Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9962/2005-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: INDEFERIDO
Sumário: A decisão judicial transitada em julgado pode ser objecto de revisão, nos termos do art. 771º al. c) do CPC, se for apresentado documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que esse documento, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Superveniente tanto pode ser o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida, sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Fundamentos do recurso

(A), casada, residente na Rua ..., veio, ao abrigo do disposto na alínea c) do art. 771º do CPC, interpor recurso de revisão do acórdão proferido a fls. 174 a 186 que absolveu a Agência Automobilística Torreense, Lda, do pedido de pagamento das diferenças salariais entre as remunerações que a A. auferiu e as remunerações previstas na PRT aplicável aos trabalhadores administrativos, no qual formulou as seguintes conclusões:
a) - O acórdão de que se recorre fundou-se na ausência de prova de determinado facto, prova essa agora possível devido a obtenção pela recorrente de documento que ora se apresenta;
b) - No processo vertente veio a recorrente pedir entre outros o reconhecimento de créditos laborais decorrentes de diferenças entre as retribuições por ela auferidas e as previstas na Regulamentação Colectiva de Trabalho – CTT para as Empresas de Contabilidade e Administração, publicado no BTE n.º 5, de 8/2/1992;
c) - O Tribunal de 1ª instância entendeu que a recorrida tinha direito às diferenças salariais entre as retribuições por si auferidas e as previstas na Portaria de Regulamentação do Trabalho aplicável aos trabalhadores administrativas, publicada no BTE n.º 9, de 8/11/1996;
d) - Na sequência de recurso de apelação interposto pela ora recorrida, entendeu a Relação que a PRT para Trabalhadores Administrativos seria aplicável mas que a A. não fez prova dos seus requisitos de aplicação, ou seja dos requisitos previstos no n.º 4 e na alínea b), do n.º 3, do art. 1º da PRT;
e) - Contudo a entidade patronal pela actividade económica exercida, prestação de serviços n área de informação automobilística, poder--se-ia filiar em associação patronal legalmente constituída, pois conforme descrito no doc. n.º 1, junto, “Existe uma Associação Nacional de Agências de Informação Automobilística, cujos estatutos estão registados nos Serviços e publicados no BTE, 3ª Série, n.º 9/85, de 15/5”;
f) - Acresce que “(...) encontram-se publicados os corpos gerentes eleitos em 1985, para um mandato de dois anos, desconhecendo-se se posteriormente se realizaram quaisquer eleições”;
g) - Nos termos do art. 12º, n.º 1 do DL 215-C/75, a identificação dos membros dos corpos gerentes deve ser enviada ao Ministério do Trabalho nos cinco dias posteriores à eleição dos mesmos e este Ministério não recebeu qualquer comunicação, posterior a 1985, conforme atesta o doc. 1;
h) - Facto este de que a recorrente agora teve conhecimento através do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social datada de 16 de Maio de 2005 e recebida pela recorrente em 17 do mesmo mês (doc. n.º 1);
i) - O documento ora apresentado preenche os requisitos da alínea c) do art. 771º do CPC, a recorrente apenas teve conhecimento do mesmo em 17 de Maio de 2005 e pela simples análise do mesmo é possível concluir pela aplicabilidade da PRT supra referida à relação laboral que existiu entre recorrente e recorrida, e assim decidir em sentido favorável à parte vencida, a recorrente, no que ao direito a diferenças salariais respeita;
j) - Nos termos e para os efeitos dos arts. 296º e 297º do Cód. Civil, se o prazo de caducidade de 60 dias a contar da obtenção de documento para interpor o presente recurso, determinado na alínea b) do n.º 2, do art. 772º do CPC terminar na alínea b) do n.º 2, do art. 772º do CPC terminar durante férias judiciais, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil após férias judiciais (Neste sentido vide Ac. RP de 10/12/2001, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/.);
k) - Assim, terminando o prazo para interposição do presente recurso no dia 16 de Junho, primeiro dia de férias judiciais, foi o seu termo transferido para o dia 15 de Setembro;
l) - Razão pela qual e conforme decorre da alínea b) do n.º 2, art. 772º do CPC o presente recurso de revisão está em tempo.
Terminou pedindo a revogação do acórdão e a sua substituição por outro que condene a recorrida a pagar à recorrente as diferenças entre os salários que auferia e os previstos na referida PRT que deveria ter recebido.

