemunhas, dos acontecimentos que relatam; e à percepção, pelo tribunal, do comportamento das testemunhas»(…).
A identificação dos conceitos epistemológicos e empíricos é relevante na medida em que permite a enunciação operativa de tipologias de factos diversificados, nomeadamente a distinção entre factos simples e complexos, individuais e colectivos, positivos ou negativos cuja repercussão, no domínio procedimental, surge como pragmaticamente útil. Sublinhe-se, no entanto, que todas estas distinções referem-se à forma como os factos são definidos e não à sua realidade empírica(…).
O conjunto de dicotomias identificado assume uma especial relevância no próprio modo de produção de prova e naturalmente, no modo como a sua fundamentação pode ou deve ser efectuada na decisão. A prova de factos simples pode ser diversa da prova de factos complexos e consequentemente pode ser diferente a fundamentação exigida relativamente à justificação da prova de factos complexos ou à justificação da prova de factos simples. De igual forma os factos principais e os factos secundários podem ter uma diversa exigência de prova e uma fundamentação também ela diferenciada.
Pode assim concluir-se que «todo o enunciado fáctico é um entre muitos enunciados possíveis acerca do mesmo facto, que é seleccionado e «preferido» em relação aos demais enunciados possíveis em função de elementos do contexto em que é empregue. Isto é, depende do sujeito que realiza a enunciação (definição, hipótese, descrição, etc.), dos critérios que emprega para individualizar o facto (grau de precisão, presença ou ausência de valoração ou de qualificação jurídica) e da linguagem que se usa (comum ou jurídica, vaga ou precisa, etc.)»(…).
Uma outra consequência relevante da constatação da contextualização dos factos entendidos como «enunciados» de facto e não apenas como realidades empíricas, tem a ver com a questão da verdade(…).
Quando se fala de «factos» verdadeiros ou falsos, no âmbito do processo, é aos «enunciados» de factos que se aplicam aquelas qualificações. «Os factos materiais existem ou não existem, mas não tem sentido dizer que são falsos ou verdadeiros; só os enunciados fácticos podem ser verdadeiros, se se referirem a actos materiais que ocorreram, ou falsos, se afirmam factos materiais não ocorridos. Em consequência, a «verdade do facto» é unicamente uma fórmula elíptica para se referir à verdade do enunciado que tem por objecto um facto»(…).
São os factos, no sentido de enunciados fácticos, o objecto principal do processo de decisão, vinculadamente adstritos à hipótese acusatória, sobre os quais irá reconduzir-se o processo probatório. São os factos que constituem a acusação e a defesa que são objecto de prova num procedimento público e contraditório (e que por isso podem vir a ser alterados por virtude da própria hipótese defensiva ou pelo impulso «inquisitório» do juiz na busca da verdade material) que irão constituir a decisão final. …”.
[20] Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, Verbo, 2009, pág. 287.
[21] Nesse sentido é pacífica a jurisprudência do STJ, conforme anotação de Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e comentários”, Coimbra editora, 2008, p. 786.
Dessa jurisprudência citamos o acórdão do STJ de 28/09/1994, relatado por Teixeira do Carmo, in CJSTJ, III, donde citamos: “…Estatui-se no nº 2 do artº 374º citado que "Ao relatório (parte que começa a sentença) segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal". E logo no artº 379º, al. a), também citado, se comina que é nula a sentença "que não contiver as menções referidas no artº 374º, nºs 2 e 3, al. b)...".
Correspondendo aquele artº 374º ao artº 450º do Cód. de Proc. Penal de 1929, temos que neste último se preceituava, além do mais, que a sentença condenatória deveria conter "Os factos que se julgaram provados, distinguindo os que constituem a infracção dos que são circunstâncias agravantes ou atenuantes" (nº 3).
Sendo o Cód. de Proc. Penal - 6ª Edição, de Maia G., a pág. 535, em anotação ao referido artº 450º, aí se refere que a enumeração dos factos feita no nº 3 não está completa, pois que, "Como resulta de outras disposições, nomeadamente dos artºs 446º e 448º, a sentença deve incluir todos os factos relevantes para a decisão de mérito, e não só os aludidos no nº 3". (o sublinhado é nosso).
Entende ou sustenta a Ilustre Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, na sua Resposta, que o preceito do Cód. de Proc. Penal vigente, a que vimos de aludir, tem de ser interpretado como aludindo a "todos os factos relevantes para a decisão de mérito" e só eles. Dos factos provados só se indicarão os que vêm a influir na decisão, sendo que o mesmo entendimento há-de ser observado ou mantido quanto aos factos não provados. E adianta: "Se se pretendesse que fossem indicados "todos" os factos provados e "os factos não provados" a redacção seria diferente" dizendo-se, então, "... consta da enumeração de todos os factos provados e todos os factos não provados".
Concordamos com tal posição. O nº 2 do artº 374º do Cód. Proc. Penal vigente deve, nesta parte, ser entendido ou interpretado por forma a significar que a fundamentação - 2ª parte da sentença - consta da indicação dos factos que influam na proferição da decisão, sejam os provados ou os não provados, e não de todos os factos provados e de todos os não provados. …”.
[22] Nesse sentido, ver os seguintes acórdãos:
- do STJ de 29/06/1995, relatado por Lopes Pinto, in CJSTJ, tomo II, pág. 254 e ss., donde citamos: “… Esses factos (provados e não-provados) hão-de ser os essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias relevantes juridicamente, que influenciam na determinação da medida da pena - os factos inócuos, ainda que incluídos na acusação e/ou contestação não têm de ser enumerados (vd., entre outros, acs. STJ in CJ XVI/2/19 e CJ STJ 11/1/246). …”;
- do STJ de 05/02/1998, relatado por Nunes da Cruz, in CJ, I, pp. 245 e ss., de cujo sumário citamos: “…II - O tribunal não tem que pronunciar-se sobre todos os factos alegados na contestação, mas apenas sobre os que integram matéria essencial à caracterização do crime e das circunstâncias juridicamente relevantes, pois que só esses são relevantes para a decisão.”;
- do STJ de 15/01/1997, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, in CJSTJ, tomo I, pág. 181 e ss., donde citamos: “…Esta exigência visa garantir que o tribunal contemplou todos os factos que foram submetidos à sua apreciação; como se disse no acórdão deste STJ de 26/3/92, BMJ nº 415, pág. 499, "a lei visa assegurar ou garantir o desempenho da exaustiva cognição, abranger a totalidade do "thema probandum"". Porém, esta garantia tem que ser articulada com o fim em vista - a decisão de uma causa-, só tendo sentido enquanto se refere a factos úteis a essa decisão, na aplicação da ideia de que compete ao tribunal proceder a uma condensação que expurgue aquilo que não interessa. Assim, tem igualmente este STJ entendido que a descrição dos factos provados e não provados se refere aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstância juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação - acórdão de 3/4/91, Col. Jur. 1991-II-19-, e não compreende os factos que não influam no proferimento da decisão - acórdão de 28/9/94, Col. Jur. - S.T.J. 1994/III/206, que apreciou um caso em que, como sucedeu nos presentes autos, nada se mencionou quanto aos factos não provados. Isto é igualmente de entender quanto aos factos alegados na contestação, já que as garantias de defesa apenas obrigam a que se considere o que foi alegado utilmente na sua óptica, e não o que é matéria irrelevante e excrescente. …”;
- da RG de 17/05/2010, relatado por Maria Augusta, no processo 248/07.7GAFLG.G1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, “quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.359º, nº2”. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte. …”;
- da RC de 08/02/2012, relatado por Alberto Mira, no processo 38/10.0TAFIG.C1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Contudo, a razão de ser do art. 374.º, n.º 2, na vertente que ora importa ter em conta, tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela da norma enquanto estiverem em causa, como se disse, factos relevantes para a decisão de mérito[…].
Como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena[…], sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal.
Só pode por isso decidir-se no sentido dessa inocuidade ou irrelevância no caso de a sua verificação resultar suficientemente segura à luz destas considerações, essenciais à prossecução cuidada da justiça penal concreta. …”;
- da RC de 19/03/2014, relatado por Belmiro Andrade, no processo 811/12.4JACBR.C1, do qual citamos: “…comando legal do art. 374º, n.º2 do CPP, obrigando à enumeração dos factos provados e não provados, refere logo a seguir, quanto aos fundamentos, que a exposição deve ser “tanto quanto possível completa, ainda que concisa”.
E, como tem decidido o STJ – v. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229 - a elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação.
Daí que, como expressivamente, refere o Ac. STJ de 12.03.1998, BMJ 475º, p. 233, “o art. 374º, n.º2 do CPP não exige, relativamente aos factos não provados a mesma minúcia que preside à indicação dos factos provados, tendo o tribunal que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, maxime na contestação com interesse para a decisão”.
O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra relevantes para a decisão a proferir. Ou ainda que sejam a afirmação e a negação do mesmo “recorte de vida”, enquadrar a perspectiva da defesa, por referência à acusação que contesta, dentro do escopo do processo, o apuramento ou descaracterização dos pressupostos do crime imputado ao arguido. …”.
[23] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[24] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[25] Cf. Ac. do STJ de 20/10/1999, tirado no Proc. n.º 1452/98-3ª Secção, que traduz jurisprudência pacífica.
[26] Cf. Ac. do STJ de 25/03/1998, in BMJ 475/502, com anotação de que se trata de jurisprudência abundante e pacífica.
[27] Importante resenha doutrinal e jurisprudencial sobre o que constitui este vício consta do acórdão da RP de 06/10/2004, relatado por Torres Vouga, in www.gde.mj.pt, processo 0441909, do qual citamos: “… «Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 339 in fine], [«Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição» (Ac. do STJ de 6/4/2000, publicado in BMJ nº 496, pp. 169-180)]. «Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido» [Ac. da Rel. de Lisboa de 19/7/2002, proferido no Proc. nº 128169 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo ficado apenas provado que o arguido tinha em casa uma navalha de ponta e mola, sem se terem indicado as respectivas características, não se pode inferir que a mesma tivesse as que são próprias das armas proibidas, pelo que a decisão impugnada baseou-se em matéria de facto que é insuficiente para o enquadramento da conduta do arguido na comissão do crime do artigo 260º do Código Penal», o Ac. do STJ de 2/12/1992 (in BMJ nº 422, p. 215)], [Cfr., no sentido de que, «não se dando como provados nem como não provados na decisão factos alegados na contestação, virtualmente integradores da figura jurídica da legítima defesa, importa concluir que o tribunal os omitiu e sobre eles não fez as necessárias diligências tendentes à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que grandemente pode prejudicar os direitos de defesa dos arguidos», sendo que «dessa anomalia decorre uma insuficiência da matéria de facto, consignada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando não uma nulidade da decisão, estatuída nas disposições combinadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), a colmatar através das disposições dos artigos 426º e 436º, todos do mesmo diploma», o Ac. do STJ de 7/12/1993 (in BMJ nº 432, p. 262)], [Cfr., no sentido de que «padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a sentença que, relativamente a um crime de ofensas corporais por negligência, não menciona o tempo de doença e/ou de incapacidade para o trabalho eventualmente resultante das lesões sofridas pela vítima», o Ac. da Rel. de Lisboa de 30/6/1998, proferido no Proc. 0010015 e relatado pelo desembargador SIMÕES RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «o requisito subjectivo da reincidência é ao nível da matéria de facto que deve, em concreto, ser apurado, com respeito pelo princípio do contraditório e a partir da indagação sobre o modo de ser do arguido, a sua personalidade e o seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos», «não tendo o Tribunal Colectivo apurado factualmente esse elemento, enferma o respectivo acórdão do vício previsto no art. 410º, nº 2, alínea a) do C.P.Penal que, impossibilitando a Relação de decidir a causa, impõe, nos termos do artº 426º, nº1, o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a esta questão», o Ac. da Rel. de Lisboa de 25/1/2001, proferido no Proc. 76299 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que, «não actuando a reincidência de forma automática e constando da acusação, como se impõe, os respectivos pressupostos, está o tribunal vinculado a indagar, com respeito pelo princípio do contraditório, os respectivos factos fazendo-os constar da matéria de facto provada ou não provada», pelo que, «não constando de tal matéria designadamente que a condenação anterior não constituiu suficiente advertência para o arguido não voltar a delinquir, há insuficiência da matéria de facto que implica a anulação parcial do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento nesta parte», o Ac. da Rel. do Porto de 19/9/2001, proferido no Proc. nº 0110239 e relatado pelo Desembargador ESTEVES MARQUES (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como, «no crime de difamação basta o dolo genérico, em qualquer das suas formas, directo, necessário ou eventual, não sendo exigido qualquer dolo específico, integrado pelo fim de difamar ou "animus diffamandi "», «se na sentença apenas se atendeu a esta última modalidade, dada como não provada, omitindo-se qualquer referência às outras formas que o dolo pode revestir, ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a consequenciar o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 5/7/1995, proferido no Proc. nº 9540397 e relatado pelo Desembargador FONSECA GUIMARÃES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «sendo o dolo requisito essencial para a verificação do crime de desobediência e mostrando-se a sentença completamente omissa quanto aos factos que integram esse elemento subjectivo (se o arguido agiu voluntária e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e proibido por lei), há que concluir pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que implica o reenvio do processo para novo julgamento destinado à averiguação daquela questão», o Ac. da Rel. do Porto de 3/4/2002, proferido no Proc. nº 111347 e relatado pelo Desembargador HEITOR GONÇALVES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo-se dado como não provado o dolo directo, há insuficiência da matéria de facto se esta for omissa acerca do dolo eventual», o Ac. da Rel. do Porto de 10/12/2003, proferido no Proc. nº 0315176 e relatado pelo desembargador FERNANDO MONTERROSO], [Cfr., no sentido de que, «não tendo o tribunal colectivo apreciado, considerado e investigado os factos constantes da contestação relevantes para a decisão da causa, por serem susceptíveis de integrar uma situação de reintegração social do arguido, de influir na graduação da pena e de fundamentar um juízo de prognose social favorável, tal omissão configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que constitui o vício da alínea a) do n.2 do artigo 410 do Código de Processo Penal que implica o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 21/6/2000, proferido no Proc. nº 0040212 e relatado pelo Desembargador VEIGA REIS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «a indagação das condições pessoais do arguido, mormente em caso de condenação, é um elemento inseparável do thema probandum delineado pelo objecto do processo, que o tribunal tem o dever de esgotar convenientemente», «a matéria de facto recolhida pelo tribunal recorrido enferma do vício de insuficiência sempre que dela conste não serem conhecidas as condições pessoais do arguido e se comprove que aquele tribunal nada fez para o conseguir», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2003, proferido no Proc. nº 03P3370 e relatado pelo Conselheiro PEREIRA MADEIRA (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
Essa insuficiência tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. Na verdade, «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada tem de resultar do texto da decisão recorrida e só existe quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada» [Ac. do STJ de 1/4/1993 (in BMJ nº 426, p. 132). No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. do STJ de 24/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 413), de 4/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 376) e de 30/11/1993 (in BMJ nº 431, p. 404)], [Cfr., no sentido de que «a insuficiência da matéria de facto é vício da sentença que se não confunde com a omissão, a montante, de diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade ou com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida», o Ac. da Rel. de Lisboa de 5/7/2000 proferido no Proc. nº 0042415 e relatado pelo Desembargador PULIDO GARCIA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., também no sentido de que «a falta de inquirição de uma testemunha em julgamento nada tem a ver com o vício previsto na alínea a) do nº. 2 do artigo 410º do CPP (insuficiência da matéria de facto provada), configurando antes uma omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, nos termos da alínea d) do nº. 2 do artigo 120º do mesmo código, entretanto sanada, se o vício não for invocado antes de finda a audiência (nº. 3, alínea a) do mesmo artigo 120º)», o Ac. da Rel. de Lisboa de 26/9/1995, proferido no Proc. nº 0003665 e relatado pelo Desembargador ARAGÃO BARROS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que «a eventual omissão de diligência probatória - inquirição em julgamento de perito do Instituto de Medicina Legal - não constitui " insuficiência da matéria de facto para a decisão ", mas antes nulidade processual sujeita ao regime do artigo 120º, ns. 2 - alínea d) e 3 - alínea a) do Código de Processo Penal», o Ac. da Rel. do Porto de 27/9/1995, proferido no Proc. nº 9540284 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
«O vício da insuficiência, tributário do princípio acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo [Cfr., no sentido de que «o vício da insuficiência da matéria de facto contemplado no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal só pode ocorrer em correlação com o legítimo objecto do processo», pelo que ele «não se verifica se os factos que o recorrente pretende ver investigados não foram objecto da acusação», o Ac. da Rel. do Porto de 26/5/1993, proferido no Proc. nº 9350062 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício» [Ac. da Rel. do Porto de 20/3/96 proferido no Proc. nº 9640041 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA]. «Na pesquisa do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410º nº.2 alínea a) do Código de Processo Penal, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais, concluindo-se pela verificação de tal vício - insuficiência - quando houver factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objecto do processo (mas não necessariamente enunciados em pormenor na peça acusatória) e que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal criminal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver» [Ac. da Rel. do Porto de 6/11/1996, proferido no Proc. nº 9640709 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De notar que «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» [GERMANO MARQUES DA SILVA ibidem], [Cfr., no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 13/2/1991 (sumariado in Actualidade Jurídica, nºs 15/16, p. 7) e o Ac. do STJ de 3/11/1999 (in BMJ nº 491, p. 173)]. Na verdade, «a insuficiência a que se refere a alínea a), do artigo 410º, nº. 2, alínea a), do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre facto(s) alegado(s) ou resultante(s) da discussão da causa que sejam relevante(s) para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão» [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/1999, proferido no Proc. nº 99P348 e relatado pelo Conselheiro LEONARDO DIAS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. «Logo, o vício em apreço não tem nada a ver nem com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova …), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão proferida (em que, também, há erro, já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta)» [Ibidem].
Por isso, também «não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer dos outros previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender “contrapor às conclusões fácticas do Tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi”» [Ac. do STJ de 25/5/1994 (in BMJ nº 437, p. 228)], [Cfr., também no sentido de que «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto apurada não é bastante para suportar uma decisão de direito, quando há lacunas na investigação, omitindo factos ou circunstâncias relevantes para essa decisão e sem os quais não seja possível proferir decisão, factos que, por isso, é necessário investigar, o que é diferente da discordância do recorrente quanto à matéria de facto que o julgador, apreciando a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, entendeu considerar provada», o Ac. da Rel. do Porto de 11/2/98 proferido no Proc. nº 9610991 e relatado pelo Desembargador MARQUES SALGUEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De igual modo, «não se confunde a insuficiência de fundamentação a que se refere o artigo 374º, nº 2, para que remete o artigo 379º, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mencionada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código» [Ac. do STJ de 8/6/1994 (in BMJ nº 438, p. 184)], [Cfr., no sentido de que, «se a sentença não se pronunciar sobre factos essenciais descritos na acusação, tal omissão de pronúncia envolve nulidade de sentença (artigos 374º numero 2 e 379º alínea a) do Código de Processo Penal), mais do que o vício da alínea a) do numero 2 do artigo 410º do mesmo diploma: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», sendo que «o conhecimento das causas da nulidade da sentença precede a averiguação da existência dos vícios indicados no número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois, considerada nula a sentença, perderá interesse apurar a suposta existência desses vícios», o Ac. da Rel. do Porto de 22/1/1992, proferido no Proc. nº 9150789 e relatado pelo então Desembargador CASTRO RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. …”.
[28] Nesse sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 21/06/2007, relatado por Simas Santos, no proc. 07P2268, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…A insuficiência a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP decorre, pois, da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa. E dispõe o art. 339.º, n.º 4 do CPP, a propósito: (…) «a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia(…)». …”, e de 29/03/2007, do mesmo relator, no proc. 07P339, in www,dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “…4 – A insuficiência da matéria de facto a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP é um vício da matéria de facto e não da matéria de direito. Se se entende que a matéria de facto assente é insuficiente para afirmar a verificação de um determinado tipo de crime, então o que se pretende é afirmar a existência de um erro típico de direito: o erro e subsunção dos factos ao direito. …”.
[29] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, p. 75.
[30] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, p. 77.
[31] Constituição da República Portuguesa.
[32] Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[33] Ver Mário M. Serrano, in “Extradição – Regime e Praxis”, inserido no Volume I de “Cooperação Internacional Penal – Extradição – Transferência de Pessoas Condenadas”, Centro de Estudos Judiciários, 2000, págs. 27 a 29; Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2005, págs. 91 a 96; Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2005, págs. 31 e 32; Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, págs. 103 a 109, nestes dois últimos casos especificamente para a CEDH.
[34] Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
[35] Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, pág. 80.
[36] Relatado por Mário Belo Morgado, in JusNet 3075/2006.
[37] Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, p. 607.
[38] Beleza dos Santos, "Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação e de Injúria", RLJ, Ano 92/165 e 166.
[39] Oliveira Mendes, O Direito à honra e a sua tutela penal, 37.
[40] Figueiredo Dias, RLJ 115º/136.
[41] Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - Uma perspectiva jurídico-criminal, p. 293.
[42] Cfr., por todos, Oliveira Mendes, ob. cit., 43 e seguintes.
[43] Ibidem., 59.
[44] Faria Costa, ibidem, 604.
[45] Faria e Costa, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo I, p. 630.
[46] Para uma exposição sistematizada e sucinta desta matéria, cf. Figueiredo Dias, in “Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ, p. 59 a 63 e 75 e ss..
[47] No sentido de que, na prática, essa delimitação não vem sendo feita com clareza, cf. Taipa de Carvalho, in “A Legítima Defesa”, Coimbra Editora, 1995, p. 192: “...Estas esporádicas e erróneas teses resultam, como já referimos, ou da indevida redução dos direitos de autodefesa apenas à legítima defesa, ou de um desvirtuado conceito objectivista da ilicitude da agressão.”.
[48] Nesse sentido se pronunciaram Figueiredo Dias – na sua obra supra citada, onde, a p. 59,  escreve: ”Começarei por acentuar que, em matéria de legítima defesa – regulada no art.º 32º - nenhuma novidade parece haver relativamente ao direito até aqui vigente, tal como era interpretado e aplicado pela doutrina e pela jurisprudência dominantes.” - e Taipa de Carvalho, na obra citada, a fls. 16, onde, sufragando a sua posição, cita também Figueiredo Dias. Também neste sentido vai a maioria da jurisprudência. Quanto a isso cf., por todos, o Ac. do STJ de 13/02/1986, in BMJ 354/295 (curiosamente tirado sobre uma decisão do tribunal desta Comarca), e o Ac. do STJ de 10/02/1994, in BMJ 434/286.
[49] Nesse sentido, cf. Taipa de Carvalho, obra citada, p. 186 a 190 e 293 a 300. Sobre o estado de necessidade só encontrámos os seguintes acórdãos: o Ac. do STJ de 10/02/1994, in BMJ 434/286 (que faz uma interessante ligação entre a legítima defesa putativa, o excesso de legítima defesa e o estado de necessidade desculpante), Ac. do STJ de 29/09/1994, in BMJ 439/319 (que, quanto aos requisitos, remete para o estudo de Fernanda Palma, in BFDC, “Est. em Hom. ao Prof. Eduardo Correia”, vol. III, p. 173 e ss.) e o Ac. do STJ de 10/10/1996, in BMJ 460/359, (que faz uma exposição sobre os campos de aplicação da legítima defesa, do excesso de legítima defesa, do direito de necessidade e do estado de necessidade desculpante, para o qual remetemos).
[50] Nesse sentido, cf. Taipa de Carvalho, in “Direito Penal – Parte Geral”, vol. II, Publicações Universidade Católica, 2004, págs. 360 e ss..
[51] Maia Gonçalves, in “CP Anot.”, ed. Almedina, 11ª Ed., 1997, a p. 243, afirma mesmo “… que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias se não mostrem adequadas as sanções não detentivas …”.
[52] Como afirma Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral – II - As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, a p. 127: “ § 145 Quanto ao reenvio para os critérios gerais de determinação (medida) da pena nesta operação, significa ele que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art. 72.°-1, concretizados pelo n.° 2 do mesmo preceito (infra 8.° Cap.). Assim, todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção, geral e especial, devem exercer unicamente influência nesta fase de determinação da pena e, portanto, sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico--financeira do condenado qua tale deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa salvo quando tal se mostrar de imediata relevância para determinação da medida da culpa (infra § 159).”.
[53] A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Ac. do STJ de 09/12/1998, relatado por Leonardo Dias, in BMJ 482/77: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.
Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias – que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, a própria Lei Fundamental – propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pág. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.]
Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura geral – a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.”.
Quanto à determinação da medida da pena, cf. também o Ac. do STJ de 09/03/2006, relatado por Arménio Sottomayor, in CJSTJ, tomo I, pp. 212 e ss..
Ver ainda o Ac. do STJ de 29/05/2008, processo 08P1145, in www.dgsi.pt, relatado por Souto de Moura, do qual citamos: “ … É hoje entendimento uniforme deste S.T.J., bem como da doutrina, que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites. Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais” (…) “E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197). Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta. Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art.º 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. Quando pois o art.º 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art.º 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229). Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. O nº 2 do art.º 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. …”.
[54] A este propósito escreve Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292: “…§ 420 Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.°-1, um critério especial: «na determinação concreta da pena [do concurso] serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 78.°-1, 2.a parte).
A existência deste critério especial obriga logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indis­pensável conexão entre o disposto nos arts. 78.°-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo — da «arte» do juiz uma vez mais — ou puramente mecânico e portanto arbitrário. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72.° (tanto mais quanto os factores por este enumerados podem servir de «guia» para a medida da pena do concurso, sem violação da proibição de dupla valoração: cf. infra § 422), nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável.
§ 421 Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade — unitária — do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (…).

§ 422 A doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta (…).Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração (…). …”.
[55] E, como se disse no sumário do acórdão do STJ de 27/02/2013, relatado por Henriques Gaspar, no proc. 455/08.5GDPTM, in www.gde.mj.pt,: “…I - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
II - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
III -A aplicação e a interacção das regras do art. 77.º, n.º 1, do CP (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade), convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, por vezes de grande amplitude; proporcionalidade e proibição de excesso em relação aos fins na equação entre a gravidade do ilícito global e a amplitude dos limites da moldura da pena conjunta.
IV -Concretizando estes critérios, a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património praticados pelo arguido, e a menor ressonância externa e comunitária da prevenção geral no que respeita à indocumentação na condução automóvel, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela reiteração, aconselharia na perspectiva das exigências de prevenção geral a fixação de uma pena no limite próximo da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo.
V - Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto frequente com o sistema penal e sem aproveitamento do juízo de prognose favorável de que beneficiou, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam os factos provados, as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas em função de juízos favoráveis sobre o comportamento futuro do recorrente, não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores. As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.
VI - Há, pois, que fixar a pena respeitando a proporcionalidade entre os crimes e a reacção penal. Nestes termos, dentro da moldura do cúmulo, que vai de 4 anos e 8 meses de prisão até 20 anos e 4 meses de prisão, mostra-se adequada a pena única de 12 anos de prisão [em substituição da pena única de 18 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido]. …”.
[56] Nomeadamente, como se afirma no acórdão da RC de 05/04/2000, in Colectânea de Jurisprudência, Ano 2000, Tomo II, p. 60 e ss., “Tudo porque é indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o “Ersatz” de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”.
Ou no acórdão do STJ de 02/10/1997, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano 1997, Tomo III, p. 183 e ss., “A amplitude estabelecida neste preceito (art.º 47º/2 do CP) quanto ao quantitativo diário da multa visa «eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver», como diz Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., 226.
De todo o modo, como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, «sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade», como se afirma no Ac. Da RC de 13.7.956, in CJ, XX, 4, 48.
Porém, por outro lado, na fixação da pena de multa, o tribunal não deverá deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.”.
Ou no acórdão da RC de 05/11/2008, relatado por Fernando Ventura, in www.gde.mj.pt, processo n.º 329/06.4TAMLD.C1, de cujo sumário citamos: “I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.”.
[57] Entendemos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência exposta, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª … .”.
No mesmo sentido se pronunciou, antes, o acórdão do STJ de 29/01/2004, relatado por Pereira Madeira, no processo 03P1874, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Estas considerações levam a que o Supremo Tribunal entenda não interferir na medida concreta encontrada, justamente porque não encontra qualquer assomo de ilegalidade no procedimento seguido para apuramento das penas concretas aplicadas - parcelares e única - sendo certo que, como se sabe, os recursos são meio de corrigir ilegalidades mas não de refinar decisões judiciais.
Neste sentido se vem aqui reiteradamente entendendo (Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram) que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada" (Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).
Ou, dizendo por outras palavras, "como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.) …”.
No mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”.
[58] Neste sentido, ver ainda o acórdão de RP de 02/10/2013, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 180/11.0GAVLP.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”.
[59] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[60] Na fundamentação que se segue, quanto à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, seguimos de muito perto a fundamentação do Ac. da RL tirado na Apelação 4264/00, não publicado.
[61] Como refere Galvão Teles in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 570, “O prejuízo ou dano consiste em se sofrer um sacrifício tenha ou não um conteúdo económico.... A pessoa é afectada num bem, que deixa de poder gozar de todo ou de que passa a ter um gozo mais reduzido ou precário.”.
Ou, como se diz no Ac. da RP de 07/04/1997, in CJ, II, pág. 206. “Esse prejuízo é o prejuízo concreto, ou seja, o dano real, o dano como se apresenta in natura, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens, materiais ou espirituais.
Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária.
Os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Os danos não patrimoniais são prejuízos «(como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Antunes Varela, ‘Das Obrigações “, 5ª ed., Vol. I, pág. 561).
Por sua vez, observa Almeida Costa (‘Direito das Obrigações “, 5ª ed., pág. 478, nota 1) que, no direito inglês, se faz a seguinte especificação, dentro do âmbito da matéria dos danos não patrimoniais resultantes de invalidade ou incapacidade:
a) dores físicas e sofrimentos psíquicos, ou seja, o pretium doloris:
b) perda de capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida;
c) afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética;
d) perda de expectativas de duração da vida.
Mas o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies: patrimoniais e não patrimoniais.
Na personalidade humana há uma organização somático - psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de «personalidade física» do art.° 70º do C. Civil, «organização essa que é composta não só por elementos constitutivos (v. g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v. g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex. a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.), como escreve Rabindranath Capelo de Sousa (“O Direito Geral de Personalidade “, pág. 200).
A personalidade humana, geralmente protegida no referido art.° 70º, constitui um objecto jurídico autónomo e directamente tutelado.
E acrescenta o mesmo autor (obra citada, pág. 458):
«Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente».”.
[62] Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, 4ª ed., Almedina, 1982, pág. 534.
[63] Código Civil.
[64] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[65] Neste sentido, veja-se a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do STJ de 09/06/2010, relatado por Fernando Frois no proc. 562/08.4GBMTS.P1.S1, do qual citamos: “…Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2000, processo n.º 2747/00-5ª; de 29-11-2001, processo n.º 3434/01-5ª; de 16-05-2002, processo n.º 585/02-5ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 08-05-2003, processo n.º 4520/02-5ª; de 17-06-2004, processo n.º 2364/04-5ª; de 09-12-2004, processo n.º 4118/04-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 13-07-2006, processo n.º 2172/06-5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06-5ª; de 27-11-2007, processo n.º 3310/07 -5ª; de 06-12-2007, processo n.º 3160/07-5ª; de13-12-2007, processo n.º 2307/07-5ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08-5ª; de 11-09-2008, processo n.º 587/08-5ª; de 11-02-2009, processo n.º 313/09-3ª; de 25-02-2009, processo n.º 390/09-3ª; de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª.
No acórdão de 11-07-2006, revista n.º 1749/06-6ª, consignou-se que salvo caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização, o STJ não pode sobrepor-se ao Tribunal da Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.
O juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios. …”;
- Acórdão do STJ de 28/10/2010, relatado por Lopes do Rego no proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, do qual citamos: “…Temos entendido que – quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, - ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub juditio».
Como se afirma, por ex., no ac. de 5/11/09, proferido no p. 381-2002.S1:
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá , em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade. …”;
- Acórdão do STJ de 07/12/2011, relatado por Santos Carvalho no proc. 461/06.4GBVLG.P1.S1, do qual citamos: “…Além de que não só «escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal”» como, em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses [que não é a dos autos] em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» (STJ 16-10-2000, recurso n.º 2747/00-5, 17-06-2004, recurso n.º 2364/04-5 e STJ 27-11-2007, recurso n.º 3310/07-5). …”;
- Acórdão da RC de 01/02/2012, relatado por Maria Pilar de Oliveira, no proc. 6/06.6PTLRA.C1, do qual citamos: “…Como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro em substituição pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta.
E nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida (cfr. entre outros o Acórdão de 7.12.2011 proferido no processo 461/06.4GBVLG.P1.S1 publicado em www.dgsi.pt), como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 526/08.4TMS.P1.S1 de 8.6.2010). …”.