Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3011/19.9YLPRT.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
LEIS COVID 19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Num PED intentado em dezembro de 2019, na sequência de oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento habitacional pelo senhorio, e não entrega do locado pelo arrendatário no termo do prazo, não tem aplicação o art. 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03.
2. O PED só fica suspenso no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório instituído pela Lei 1-A/2020 de 19.3 (quer na sua versão inicial, quer nas decorrentes das alterações introduzidas pelas Leis nºs 4-A/2020 de 6.4 e 16/2020 de 29.5), quando, por força da decisão final a proferir no referido procedimento, o arrendatário possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, situação que tem de ser alegada e provada pelo arrendatário, e apreciada pelo tribunal, por forma a fundamentar a mencionada suspensão, não operando a suspensão em causa ope legis, automaticamente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 18.12.2019, A e B intentaram o presente procedimento especial de despejo, contra C e D, com vista ao despejo da fração correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio sito na Rua … nº 32, freguesia de Arroios, Lisboa, destinado a habitação.
Fundamentaram a sua pretensão na cessação do contrato de arrendamento, a partir de 31.10.2019, por oposição à renovação pelo senhorio, e não entrega do locado.
Notificadas do requerimento de despejo, D deduziu oposição, invocando, em síntese, que vêm pagando pontualmente a renda, a desocupação do locado colocaria em risco a saúde dos inquilinos que lá vivem, não dispõem, nem conseguem imediatamente dispor de imóvel onde possam residir, e termina requerendo o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação, caso seja considerada improcedente a oposição.
No dia 25.3.2020 foi proferido o seguinte despacho: “Tenha-se em consideração que, nos termos do disposto no artigo 7º, n.º 10º da Lei 1-A/2020, de 19.03, que produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março (que adotou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19), as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada se mostram suspensas. …”.
Na sequência de requerimento apresentado pela filha dos AA., e esclarecimentos da mandatária que juntou, então, procuração, foi proferido o seguinte despacho: “I - Requerimento de fls. 93 e respetiva procuração:  Tomei conhecimento. *  II – Correspondência eletrónica de fls. 90:  Considerando o adiantado no requerimento de fls. 93, à requerente da correspondência eletrónica de fls. 90 não assiste legitimidade para suscitar questões no âmbito do presente procedimento especial de despejo (de constituição obrigatória de Advogado).  Sem prejuízo, consigna-se que nos termos do artigo 8º da Lei nº 1A/2020, de 19 de Março (sucessivamente atualizada, sendo por último nos termos da Lei nº 58-A/2020, de 30/09): 1 - Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020: a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação; c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; d) O prazo indicado no artigo 1053º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas; e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado. 2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8º da Lei nº 4-C/2020, de 6 de abril. 3 - O disposto no nº 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020».   Nestas condições, os autos mantêm-se suspensos até 31 de dezembro de 2020. * Notifique.”.
Inconformados com a decisão, dela apelaram os AA., formulado, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) A produção dos efeitos da oposição à renovação deduzida pelos ora Apelantes ocorreu em 31 de outubro de 2019, isto é, muito antes da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março de 2020, ter sido publicada e entrado em vigor, por isso o artigo 8º, alínea c) não é aplicável;
b) Ao procedimento especial de despejo que está em causa nos autos apenas poderia ser aplicável o disposto no artigo 6º-A, nº 6, alínea c) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei nº 16/2020, de 29 de maio;
c) Não estão reunidos os pressupostos para que o artigo 6º-A, nº 6, alínea c) seja aplicável;
d) «Artigo 6º-A Regime processual transitório e excecional 6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório: c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa» (negrito e sublinhado nosso);
e) O artigo 6º-A, nº 6, alínea c) é claro quando refere como requisito a existência de “decisão judicial a proferir”;
f) Ainda não diligenciou a Mma. Juiz a quo no disposto no artigo 15º-H do NRAU, nem foi mormente designada data para audiência de julgamento, conforme disposto no artigo 15º-I do NRAU;
g) Não existe ainda decisão final a proferir que possa colocar as Requeridas em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
h) A Mma. Juiz a quo não notificou sequer as Requeridas para virem aos autos alegar e comprovar da situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
i) O legislador não se limitou a decretar a suspensão dos procedimentos especiais de despejo, de forma automática e sem qualquer critério, nem determinou que ocorresse sempre a suspensão, caso estivéssemos perante uma situação de habitação própria e permanente;
j) Não se verifica, no disposto no artigo 6º-A, nº 6, alínea c) que exista qualquer presunção de uma situação de fragilidade ou que esta possa constituir facto público e notório;
k) O alegado em sede de Oposições apresentadas pelas Requeridas não poderá servir, atendendo a que a situação de alegadamente viveram no locado 11 pessoas e o estado de saúde alegado e pelas mesmas apenas diz respeito a terceiros, que habitam o locado em causa, ilegalmente e não às próprias;
l) Não pode ser decretada a suspensão do processo, com base na possibilidade de a arrendatária ser colocada em situação de fragilidade, quando as Requeridas não apresentaram qualquer prova de que tal possa ocorrer, pelo que não podia ter sido decretada a suspensão da instância, por não terem sequer sido notificadas para tal;
m) As Requeridas foram notificadas da intenção dos Requerentes de se oporem à renovação do contrato a 11 de junho de 2019, isto é, há mais de um ano, data em que receberam as respetivas cartas, sabendo, desde essa data, que deveriam proceder à entrega do locado, livre e devoluto, a 31 de outubro de 2019;
n) Contudo, das Oposições apresentadas resulta as Requeridas pouco ou nada fizeram no sentido de arranjar outro local onde morar, limitando-se a lamentar-se do preço das casas e do número de pessoas que (ilegalmente) se encontra no locado em causa, para se manter num imóvel que não lhes pertence ad aeternum, o que revela que se encontram a agir em claro abuso de direito;
o) A interpretação da norma constante do artigo 6º-A, nº 6, alínea c) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (com as alterações resultantes da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio), segundo a qual deverá ser declarada a suspensão do procedimento de despejo, ainda que a arrendatária não apresente quaisquer provas de que teve uma quebra de rendimentos e/ou poderá ficar em situação de fragilidade decorrente do despejo, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
Terminam pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que não admita a suspensão automática da instância, e permita o andamento dos presentes autos.
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) a única questão a decidir é se a instância não devia ter sido suspensa.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.      
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante é a que resulta do relatório, e ainda a seguinte com base na documentação junta e acordo das partes:
- Entre Amílcar, na qualidade de senhorio, e D e C, na qualidade de arrendatárias, foi celebrado, em 30.10.2017, um contrato de arrendamento para habitação da fração correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio sito na Rua …, freguesia de Arroios, Lisboa, mediante a renda mensal de €900, pelo prazo de 1 ano, com início em 1.11.2017 e término em 31.10.2018, renovável automaticamente por iguais períodos, podendo as partes opor-se à renovação por comunicação à outra parte, com a antecedência mínima de 120 dias, no caso do senhorio, ou de 90 dias, no caso das arrendatárias.
- Por cartas de 5.6.2019 remetidas às arrendatárias, o A. comunicou às RR. a não renovação automática do referido contrato de arrendamento, cessando o mesmo os seus efeitos a partir de 31.10.2019, data em que o locado deveria ser entregue livre de pessoas e bens.
- As RR. não entregaram o locado na referida data, nem posteriormente.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
No presente procedimento especial de despejo (PED) o tribunal recorrido suspendeu os termos da instância ao abrigo do disposto no art. 8º da Lei nº 1A/2020, de 19.03 (sucessivamente atualizada, sendo por último nos termos da Lei nº 58-A/2020, de 30.09).
Insurgem-se os apelantes contra o decidido por entenderem que inexiste fundamento legal para a suspensão da instância, quer porque o normativo legal em que o tribunal recorrido se escuda não é aplicável ao caso dos autos, quer porque não se mostram preenchidos os requisitos do disposto no art. 6º-A, nº 6, al. c) da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, aditado pela Lei nº 16/2020, de 29.05, único que poderia ser aplicável.
Assiste, manifestamente, razão aos apelantes, não podendo manter-se a suspensão da instância decretada pelo tribunal recorrido.
Conforme resulta do relatório e da factualidade dada como provada, os AA. intentaram o presente PED com fundamento na cessação do contrato de arrendamento celebrado com as RR., a partir de 31.10.2019, por oposição à renovação do prazo pelo senhorio, e não entrega do locado.
Como alegam os apelantes, por força da oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento, este cessou em 31.10.2019.
Ou seja, a referida oposição à renovação do prazo produziu efeitos em tal data, e, não tendo as RR. entregue o locado, os AA. intentaram o presente PED em 18.12.2019.
Dispõe o art. 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, sob a epígrafe “Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários”, que: “Até à cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, fica suspensa: a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; b) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”.
De acordo com o disposto no seu art. 10º, esta lei produz efeitos à data da produção de efeitos do DL nº 10-A/2020, de 13.3, ou seja, 12.3.2020 no caso do referido art. 8º (art. 37º desde último diploma legal).
Este normativo foi alterado pela Lei nº 4-A/2020, de 6.04 [1], nos seguintes termos: “[…] Durante a vigência das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV -2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade de saúde pública e até 60 dias após a cessação de tais medidas nos termos do nº 2 do artigo 7º da presente lei, ficam suspensos: a)   . . . b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação; c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; d) O prazo indicado no artigo 1053º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas; e) [Anterior alínea b).]» (sublinhados nossos).
Voltou a ser alterado pela Lei nº 14/2020, de 9.05, que no seu introito passou a dispor que a suspensão se mantinha até 31.09.2020.
E voltou a ser alterado pela Lei nº 58-A/2020, de 30.09, nos seguintes termos: “1 - Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020: a) [Anterior alínea a) do corpo do artigo.] b) [Anterior alínea b) do corpo do artigo.] c) [Anterior alínea c) do corpo do artigo.] d) [Anterior alínea d) do corpo do artigo.] e) [Anterior alínea e) do corpo do artigo.] 2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8º da Lei nº 4-C/2020, de 6 de abril. [2] 3 — O disposto no nº 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020”.
Apenas um prazo que esteja em curso é suscetível de ser suspenso [3], tal como tem de entender-se que só pode suspender-se a produção dos efeitos de um ato quando tais efeitos ainda não se produziram.
Nesta medida, o estabelecido no art. 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, com as alterações referidas, apenas é aplicável às situações em que, no que ora importa, a oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional ainda não produziu efeitos, mantendo-se o contrato em vigor.
No caso sub judice, quando a Lei nº 1-A/2020, de 19.03 produziu efeitos nesta matéria (12.3.2020) já os efeitos da oposição à renovação do prazo se tinham produzido (a operar a partir de 31.10.2019), não lhe sendo, pois, aplicável o referido art. 8º da Lei nº 1-A/2020, como entendeu o tribunal recorrido, tanto mais que se encontrava já a correr o presente PED.
O que nos leva a ponderar a eventual aplicação de outro dispositivo legal das referidas leis.
Assim, dispunha o nº 10 do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, que “São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria”.
O mencionado artigo veio a ser alterado pela Lei nº 4/2020, de 6.04, passando a suspensão em causa a constar do nº 11, com a seguinte redação “Durante a situação excecional referida no nº 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa”, dispondo o art. 6º, nº 2 que o referido art. 7º, no que ora importa, produz os seus efeitos a 9.03.2020.
A Lei nº 16/2020, de 29.05, revogou o art. 7º da Lei nº 1-A/2020 (art. 8º), aditando-lhe, porém, o art. 6º-A, com a epígrafe “Regime processual transitório e excecional”, em cujo nº 6 estipula que ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:  “… c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa; …”.
Como resulta de forma expressa da lei (quer da atual redação, quer das anteriores) o PED só fica suspenso no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório, quando, por força da decisão final a proferir no referido procedimento, o arrendatário possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
Situação essa que tem de ser alegada e provada pelo arrendatário, e apreciada pelo tribunal, por forma a fundamentar a mencionada suspensão.
Ou seja, a suspensão em causa não opera ope legis, não é automática [4], mas decretada pelo tribunal, caso a caso, se verificados os pressupostos constantes da lei.
Neste sentido se pronunciou, também, o Ac. da RP de 9.12.2020, P. 1570/19.5YLPRT.P1 (Mendes Coelho), em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu “… II – Na Lei 1-A/2020 de 19/3, considerando nela quer a sua versão inicial quer as decorrentes de alterações a ela feitas (pela Lei 4-A/2020 de 6/4 e pela Lei 16/2020 de 29/5), não há qualquer preceito que determine só por si, autonomamente, a suspensão do andamento do procedimento especial de despejo, pois, como se vê das sucessivas previsões (art. 7º nº 10 na sua redação inicial; art. 7º nº 11 na sua redação decorrente das alterações introduzidas pela Lei 4-A/2020 de 6/4; e art. 6º-A nº 6, alínea c), na sequência das alterações introduzidas pela Lei 16/2020 de 29/5), a suspensão do andamento de tal processo estava e está dependente da verificação do circunstancialismo ali exigido: que o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria (versão inicial da Lei) ou possa ainda ser colocado naquela situação de fragilidade por outra razão social imperiosa (versão da Lei com as alterações introduzidas pela Lei 4A/2020 de 6/4 e pela Lei 16/2020, de 29/5); III – A prova daquele circunstancialismo – para se decidir sobre a sua eventual verificação e consequente suspensão do processo – incumbe ao arrendatário, pois é a si que o mesmo aproveita” [5].
Nesta conformidade, também à luz destes preceitos legais, inexistia fundamento para suspender o andamento do processo, uma vez que ainda não foi proferida qualquer decisão final no PED, nem a julgar verificado o referido circunstancialismo.
Procede, pois, a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, prosseguindo seus termos o processo.
As demais questões suscitadas pelos apelantes (falta de prova da fragilidade das requeridas, e abuso de direito) prendem-se com o mérito da verificação do referido circunstancialismo, não sendo este o local para as apreciar, por não terem sido apreciadas na 1ª instância - os recursos visam a reapreciação de decisões proferidas pelos tribunais recorridos (art. 627º, n.º 1 e 639º, n.º 1 do CPC), sendo o seu regime o da reponderação ou revisão, tal significando que o tribunal ad quem não pode pronunciar-se sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo, não se podendo, com o recurso obter decisão sobre questão nova [6].
Não se condenam as partes em custas, os apelantes porque lograram obter vencimento no recurso, as apeladas porque não deram causa ao despacho recorrido, nem tiveram intervenção na instância recursiva.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, prosseguindo termos os autos.
Sem custas.
*
Lisboa, 2021.04.13
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara

[1] Que, nesta matéria, manteve a produção de efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de março (art. 6º).
[2] Que respeita ao deferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais.
[3] Nos termos do art. 328º do CC o prazo de caducidade não se suspende, senão nos casos em que a lei o determine.
[4] Neste sentido se pronuncia Luís Menezes Leitão, Os prazos em tempos de pandemia COVID-19, in Estado de Emergência – COVID-19 Implicações na Justiça, CEJ, 2.ª ed., pág. 71, consultável em (http:// www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf), que escreve “Destes processos apenas um deles é urgente, o procedimento especial de despejo, mas a lei estabelece um regime geral de suspensão, que tem a particularidade de depender da situação especial de fragilidade do arrendatário. Parece, assim, que o processo pode continuar quando essa situação de fragilidade não exista, mas a lei não esclarece em que termos”.
[5] Também neste sentido se pronuncia Higina Castelo, O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020, na RMP Número Especial COVID-19 : 2020, págs. 336/337, entendendo que a questão terá de ser apreciada em incidente próprio: “Da gramática da disposição, resulta que a suspensão do processo não é automática[…], antes carecendo da prévia apreciação de um requisito complexo: que «o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa». O tribunal terá de aferir os pressupostos de facto integradores daquele requisito complexo e composto por conceitos indeterminados: a decisão judicial final a proferir tem de ser suscetível de colocar o arrendatário em situação de fragilidade, por qualquer razão social imperiosa, nomeadamente por falta de habitação própria. O tribunal carecerá, assim, de saber qual a situação financeira e patrimonial do arrendatário. Tendo em consideração o princípio dispositivo, densificado nos artigos 3º e 5º do CPC em título de disposições e princípios fundamentais, o tribunal só deverá apreciar a questão da suspensão se a mesma for suscitada pela parte que nela tem interesse, com indicação dos factos que a fundamentam, e dando oportunidade à parte contrária de exercer o contraditório. Trata-se de um incidente enxertado na marcha do processo a que se aplicarão os artigos 292º a 295º do CPC”.
[6] Questões novas são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido por aí não terem sido suscitadas, nem serem de conhecimento oficioso.