2. Apreciação liminar do fundamento invocado
O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente enunciadas nas alíneas a), b), c) e d) do art. 771º do CPC.
Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma decisão desfavorável transitada em julgado.
Será, enfim, o último remédio contra erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos ordinários.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez desse princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo clamorosos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Os fundamentos de revisão estão taxativamente enunciados no art. 771º do CPC e, entre esses fundamentos, constam os que se reportam à formação do material instrutório que englobam os fundamentos da alínea b) e os da alínea c) desse preceito.
Foi com base no fundamento previsto na alínea c) do art. 771º do CPC (apresentação de documento superveniente) que a recorrente veio pedir a revisão do acórdão exarado a fls. 174 a 186 dos autos.
Com base neste fundamento, a decisão judicial transitada em julgado pode ser objecto de revisão se for apresentado documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que esse documento, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Superveniente tanto pode ser o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida, sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.
Tem que tratar-se de um documento de que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior. Quer dizer, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu. Se a parte tinha conhecimento da existência do documento ou onde podia obtê-lo e se podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se o não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência.
Se os elementos de facto que constam no documento já existiam, mas a parte não sabia onde podia obter o documento com esses elementos de facto, em princípio há fundamento para a revisão. Dizemos em princípio, porque se a parte não tinha conhecimento do documento e dos elementos que nele constam por incúria sua, ou porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento, esse direito não existe. Nesse caso, a parte não teve conhecimento do documento e dos seus elementos porque não quis tê-lo, ou porque, por negligência sua, não fez as diligências necessárias para obter esse conhecimento. O mesmo sucede se o documento já existia e a parte sabia da sua existência, mas não empregou todos os esforços que estavam ao seu alcance para o obter. Mas se, pelo contrário, empregou todos os meios que estavam ao seu alcance para obter o documento e não logrou obtê-lo durante o tempo em que esteve em curso o processo anterior, pode quando o obtiver socorrer-se do recurso de revisão.
O que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior e que esse documento, por si só, tenha força suficiente para impor um estado de facto diverso daquele em que a decisão transitada assentou.
No caso em apreço, a Divisão de Regulamentação Colectiva e Organizações do Trabalho do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, na sequência do pedido que lhe foi formulado por carta, de 6/05/2005, comunicou à recorrente, através do ofício de fls. 217, que existe uma Associação Nacional de Agências de Informação Automobilística que engloba todas as pessoas jurídicas singulares ou colectivas que nela se inscrevam e que em território nacional exerçam a actividade privada de legalização de documentos de veículos automóveis, seus condutores ou quaisquer outras de âmbito rodoviário, cujos estatutos estão registados naqueles Serviços e publicados no BTE, 3ª Série, n.º 9/85, de 15/5”. Mais lhe comunicou, nesse ofício, que no BTE, 3ª Série, n.º 11/86, de 16/6, foram publicados os corpos gerentes eleitos em 1985, para um mandato de dois anos, desconhecendo-se se posteriormente se realizaram quaisquer eleições”.
É este ofício que a recorrente oferece como documento superveniente que, em sua opinião, é suficiente, por si só, para impor um estado de facto diverso daquele em que assentou a decisão transitada.
Mesmo que se entendesse que as informações ou os elementos de facto contidos neste ofício (documento) eram suficientes para, por si sós, impor um estado de facto diverso daquele em que assentou a decisão transitada e modificar a decisão em sentido mais favorável à recorrente, neste caso, teríamos sempre de concluir que esse documento e os elementos de facto que nele constam só não foram conhecidos no decurso do processo anterior por incúria da ora recorrente.
Todos aqueles elementos já existiam à data da propositura da acção anterior. E a recorrente, a quem cabia alegá-los, só não teve conhecimento dos mesmos e não os carreou para o processo porque não quis, ou porque não foi minimamente diligente. Se antes de propor a 1ª acção ou no decurso do 1º processo tivesse solicitado ao Ministério do Trabalho tais informações, a recorrente teria obtido, nessa altura, todos os elementos que obteve em Maio de 2005, através do ofício que agora apresentou. Esses elementos só não surgiram no primeiro processo porque a recorrente, por negligência sua, se esqueceu de os solicitar e até de os alegar nesse processo.
Mas não foram apenas esses elementos de facto que a recorrente se esqueceu de alegar e demonstrar no primeiro processo. Foi muito mais que isso. A recorrente, nesse processo, não invocou a aplicação da referida PRT, não alegou nem provou os elementos de facto necessários à sua aplicação, nem sequer reclamou as diferenças entre as remunerações que auferiu e as remunerações previstas na referida PRT para a sua categoria. E o recurso de revisão não pode ser utilizado para suprir as omissões que se verificaram no 1º processo, que só ocorreram, por incúria, negligência ou esquecimento da própria recorrente.
É, pois, manifesto, que o fundamento invocado para o recurso de revisão não se verifica.
Assim, nos termos do art. 774º, n.º 2 do CPC, o recurso de revisão interposto pela recorrente deve ser liminarmente indeferido.

3. Decisão
Pelo exposto, acordam os juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em indeferir liminarmente o recurso de revisão interposto pela recorrente.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 9 de Novembro de 2005

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes