Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1445/20.5YRLSB-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
INCIDENTE DE RECUSA
SUPERVENIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A impugnação da sentença do juiz arbitral para o tribunal judicial apenas pode ser efectuada pela via do pedido da sua anulação, com algum dos fundamentos taxativamente previstos no artº 46º da LAV.
II. Apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na ausência de independência e imparcialidade dos árbitros, nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objectiva ou subjectiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.
III - Porque ao tribunal está vedado a apreciação do mérito da sentença, a  sua anulação por falta de fundamentação fáctica ou jurídica apenas emerge se  esta, de todo, inexistir ou se não for perceptível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para  dirimir o litígio.
IV. A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública, apenas releva em caso de aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e pressupõe a análise da sua conformidade com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I. O relatório
R…. apresentou acção de anulação de acórdão arbitral, contra Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, peticionando a anulação dos acórdãos arbitrais proferidos pelo Tribunal Arbitral do Desporto ("TAD") em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020.
Alega, para tanto e em síntese, que, em 07.08.2018, intentou ação arbitral contra a Requerida, a qual correu termos no Tribunal Arbitral do Desporto sob o número 61/2018, em que peticionou o reconhecimento da justa causa de resolução de contrato de trabalho desportivo e a condenação da Requerida a pagar ao Requerente (i) € 290.000,00 a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho nos termos do n.° 1 do artigo 24.° da Lei n.° 54/2017 de 14 de julho e (ii) € 100.000,00 a título de indemnização pela prática de assédio moral contra o Requerente nos termos do n.° 4 do artigo 29.° do Código do Trabalho.
A Requerida deduziu pedido reconvencional em que peticionou a condenação do Requerente a pagar à Requerida uma indemnização de € 45.292.516 acrescida de juros desde a citação pelos prejuízos causados com a cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo.
Em 18.03.2020, o Requerente foi notificado do Acórdão Arbitral, proferido nessa data, nos termos do qual a Requerida foi condenada a pagar ao Requerente uma indemnização pela prática de assédio moral no valor de € 40.000,00 e o Requerente foi condenado a pagar à Requerida uma indemnização pela alegada cessação ilícita do Contrato de Trabalho Desportivo no valor de € 16.500.000,00.
Em 03.04.2020, o Requerente apresentou ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18.03.2020, que correu termos neste Tribunal sob o número de processo 960/20.5YRLSB.
Sucede que, entretanto, não só a Requerida solicitou, em 24.04.2020, no processo arbitral a prolação de sentença adicional, tendo em vista a condenação do Requerente no pagamento de juros, como, em 28.04.2020, o Requerente constituiu novos mandatários no processo arbitral, através dos quais tomou conhecimento de circunstâncias que desconhecia relativamente à imparcialidade e independência do árbitro nomeado pela Requerida e com base nos quais o Requerente então deduziu, em 05.06.2020, incidente de recusa do árbitro no processo arbitral.
Tendo ainda apresentado um requerimento de arguição de nulidade do Acórdão Arbitral, em 05.06.2020.
Pelas razões descritas, o Requerente, em 29.05.2020, desistiu da instância em relação à ação de anulação intentada em 18.03.2020, tendo a desistência sido homologada por sentença proferida em 24.06.2020.
Tendo sido o incidente de recusa indeferido pelo Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em 06.07.2020, o Tribunal Arbitral proferiu na mesma data Decisão Adicional condenando o Requerente no pagamento de juros e, simultaneamente, decisão indeferindo as nulidades arguidas pelo Requerente e confirmando integralmente o Acórdão Arbitral de 18.03.2020.
Em face do exposto, vem o Requerente apresentar a presente ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18.03.2020, alterado por Decisão Adicional de 06.07.2020, nos termos e para os efeitos do artigo 48.° da Lei n.° 74/2013, de 6 de setembro (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, doravante “Lei do TAD”), do artigo 33.° do Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante “Regulamento de Arbitragem Voluntária”) e do artigo 46° da Lei n.° 63/2011, de 14  de dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária, doravante “LAV”).
Requerendo a anulação das duas decisões com fundamento em falta de fundamentação, conhecimento de questões de que o Tribunal Arbitral não podia tomar conhecimento, ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português e violação da independência e imparcialidade dos árbitros.
Citada, a requerida deduziu oposição, propugnando pela improcedência da presente acção.
O requerente respondeu, propugnando pela improcedência das excepções que entendeu deduzidas na oposição.
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II. O objecto e delimitação da acção
São as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- Da alegada falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela requerida;
- Da alegada contradição entre os fundamentos e entre os fundamentos e a decisão;
- Da alegada ininteligibilidade da fundamentação da decisão de condenação do requerente e redução equitativa da indemnização fixada;
- Do excesso de pronúncia;
- Da alegada ofensa à Ordem Pública Internacional.
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III. Os factos
Receberam-se, do Tribunal Arbitral, os seguintes factos provados:
1) O Demandante e a Demandada celebraram, no dia 14 de setembro de 2017, contrato de trabalho desportivo para a prática da atividade de futebol profissional, na categoria sénior, para as épocas desportivas de 2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021e2021/2022;
2) O Contrato de Trabalho Desportivo encontrava-se registado junto da Federação Portuguesa de Futebol (adiante "FPF") e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (adiante "LIGA").
3) O contrato de trabalho era regido pelas seguintes cláusulas:
1. «D JOGADOR obriga-se a continuar a prestar com regularidade a actividade de futebolista da SPORTING, SAD, em representação e sob autoridade e direcção desta, com início no dia 1 de Julho de 2017 e termo no dia 30 de Junho de 2022.
2. A SPORTING, SAD obriga-se a pagar ao JOGADOR, durante a vigência do contrato, as seguintes remunerações globais ilíquidas:
a) Época 2017/18: €60,000,00 (sessenta mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.000,00 (cinco mil euros) cada, sendo que juntamente com a remuneração do mês de Setembro de 2017 será pago o montante ilíquido de 1.666,00 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros) relativo ao diferencial entre as remunerações de Julho e Agosto de 2017 já liquidadas ao JOGADOR, ao abrigo do contrato de trabalho desportivo ora revogado e as ora acordadas, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;
b) Época 2018/2019: € 65.004,00 (sessenta e cinco mi/ e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de € 5.417,0           (cinco mil, quatrocentos e dezassete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;
c) Época 2019/20: € 70.008,00 (setenta mi! e oito euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.834,00 (cinco mil, oitocentos e trinta e quatro euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;
d) Época 2020/21: € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de € 6.250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no día 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.
e) Época 2021/22: € 80.004,00 (oitenta mil e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 6.667,00 (seis mil, seiscentas e sessenta e sete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.
3. Ao JOGADOR é conferido o direito a receber prémios de performance, caso venha a participar, no mínimo de 45 (quarenta e cinco) minutos por jogo, a contar para a liga NOS e competições europeias, na equipa principal sénior da SPORTING, SAD, na mesma época desportiva, cujo valor é determinado em função do número mínimo de jogos oficiais em que participe, nos seguintes termos:
a) 5 (cinco) jogos: € 20.000,00 (vinte mil euros), ou,
b) 10 (dez) jogos: € 40.000,00 (quarenta mil euros), ou,
c) 20 (vinte) jogos: € 60.000,00 (sessenta mil euros), ou,
d) 25 (vinte e cinco) jogos: € 80.000,00 (oitenta mil euros), ou,
e) 35 (trinta e cinco) jogos: € 100.00,00 (cem mil euros).
§ Todos os prémios aferem-se dentro da mesma época desportiva, não são cumulativos entre si, são ilíquidos e serão pagos juntamente com a remuneração que se vence no mês seguinte ao da concretização de cada objectivo.
4. A SPORTING, SAD poderá, ainda, pagar ao JOGADOR prémios de classificação que sejam por si estabelecidos para a equipa principal sénior, se nela se encontrar efectivamente integrado, em função dos resultados por aquela obtidos, sendo a definição dos critérios de atribuição e pagamento desses prémios feita pela SPORTING, SAD no início de cada época ou jogo a jogo.
5. Ao JOGADOR é assegurado o período de férias previsto no CCT aplicável
6. Ao JOGADOR fca vedado, no período de duração do contrato, a prática de qualquer actividade desportiva, não previamente autorizada pela SPORTING, SAD bem como o exercício de qualquer actividade laboral ou empresarial, salvo se para tal obtiver o consentimento escrito desta Sociedade.
7. O JOGADOR obriga-se a usar nos jogos, treinos, estágios e deslocações o vestuário, equipamento e calçado da marca que a SPORTING, SAD lhe fornecer, com exceção das chuteiras, cuja cor fica sujeita à aprovação da SPORTING, SAD, e a respeitar os contratos de publicidade celebrados pela mesma ou qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si ou pelo Sporting Clube de Portugal, cedendo, ainda, à SPORTING, SAD, quer durante a vigência, quer após a cessação do mesmo, desde que referentes a acções realizadas durante a vigência do contrato, o direito de explorar comercialmente os seus direitos de imagem, som e voz, seja individualmente, seja em conjunto com os restantes jogadores, podendo a exploração dos direitos cedidos ser feita através da SPORTING, SAD ou através de qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si, ou pelo SPORTING CLUBE DE PORTUGAL. 0 JOGADOR obriga-se a prestar toda a colaboração e participar nas ações promocionais e publicitárias que lhe sejam solicitadas no âmbito da exploração comercial dos direitos ora cedidos.
8. Ao JOGADOR é conferido o direito de rescindir unilateralmente o presente contrato sem necessidade de invocação de justa causa, ficando imediatamente desvinculado laboral e desportivamente da SPORTING, SAD nas seguintes condições:
a) A rescisão só poderá ter lugar nos períodos compreendidos entre os dias 15 de Maio e 15 de Junho de cada época desportiva, devendo ser enviada comunicação à SPORTING, SAD com 15 dias de antecedência à data em que a mesma deva operar os seus efeitos;
b) Cumulativamente com a comunicação referida na alínea anterior, deverá ser efectuado à SPORTING, SAD um pagamento imediato no montante de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de eurosj;
c) Feita a comunicação com o aviso prévio e nos prazos previstos na alínea
a) e paga a verba mencionada na alínea b) antecedente, a SPORTING, SAD obriga-se a desvincular laboral e desportivamente o JOGADOR e, ainda, caso para tal seja solicitada, a autorizar a F.P.F. a proceder ao envio do respectivo Certificado Internacional para qualquer Clube estrangeiro que o tenha requerido.
9. As partes obrigam-se mutua e reciprocamente, face a qualquer situação de litígio, incumprimento ou divergência relativamente aos termos, condições e execução do presente contrato, e previamente a qualquer outra iniciativa de natureza contenciosa, a interpelar a outra parte tendo em vista uma solução consensual do diferendo no prazo de trinta dias contados dessa interpelação, sem que o incumprimento ou divergência seja invocável como motivo de ruptura do contrato por qualquer das partes, aceitando ambos as outorgantes que esta cláusula foi essencial para a celebração do presente contrato, nos exactos termos e condições ora exarados.
10. Sem prejuízo do disposto no número 9 antecedente, as Partes acordam conferir competência exclusiva e definitiva para dirimir todo e qualquer litígio emergente deste Contrato ou com ele relacionado ao Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), de acordo com o disposto na Lei do TAD, aprovada pela Lei n.° 74/2013, de 6 de Setembro, e no Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do TAD.
ll. No caso de uma das partes rescindir o presente contrato alegando para tal justa causa e a Tribunal Arbitrai da Desporto, de acordo com o estabelecido no número 10 antecedente, não reconhecer a sua existência, ficará constituída na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos  causados pela conduta ilícita, fixando-se, desde já, a título de cláusula penal, o montante indemnizatório a pagar e que será o seguinte:
- na hipótese de ser a SPORTING, SAD a rescindir ilicitamente, fica obrigada a pagar ao JOGADOR uma indemnização correspondente ao valor das remunerações vincendas até final do contrato, podendo, no entanto, proceder à dedução na indemnização dos valores que o JOGADOR venha a receber pela prestação da mesma actividade a outra entidade desportiva durante o período correspondente ao prazo do contrato rescindido;
- na hipótese de ser o JOGADOR a rescindir ilicitamente fica obrigado, no âmbito jurídico-laboral, a pagar à SPORTING, SAD uma indemnização correspondente ao valor das remunerações que haveria de receber até final do contrato rescindido, ficando a sua inscrição por parte de um terceiro Clube dependente, no âmbito jurídico-desportivo, do pagamento do montante de 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros), correspondente à valorização dos direitos de participação desportiva do JOGADOR feita pelas partes no presente contrato.
12. A SPORTING, SAD obriga-se a ter a ficha médica do JOGADOR devidamente actualizada, a qual será remetida para apreciação das entidades competentes sempre que para tanto seja solicitada e, ainda, que o JOGADOR está vacinado contra o tétano, frequenta com assiduidade e aproveitamento o curso de ginástica, reúne as condições necessárias para a prática do futebol e tem capacidade para a celebração do presente contrato.
13. Em tudo o que não estiver previsto no presente contrato aplicar-se-á o CCT outorgado entre o Sindicato Nacional dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
14. A SPORTING, SAD obriga-se a subscrever, bem como a suportar os respectivos custos dos seguros obrigatórios, ou seja, o Seguro Desportivo, bem como o Seguro de Acidentes de Trabalho, cujo beneficiário é o próprio Jogador ou a sua família. 0 JOGADOR habilita, desde já, a SPORTING, SAD a subscrever outras apólices de seguro que entenda por convenientes, ficando esta Sociedade responsável pelo pagamento dos respectivos custos, bem como a única e exclusiva Benefciária.
15. Para efeitos do presente contrato, as partes declaram que não se fizeram representar por intermediários.
16. O JOGADOR obriga-se, directamente ou por interposta pessoa, a não fazer apostas ou de qualquer modo participar em jogos de azar referentes às competições em que as equipas da SPORTING, SAD participem ou previsivelmente venham a participar, nomeadamente, apostas online, casas de jogos, casas de apostas e afins.
17. O JOGADOR obriga-se a manter sigilo sobre os assuntos e informações do foro interno da SPORTING, SAD, seu clube fundador e sociedades do Grupo Sporting, que venha a ter conhecimento ou acesso no exercício das suas funções, na vigência do contrato e depois da sua cessação.
18. O JOGADOR obriga-se, ainda, a cumprir e respeitar o estipulado no Regulamento Interno da SPORTING, SAD, bem como as normas de conduta na Academia Sporting, e os procedimentos e determinações por esta emanados, de que tem conhecimento.
19. O JOGADOR declara aceitar, integralmente e sem reservas, os compromissos arbitrais previstos no Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional relativamente a todos os litígios emergentes da aplicação dos referidos Regulamentos.
20. As partes acordam, desde já, que todas as disposições relativas ao contrato de trabalho desportivo, celebrado no dia 23 de Outubro de 2015 e eventuais contratos-promessa e aditamentos celebrados nessa mesma data, se encontram expressamente revogadas devido à celebração do presente Contrato.». - Cfr. o Doc. n-1 junto com a petição inicial.
4) Na mesma data, 14 de setembro de 2017, foi celebrado, entre as mesmas partes, um aditamento ao contrato de trabalho desportivo, com a seguinte cláusula única:
" A título de contrapartida pela celebração do Contrato de Trabalho Desportivo até ao dia 30 de Junho de 2022, a SPORT1NG, SAD atribui ao JOGADOR a título de prémio de assinatura, o montante ilíquido de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), a liquidar em 50% juntamente com a remuneração de Setembro de 2017 e 50% juntamente com a remuneração de Dezembro de 2017."
5) Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de junho de 2018, o Demandante comunicou à Demandada a resolução com justa causa do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes em 14 de setembro de 2017 e em vigor para as épocas de 2017/2018 a 2021/2022, carta com o seguinte teor:
"I - Introito
Tendo o signatário celebrado com a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD um contrato de trabalho desportivo em 17 de Setembro de 2017 - cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida - considera que um conjunto de factos aos quais é completamente alheio, ocorridos nos últimos meses de vigência do referido contrato, e que só à entidade patronal podem ser imputados (infra melhor descritos), são gravemente violadores dos seus direitos laborais, nomeadamente no que concerne à sua dignidade profissional e enquanto pessoa, colocando em causa a sua integridade física e segurança, e tomando praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva com V. Exas.
(…) O signatário não se conforma com o facto de exercer a sua profissão num contexto em que sente, individualmente e em todo o grupo que integra, uma culpabilização constante, injusta, e até algo instigadora. 0 contexto de crítica, pública e cerrada, sob o qual o signatário e os seus colegas foram colocados pelo Sr. Presidente afetou o seu desempenho, pois deixou de poder exercer a sua profissão de forma livre, realizada, e focada.
Veja-se, a título de exemplo, as mensagens enviadas aos capitães de equipa na sequência de uma vitória sobre o Rio - Ave (2-0):
"19 DE MARÇO DE 2018
Boa noite. E depois dizem-me que eu não defendo o grupo. Vocês são uns convencidos que não nada nem ninguém. Agora podem ir mostrar isto ao grupo, ficarem amuados mas realmente é uma decepção as vossas atitudes.
(….)Tal crispação teve o apogeu no jogo que se realizou em Madrid, na primeira mão dos quartos de final da Liga Europa, em que a equipa viria a perder por 2 a 0.
Infelizmente, o signatário lesionou-se no dia 27 de Março de 2018, ao serviço da Seleção Nacional de Sub-21, o que afastou a possibilidade de representar o SCP numa das competições mais emblemáticas do mundo do futebol.
Acalentava fortes expectativas de poder atuar num dos mais reconhecidos palcos Europeus, mas, acima de tudo, poder ajudar a equipa na conquista de um troféu tão prestigiado como aquele - o que, nessa fase da época, significava que o trabalho feito até então estava no caminho correto, com provas já dadas, aliás, mediante a vitória no primeiro título nacional em disputa no ano civil de 2018 - título esse que foi o primeiro da história do clube nessa competição.
Por isso, foi com enorme desilusão que o subscritor se viu impedido de participar no referido jogo, não deixando contudo de se sentir envolvido no grupo que ia jogar, e no trabalho coletivamente realizado para atingir mais um objetivo.
Pese embora se compreenda a frustração de uma derrota - nós, jogadores, somos os primeiros a sofrê-la - nada prepara um grupo coletivo de trabalho para o que se viria a seguir por parte do Sr. Presidente da Sporting Futebol Clube - Futebol SAD, que publicou o seguinte nas redes sociais: 
(…) Como já supra mencionado, enquanto atleta, profissional e dedicado, o signatário não pôde deixar de se sentir vexado e indignado, como o ficaram também os seus colegas de equipa, jamais imaginaria o grupo que o responsável máximo do SCP-SAD, ao invés de tentar agregar jogadores, direção e adeptos para os desafios que se avizinhavam: optasse por assumir uma atitude crítica, severa, e que em nada ajuda os atletas a manter uma postura emocional adequada em alta competição.
Em resultado dessa mesma publicação, os jogadores solicitaram ao Team Manager…, uma reunião com o Sr. Presidente para o dia 06 de Abril de 2018, ficando a mesma adiada para o dia 8, ou seja, após o jogo frente ao Paços de Ferreira.
Assim sendo, os jogadores reuniram-se em Alvalade, nesse mesmo dia, para discutir as ações a tomar para poder restabelecer o bom nome e honra dos mesmos.
Em resultado dessa mesma reunião, foi elaborado um texto com o seguinte teor:
"Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantel, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos.
Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir!
Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumir as nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer!
(…) Reafirma-se que estes factos são públicos e notórios e, em circunstância alguma, especialmente acautelados ou reprimidos pela Direção do Sporting Clube de Portugal, deixando os jogadores à sua sorte e à mercê dos acontecimentos, premeditadamente à espera do lamentável desfecho que se tornou inevitável.
Vivia-se um ambiente de enorme crispação e "guerrilha", em relação a toda a equipa de futebol profissional do SCP.
Na segunda feira, dia 14 de Maio de 2018, para as 18horas, foi marcada uma reunião, entre os jogadores e a direção do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, onde estiveram presentes o seu presidente, acompanhado por 3 membros da direção e o Team Manager, bem como todos os jogadores.
Logo de início foram os jogadores surpreendidos com a antecipação do treino de quarta para terça feira.
(…).
Todas as condutas acima descritas do Sr. Presidente do Sporting Clube de Portugal e da sua SAD, reforçadas pelo que resulta do magistrado de Instrução Criminal, titular do processo, são suficientes para destruir irremediavelmente a relação de trabalho existente, bem como a segurança e confiança que o signatário neles deveria depositar.
A forma como o ataque a Alcochete ocorreu não pode deixar de configurar negligência grosseira que confere justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 394, nº 2, al. b) eddo do Código de Trabalho.
Veja-se a título de exemplo:
(…) 44) No dia 6 de abril de 2018, a Ré moveu um processo disciplinar ao Autor, mediante o envio da respetiva nota de culpa nos seguintes termos:
No seguimento da deliberação do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal — Futebol, SAD, de 6 de Abril de 2018, foi intentado na mesma data contra R.. (doravante "JOGADOR", - TRABALHADOR ARGUIDO" ou simplesmente, TRABALHADOR"), processo disciplinar.
Assim, nos termos previstos no Contrato Colectivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, na Lei 54/2017 de 14 de julho e no Código do Trabalho, foi elaborada a Nota de Culpa anexa que aqui se entrega.
Ademais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de jogadores Profissionais de Futebol no seu artigo 16 n.°4 "com a notificação cia nota cie culpa, pode a entidade patronal suspender preventivamente o trabalhador, sem perda de retribuição, se a presença se mostrar inconveniente".
Nesta medida, e por tudo o exposto na nota de culpa, o TRABALHADOR deverá considerar-se suspenso sem perda de retribuição a partir do dia 6 de Abril de 2018 uma vez que a sua presença criará instabilidade revestindo um inconveniente ao normal desenvolvimento da atividade.
A resposta à nota de culpa deverá ser enviada ao cuidado dos instrutores atualmente nomeados no processo, a saber, Dr….Por fim, resta salientar que o processo se encontra à disposição para consulta na sede da Instaurante Sporting Clube de Portugal — Futebol SAD, nos dias úteis, das 15:00 às 18:00, mediante marcação prévia.».
45) Em anexo à carta referida no número anterior foi remetida ao Demandante uma Nota de Culpa, pela qual se imputam os seguintes factos:
(….);
191) O contrato celebrado entre o Autor e o Lille não prevê qualquer cláusula de rescisão até porque a legislação francesa não prevê tal possibilidade;
192) Após a assinatura do contrato com o Lille, surgiram algumas dificuldades com o registo e homologação do contrato de trabalho desportivo do Autor, em função de medidas de controlo financeiro aplicadas ao Lille pela DNCG;
193) Em agosto de 2018, já com a comissão de gestão instalada no Sporting, em face das dificuldades em obter o registo e respetiva homologação do seu contrato de trabalho desportivo, o Autor contactou a Ré, na pessoa do seu ex-treinador, TF…, manifestando o seu desejo em regressar à equipa do Sporting;
(…) 208) Por ocasião da carta de rescisão enviada pelo Autor ao Lille, o prémio de assinatura do agente do Autor ainda não tinha sido pago pelo Lille e, por conseguinte, o pai do Autor tão-pouco tinha recebido a sua respetiva comissão;
209) No dia 7 de setembro, o contrato de trabalho desportivo que vinculava o Demandante ao Lille foi homologado pela Federação Francesa de Futebol
210) O Autor era e continua a ser um dos jogadores mais valiosos e prometedores da sua geração;
211) O valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os €18.000.000,00 (dezoito milhões de euros);
212) A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional;
213) O Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré;
214) Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas;
215) À data da sua fixação, os valores estabelecidos nas cláusulas de rescisão são sempre superiores ao valor de mercado dos jogadores;
216) Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (avançados), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros);
217)     Em agosto de 2019, o Autor foi transferido para o AC Milan, tendo assinado um novo contrato de trabalho desportivo com esse clube a vigorar por 5 épocas desportivas.
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IV. O Direito
A ação arbitral foi apresentada ao abrigo da cláusula compromissória prevista na cláusula 10ª do Contrato de Trabalho Desportivo, nos termos da qual:
“10. Sem prejuízo do disposto no número 9 antecedente, as Partes acordam conferir competência exclusiva e definitiva para dirimir todo e qualquer litígio emergente deste Contrato ou com ele relacionado ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de acordo com o disposto na Lei do TAD, aprovada pela Lei n.° 74/2013, de 6 de Setembro, e no Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do TAD”
O colégio arbitral que conduziu e dirimiu a ação arbitral foi composto por três árbitros: - SC… (Presidente do Colégio Arbitral); - NA… (Árbitro designado pela Demandada); - JS… (Árbitro designado pela Demandante).
A decisão arbitral de 18 de Março de 2020, apreciou juridicamente os factos em questão da seguinte forma:
O contrato de trabalho em causa nos presentes autos e que consta da matéria de facto dada como provada em 1) a 3) é um contrato de trabalho de praticante desportivo para efeitos disposto na Lei n.e 54/2017, de 14 de julho.
Por contrato de trabalho desportivo entende-se o contrato pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, no âmbito de organização e sob autoridade e direção desta.
Esta noção de contrato de trabalho tem a sua génese no disposto no artigo 1152.- do Código Civil e no artigo 11.!- do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.e 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Nos termos do artigo 3.e da Lei n.e 54/2017, de 14 de julho, às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo aplicam-se, subsidiariamente, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho que sejam compatíveis com a sua especificidade, sendo que, as normas constantes desta lei podem ser objeto de desenvolvimento e adaptação por convenção coletiva de trabalho que disponha em sentido mais favorável aos praticantes desportivos e tendo em conta as especificidades de cada modalidade desportiva.
Assim, ao presente caso aplica-se o disposto no Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos jogadores Profissionais de Futebol, o disposto na Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, e subsidiariamente, quando tal seja compatível com a natureza e especificidades do próprio contrato, o disposto no Código do Trabalho.
Conforme realça o professor Leal Amado, "o contrato de trabalho desportivo é um contrato especial de trabalho, acima de tudo, pela necessidade de, na sua disciplina jurídica, se coordenar o aspeto laboral com o aspeto desportivo, pela necessidade de compartilhar ambas as suas facetas. Trata-se, então, de articular a tradicional proteção do trabalhador/desportista com a adequada tutela do desporto/competição desportiva, visto que, para o ordenamento jurídico estadual, estes são os dois valores de extrema importância, cuja conciliação se mostra indispensável. Ora, sucede que a lógica muito própria e peculiar da competição desportiva profissional pode reivindicar - ou, pelo menos, recomendar - um certo número de desvios, nesta sede, relativamente ao regime geral do contrato de trabalho".
Do lado do empregador verifica-se, na maioria das vezes, a existência de uma sociedade desportiva ligada a um clube desportivo, em que, o objetivo do lucro convive, ou tenta conviver com o fomento da prática desportiva. Do lado do trabalhador, verificam-se enormes diferenças entre a relação laboral tradicional e a relação laboral desportiva, nomeadamente no que ao futebol diz respeito. Aqui, o trabalhador aufere, alguma das vezes, elevadas remunerações, ao contrário de um empregado de escritório ou empregado fabril.
Relativamente ao objeto do contrato, e conforme evidencia Leal Amado5, "a prática desportiva profissional constitui uma atividade efémera, quando comparada com as atividades laborais comuns. Trata-se, com efeito, de uma profissão de desgaste rápido, que em regra começa por volta dos 18-20 anos de idade e acaba pouco depois dos 30".
Por outro lado, conforme também não deixa de fazer referência o Professor Leal Amado, é indiscutível que a subordinação jurídica do praticante desportivo relativamente ao empregador assume aqui contornos particularmente intensos.
Em suma, dúvidas não restam que a relação laboral em causa nos presente autos tem uma natureza própria, específica, bastante distinta de uma relação laboral comum, pelo que exige um tratamento também ele próprio e específico.
Por assim ser, quer o Contrato Coletivo de Trabalho, quer a Lei n.2 54/2017, de 14 de julho, contêm diferenças significativas relativamente ao Código do Trabalho. A título de exemplo veja-se que enquanto a regra, no contrato de trabalho comum, é a celebração de contrato de trabalho de duração indeterminada, o contrato de trabalho desportivo terá sempre uma duração determinada, não podendo ter duração superior a cinco épocas desportivas (artigo 7.2 do CCT e artigo 9.s da Lei n.2 54/2017, de 14 de fevereiro). Outro exemplo diz respeito à liberdade de trabalho. Dispõe o artigo 19.2 da Lei n.2 54/2017, de 14 de fevereiro, que são nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vinculo contratual. Ao contrário do regime laboral comum, no qual é possível as partes estabelecerem pactos de não concorrência, no âmbito da relação laboral desportiva tal pacto é ferido de nulidade.
Aqui chegados cumpre analisar, em primeiro lugar, o regime de cessação do contrato de trabalho desportivo e subsumir os factos dados como provados a esse mesmo regime,
Dispõe a alínea d) do artigo 39.B do Contrato Coletivo de Trabalho que o contrato de trabalho desportivo pode cessar por rescisão com justa causa por iniciativa do jogador, constituindo justa causa, a violação das garantias do jogador (artigo 43.2, alínea c), nomeadamente a violação das obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo e das normas que o regem (artigo 12.9), bem como a ofensa à integridade física, honra e dignidade do jogador praticada pela entidade patrona! ou seus representantes legítimos (artigo 43.B, alínea e)).
No entanto, e de acordo com o estabelecido no n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, não é qualquer violação das obrigações das garantias do jogador ou qualquer ofensa à integridade física, honra e dignidade deste constitui justa causa de resolução por parte do desportista. Assim, só constitui justa causa de cessação do contrato de trabalho por parte do desportista, o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.
Ora, aqui chegados cumpre desde já averiguar se a demandada levou a cabo atos de assédio sobre o demandante e se violou os deveres de segurança que sobre si impediam.
Relativamente ao assédio cumpre ter presente não só as já referidas alíneas c) e d) do artigo 43.º do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a LPFP e o Sindicato de Jogadores, como também o artigo 12.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho:
1 - A entidade empregadora deve respeitar os direitos de personalidade do praticante desportivo, sem prejuízo das limitações justificadas pela especificidade da atividade desportiva;
2 - É proibido o assédio no âmbito da relação labora desportiva, nos termos previstos na lei geral do trabalho.
Por sua vez, e segundo o artigo 29.º do Código do Trabalho, entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
No presente caso dos autos, (……)
Todo este comportamento da demandada, levado a cabo pelo então presidente colocam em causa a dignidade pessoal e profissional, e, sobretudo a integridade psicofísica dos atletas visados, degradando o ambiente laboral. Tais comportamentos desgastaram a resistência física e psíquica dos atletas em causa. E repare-se, não é apenas um ato isolado mas sim um encadeamento de atos sucessivos numa ciara subida de escalada. Começa com uma mensagem de telemóvel, passa para publicações nas redes sociais e termina com o decretamento e fim de suspensão provisória e abertura e arquivamento de processo disciplinar.
(….)Todos os comportamentos do presidente da Demandada criaram, como se pode constatar, um clima de desconfiança na relação laboral.
(….)Quer-se com isto dizer que os comportamentos (mensagem e publicações nas redes sociais) do presidente da Demandada são suscetíveis de lesar mais fortemente o bom nome, a honra, a consideração e a integridade dos atletas que participaram nos jogos em causa, objeto da mensagens e publicações, do que no caso do R... A intensidade da lesão não pode deixar de ser menor no caso do Autor nos presentes autos quando comparada, por exemplo, com a lesão dos capitães da equipa. Apesar de a intensidade da lesão não ser a mesma, não deixa de haver violação dos deveres da entidade patronal perante o Autor, uma vez que este fazia parte do plantel da equipa principal do Sporting, encontrando-se completamente integrado no grupo e estando sujeito a todos os deveres e obrigações que impendem sobre o trabalhador com origem na relação laboral que se encontravam em vigor.
(….)Ora, de acordo com jurisprudência recente do Supremo Tribunal de justiça , "não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. Mesmo que se possa retirar do artigo 29.º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma - respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.”
No mesmo sentido, decidiu ainda o Supremo Tribuna! de justiça que "o assédio moral implica comportamentos, real e manifestamente, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências. De acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o "objetivo" de afetar a vítima, bastando que este resultado seja "efeito" do comportamento adotado peio "assediante". Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável".
No presente caso dos autos, todo os comportamentos supra referidos levados a cabo pelo então presidente … perturbaram e afetaram a dignidade do atleta R.., destabilizaram a relação laboral, não se vislumbrando qualquer outro objetivo que não o de vexar os atletas do Sporting entre os quais o R... Certamente que tais comportamentos não visaram melhorar a performance desportiva dos atletas do Sporting. Não se concebe que um presidente de um clube de futebol se dirija aos seus atletas, utilizando as expressões supra referidas, tornadas propositadamente públicas, com o objetivo de melhorar a performance desportiva destes. Da mesma forma, não se vislumbra qualquer objetivo lícito com a abertura e arquivamento imediato de processos disciplinares, bem como a aplicação da sanção de suspensão preventiva da atividade e o levantamento imediato da mesma. Aliás, no caso do R…, tais comportamentos não visavam certamente o aumento do rendimento competitivo, tanto mais que o mesmo se encontra, como já foi referido, lesionado.
Pelo exposto, a demandada violou o disposto no artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho.
Dispõe o artigo 29.º, n.- 4, do código do trabalho que a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, nos termos do disposto no artigo 28.º, ou seja, nos termos gerais do direito. Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora, como ficou provado, o Autor viu colocado em causa o seu bom nome e a sua honra, sentindo-se angustiado e envergonhado, pelo que justifica-se a atribuição ao Autor de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 40.00,00 (quarenta mil euros).
Já relativamente à violação das normas de segurança cumpre ter presente o disposto no artigo 12.º alínea c) do Contrato Coletivo de Trabalho: O clube ou sociedade desportiva deve proporcionar ao jogador boas condições de trabalho, assegurando os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções.
Neste mesmo sentido encontra-se o disposto no artigo ll.º, alínea b) da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, segundo a qual, é um dever da entidade empregadora desportiva proporcionar ao praticante desportivo as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva.
Ora, de entre as condições necessárias à prática desportiva encontra-se, naturalmente, a segurança do trabalhador. Por assim ser, dispõe o artigo 281.º do Código do Trabalho que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde e, o n.º 2 do mesmo artigo, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
(….) No nosso ordenamento Jurídico, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias da cada caso concreto (artigo 487.º, n.º 2 do código civil). Assim, age com negligência quem, de forma ilícita e censurável, representa como possível a realização típica, mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente). 
O dever cuja violação a negligência supõe, consiste em o agente não ter usado aquela diligência que era exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento, dever esse decorrente quer de normas legais, quer do uso e experiência comum, (…)
Por todo o exposto a demandada violou o disposto no artigo 12.e, alínea c) do Contrato Coletivo de Trabalho, o disposto no artigo 11.º, alínea b) da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, bem como o artigo 281.º, n.º 2, do Código do Trabalho,
Por via da prática de assédio e pela violação das normas de segurança encontra- se, portanto, preenchido o primeiro requisito para o preenchimento do conceito de justa causa (n.º 3 do artigo 23,º da Lei n,º 54/2017, de 14 de julho): o incumprimento contratual grave e culposo por parte da entidade empregadora.
Cumpre, agora, averiguar se o assédio e a violação das normas de segurança, no presente caso e tendo em consideração todas as circunstâncias do mesmo, tornou praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva do R.. com o Sporting (segunda parte do n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho).
Em abstrato quer o assédio, quer a violação culposa das normas de segurança são suscetíveis de configurar uma situação de justa causa de rescisão contratual por iniciativa do jogador, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, alínea c), e artigo 12.º, alínea c) do Contrato Coletivo de Trabalho, bem como nos artigos 23.º, n.º 1, al. d) e n.º 3, e artigo 11.º, alínea b) da Lei n,º 54/2017, de 14 de julho e, ainda, no artigo 394.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Não obstante, há que analisar, em concreto, todas as circunstâncias do caso em questão, tendo nomeadamente em consideração o comportamento do jogador R.. após o ataque à academia de Alcochete ocorrido a 15 de maio de 2018.
Ora, conforme matéria de facto dada como provada (e para além do que já supra se disse relativamente ao facto de o Autor se encontrar lesionado desde o início de março, circunstância que fez com que os comportamentos do presidente da demandada não tenham sido vividos pelo R.. com a mesma intensidade dos demais colegas, nomeadamente dos capitães da equipa), após o ataque à Academia, o Autor permaneceu na mesma durante três dias, até dela ser retirado para a cidade do Porto por iniciativa e decisão do seu pai. (…) O exposto revela que, afinal, os comportamentos da demandada podem não ter tornado, no caso concreto do R…, praticamente impossível a subsistência relação laboral desportiva.
(…) Como já foi referido, o contrato de trabalho desportivo é, sempre e por força da lei, um contrato a termo. No entanto, ao contrário da relação laboral comum, no contrato de trabalho desportivo o trabalhador não pode, livremente, colocar fim ao contrato quando bem entender. Ou seja, enquanto que na relação laboral comum, e mesmo no caso de contratos de trabalho a termo, o trabalhador tem a faculdade de pôr fim ao contrato, sem invocar qualquer causa, mesmo antes do termo previsto, no caso do contrato de trabalho desportivo o trabalhador apenas pode fazer cessar o contrato antes do termo previsto quando haja justa causa ou tenha sido estabelecida contratualmente a possibilidade de este proceder à denúncia do contrato, mediante o pagamento à entidade empregadora de uma indemnização fixada para o efeito. Como relembra Leal Amado, "ou seja, em relação ao trabalhador comum o termo configura-se limitativo e não estabilizador, conservando aquele a faculdade de dissolver o vínculo ante tempus (a este propósito, vd. o art. 400.a do CT). Ora, coisa bem diferente se passa no domínio do contrato de trabalho desportivo, pois, neste, o termo é estabilizador: o praticante desportivo só poderá extinguir licitamente o contrato antes da verificação do respetivo termo se para tanto tiver justa causa, conforme resulta do disposto no n.º 1 - d) deste artigo, ou se no contrato for incluída uma "cláusula de rescisão", ao abrigo do n.º 1º g).
Cumpre ter presente as razões que justificam que a legislação laboral desportiva contenha esta diferença tão significativa. Isto é, por que razão é que na relação laboral comum a parte mais interessada na manutenção do contrato é, tipicamente, o trabalhador e a parte mais interessada na liberdade de desvinculação é, tipicamente, o empregador e, aqui, no âmbito da relação laboral desportiva, os interesses são bastante diferentes? Por que razão ao praticante interesse uma maior liberdade de desvinculação e ao empregador uma maior estabilidade contratual?
Em primeiro lugar, ao contrário do trabalhador comum, o praticante desportivo é dificilmente substituível, peio que a sua saída da equipa pode ter efeitos desportivos verdadeiramente negativos. Mas mais, conforme entende também Leal Amado'5"... ao cercear a liberdade de desvinculação ante tempus do praticante, não se visa apenas, nem porventura principalmente, proteger os interesses da sua entidade empregadora. Visa- se, em primeira linha, tutelar a própria competição desportiva. Sem tais regras disciplinadoras do mercado de trabalho desportivo, alega-se, a saúde da competição desportiva correria sérios riscos. Com efeito, o rejeitar o sistema de demissão ad nutum, o ordenamento jurídico restringe a concorrência, de outro modo desenfreada, entre os diversos clubes/empresas no tocante à contratação de praticantes desportivos, preservando uma relativa estabilidade dos quadros competitivos - estabilidade necessária, quer ao processo de construção de uma equipa, quer ao processo de identificação dos adeptos com esta - e atenuando a dinâmica de concentração dos praticantes mais qualificados nos clubes de maiores recursos financeiros - concentração que em última análise, afeta o equilíbrio competitivo e pode fazer perigara incerteza do resultado, condimento indispensável ao sucesso da indústria do desporto profissional.,, estamos aqui, em certo sentido, perante uma renovada manifestação do conhecido princípio pacta sunt servanda: os contratos devem ser pontualmente cumpridos, maxime no que aos prazos livremente estipulados pelas partes contratantes diz respeito."
Consequentemente, no âmbito da relação laboral desportiva o trabalhador não é a parte mais fraca do contrato, como acontece, tipicamente, no âmbito da relação laboral comum. O regime jurídico de cessação do contrato de trabalho permite que o atleta seja considerado um ativo patrimonial importante do clube/entidade patronal. Como escreve Leal Amado10, "é precisamente por não ser reconhecida ao praticante desportivo a liberdade de denunciar, a todo o tempo e ad nutum, o respetivo contrato de trabalho, que a entidade empregadora poderá tentar negociar esse praticante, medio tempore, a troco de uma contraprestação patrimonial. A entidade empregadora desportiva é, portanto, titular de uma "expectativa de ganho" com a eventual transferência ("venda") do atleta, efetuada durante o período de vigência do respetivo contrato de trabalho".
O exposto levou a que o legislador estipulasse uma noção de justa causa, para efeitos de resolução por iniciativa do praticante desportivo, mais estreita e exigente de que a noção de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador comum.
Por todo o exposto, e tendo em consideração as circunstâncias concretas da presente situação, nomeadamente o facto de o atleta ter regressado à academia no dia do seu aniversário, o facto de o atleta ter manifestado estar bem e "junto" com o presidente, e o fato de ter pretendido regressar ao Sporting, entende o colégio arbitral que a relação laboral desportiva em causa poderia ter subsistido.
Assim, a resolução contratual operada pelo jogador R… não configura uma resolução com justa causa, pelo que a mesma foi promovida indevidamente.
julga-se, assim, improcedente o pedido de reconhecimento de justa causa de resolução do Contrato de Trabalho Desportivo.
Aliás, os comportamentos do atleta/trabalhador que ocorreram posteriormente ao incumprimento contratual por parte da entidade patronal e anteriormente à resolução contratual revelam, ainda, que o incumprimento não foi por aquele considerado como perturbador das relações de trabalho para efeitos da justa causa de resolução contratual (cfr. artigo 45.2, alínea a), da convenção coletiva de trabalho);
Aqui chegados há que analisar o pedido reconvencional. Pretende o Sporting que o jogador R… seja condenado a pagar-lhe o valor de € 45.292.616,00 (quarenta e cinco milhões, duzentos e noventa e dois mil, seiscentos e dezasseis euros) com base na ciáusula 11 do contrato celebrado entre as partes.
Dispõem os números 1 e 2 do artigo 24.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que a parte que haja promovido indevidamente a cessação do contrato deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, sendo que pode ser fixada uma indemnização de valor superior sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado.
No presente caso dos autos as partes, por via da cláusula 11 do mesmo contrato, estipularam, a título de cláusula penal, que na hipótese de ser o jogador a rescindir ilicitamente o contrato, este fica obrigado a pagar à Sporting SAD uma indemnização correspondente ao valor das remunerações que haveria de receber até final do contrato rescindido, mais o pagamento do montante de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões), correspondente à valorização dos direitos de participação desportiva do jogador feita pelas partes no presente contrato.
Ora, a presente cláusula viola o disposto no n.º 2 do artigo 24.º, uma vez que fixa uma indemnização de valor muitíssimo superior às retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo, independentemente da prova dos danos desse valor. A norma ínsita no n.º 2 do artigo 24.º tem carácter imperativo, apenas permitindo a fixação de uma indemnização de valor superior às retribuições vincendas nos casos em que se faça prova de danos de valor mais elevado.
Acontece, porém, que o contrato tem que ser analisado no seu todo, Ora, por via da cláusula 8 as partes estipularam uma cláusula de rescisão com o valor de € 45.000.000.00, Ou seja, as partes atribuíram ao praticante desportivo o direito de este rescindir unilateralmente o contrato, sem invocação de justa causa, mediante o pagamento de quarenta e cinco milhões de euros,
A referida cláusula de rescisão encontra-se prevista nas normas vertidas no artigo 25.º, n.º 1 e n.º 2, da mesma lei, segundo as quais, as partes no contrato de trabalho desportivo podem estipular o direito de o praticante fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato em vigor, mediante o pagamento à entidade empregadora de uma indemnização fixada para o efeito, sendo que o montante convencionado pelas partes pode ser objeto de redução pelo tribunal, de acordo com a equidade, se for manifestamente excessivo, designadamente tendo em conta o período de execução contratual já decorrido.
Em suma, da interpretação das duas referidas cláusulas resulta que as partes, e com mais acuidade o Sporting, pretenderam evitar que o praticante desportivo pudesse recorrer à figura da denúncia com justa causa, furtando-se dessa forma, ao pagamento da cláusula de rescisão de quarenta e cinco milhões. Por assim ser, as partes fizeram constar na cláusula 11 - rescisão ilícita por parte do praticante - o valor que já constava na cláusula 8 - direito de rescisão sem justa causa.
Conforme alerta o Professor Leal Amado, a articulação entre estes dois artigos pode dar azo a dúvidas: "suponhamos, por exemplo, que um praticante desportivo, em cujo contrato foi estabelecida uma cláusula de rescisão no valor de x, invoca justa causa e resolve o contrato, alegadamente ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1- d). Porém chamado a pronunciar-se sobre o litígio, o tribunal declara a improcedência da justa causa invocada pelo praticante desportivo, pelo que este terá de indemnizar a entidade empregadora pela rutura do contrato. Pergunta-se: a indemnização será fixada nos termos do art. 24.º, tendo em conta os danos comprovadamente sofridos pela entidade empregadora? Ou, visto, segundo o tribunal, não haver justa causa, o praticante deverá indemnizar a entidade empregadora nos termos do art 25.º, pagando o valor inscrito na cláusula de rescisão? Numa visão sistemática, cremos que, tendo sido estipulada uma cláusula de rescisão, esse será, em princípio, o preço a pagar pelo praticante desportivo que se demite sem justa causa - e isto, quer se trate de um caso em que o praticante assume a ausência de justa causa e exerce a faculdade de denunciar o vínculo, ao abrigo do art. 25.º, quer se trate de um caso em que o praticante invoca justa causa para resolver o contrato, ao abrigo do art. 23.º, nº 1 – d), vindo essa alegada justa causa a ser declarada improcedente pelo tribunal. Vale dizer, a medida da indemnização devida, em ambos os casos, deve corresponder ao montante previsto na cláusula de rescisão - mas isto, como é óbvio, sem prejuízo da faculdade de o tribunal reduzir o montante convencionado pelas partes, de acordo com a equidade, se o mesmo se revelar manifestamente excessivo, conforme dispõe o n.º 2 do art. 25.º.
Este é também o entendimento o colégio arbitral. O responsável pela cessação do contrato deve responder, em primeiro lugar, e nas palavras de Leal Amado, "pelo período da frustração contratual", correspondendo a indemnização ao montante das retribuições vincendas. Na verdade, foi esse o valor que as partes atribuíram à atividade que o atleta ainda ia prestar, caso o contrato fosse cumprido. No entanto, pode o responsável pela cessação do contrato responder ainda por uma indemnização de valor superior ao montante das retribuições vincendas sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado. Só assim não será, nos casos, como o dos presentes autos, em que é fixada uma cláusula de rescisão.
Assim, num contrato em que não seja previsto o direito de o praticante fazer cessar unilateralmente e sem justa causa esse mesmo contrato, não podem as partes estipular o pagamento de uma indemnização de valor superior às retribuições vincendas independentemente da prova de danos de valor superior.
No caso de o atleta ter o direito de fazer cessar o contrato, de forma unilateral e sem invocação de justa causa, mediante o pagamento de uma determinada quantia, a indemnização a pagar por quem deu causa à cessação no caso de a alegada justa causa de resolução não vir a ser procedente deve ser do valor daquela quantia, sem prejuízo da faculdade de o tribunal reduzir o montante convencionado pelas partes, de acordo com a equidade, se o mesmo se revelar manifestamente excessivo.
Pelo exposto, no presente caso a medida da indemnização devida pelo atleta R… ao Sporting corresponde ao valor da cláusula 8 e não da cláusula 11 do contrato (€ 45.000.000,00), sem prejuízo da redução efetuada infra, de acordo com a equidade, pela circunstância de o mesmo ser excessivo.
Mas, mesmo que se entendesse que a indemnização deveria ter em consideração os valores referidos na cláusula penal vertida na cláusula 11 do contrato aqui em causa, certo é que os mesmos seriam sempre suscetíveis de redução de acordo com a equidade. Isto porque, "o contrato de trabalho desportivo não é, não pode ser, blindável, pois tal blindagem conduz, em linha reta, a algo não muito distante do trabalho forçado”13. Perante tal cláusula penal sempre seria de aplicar o disposto no artigo 812.º do Código Civil: a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Por todo o exposto fica desde já prejudicada a análise da questão relativa ao apuramento dos danos sofridos pela demandada.
No presente caso verifica-se que o Autor, à data dos factos (junho de 2018) era um atleta jovem e promissor, relativamente ao qual a Ré perspetivou uma valorização económica e desportiva exponencial. A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional e o Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré. Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas.
No entanto, certo é também que a política da ré era fixar cláusula de rescisão por posição no campo do atleta em causa. Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (avançados), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros).
No caso concreto, o R… tinha ainda 4 épocas de contrato para cumprir. No entanto ao atleta auferia apenas a quantia ilíquida de € 5.000,00 (cinco mil euros) mensais, valor esse que atingiria € 6.667,00 na última época. E diz-se apenas quando comparado com o valor estipulado da cláusula de rescisão (€ 45,000.000,00).
Relembrado o Professor Leal Amado14,"... no universo do desporto profissional as cláusulas de rescisão possuem, na sua grande maioria, um objetivo bem definido: efetuar a chamada blindagem do contrato, isto é, assegurar a intangibilidade do vínculo contratual, criando um breach-proof contract. Com efeito as quantias acordas atingem, não raro, valores astronómicos, da ordem de muitos milhões de euros, valores que se julgariam impensáveis, totalmente desproporcionados em relação aos danos previsíveis resultantes da rescisão do contrato ante tempus por banda do praticante desportivo... 
através destas "cláusulas de rescisão" milionárias, a entidade empregadora desportiva visa, portanto, um duplo objectivo: i) garantir o integral cumprimento do contrato por banda do praticante; ii) reservar para sim um papel incontornável na eventual transferência medio tempore. Isto é, uma "cláusula de rescisão" de montante proibitivo impede o praticante de se demitir... a referida blindagem do contrato, o indicado fortalecimento do vínculo, criam uma situação de iniludível "encarceramento contratual" do praticantes desportivo, o qual se torna refém do contrato de trabalho, com todos os delicados problemas daí advenientes. Com efeito, a liberdade de trabalho, a liberdade de escolha e de exercício da profissão, a freie Arbeitsplatzwahl, é iniludivelmente posta em xeque por tais "cláusulas de rescisão" astronómicas. Sendo estipulada uma cláusula de valor exorbitante, como amiúde sucede, na prática o desportista vê-se impedido de se desvincular e de passar a exercer a respetiva atividade profissional ao serviço de outra entidade empregadora desportiva."
Ora, o valor inscrito numa cláusula de rescisão de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões) inserida num contrato de um atleta que prevê o vencimento de cerca de € 5.000,00 euros mensais ilíquidos, atleta esse que, apesar de ser uma promessa, apenas na época desportiva - 2017/2018 - passou a integrar o plantel da equipa principal da demandada, não pode deixar de ser considerado como manifestamente excessivo. Na verdade, ao estabelecer-se a possibilidade de um atleta que aufere cerca de € 5.000,00 ilíquidos mensais poder fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato mediante o pagamento de € 45.000.000,00 está-se a blindar o contrato, criando uma situação de "encarceramento contratual", com efeitos negativos na liberdade de trabalho e de exercício da profissão. Conforme entende João Leal Amado, "os tribunais não poderão deixar de ser rigorosos no controle do montante das cláusulas de rescisão estipuladas no contrato de trabalho desportivo, pois a prática parece vir revelando uma tendência para fixar valores exorbitantes e sem qualquer fundamento racionai válido...”
Assim, o valor de € 45.000,000,00 carece de ser reduzido de acordo com a equidade, por forma a se estabelecer um justo equilíbrio, tendo em consideração, por um lado, o dano causado (no qual se inclui o lucro cessante) e, por outro lado, a liberdade de trabalho, a liberdade de escolha e de exercício da profissão.
Ora, conforme ficou provado, o valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os € 18,000.000,00 (dezoito milhões de euros). Tal valor foi dado como provado por via de prova pericial. Concluiu o perito que "o valor apontado no presente documento situa-se na banda 15-18M€. Trata-se de valor consistente com os fixados para os mais proeminentes jogadores da geração em que se insere R…, tendo em consideração a sua trajetória, posição em que atua, registo de lesões, visibilidade internacional e a notoriedade do clube de origem no atual contexto do futebol europeu.”
Assim, era este o valor que o Sporting poderia ter como expectativa de receber à data da cessação do contrato de trabalho, operado pelo atleta. É verdade que este valor poderia ser muito distinto caso o contrato terminasse apenas no final da época 2021/2020. Tal valor poderia ser mais elevado, no caso de o atleta ter um rendimento desportivo que justificasse esse aumento; mas também poderia ser um valor muito menor, basta pensar na hipótese de o atleta ter uma lesão grave. À luz do ordenamento jurídico português na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564.º, n.º 2, do código civil). Para além de o valor do atleta no final do contrato ser incerto, logo não ser indemnizável, a verdade é que as partes pretenderam atribuir ao R.. a possibilidade de este se poder desvincular a qualquer momento, razão pela qual previram uma "cláusula de rescisão." O mesmo é dizer que o atleta sempre tinha o direito de fazer cessar o contrato entre 15 de maio e 15 de junho (cfr. cláusula 8.2, al. a) do contra aqui em causa).
O valor situado entre 15 a 18 milhões de euros também se afigura razoável à luz da liberdade de trabalho e da livre escolha e exercício da profissão, desde logo porque sendo um valor que o mercado estava disposto a atribuir naquele momento, o mesmo não se torna um obstáculo à desvinculação do atleta, possibilitando-o de poder a passar a exercer a respetiva atividade profissional ao serviço de outra entidade empregadora desportiva.
Por todo o exposto o colégio arbitral julga a reconvenção como parcialmente procedente, condenando-se o demandante a pagar à demandada, a titulo de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade a quantia que se tem por justa e razoável de € 16.500.000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil euros).
Por fim, requer a demandada que o demandante seja condenado como litigante de má-fé, pelo facto de deduzir preensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterar a verdade dos factos e omitir factos relevantes, fazendo do processo uso manifestamente reprovável, com o fim de alcançar um objetivo ilegal e entorpecer a ação de justiça.
O instituto da condenação por litigância de má-fé envolve um juízo de censura que radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes litigantes estão adstritas. A litigância de má-fé pressupõe uma atuação dolosa ou com negligência grave em termos da intervenção na lide. Em qualquer das situações previstas legalmente basta, à luz dos concretos factos apurados, que seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação.
O comportamento do Autor, R…, consubstanciado na instauração da presente ação não merece qualquer censura. Como se viu, a aqui demandada praticou assédio mora! sobre o aqui Autor e violou os deveres de segurança a que estava adstrita pelo que, desde logo, não se pode concluir que tenha usado do processo de forma reprovável.
Pelo exposto indefere-se o pedido de condenação efetuado pela demandada na condenação do autor em litigante de má-fé.
DECISÃO
Nos termos e fundamentos supra expostos julga-se a presente ação, parcialmente procedente, e a reconvenção, parcialmente procedente, condenando-se a demandada, Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, a pagar ao autor, R.. a título de indemnização pela prática de assédio moral, a quantia de €40.000.00 (quarenta mil euros), e o demandante a pagar à demandada, a quantia de €16.500.000.00 (dezasseis milhões e quinhentos mil euros), a titulo de indemnização por cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo.
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Por sua vez, a decisão de 6 de Julho de 2020, acrescentou a seguinte apreciação jurídica:
Veio a demandada requerer, ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º 4 e 5, da LAV, aplicável por via do artigo 61.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, a prolação de sentença adicional sobre o pedido de condenação do demandante em juros, contabilizados à taxa legal desde a citação, por não ter o mesmo sido objeto de decisão do acórdão proferido.
Posteriormente veio o demandante alegar, em suma, que a aplicação subsidiária da LAV aos processos que correm no TAD não abrange a possibilidade de as partes requererem a prolação de sentença adicional, pelo que a pretensão da demandada deve ser indeferida.
Não tem razão o demandante pelo fundamentos que se passam a expor. Dispõe o artigo 61.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro} que em tudo o que não esteja previsto neste título e não contrarie os princípios desta lei, aplicam-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, a LAV nos processos de jurisdição arbitral voluntária.
O referido artigo 61.º encontra-se no mesmo título (título II da LTAD) em que se encontra o artigo 47.º cuja epígrafe é a seguinte: Interpretação e correção da decisão.
Ora, se é verdade que a LTAD não prevê a prolação de decisão adicional, não é menos verdade que a Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro) prevê no artigo 45.º, n.º 5, que salvo convenção das partes em contrário, qualquer das partes pode, nos 30 dias seguintes à data em que recebeu a notificação da sentença, requerer ao tribunal que profira uma sentença adicional sobre partes do pedido ou dos pedidos apresentados no decurso do processo arbitrai, que não hajam sido decididas na sentença.
A norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LAV não só não esta prevista na Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como não contraria os sus princípios. Pelo exposto, o TAD não está impedido de proferir sentença adicional nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LAV, aplicável ex vi do artigo 61.º da LTAD.
No presente caso, verifica-se que em sede de reconvenção a demandada deduziu o pedido de condenação do demandante a pagar àquela uma indemnização acrescida de juros contabilizados à taxa legal desde a citação pelos prejuízos causados com a cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo. Verifica-se, também, que o acórdão arbitral não decidiu sobre esta parte do pedido.
Como afirmava Antunes Varela (no domínio da versão originária do Código Civil), "no caso da obrigação de indemnizar, há ou pode haver duas indemnizações diferentes, sucessivas, que se somam a favor do credor: uma é a indemnização cujo objecto se pretende liquidar, proveniente de um primeiro facto constitutivo de responsabilidade, que tanto pode ser a mora ou falta de cumprimento da obrigação, como um facto lícito ou ilícito extracontratual ou até uma cláusula de um contrato de seguro; a outra é a indemnização pela mora no cumprimento da obrigação de indemnizar, depois de esta ter sido liquidada."2
Visa-se, pois, reparar o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização por equivalente, correspondendo a indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1, do CC). Tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, como é o caso dos presente autos em que o demandante foi condenado a pagar indemnização por cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo, o devedor constitui-se em mora desde a citação (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil).
Pelo exposto, condena-se o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo, a quantia indicada no acórdão arbitrai, datado de 18 de março de 2020, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a citação.
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Como é sabido, o único modo de manifestação de irresignação em sede de recurso no que à sentença arbitral tange, é a alegação e prova de que ela padece de um vício formal, dos taxativamente consignados na lei – artº 46º da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) que acarretam a sua anulação.
Pois que quanto ao mérito do decidido, nem as partes podem recorrer, nem, logicamente, o tribunal de recurso se pode pronunciar.
É o que resulta dos preceitos da LAV, a saber:
Artigo 39.º
Direito aplicável, recurso à equidade; irrecorribilidade da decisão
1 - Os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade.
2 - Se o acordo das partes quanto ao julgamento segundo a equidade for posterior à aceitação do primeiro árbitro, a sua eficácia depende de aceitação por parte do tribunal arbitral.
3 - No caso de as partes lhe terem confiado essa missão, o tribunal pode decidir o litígio por apelo à composição das partes na base do equilíbrio dos interesses em jogo.
4 - A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável.
Artigo 46.º
Pedido de anulação
1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.
2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:
a) A prova é oferecida com o requerimento;
b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;
c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;
d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;
e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;
f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.
3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
 i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou
 vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
 ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável.
6 - O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento no termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.
7 - Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.
 8 - Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação.
9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.
10 - Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objecto do litígio.
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Da alegada falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela requerida.
Nos artigos 39.° e seguintes da sua petição inicial, o requerente apresenta aquele que vem a ser o seu primeiro fundamento de anulação: a alegada falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela requerida, NA….
Teria este omitido o seu dever de divulgar informações que se revelariam suscetíveis de originar dúvidas a respeito da sua independência e imparcialidade, o que permitiria, por sua vez, concluir pela irregularidade da composição do Tribunal Arbitral, que se erige como fundamento de anulação das decisões arbitrais, nos termos do disposto no artigo 46°, n.° 3, alínea a), parágrafo iv) da LAV.
A questão da alegada falta de imparcialidade e independência do árbitro designado pela requerida foi já pelo mesmo suscitada e na sede própria: em sede de incidente de recusa, deduzido pelo requerente no âmbito da própria arbitragem e aí indeferido.
O fundamento de anulação ora invocado pelo requerente surge, pois, na sequência de idêntico pedido apresentado no processo arbitral, nos mesmos exatos termos que ora vêm apresentados.
O requerente solicitou em primeiro lugar ao árbitro visado, por requerimento datado de 29.04.2020, a prestação de esclarecimentos acerca de um conjunto de circunstâncias relacionadas com processos e assuntos em que este teria intervindo como árbitro ou como advogado.
Tendo o referido incidente de recusa sido deduzido posteriormente, por requerimento do requerente de 05.06.2020.
Assim, depois de promovida a audição do árbitro em causa e da requerida, bem como obtidas informações do Presidente do Colégio Arbitral e do Árbitro designado pelo requerente sobre a conduta do visado, o incidente de recusa veio então a ser julgado improcedente pelo Presidente do TAD em 06.07.2020.
Sucede que, nos termos do artigo 26°, nº2 da Lei n.° 74/2013, de 6 de setembro (doravante, "LTAD"), sob a epígrafe "Processo de Recusa":
 “2 - Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o presidente do TAD no prazo máximo de cinco dias, mediante ponderação das provas apresentadas, sendo sempre garantida a audição do árbitro, quando a invocação da causa do incidente não tenha sido da sua iniciativa, e ouvida a parte contrária, quando deduzido por uma das partes, decide sobre a recusa."
E o seu n.° 3 preceitua, por seu turno, que "A decisão do presidente do TAD prevista no número anterior é insuscetível de recurso.“
É verdade que a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros pode, mediante o preenchimento de apertados pressupostos, fundamentar um pedido de anulação de decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, a), iv) da LAV.
Mas, como refere Mário Esteves de Oliveira, in Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, 2014, pp. 213, 214 e 562:
“A última questão é a de saber até quando é que pode decidir-se sobre a destituição de árbitros. (…) entendemos que a decisão de recusa ou destituição de um árbitro pode ser tomada e efetivada até à assinatura da sentença arbitral. Depois disso, a destituição torna-se juridicamente impossível. Sendo certo que, a admitir-se isso, a questão deve então dar lugar à impugnação da sentença arbitral - ao abrigo da subalínea iv) da alínea a) do artigo 46.°, n.°3, já não à recusa ou destituição do árbitro. No conceito composição do tribunal entram as regras dos arts. 80 e seguintes respeitantes ao número de árbitros, à sua personalidade singular e demais atributos e requisitos deles, ao modo e aos prazos de sua designação, às respetivas aceitação e recusa, às garantias da sua independência e imparcialidade" .
É também esta a posição perfilhada por António Menezes Cordeiro, in Tratado da Arbitragem, Comentários à Lei n.° 63/2011, de 14 de dezembro - 2016, p. 441, que considera que no requisito de desconformidade da composição do tribunal constante do artigo 46.°, n.° 3, a) iv) é possível "incluir os casos de inadequação ou de falta de independência ou de imparcialidade dos árbitros ou de alguns deles.  "
Contudo, em nosso entendimento, haverá que efectuar uma restrição: apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento no disposto no artigo 46°, n° 3, alínea a), parágrafo iv) nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objectiva ou subjectiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.
O momento adequado para suscitar a recusa de um árbitro é durante a pendência do processo arbitral, antes da prolação da sentença final, uma vez que, de acordo com o estatuído no art. 44.°, n.°s 1 e 3 da LAV, com a sua prolação extingue-se o poder jurisdicional dos árbitros.
De igual modo, nos termos do n.° 1 do artigo 26.° da LTAD, "a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao presidente do TAD, no prazo de três dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição do colégio arbitral ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo anterior."
Porém, já não será assim naqueles casos em que as circunstâncias suscetíveis de inquinar a independência ou imparcialidade do árbitro visado sejam supervenientes à prolação da sentença arbitral ou sejam conhecidas pela parte recusante apenas após esse momento.
Nesses casos, o único meio processual ao dispor da parte é o pedido de anulação da sentença arbitral com tal fundamento.
O que significa que a falta de independência e imparcialidade de um árbitro apenas constitui fundamento de anulação de decisão arbitral, para os efeitos do artigo 46.°, n.° 3, a) iv), quando resulte inviável a via normal que a parte tem ao seu alcance para reagir,
Porque no momento em que tem conhecimento das circunstâncias suscetíveis de criar dúvidas sobre a imparcialidade e independência do árbitro visado, já não pode iniciar um incidente de recusa.
Desse modo, um pedido de anulação fundamentado em alegada falta de imparcialidade e independência de árbitro será inadmissível sempre que:
i) a parte deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, não ocorrendo circunstâncias supervenientes, diferentes das arguidas nesse incidente, que legitimem o recurso à ação de anulação com tal fundamento;
ii) a parte tenha conhecimento de circunstâncias que suscitem dúvidas acerca da independência e imparcialidade dos árbitros, mas não deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, antes se conformando com a intervenção do árbitro no processo.
Nas palavras de Manuel Pereira Barrocas, in Manual de Arbitragem, 2.a Edição, Almedina, p. 307:
"se a questão da falta de independência já tiver sido decidida pelo próprio tribunal arbitral e, em obediência ao número 3 do artigo 14.°, também pelo tribunal estadual, ainda assim cabe ação de anulação da sentença arbitral que tenha decidido o litígio? Entendemos que não cabe ação de anulação. [...].
Todavia, se a parte interessada não teve conhecimento do_ facto indiciador da_ falta de independência a não ser após a sentença arbitrai ter sido proferida, ficaria impedida de suscitar a questão perante o tribunal arbitral. Este esgota o seu poder jurisdicional com a prolação da sentença arbitrai, sem prejuízo do disposto no artigo 45° da LAV. Nesse caso particular, entendemos que cabe ação de anulação ao abrigo da citada subalínea iv) da alínea a do número 3 do artigo 46.° da LAV" .
Para este entendimento, torna-se irrelevante o disposto no n° 3 do artigo 26° da LTAD, o qual, como vimos, determina a insusceptibilidade de recurso da decisão do Presidente do TAD sobre o pedido de recusa de árbitro. Relevante será apenas a possibilidade de dedução do incidente de recusa, independentemente da sua tramitação posterior e da possibilidade ou não de apreciação judicial da decisão, em sede de recurso.
Fica, assim, prejudicada a apreciação sobre a alegada inconstitucionalidade desta art. 26º, nº 3: a mesma deveria ter sido alegada no processo arbitral, em sede de interposição de recurso da decisão final do incidente de recusa e não o foi.
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No caso, o incidente de recusa foi suscitado pelo requerente previamente à prolação do acórdão adicional cuja anulação ora é peticionada.
O requerente, tendo deduzido pedido de recusa junto do tribunal arbitral, o qual foi definitivamente decidido pelo órgão competente, pretende lançar mão da ação de anulação, como se de um verdadeiro recurso se tratasse.
Mas não estamos perante um daqueles casos - os únicos que justificam o recurso à ação de anulação com o fundamento alegado pelo requerente - em que a circunstância inquinadora da independência ou imparcialidade do árbitro só vem a ser descoberta após a pronúncia final do tribunal arbitral.
Sendo que as circunstâncias que o requerente aponta como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do árbitro NA… de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas.
Tanto que foram tais questões ainda tempestivamente suscitadas pelo requerente em sede de incidente de recusa.
Comparando-se o articulado da petição inicial com o do requerimento de recusa apresentado pelo requerente a 05.06.2020 (cfr. Doc. 7 junto com a petição inicial), facilmente se constata que este é uma repetição dos mesmos argumentos já esgrimidos pelo requerente em sede arbitral, que vêm apresentados nos mesmos exatos termos.
Pelo exposto, conclui-se que a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela requerida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020.
Pelo que improcede a argumentação do requerente, a este respeito.
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Da alegada contradição entre os fundamentos e entre os fundamentos e a decisão
A lei portuguesa da arbitragem conta-se entre aquelas que prescrevem imperativamente a fundamentação da decisão arbitral (art. 42º, nº 3 da LAV e 208º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal arbitral julga procedente ou improcedente um pedido - mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
Isto é assim, dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão – judicial ou arbitral - é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes arbitrais convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, esse juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.
O dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de controlo - do modo como o juiz arbitral exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão – cfr. Patrícia Guia Pereira, “Fundamentos de anulação da decisão arbitral: perspectivas de iure condito e de iure condendo”, in O Direito, Almedina, Coimbra, nº 110, pág. 1078..
Na motivação da decisão o juiz arbitral deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica.
Na motivação, o juiz arbitral deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério de julgamento, caso esse critério seja normativo, extraído de normas legais.
Dito doutro modo: a decisão arbitral não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz arbitral está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é correcto e legal, o que só pode fazer-se através da exposição de opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão – cfr. Michele Tarufo, Páginas Sobre Justicia Civil, Marcial Pons, 2009, pág. 36 e 37.
No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão – cfr. Acs. do STJ de 08.07.87, BMJ nº 369, pág. 481, da RP de 06.01.94, CJ, 94, I, pág. 197 e da RL de 03.11.94, CJ, 94, V, pág. 90.
Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Como já afirmava o Prof. Alberto os Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
É pois entendimento pacífico que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade respectiva.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
No caso em apreço, o requerente invoca o vício decorrente da oposição entre os fundamentos e entre os fundamentos e a decisão, não a ausência de fundamentação legalmente relevante.
Sucede que o artigo 46°, n.° 3 da LAV não prevê, no seu rol taxativo de fundamentos de anulação, fundamento análogo ao previsto na alínea c) do número 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil.
Pelo que, como refere Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 1992, Ano 52 - Vol. III - Dez. 1992, p. 939, nos casos em que se verifica uma contradição entre os fundamentos e a decisão não nos parece caber acção de anulação. Se bem que nestas hipóteses se possa considerar que a fundamentação não preenche nenhuma das suas finalidades ou funções, certo é que a Lei [...], ao contrário daquilo que estabelece o Código do Processo Civil, no seu art. 668º, nº1, al. c), não previu expressamente esta causa de nulidade. Deste modo, e apesar de existir uma contradição lógica insanável na sentença, deve esta contradição ser ultrapassada através do recurso da decisão arbitral», quando exista.
Tais palavras, escritas no âmbito da Lei anterior, mantém integral validade face à actual LAV.
Sem prejuízo, cumpre referir que nenhuma contradição ou incongruência existe na motivação do acórdão arbitral em causa.
O que o requerente alega é, em suma, que apesar de o Tribunal ter concluído "estar preenchido o primeiro requisito para o preenchimento do conceito de justa causa (nº 3 do artigo 23º da Lei nº 54/2017, de 14 de julho): o incumprimento contratual grave e culposo por parte da entidade empregadora", o mesmo, "contraditoriamente e surpreendentemente, contudo, face aos factos que considerou provados (no seu conjunto) e às observações que sobre os mesmos teceu e face à decisão de condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização pela prática de actos de assédio, o Tribunal Arbitral acabou por julgar improcedente o pedido de reconhecimento de justa causa por ter concluído que a 'a relação laboral desportiva em causa poderia ter subsistido', uma vez que 'se a 14 de julho de 2018 fosse impossível para o Autor manter a relação laboral desportiva com a demandada, aquele não teria, no dia 1' de junho de 2018, regressado voluntariamente à Academia de Alcochete no dia do seu aniversário, nem teria enviado uma mensagem ao então Presidente da demandada, B…, a dizer "estamos juntos"; da mesma forma, não teria o Autor, passados apenas cerca de 2 meses, tentado regressar ao Sporting'".
No caso, o Tribunal concluiu que se não demonstrou verificado o segundo requisito necessário, de "impossibilidade prática de subsistência da relação laboral".
O requerente apenas apresenta discordância para com sentido da decisão, que considera incompatível com a resposta dada pelo mesmo Tribunal a determinados pontos da matéria de facto; não se antevendo qualquer contradição entre os fundamentos e entre os fundamentos e a decisão, a este respeito.
A divergência é de direito e refere-se à apreciação jurídica dos factos pelo Tribunal Arbitral; sucede que, não sendo admissível recurso judicial, tal divergência fica insanada, prevalecendo a decisão arbitral.
Improcede, pois, esta argumentação.
*
Da alegada ininteligibilidade da fundamentação da decisão de condenação do requerente e redução equitativa da indemnização fixada.
Alega o requerente:
222.º
É assim ininteligível o raciocínio do Tribunal Arbitrai, quando salta da aplicação do regime da cláusula 11.a do contrato e do artigo 24.° do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, para a subsunção dos factos na cláusula 8.a do contrato e ao disposto no artigo 25.° daquele diploma legal, o qual regulamenta, por contraposição com o disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 23.° e do artigo 24.° do RJCTD, a denúncia do contrato de trabalho desportivo por iniciativa do praticante sem invocação de justa causa.
223.°
Em suma, o Requerente resolveu o contrato com invocação de justa causa e o Tribunal Arbitral aplica a norma da denúncia do contrato, pelo que deverá ser anulado o Acórdão Arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 46.°, n.° 3, alínea a), parágrafo ii) da LAV.
E, mais à frente:
228.º
O Acórdão carece, contudo, de fundamentação criteriosa para tornar inteligível a fixação do quantum indemnizatório, porquanto, sem qualquer matéria factual que sustente o valor dos danos da Requerida, isto é, uma oferta concreta de aquisição do passe do jogador, ou mesmo a existência, à data dos factos, de um interesse de qualquer outro clube.
229.°
Entende assim infundadamente que a Requerida tinha uma mera expetativa de receber, à data da cessação do contrato o valor de € 16.500.000,00, considerando que este seria o valor que o mercado estaria disposto a atribuir naquele momento, sem concretizar que mercado, que clube ou qualquer outro critério substantivo do qual fosse razoável pressupor aquele montante que não seja o juízo ex aequo et bono.
Quer num caso, quer noutro, o que o requerente  coloca em questão são supostos erros em que teria assentado o percurso cognitivo e decisório percorrido pelos árbitros.
O requerente compreendeu o modo como foi condenado a pagar a indemnização e como operou a aludida redução equitativa; muito simplesmente, discorda da forma — técnica e jurídica — como o Tribunal obteve esse resultado.
Mas esse juízo não pode ser agora efectuado, pois não se enquadra em causa de anulação da decisão mas sim da sua apreciação – vedada – do mérito.
Constitui entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a nulidade prevista no artigo 615º, n.º. 1, al. c) do Código Processo Civil só se verifica:
(i) quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente (cf.. Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. n.º. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. n.º 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. n.º 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. n.º 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt), sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica (art.º 615.º/1-c)-1.ª parte); ou ainda
(ii) quando a parte decisória propriamente dita tem mais de um sentido, tornando-se, assim, incerto ou duvidoso o respectivo comando (ambiguidade), ou quando o seu exacto sentido não possa alcançar-se (artigo 615.º/1-c)-2.ª parte).
Estando em causa, a ininteligibilidade da decisão, os vícios da ambiguidade e/ou da obscuridade só a esta se podem reportar, com exclusão, portanto dos fundamentos invocados.
            Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento.
Certo é que a decisão constante da decisão em crise não se revela ambígua e/ou obscura, que o requerente alcançou claramente o respectivo comando e a forma como o Tribunal Arbitral resolveu o litígio.
E também não se detecta qualquer ilogicismo ou contradições entre os respectivos fundamentos e a decisão proferida, como se viu.
Como se refere na decisão arbitral complementar, aqui em causa:
Em segundo lugar, o demandante não aponta na decisão qualquer ponto da fundamentação de facto ou de direito que se mostre contraditório ou incompatível com o sentido decisório tomado. O demandante indicou concretos pontos da matéria de facto que, no seu entendimento, deveriam ter conduzido a um resultado diferente do alcançado pela decisão. Pontos esses que o colégio arbitral utilizou para fundamentar encontrar-se preenchido o primeiro requisito para o preenchimento do conceito de justa causa mas que não são suficientes para se demonstrar verificado o segundo requisito necessário, o da "impossibilidade prática de subsistência da relação laboral".
O que o Demandante alega é, na verdade, a sua discordância para o com sentido da decisão.
Como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 26/11/2019 (Carlos Moreira), disponível em www.dgsi.pt e aplicável ao nosso caso:
II - A impugnação da sentença do juiz arbitral para o Tribunal Estadual apenas pode ser efectuada pela via do pedido da sua anulação, por vício formal alheio ao objecto da causa, e apenas procedente se verificado algum dos fundamentos taxativamente previstos no artº 46º da LAV.
III - Porque ao tribunal ad quem está vedado a apreciação do mérito da sentença, mesmo na vertente da fixação dos factos, a sua anulação por falta de fundamentação fáctica ou jurídica apenas emerge se esta, de todo, inexistir, ou se não for perceptível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para dirimir o litígio.
IV – Não é o caso se o juiz fixou os factos provados, invocou, sumariamente, a prova, e decidiu, de jure, congruentemente – bem ou mal não importa porque tal não cumpre apreciar - e em conformidade com o objecto do pleito.
Improcede, pois, esta alegação.
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Do excesso de pronúncia
Alega o requerente, a este respeito, que o Tribunal Arbitral "conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento", por, alegadamente, a requerida ter fundado o seu pedido de indemnização numa cláusula do contrato e o Tribunal ter determinado a sua condenação com base numa cláusula diferente, à qual subjazeria um diverso regime jurídico.
Defende o requerente que "o acordo das partes plasmado na cláusula 11° constitui ou integra a causa de pedir do pedido de condenação à indemnização de € 45.000.000,00" e que, ao invés de ter apreciado o pedido de indemnização adicional de € 45.000.000,00, ao abrigo da cláusula 11.ª do Contrato de Trabalho Desportivo, pretensamente subsumível à previsão ao n.º 2 do artigo 24° do RJCTD, [...] [o] Tribunal Arbitral a págs. 241 e ss. do Acórdão apreciou um pedido de indemnização adicional ao abrigo da cláusula 8° do Contrato de Trabalho Desportivo, que estabelece uma cláusula indemnizatória pela distinta denúncia do contrato".
A nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, segundo o qual o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
No caso, os factos alegados pela requerida, e que integram objetivamente a causa do seu pedido de indemnização, reconduzem- se à ruptura ilícita pelo requerente do seu contrato de trabalho desportivo.
Sendo que o pedido de indemnização deduzido pela requerida e conhecido pelo Tribunal foi o seguinte: "Deverá, pelo exposto, ser o Autor condenado a pagar a Ré o valor global de € 45.292.516,00 (quarenta e cinco milhões, duzentos e noventa e dois mil, quinhentos e dezasseis euros), acrescido de juros contabilizados à taxa legal desde a citação, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com a cessação ilícita do contrato de trabalho do Autor, manifestamente destituída de justa causa para o efeito".
Tal pedido mereceu, como se viu, parcial acolhimento, sendo que o mérito dessa apreciação jurídica se mostra vedado, por não constituir fundamento de anulação da mesma decisão.
Não se verificando qualquer excesso de pronúncia previsto na subalínea v) da alínea a) do n.° 3 do artigo 46.° da LAV, mostra-se também improcedente esta alegação.
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Da alegada ofensa à Ordem Pública Internacional
Alega, por fim o recorrente, uma alegada ofensa perpetrada pelas decisões arbitrais aos princípios da Proporcionalidade, da Boa-Fé, da Proibição do Abuso de Direito, da Liberdade de Trabalho, da Autonomia Colectiva e da Igualdade,  princípios jurídicos esses integrantes da ordem pública internacional do Estado Português.
Nos termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV, uma sentença arbitral é efetivamente suscetível de anulação quando o seu conteúdo ofenda os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Luís Lima Pinheiro destaca que a reserva de ordem pública internacional constitui um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira (Direito Internacional Privado, Vol I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra: 584); ‘’que esta cláusula geral actua quando, perante o conjunto das circunstâncias do caso concreto, o resultado do reconhecimento seja incompatível com princípios e normas fundamentais da ordem jurídica portuguesa’’ (op. cit: 585); que ’’ a cláusula geral de ordem pública internacional é um veículo para a actuação dos princípios e normas fundamentais da ordem jurídica portuguesa’’ (Ibidem); que ‘’não é possível determinar a priori o conteúdo desta cláusula geral, i. e., formular um conjunto de regras que esgotem o seu conteúdo’’ (ibidem) ‘’só perante as circunstâncias do caso concreto se pode dizer se uma determinada violação de um princípio ou norma fundamental é intolerável’’ (Ibidem) e analisa outras características da ordem pública internacional (excepcionalidade, carácter evolutivo, sua relatividade) (op. cit: 593-595).
Acrescenta, ainda, este autor que:
i) a ordem pública internacional ‘’é ‘’internacional ‘’ porque é específica do Direito Internacional Privado, e não, porventura, por ser uma ordem pública de Direito Internacional (op. cit: 585);
ii) ‘’pelo contrário, diz-se que a ordem pública é ‘’nacional’’, porque veicula princípios e normas fundamentais da ordem jurídica do foro. Mas não deve confundir-se a ordem jurídica do foro com o Direito de fonte interna. O carácter nacional da ordem pública internacional presta-se a equívocos. Numa ordem jurídica em que o Direito Internacional é objecto de recepção automática, como é o caso da ordem jurídica portuguesa, a ordem pública internacional é também informada por normas e princípios fundamentais de Direito Internacional’’ (Ibidem), tais como o respeito pelos direitos humanos ou reconhecimento dos bens culturais pertencentes aos diversos Estado, mas interessando toda a comunidade internacional.
iii) “os princípios e regras veiculados pela ordem pública internacional representam um núcleo mais restrito do que aqueles que subjazem à ordem pública de Direito material” (op. cit: 588), referida designadamente nos artigos 271.º, n.º 1, 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil.
iv) “mesmo que trate de um princípio que é veiculado tanto pela ordem pública de Direito material como pela ordem pública internacional (por exemplo, o princípio da confiança), nem todas as violações sancionadas pela ordem pública de Direito material são suficientemente graves para justificarem  a actuação da ordem pública internacional “ (Ibidem).
v) “Enquanto contraposta à ordem pública de Direito material a ordem pública internacional constitui um reduto de princípios e normas do ordenamento do foro de cuja aplicação esta ordem jurídica não abdica posto que se trate de uma situação transnacional e que seja estrangeiro o Direito chamado a regê-la” (ibidem).
«São de ordem pública internacional as leis relativas à existência do estado e essencialmente divergentes (divergência profunda) da lei estrangeira normalmente competente para regular a respectiva relação jurídica, as quais devem ser leis rigorosamente imperativas e que consagram interesses superiores do Estado. E os interesses que estão aqui em causa são os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
 - A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública, implícita em toda a remissão que o DIP opera para os direitos estrangeiros, visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indirecta da execução de sentença estrangeira, conduza, no caso concreto, a um resultado intolerável.» - Ac. do STJ de 19/02/2008, disponível em www.dgsi.pt..
Ora, concludentemente, nada disto está aqui em causa, nomeadamente e desde logo, a aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e o seu conflito  com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional.
Ao longo de toda a sua exposição na petição inicial, o que o requerente verdadeiramente aborda na sua alegação a este respeito é o mérito das decisões arbitrais proferidas e o mesmo pretende obter por via da presente ação não é outra coisa que não a sua reapreciação, por alegado desrespeito dos princípios jurídicos invocados.
Não a invalidade, por desrespeito desses princípios, do Direito aplicado (português) e do contrato vinculativo entre as partes (celebrado entre o requerente e a requerida).
Não está em causa a aplicação de Lei estrangeira ou internacional ou de contrato e a análise da sua conformidade com esses mesmos princípios jurídicos, não se verificando, em consequência, também o fundamento de anulação previsto no artigo 46.°, n.° 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV.
No sentido ora defendido, veja-se o Ac. da Relação de Coimbra, de 26/11/2019 (Carlos Moreira), disponível em www.dgsi.pt:
Improcede, pois, esta última alegação.
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V. A decisão                                           
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020.
Custas pelo requerente.
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Lisboa, 20 de Janeiro de 2022
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Decisão Texto Integral: