Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
295/14.2TBPTS.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Não obstante o plano de revitalização aprovado conter proposta que viola o disposto nos arts. 30º, nºs 1, 2, 3, 36º nº 2 e 3 da LGT, o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira não constitui fundamento para a sua não homologação importando apenas a sua ineficácia relativamente a este credor.
II- Com o processo especial de revitalização visou o legislador dar a oportunidade ao devedor e aos seus credores de alcançarem um acordo tendo em vista a sua revitalização, o que, numa empresa tem como pressuposto a prossecução de uma actividade previsivelmente lucrativa.
III- Daí que não configure um plano de revitalização aquele que não prevê resultados líquidos de exercício positivos no futuro e muito menos aquele que nem sequer prevê a prossecução da actividade da empresa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I – Relatório:



Nestes autos de processo especial de revitalização requerido pela devedora V... Lda em 07/08/2014, foi apresentado o documento intitulado «Plano de Revitalização» que consta de fls. 155 a 226 acompanhado de documento com o resultado da votação.

Em 28/03/2015 foi decidido:
«Nos termos do 17º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa não homologo o plano de revitalização da devedora V... Lda (…)».

Inconformada, apelou a requerente/devedora, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Através do presente recurso, a recorrente pretende colocar em crise a questão da não homologação do plano de revitalização baseada na indisponibilidade do crédito tributário, recorrendo-se de direito.
2. Na verdade, o Meritíssimo Juiz “A Quo” não homologou o plano de revitalização da devedora, ora recorrente uma vez que “nos termos do art. 30º nº2 da LGT o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária. (…).”
Existindo, “assim, uma regra clara no sentido da indisponibilidade do crédito tributário e como únicas excepções a esta regra os princípios da igualdade e legalidade tributária.”
3. Concluindo a sentença recorrida, que ocorreu “violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação, a saber dos arts. 30º nº 2, 36º nº 3 da LGT e 196º do CPPT, pelo que, nos termos do art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa aplicável ex vi art. 17º-F nº5 in fine do mesmo diploma há que recusar a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores.”
4. Salvo o devido respeito que é muito, no que respeita ao perdão e redução das dívidas fiscais no plano de revitalização, a recorrente entende não assistir razão ao Meritíssimo Juiz “A Quo”, pois os artigos referidos têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, assumindo uma função de regulação na relação entre Estado e contribuinte.
5. A natureza imperativa das normas referidas sempre estarão limitadas ao processo e às relações tributárias.
6. Sendo certo que, não encontram apoio nem aplicação na legislação especial que é o Plano Especial de Revitalização, enquanto imperativo à execução universal do património da devedora e à igualdade e soberania dos credores e no qual o Estado surge como um credor como tantos outros.
7. Ou seja, no processo especial de revitalização, deixa de existir uma relação “Estado”/“contribuinte”, pois este desaparece nascendo, uma universalidade de credores, cujos interesses e regulação se pretende coeso e num único processo com fins, natureza e regimes diferentes do estatuído no CPPT e com este incompatíveis – O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
8.  Neste, cabe ao “Estado” exercer o seu poder através do direito de voto e participação nas negociações, em pé de igualdade com os demais credores da devedora pois, o CIRE aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março, também é lei e visa defender o interesse público de preservação do bom funcionamento do mercado.
9. Nesse sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-11-2008 (Relator: Dr. Carlos Portela), proferido no âmbito do processo n.º 0836085, que se aplica analogamente ao caso sub judice.
Pois, salvo o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz “A Quo”, que é muito, entende-se que o processo especial de revitalização tem subjacente a auto-regulação dos credores, verdadeiros proprietários da empresa e a desjudicialização processual, colocando nas suas mãos a faculdade de decidir o futuro da empresa.
11. Acresce que, as normas previstas no CIRE, às quais a administração está adstrita, visam regular a eliminação ou a reorganização financeira de uma empresa de acordo com uma lógica de mercado.
12. Daí o CIRE fortalecer a desjudicialização do processo ao colocar o poder supremo de decisão nos credores e colocar o Estado em pé de igualdade com os demais.
13. Assim, cabe aos credores, nos termos do disposto no art. 196.º, n.º 1, als. a) e c), do CIRE, deliberar o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a devedora quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados.
14. Aliás, o próprio art. 197.º do CIRE, que tem natureza supletiva, implica a possibilidade dos credores regularem de forma diversa e no próprio plano os privilégios creditórios, aflorando assim o princípio da igualdade dos credores.
15. Neste sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-05- 2008, (Relator: Dr.ª Maria de Deus Correia), proferido no âmbito do processo n.º 0852239, que aqui se aplica por analogia.
16. Com efeito, entende a recorrente que, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, não pode, atendendo aos fins e interesses do processo especial de revitalização, e da adequada ponderação de interesses em causa, ter no processo mais privilégios que aqueles que já lhe são atribuídos por lei.
17. Sendo certo que, tal não se pode verificar porque o legislador teve cuidado ao regular esta matéria e os Tribunais e a jurisprudência têm, na sua aplicação, definido o papel do credor “Estado” no processo de insolvência e no processo especial de revitalização, remetendo-o e limitando-o às normas constantes do CIRE, em prol do interesse público e da preservação do bom funcionamento do mercado.
18. Portanto, entende a ora recorrente que não pode o argumento da indisponibilidade do crédito tributário prevalecer, pondo em causa o princípio da igualdade entre todos os credores do processo especial de revitalização.
19. Aliás, no presente processo, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, não é o credor maioritário da devedora/recorrente, tendo o plano especial de revitalização sido aprovado por 83,33 % dos credores, mesmo com os votos contra a aprovação do plano (nos quais se inclui o da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais).
20. Logo, os credores ao deliberarem a aprovação do plano de revitalização nos moldes que o fizeram, não violaram normas constitucionais ou fiscais, limitaram-se sim, a observar e cumprir a lei obedecendo a um regime especial criado pelo próprio legislador.
21. Sempre em prol da justiça entre credores ou seja, a repartição do sacrifício entre todos, tendo em consideração um fim maior que é a recuperação e viabilização da empresa recorrente em prol de valores maiores que os defendidos, na sentença recorrida.
22. Se entendêssemos que, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, tem o poder de não estar abrangido pelos normativos do CIRE, prevalecendo-se de outras leis avulsas, então entenderíamos que o legislador criou e aprovou um código inexequível - permitindo que alguns credores, mesmo em minoria, possam inviabilizar, na prática, a bondade da decisão da maioria dos credores.
23. Ora, tal entendimento não pode (nem deve) ser defendido, pois o CIRE pretendeu evitar a utilização de dois pesos e duas medidas colocando, para o efeito, todos os credores em pé de igualdade e sempre com respeito pela detenção ou não de garantias ou privilégios especiais.
24. Além de que, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, não perde os seus privilégios no plano aprovado.
25. Estes serão atendidos e graduados aquando do pagamento aos credores nos termos do art.º 172.º
26. Logo, não se entende como se possam defraudar princípios constitucionais.
27. Pelo contrário, defender que todos os credores se encontraram em pé de igualdade, excepto a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais que, apelando aos normativos do CPPT, teria legitimidade para gorar qualquer plano, ficando o processo de recuperação refém da anuência das entidades estaduais e, consequentemente, do regime que aquela legislação avulsa regula fazendo tábua rasa dos normativos do CIRE, é que seria inconstitucional e violaria a igualdade de credores.
28. Sobre esta matéria e no mesmo sentido refere-se o Acórdão. do STJ de 04/06/2009, proc n.º 464/07.1 TBSJM-L.S1 (Relator: Dr. Álvaro Rodrigues).
29. Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2010, proc. n.º 4554/08.5TBLRA-F.C1.S1, (Relator: Dr. Silva Salazar), permite concluir pela correcção da sentença recorrida e a possibilidade de afectação dos créditos da fazenda pública nos moldes consignados no plano de insolvência.
30. Atente-se que, a evolução histórica do direito da insolvência tem vindo a colocar os credores públicos em igualdade com os demais, tirando ou reduzindo os seus privilégios no processo especial de revitalização e no processo de insolvência.
31. Se assim não fosse, matar-se-ia a possibilidade de recuperação das empresas através do processo especial de revitalização no qual o Estado aparece, na grande maioria das vezes, como credor.
32. A douta sentença recorrida violou, a nosso ver, e entre outros, os artigos 17º -F, 196º, 197º e 212º todos do CIRE.
Nestes termos, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida nos termos supra expostos, substituindo-se a decisão por outra que homologue o plano especial de revitalização, farão V. Exas., como sempre, inteira justiça.

Não foi apresentada contra-alegação.
*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II– Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se deve ser proferida decisão homologando o intitulado «Plano de Revitalização»
*

III– Fundamentação.

A) Na decisão recorrida lê-se, além do mais:

«Votaram favoravelmente o plano de recuperação de credores representando 83,33% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.
Votaram contra credores representando 1,81% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.
*

Nos termos do disposto no art. 17º-F, nº3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se tratando de um caso de aprovação unânime de um plano de recuperação, «Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº1 do art. 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do art. 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos serem reconhecidos caso a questão ainda não se encontre decidida.»

No caso concreto, a lista provisória de créditos transformou-se em lista definitiva mediante a não impugnação tempestiva da mesma, sendo assim, o quórum de aprovação o correspondente a mais de dois terços da totalidade dos créditos constantes na lista definitiva, compreendendo mais de metade dos créditos não subordinados relacionados – art. 212º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas com as devidas adaptações.

O plano foi aprovado por credores representando 83,33% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.

A DRAF – Direcção Regional dos Assuntos Fiscais veio requerer a rejeição do plano de recuperação.

Nos termos do disposto no art. 17º-F nº5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos arts. 215º e 216º.”

Estabelece o art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.

O plano prevê o pagamento da dívida à DRAF no prazo de 1 ano (geral a todos os credores) contado da data de homologação do PER.

Nos termos do art. 30º nº2 da LGT o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária.

A Lei nº 55-A/2010 de 31/12 aditou a este preceito um nº 3 estabelecendo que o disposto no nº 2 prevalece sobre qualquer legislação especial, em clara tomada de posição quanto à jurisprudência uniforme que se havia formado desde a entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Temos, assim, uma regra clara no sentido da indisponibilidade do crédito tributário e como únicas excepções a esta regra os princípios da igualdade e legalidade tributária.

A norma do art. 197º do CPPT não pode ser considerada como incluída seja no princípio da igualdade, seja da legalidade. Trata-se de uma norma procedimental e não de uma regra relativa ao conteúdo da relação tributária que pode ser postergada por norma como a prevista no art. 17º-F nº 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas por não contender com o disposto no art. 30º nº2 da LGT.

Nos termos do art. 36º nº3 da LGT a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. Os únicos casos previstos na lei são os contemplados nos arts. 196º e ss. do CPPT para os créditos tributários.

O plano de recuperação aprovado, efectivamente, ao prever o perdão de 74,46% (no 1º semestre) e de 83,92% (2º semestre) do crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira prevê um perdão proibido porque não expressamente permitido pela lei.

Também não resulta tenham sido oferecidas garantias nos termos do art. 199º do CPPT, sucedendo, porém, que esta é uma matéria relativamente à qual a lei não dispõe da mesma forma prescritiva – pode ser invocada, provada e, consequentemente, reconhecida isenção de prestação de garantia, nos termos do art. 199º nº3 do CPPT, a garantia pode ser prestada por várias formas, nos termos dos nºs 1 e 2 do mesmo preceito e, finalmente, decorrendo já processos de execução fiscal em que tenha havido penhora, esta pode valer como garantia nos termos do art. 199º nº 4 do mesmo preceito. Ou seja, pode não haver lugar à prestação de qualquer garantia, seja por inexistência dos respectivos pressupostos, seja por já ter sido prestada.

O representante do credor rejeita o plano, mas nada de concreto sendo invocado a este respeito, pelo que não tem o tribunal qualquer hipótese de sindicar oficiosamente esta matéria – não temos suficientemente alegada a violação.

Acresce que, e seguindo a lição do douto Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/10/13 diremos que sendo abstractamente possível a não prestação ou oferecimento neste momento de garantias e não comportando qualquer outra compressão do crédito tributário não teremos, no concreto quanto a este aspecto da garantia, qualquer violação não negligenciável que importe a não homologação do plano.

Ocorre, assim, e em conclusão, violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação, a saber dos arts. 30º nº2, 36º nº3 da LGT e 196º do CPPT, pelo que, nos termos do art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa aplicável ex vi art. 17º-F nº5 in fine do mesmo diploma há que recusar a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores.».

B) O art. 17º F do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo DL 53/2004 de 18/03 que pela 6ª alteração efectuada pela Lei 16/2012 de 20/04 introduziu o processo especial de revitalização) estabelece nos seus nº 5 e 6 que o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação e que a sua decisão vincula os credores.

Ora, o art. 30º da Lei Geral Tributária, na redacção introduzida pela Lei nº 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) estabelece:

«(…)
2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 – O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.».

E o art. 36º da mesma Lei prevê:
«(…)

3 – A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.».

Portanto, como se refere no Ac do STJ de 18/02/2014
(P. 1786/12.5TBTNv.C2.S1 (in www.dgsi.pt) o legislador blindou os créditos fiscais, reafirmando a indisponibilidade destes, o que, sabendo-se que os créditos do Estado e de outras entidades, como a Segurança Social representam em grande número de casos, avultadas somas, levará a que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais. Mais se pondera nesse aresto: «Deverá considerar-se nula ou meramente ineficaz a decisão homologatória do Plano de Recuperação que desconsiderou a votação contrária à aprovação por parte da Fazenda Nacional e da Segurança Social que não consentiram na afectação dos seus créditos que consideram intangíveis?

A nulidade, a mais drástica sanção, abreviará em regra - art- 17º-G do CIRE - o caminho para a insolvência nos termos dos nºs 2 e 3. Já se o for considerada a ineficácia relativa, a devedora pré-insolvente não entra em estado de insolvência.

Tendo em consideração os interesses jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios atípicos, é a da ineficácia relativa.
(…)

O plano de recuperação, assente num ampla liberdade de estipulação pelos credores constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso, o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor que não anuiu à sua redução ou alteração lato sensu dos seus créditos.».

Também nos Ac do STJ de 25/03/2014 (P. 730/12.4TBPFR-D.P1.S1) e de 01/04/2014 (P. 185/13.6TBCHV-A.P1.S1), ambos in www.dgsi.pt, se decidiu no mesmo sentido, lendo-se no sumário deste último: «Não obstante, o plano de revitalização aprovado conter proposta que viola o disposto nos arts. 30º, nºs 1, 2, 3, 36º nº 2 e 3 da LGT, e 190º nºs 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto da Segurança Social». E no texto deste aresto refere-se, além do mais: «A sobredita questão já foi objecto de meticulosa abordagem e exaustivo tratamento por parte desta 6ª Secção - à qual são distribuídos, nos termos do disposto no art. 42º, nº 2 da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L.O.F.T.J. – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), todos os processos mencionados no respectivo 121º - na sequência do que foi proferido, por unanimidade, o Ac. de 18.02.14., de que foi relator o Exmo Cons. Fonseca Ramos e em que os ora relatora e 1ª adjunta intervieram como adjuntos (Proc. Nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1).
Conforme respectivo sumário, aí se entendeu que:
(…)

Na senda da fundamentação constante do transcrito sumário e da que, mais desenvolvida e exaustivamente, é invocada no respectivo acórdão, para onde se remete, porquanto objecto de publicação e acessível em www.dgsi.pt -, uma e outra aqui inteiramente perfilhadas, deve entender-se, como entendemos, que o aprovado plano de revitalização, não obstante conter propostas que violam o disposto nos art. 30º, nºs 1, 2 e 3 e 36º nºs 2 e 3 da LGT (Lei Geral Tributária – DL 398/98 de 17.12, com as alterações introduzidas pelo art. 125º da já mencionada Lei nº 55-A/2010, de 31.12, que não foram beliscadas pelas Leis Gerais do Orçamento dos subsequentes anos, sendo aquela Lei subsidiariamente aplicável aos créditos da Segurança Social. Nos termos preceituados pelo art. 3º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 26709) e 190º, nº 1 , 2 e 6 deste último Cód, não deve ser objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando o mesmo de mera ineficácia relativamente ao Instituto da Segurança Social a quem o mesmo não é oponível».

Assim, sufragando o entendimento expressão nestes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, concluímos que no caso concreto, o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira não constitui fundamento para a não homologação do intitulado «Plano de Revitalização», devendo apenas ter como ter como consequência a sua ineficácia relativamente a este credor.

Impõe-se então verificar se o documento apresentado como «Plano de Revitalização» contém realmente um plano que possa ser homologado.

Na verdade, com o processo especial de revitalização visou o legislador dar a oportunidade ao devedor e aos seus credores de alcançarem um acordo tendo em vista a sua revitalização, o que, numa empresa tem como pressuposto a prossecução de uma actividade previsivelmente lucrativa. Daí que não configure um plano revitalização aquele que não prevê resultados líquidos de exercício positivos no futuro e muito menos aquele que nem sequer prevê a prossecução da actividade da empresa.

Vejamos o caso dos autos.

No ponto 2 do documento de fls. 155 a 226 (o intitulado «Plano de Revitalização») lê-se:

«2.1 Caracterização da Revitalizanda.

A “V..., Lda (…) é uma sociedade comercial por quotas, com sede na (…), em Ponta do Sol.
Constituiu-se e procedeu ao seu registo na CRC do Funchal a 27-01-2004, tendo iniciado fiscalmente a sua actividade a 13-01-2014.
A empresa encontra-se inserida no sector secundário, tendo como objecto social a promoção imobiliária, construção de empreendimentos turísticos, habitacionais e comerciais, compra e venda, exploração e arrendamento de imóveis.
A empresa tem-se dedicado, desde o início da sua actividade, à aquisição de terrenos para construção de empreendimentos habitacionais na ilha da Madeira, tendo procedido à construção de cinco moradias em banda na freguesia de Arco da Calheta, (...).

2.2 Causas da situação económica e financeira difícil.

Como é do conhecimento da generalidade dos credores, a origem da situação económica difícil da V... tem como principal causa a crise económica e financeira que se vive em Portugal, que afetou fortemente o sector da construção.
(…)

Na realidade, a V... não foi imune a todos os efeitos decorrentes da crise instalada no nosso país que implicara, o pedido de ajuda internacional em 2001.

(…) Este cenário de crise tem constrangido fortemente a actividade da V..., na medida em que a Revitalizanda não conseguiu até à data vender os imóveis por si construídos, o que levou à asfixia da sua tesouraria, impedindo-a de cumprir pontualmente as suas obrigações para com os seus credores.

Neste sentido, a falta de liquidez, associada à falta de acesso ao crédito, conduziram à presente situação económica e financeira difícil da V....

2.3 Perspectiva Atual e Futura.

Pese embora o difícil quadro financeiro, a V... detém um património, que, com as devidas condições de venda estabelecidas com os credores, configura-se suficiente para pagamento quase integral das dívidas aos credores reconhecidos.
A Revitalizanda tem uma forte vontade de cumprir com todos os seus credores, e acredita que com a estratégia de venda do seu actual património, o objectivo do presente Plano será concretizado.

2.4 Património da Revitalizanda.

O património da V... é constituído pelos seguintes bens imóveis:

. Terreno parta construção urbana (com projecto) (…)
Este bem apresenta os seguintes ónus:
(…)
. Quatro moradias em banda, pertencentes a um condomínio fechado constituído por cinco fracções autónomas destinadas a habitação (…)»
No ponto 4, Com a epígrafe «Conteúdo do Plano de Revitalização» consta:
«(…)

4.2 Estratégia de revitalização.

A estratégia de revitalização assenta em 3 pressupostos:

1. No presente momento, e desde 2011, a empresa dispõe apenas do património já referenciado, não tendo outras obras em carteira nem em curso;
2. Os imóveis estão concluídos (podendo apenas faltar pequenos acabamentos), como licença de utilização e assim em condições de venda imediata;
3. Dada a crise instalada no ramo de actividade da empresa, construção, e em conjugação com os dois últimos pontos, a gerência considera que actualmente não tem condições nem suporte para continuar o negócio e assim gerar outros fluxos que não sejam pela venda do património existente.
Assim, a estratégia do presente plano consiste na liquidação do património da empresa, tendo os gerentes a absoluta convicção que a venda do mesmo em condições normais de mercado (e não numa situação de liquidação do património por via judicial) será o caminho que mais satisfará os interesses dos credores.

A estratégia de venda do património da Revitalizanda seguirá os seguintes trâmites e condições:

. Promoção Imobiliária a contratar com a Remax em regime de não exclusividade – a Revitalizanda entende que a promotora imobiliária Remax é a entidade com melhores condições para realizar a promoção dos imóveis da V..., sendo esta a principal promotora imobiliária do Funchal, com uma ampla rede de contactos e com uma elevada experiência no mercado imobiliário do Funchal. Assim a Revitalizanda pretende contratar com esta entidade em regime de não exclusividade os serviços de promoção imobiliária pelo período em que decorrerá o presente Plano.
. Custos com a venda dos imóveis: comissão de 3% acrescida de IVA à taxa legal em vigor, a pagar à Remax no caso da venda ser realizada por intermédio desta entidade.
. Prazo de liquidação do património: prazo máximo de 12 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória.

. Valor de venda do património da Revitalizanda constituído pelos bens imóveis identificados na secção 2.4:

Ø Durante o primeiro semestre de vigência do Plano de Revitalização, a contar a partir da data de homologação do mesmo: valor de venda pelo valor de avaliação dos imóveis;
Ø Caso os imóveis não sejam vendidos durante o primeiro semestre, durante o segundo semestre o valor de venda dos imóveis terá uma redução de 15% face ao valor de avaliação inicial;
Ø Qualquer proposta por valor inferior ao estipulado no presente Plano de Revitalização deverá ser sujeita a aprovação dos respectivos credores hipotecários.

4.3 Proposta de recuperação e termos de pagamento.
O reembolso dos créditos ficará sujeito às seguintes regras e Planos de Pagamentos.
Credores com garantias reais.

São propostas as seguintes regras e condições de pagamento:

. Os juros vencidos e vincendos desde a entrada do PER serão calculados de acordo com as taxas já contratualizadas.
. No que concerne às vendas dos imóveis relativamente aos quais existem hipotecas, os credores com hipotecas serão pagos em primeiro lugar (logo após o pagamento das dívidas de contribuição predial referentes aos respectivos imóveis), até ao limite do valor do seu crédito ou do valor da hipoteca, dos dois o mais baixo;
. Pagamento imediato após a escritura de compra e venda de cada imóvel;
. O pagamento aos credores hipotecários será efectuado de acordo com a cronologia da constituição das hipotecas, conforme relação infra.
. Perdão da parte do crédito que não seja satisfeita pela venda do património da Revitalizanda, conforme planos de pagamentos presentes no capítulo 5.
. Mantém-se as garantias prevista no nº 4 do artigo 217º do C.I.R.E.
É apresentado no quadro seguinte a relação cronológica de hipotecas sobre imóveis pertencentes ao património da Revitalizanda».

No ponto 6, com a epígrafe «Plano de Revitalização VS Insolvência» lê-se:

«Tendo em devida consideração o conteúdo do presente documento, a recuperação da sociedade assume-se como a solução mais satisfatória aos interesses dos credores.

É importante referir que, além da enorme vontade e confiança da Revitalizanda na maximização da satisfação dos sues credores, o cenário que se coloca resultante da não aprovação do presente plano é prejudicial para a totalidade dos credores.

Senão vejamos:

Resultado da Aprovação do Plano de Revitalização:
a) A aprovação do Plano de Revitalização irá permitir a reunião de esforços entre a Revitalizanda e o promotor imobiliário Remax, os quais, com a sua ampla experiência e rede de contactos, vão potenciar a venda do património da V... em melhores condições;
b) No caso dos imóveis da V... serem vendidos no primeiro semestre de vigência do plano, o plano de pagamentos assegura o pagamento de 2.215.322,62€, o que equivale ao pagamento de cerca de 90% dos créditos;
c) Mesmo no limite, caso todos os imóveis sejam vendidos no segundo semestre do plano, o plano de pagamentos assegura o pagamento de cerca de 71% dos créditos;
d) Em suma, o plano de pagamentos assegura o pagamento da maioria dos créditos.

Resultado da liquidação em insolvência:
a) Como deve ser do conhecimento da generalidade dos credores, a venda de bens em liquidação no âmbito de processo de insolvência reduz drasticamente o valor real de venda. Por várias razões como sejam a fraca actividade económica do país, como pelo baixo valor dado por terceiros a bens em liquidação de insolvência, tomariam, o valor de venda destes muito inferior ao valor comparativo se vendido em laboração ou continuidade, podendo este ser reduzido pelo menos em 50% face ao valor da avaliação do inventário dos bens;
b) Por esta via, os credores privilegiados (com garantias reais), não iriam ser ressarcidos da totalidade dos seus créditos, muito menos os credores comuns, que nada receberiam.

Análise da decisão de aprovação da proposta de plano de revitalização:
a) Pelos motivos até agora expostos, a revitalização assume-se de longe como a solução mais satisfatória ao interesse dos credores;
b) A recuperação aponta para um pagamento 2 vezes superior ao do valor previsível da liquidação, 2.215 mil euros vs 1.100 mil euros;
c) As consequências da não aprovação deste plano para todos os credores, privilegiados inclusive, seriam demasiado desvantajosas comparativamente ao quadro de hipóteses que se afiguram com a aprovação do plano».

Portanto, da leitura do denominado «Plano de Revitalização» da devedora/apelante verificamos que, conforme declarou a credora Aposta Singular, Unipessoal Lda ao apresentar o seu voto de rejeição (cfr fls 232 destes autos), o mesmo não passa de uma proposta de liquidação dos bens, não contendo qualquer proposta de reanimação da actividade, ou seja, não se vislumbra nele qualquer acordo conducente à revitalização da devedora. Assim, impõe-se a sua não homologação, ao abrigo do disposto no art. 17º-F nº 5 em conjugação com o art. 215º do CIRE por conter violação não negligenciável das normas aplicáveis quanto ao conteúdo do plano de recuperação.

IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida embora com diferente fundamentação.
Custas pela apelante.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2016


Anabela Calafate                    
Regina Almeida
Maria Manuela Gomes


Decisão Texto Integral: