Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3511/14.7TBVFX.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DEVERES DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 –  O art. 238º nº1 do CIRE não contém qualquer cláusula geral de indeferimento liminar, elencando nas suas alíneas, de forma taxativa, os casos em que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido.
2 – Para os efeitos previstos na al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE, os deveres de informação, de apresentação e de colaboração são os que resultam do decurso do processo de insolvência de que depende o pedido de exoneração que se aprecia.
3 - O que, em princípio, releva como incumprimento dos deveres de informação, colaboração e apresentação para o efeito previsto, na al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE é o incumprimento que crie entraves à realização dos fins imediatos do processo e não os que criam dificuldades à concessão de um benefício ao próprio devedor.
4 – Não é dolosa ou gravemente culposa a conduta do devedor que, cinco anos depois de ter pedido a exoneração do passivo restante, juntando os elementos e documentos pertinentes para o efeito, não os vem atualizar quando notificado para o efeito, se em nada contribuiu para a não apreciação liminar do referido pedido, durante aquele período de tempo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
MJF, residente na …, em Vila Franca de Xira, apresentou-se à insolvência, com pedido de exoneração do passivo restante, alegando encontrar-se em situação de insolvência atual.
Juntou CRC e documentos comprovativos de despesas e rendimentos dos anos de 2012, 2013 e 2014, nada alegando relativamente à composição do respetivo agregado familiar.
A insolvência da requerente foi declarada por sentença de 06/10/2014.
Foi realizada, em 27/11/2014, assembleia de apreciação do relatório, na qual foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação. No tocante à exoneração do passivo restante, foi determinada a sua apreciação após o termo da liquidação.
Por despacho de 12/06/2019, foi ordenada a notificação da insolvente para, em cinco dias, juntar aos autos CRC e os comprovativos das despesas e receitas atuais do seu agregado familiar.
Nada tendo sido junto ou requerido, por despacho de 02/12/2020 foi ordenada a junção oficiosa de CRC e a notificação da insolvente para, em 5 dias, informar a atual composição do agregado, receitas e despesas.
Foi junto CRC.
Nada tendo sido junto ou informado pela insolvente, foi proferido em 14/04/2021, o seguinte despacho:
«Insista pelo cumprimento de anterior despacho, salvo na parte relativa ao CRC entretanto junto aos autos, sob pena de não admissão liminar do pedido de exoneração, por impossibilidade de definir o valor a ceder.»
Novamente nada tendo sido junto ou requerido, em 26/11/2021 foi proferido o seguinte despacho:
«Renovo anterior despacho, notificando-se pessoalmente a Insolvente e com a advertência de que na ausência de resposta não será possível a exoneração do passivo restante.
Prazo para resposta: 5 dias.
Dê conhecimento ao I. Advogado.»
A carta dirigida à insolvente, para a morada por esta indicada, foi devolvida por “não reclamada” em 04/01/2022.
Foi ordenada a averiguação de eventual alteração de morada.
Apurada uma nova morada, a notificação foi devolvida com a menção de “endereço insuficiente”.
Por despacho de 14/09/2022 foi ordenada a notificação do Mandatário da insolvente para se pronunciar.
Por requerimento de 26/09/2022, a insolvente informou ser a sua morada a constante dos autos, da qual havia sido devolvida a carta não reclamada.
Por despacho de 07/12/2022 foi ordenada a repetição da notificação na morada indicada.
A carta foi devolvida por não reclamada em 23/01/2023.
Por despacho de 12/04/2023 foi ordenada a notificação do Mandatário da insolvente de que a notificação havia sido devolvida e de que dispunha do prazo de 5 dias para, querendo, contactar a sua constituinte e fornecer os elementos necessários assinalados pelos anteriores despachos.
Nada tendo sido junto ou requerido, em 14/06/2023 foi proferida sentença declarando encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente nos termos dos arts. 230º nº1, al. d), 232º nº2 e 233º nº1 do CIRE.
Na mesma data foi proferida a seguinte decisão:
«***
Do pedido de exoneração do passivo restante:
No requerimento inicial de apresentação à insolvência, peticionou o(a) insolvente que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no artigo 238º, n.º 2, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.).
Quanto aos requisitos para o deferimento liminar da exoneração, enuncia o artigo 238º. que: "1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora de prazo; b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica; e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º; f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência. 2 - O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência na assembleia de apreciação do relatório, exceto se este for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.".
Ora, no caso, a Insolvente foi notificada para vir alegar e comprovar a composição do agregado, receitas e despesas, elementos essenciais para fixação do rendimento indisponível, o que não efetuou.
Assim, o Tribunal não dispõe de elementos para admitir o incidente de exoneração e fixar um rendimento indisponível.
Nessa medida, por impossibilidade, não admito o pedido de exoneração do passivo restante.
DN.»
Inconformada apelou a insolvente, pedindo seja revogada a sentença e decretada a exoneração do passivo restante ora negada, apresentando as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida viola os princípios do CIRE.
2. Pois a recorrente demonstrou com documentos que os valores que ficam para viver são insuficientes
3. O prejuízo que eventualmente os credores poderiam ter sofrido
4. O prejuízo a que se refere o artigo 238º nº1 alínea d) deverá corresponder a um prejuízo concreto que, nas concretas circunstâncias do caso, tenha sido efetivamente sofrido pelos credores em consequência do atraso à apresentação à insolvência
5. Cabia aos credores o dever de virem reclamar tais prejuízos o que não aconteceu e os que fizeram foram ressarcidos
6. Aliás nenhum dos credores levantou este assunto em processo
7. O recorrente esteve e sempre esteve de boa-fé
8. Não sonegou bens, e antes pelo contrário demonstram os seus rendimentos na sua totalidade
9. Tanto mais que nenhum credor foi prejudicado
10. Não existe qualquer violação do CIRE
11. O insolvente sempre prestou colaboração
12. Nunca disse que não entregava o carro
13. Por isso deve ser decretada a exoneração do recorrente”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 02/11/2023 (ref.ª 158506251).
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a decidir é de se constitui causa indeferimento liminar da exoneração do passivo restante o facto de a insolvente não prestar ao tribunal as informações atualizadas consideradas necessárias para a apreciação liminar de tal benefício.
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3. Fundamentos de facto:
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório.
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4. Apreciação do mérito do recurso:
A exoneração do passivo restante é um instituto introduzido, de forma inovatória, em 2004, pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, e que confere aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo – o fresh start.
Nos termos do disposto no art. 235.º do CIRE[1]: «Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.»
“A principal vantagem da exoneração é a libertação do devedor das dívidas que ficaram por pagar no processo de insolvência, permitindo-lhe encetar uma vida nova.”[2]
É, antes de mais, uma medida de proteção do devedor, mas que joga com dois interesses conflituantes: a lógica de segunda oportunidade e a proteção imediata dos interesses dos credores atuais do insolvente.
Não esqueçamos que o processo de insolvência «…tem como finalidade a satisfação dos credores…» como se prescreve logo no art. 1º do CIRE. Este instituto posterga essa finalidade em nome, não apenas do benefício direto (exoneração e segunda oportunidade) do devedor, mas de uma série de interesses de índole mais geral: a possibilidade de exoneração estimula a apresentação tempestiva dos devedores à insolvência, permite a tendencial uniformização entre os efeitos da insolvência para pessoas jurídicas e pessoas singulares e, em última análise, beneficia a economia em geral, provocando, a contração do crédito mas gerando maior responsabilidade e responsabilidade na concessão do mesmo.[3]
Essa tensão entre dois interesses opostos reflete-se nas várias normas que regulam a exoneração, desde logo na opção do nosso legislador pelo regime do earned start, ou reabilitação (por contraposição ao fresh start puro), ou seja, fazendo o devedor passar por um período de prova e concedendo o benefício apenas se o devedor o merecer.
É também o modelo eleito a nível europeu, como resulta da Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de junho de 2019 (sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas)[4], já transposta[5], e que, em matéria de exoneração ou perdão, na linguagem da diretiva, prevê o acesso ao perdão total da dívida aos empresários, deixando aos Estados a opção de o aplicar aos consumidores (cfr. considerando 21), após um prazo não superior a três anos, possibilitando a reserva a devedores de boa-fé e à verificação do cumprimento de determinadas condições – cfr. arts. 20º a 24º da diretiva, em especial o artigo 22º.
A ponderação destes interesses contrapostos deve ser considerada como guião para a interpretação das normas dos arts. 235º e ss. do CIRE, como resulta, entre outros, do Ac. STJ de 02-02-2016, relatado por Fonseca Ramos (3562/14) e TRP de 15-09-2015, relatado por José Igreja Matos (24/14)[6], entre as quais o art. 238º.
O art. 238º do CIRE, como é unanimemente apontado pela doutrina, não prevê um “verdadeiro e próprio indeferimento liminar”, mas algo mais, porquanto os requisitos previstos obrigam à produção de prova e a um juízo de mérito do tribunal[7].
E o juízo de mérito exigido no preceito não é relativo à concessão ou não concessão da exoneração do passivo restante, mas antes sobre a oportunidade de o devedor se submeter a um período probatório que, a final, pode resultar na oportunidade de ser liberado das dívidas. Este é o primeiro de dois momentos fundamentais no procedimento de exoneração, o despacho inicial, sendo o segundo o despacho de exoneração, propriamente dito.
De entre as causas de indeferimento liminar previstas, a alínea a) reveste natureza processual e as demais são requisitos de ordem substantiva que podem ser resumidos pela seguinte forma[8]:
Para que o juiz profira o despacho inicial o devedor deve ter tido um comportamento anterior ou atual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação e aos deveres associados ao processo de insolvência (als. b), d), f) e g) do nº1 do art. 238º), não tenha um passado recente (10 anos) de insolvência e exoneração do passivo restante (al. c) do mesmo artigo) e não tenha tido culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência (al. e) do nº1 do art. 238º).
Ainda em sede geral, é pacífica a consideração de que as causas de indeferimento liminar previstas no art. 238º são causas impeditivas da submissão a período probatório. Desta natureza resultam duas consequências extremamente relevantes: a insuficiência de prova relativamente a qualquer delas nunca pode originar o indeferimento liminar do pedido de exoneração[9] e o ónus da prova relativamente a qualquer das circunstâncias impeditivas cabe aos credores e ao administrador da insolvência[10].
O que não afasta que, resultando dos autos elementos suficientes para a verificação de qualquer das situações previstas, ou indagando o tribunal quanto ao respetivo preenchimento, deva ser liminarmente indeferido o pedido, uma vez que o juiz não está limitado, nem pela existência de um pedido de indeferimento nem pela arguição de factualidade subsumível ao disposto no art. 238º[11], dado que, sem qualquer dúvida, o art. 11º do CIRE se aplica ao incidente de exoneração do passivo restante[12], porque inserido no processo de insolvência em sentido estrito[13].
Assim se decidiu no Ac. TRE de 11/06/2015 (Cristina Cerdeira – 45/14)[14], cujo sumário se transcreve para melhor compreensão:
“I) - Os fundamentos previstos nas alíneas do nº. 1 do artº. 238º do CIRE consubstanciam factos impeditivos do direito à exoneração do passivo restante, donde a sua alegação e prova competirá aos credores ou ao administrador da insolvência (artº. 342º, nº. 2 do Código Civil), bastando ao devedor/requerente apenas alegar que preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas pela lei no âmbito do incidente.
II) – Não tendo os credores cumprido com esse ónus, mas constando dos autos todos os elementos que permitem obstar ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, o Tribunal não poderá ignorar tais elementos e proferir uma decisão meramente formal, completamente afastada da realidade plasmada no processo, abstendo-se assim de exercer o seu dever.”
Vejamos, então, em concreto, os fundamentos do despacho recorrido e os argumentos trazidos a recurso.
O tribunal considerou, que, não dispondo de elementos sobre a composição do agregado familiar da recorrente e de elementos atualizados sobre os seus rendimentos e despesas e, consequentemente, de elementos para admitir o incidente de exoneração e fixar um rendimento indisponível, o pedido teria que ser liminarmente indeferido – ou nas palavras do despacho recorrido, não poderia ser admitido.
Recordemos que o art. 238º nº1 do CIRE não contém qualquer cláusula geral de indeferimento liminar, limitando-se a elencar, nas suas alíneas os casos em que, textualmente, o pedido de exoneração é liminarmente indeferido.
Basta comparar este preceito, por exemplo com o art. 186º do mesmo diploma, que prevê uma cláusula geral de qualificação da insolvência no seu nº1 e depois enumera presunções para o efeito nos seus nºs 2 e 3 para compreender porque razão, de forma, absolutamente pacífica, desde a entrada em vigor do CIRE, a doutrina e a jurisprudência consideram que a enumeração do art. 238º daquele diploma é taxativa, ou seja, não existem outras causas de indeferimento liminar que não as listadas – neste sentido, entre muitos outros, os Acs. TRL de 30/01/2014 (Maria de Deus Correia – 180/13), 11/09/2014 (Ilídio Sacarrão Martins – 341/14), de 20/02/2020 (Vera Antunes – 16690/18), e TRG de 20/10/2016 (João Coelho – 2863/15) e de 08/02/2018 (Ana Cristina Duarte – 896/16)[15], e, na doutrina, Luís M. Martins[16], Carvalho Fernandes e João Labareda[17] e Maria do Rosário Epifânio[18].
Assunção Cristas[19], faz mesmo a correspondência entre as alíneas do art. 238º e as causas genéricas de indeferimento que corporizam, ligando o comportamento anterior ou atual do devedor “pautado pela honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência” às alíneas b), d), f) e g) do nº1 do art. 238º.
Na verdade, e como se escreveu no Ac. TRG de 08/02/2018 já citado, sendo a finalidade da exoneração do passivo restante conceder uma segunda oportunidade, permitindo ao devedor insolvente que se liberte do passivo que não consegue pagar, o merecimento dessa oportunidade afere-se pelos requisitos impostos pelo art. 238º do CIRE, que preveem “actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé”.
Ou seja, os “dados objectivos “passíveis de revelarem se a pessoa se afigura, ou não, merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta” são os previstos nas várias alíneas do art. 238º e nenhum outro.
Assim, teremos que aferir se o comportamento da devedora ao não fornecer ao tribunal qualquer dos elementos solicitados sobre a sua situação pessoal relativa à composição do agregado familiar, rendimentos e despesas atualizados, pode ser reconduzido ao preenchimento de qualquer das alíneas do nº1 do art. 238º do CIRE.
Não se verificam, com clareza meridiana, as circunstâncias previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art. 238º: o pedido foi formulado no requerimento inicial, não há qualquer indício de que, nos três anos antecedentes à data do início deste processo de insolvência, a devedora tenha fornecido informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com os fins visados na norma e não há notícias de benefício anterior de exoneração do passivo restante.
À luz da alínea d) do nº1 do art. 238º, é causa de indeferimento liminar do pedido de exoneração a abstenção de apresentação à insolvência (isto porque o devedor não está legalmente sujeito ao dever legal de apresentação à insolvência nos termos do nº2 do art. 18º do CIRE) nos seis meses seguintes à apresentação à insolvência, com prejuízo para os credores, sabendo ou não podendo ignorar não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica.
Para que se pudesse ter por preenchida esta alínea teríamos que ter apurados factos, alegados ou não pelos interessados, que nos permitissem concluir que a devedora demorou mais de seis meses a apresentar-se à insolvência nestes autos e que essa demora causou prejuízo aos credores, sabendo a devedora não ter qualquer perspetiva de melhoria de das suas condições de vida.
Não há qualquer facto apurado que possa ser subsumido a esta causa de indeferimento liminar, pese embora a recorrente dedique as suas conclusões 3 a 5 a esta matéria. Também, de forma evidente, o fundamento apontado pelo tribunal recorrido – falta de fornecimento de informações que considerou essenciais – não se relaciona, nem de forma distante, com a mesma.
Não há, igualmente, quaisquer elementos de facto que sejam subsumíveis à previsão das alíneas e) ou f) do mesmo preceito.
Resta a regra da alínea g) do nº1 do art. 238º do CIRE, que prevê haver causa de indeferimento liminar se «O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.»
A regra prescreve com clareza que a violação dos deveres de informação, de apresentação e de colaboração são os que resultam do decurso do processo de insolvência, frisando, pela especificação “do processo” que se refere à realidade adjetiva, ao próprio processo em que foi decretada a insolvência de que depende o pedido de exoneração que se aprecia. Aliás, os deveres em causa são os previstos, por exemplo no art. 83º do CIRE, que são efeitos da declaração de insolvência sobre o devedor (cfr. epígrafe do capítulo I do Título IV, em que se insere).
Vejamos então:
Temos apurado que a devedora alegou o que entendeu quanto à exoneração do passivo restante no requerimento inicial, ou seja, em julho de 2014. Nada alegou quanto à composição do seu agregado familiar, o que significa que nada pode ser valorado a esse respeito na fixação do rendimento disponível, e juntou comprovativos do vencimento então (dezembro de 2013) auferido e de algumas despesas entre 2012 e junho de 2014 (por exemplo rendas de casa, telecomunicações e água), bem como CRC.
O tribunal entendeu então, seguindo uma das possíveis teses face à formulação da lei, que apenas apreciaria liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, após terminada a liquidação[20].
Já então se previa, como causa de encerramento do processo de insolvência, nos termos da alínea e) do nº1 do art. 230º do CIRE «Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º»
Entretanto, em julho de 2017, entrou em vigor o Decreto Lei nº 79/2017 de 30/06 que aditou ao art. 233º do CIRE o nº7, nos termos do qual « O encerramento do processo de insolvência nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível.», fazendo o legislador uma clara opção por uma das correntes jurisprudenciais então existentes, e que entendia que o decurso da liquidação não poderia adiar o início do período de cessão de rendimentos.
Não deixando qualquer dúvida sobre a intenção da lei, consagrou-se nas regras transitórias do referido Decreto Lei nº 79/2017, no art. 6º nº6 que « Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, em que não tenha sido declarado o encerramento e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.»
No caso dos autos, porém, e como vimos, o despacho inicial de exoneração do passivo restante não havia sido proferido, pelo que este art. 6º nº6 não tinha aplicação. No entanto, a norma resultante da conjugação dos arts. 230º nº1, al. e) e 233º nº7, na versão após a entrada em vigor da redação dada pelo Decreto Lei nº 79/2017, de 30/06, já não consentia a interpretação que havia sido feita pelo tribunal recorrido, pelo que, a partir de julho de 2017, deveria o tribunal ter providenciado pela prolação do despacho inicial de exoneração do passivo restante, o que não fez.
Assim, decorreram entre julho de 2014 e junho de 2019, data em que foi proferido o primeiro despacho em ordem à apreciação liminar do pedido de exoneração do passivo restante, cerca de cinco anos, período que, de nenhuma forma pode ser considerado imputável à devedora ou a qualquer conduta sua.
Na verdade, decorreu o equivalente a todo um período de cessão de rendimentos, à luz da redação, então vigente, dos arts. 235º e 237º do CIRE, que previa um período de cessão de rendimentos de cinco anos.
Decorre seguidamente um período de dois anos e meio no qual foram dirigidas à insolvente seis notificações (duas delas devolvidas por não reclamadas, mas dirigidas à morada correta), solicitando elementos atualizados sobre a composição do agregado familiar, rendimentos e despesas, sem qualquer resposta.
Podemos considerar esta falta de resposta como violação pela devedora, com dolo ou culpa grave, dos deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do CIRE, para os efeitos de integração na al. g) do nº1 do art. 238º?
A devedora alega no seu recurso que apresentou todos os elementos que lhe foram pedidos[21] e que isso não é motivo para não dar  a exoneração – leia-se – não admitir liminarmente o pedido de exoneração. Concluiu que esteve sempre de boa-fé e sempre prestou colaboração – cls. 7 e 11.
Os deveres de informação, apresentação e colaboração previstos no CIRE são essencialmente os previstos no art. 83º do CIRE, quanto ao próprio processo de insolvência e, especificamente quanto à exoneração, os previstos nas als. a) e d) do nº4 do art. 239º do CIRE.
O dever de informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos  e património, quando lhe seja solicitado aplica-se apenas à fase de cessão de rendimentos – tendo o respetivo incumprimento a específica consequência de cessação antecipada ou recusa da exoneração, nos termos do nº3 do art. 243º e nº2 do art. 244º do CIRE[22].
O que significa que, valoráveis para os efeitos da al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE e da apreciação liminar são apenas os deveres previstos no art. 83º do CIRE
A amplitude da formulação da al. a) do nº1 do art. 83º do CIRE (fornecer todas as informações relevantes para o processo) é suficiente para permitir, abstratamente, o enquadramento da devedora que, pura e simplesmente, não responde ao tribunal, numa situação de falta de prestação de informações e de colaboração.
Mas será que podemos considerar esta conduta como dolosa ou gravemente negligente?
Na verdade, a devedora prestou ao tribunal as informações necessárias para a prolação da decisão inicial de exoneração do passivo restante. O que omitiu foi a atualização dessas informações, sendo certo que não lhe é imputável o tempo decorrido e que determinou a desatualização das informações então prestadas.
Veja-se, por exemplo que, e bem, o tribunal, apesar de num primeiro momento ter notificado a insolvente para que juntasse o respetivo CRC atualizado, acabou por determinar a sua junção oficiosa. A insolvente havia junto CRC atualizado em 2014, nada mais lhe era exigível a esse título.
A falta de atualização dos elementos então informados, determinava a impossibilidade de apreciação liminar da exoneração do passivo restante e a fixação do rendimento disponível (para a devedora) pelo tribunal? A resposta é claramente negativa.
O que a não atualização dessas informações determina é a fixação do rendimento disponível sem o concurso do conhecimento da situação real da devedora ao tempo da prolação da decisão. Não se podendo considerar as despesas de 2013 e 2014, porque desatualizadas, o tribunal teria que fixar o rendimento como se nenhumas despesas houvessem sido alegadas.
Diferentemente do sucedido no caso tratado pelo Ac. TRP de 15/12/2021 (Fernanda Almeida – 2253/21), no qual o devedor não havia junto CRC ou comprovativo dos rendimentos, desde o início do processo[23], no caso presente a devedora juntou todos os elementos necessários, não contribuindo, por qualquer forma para a sua desatualização.
Não podemos ter esta conduta omissiva da devedora – que o é – como dolosa ou gravemente negligente.
Na verdade, a omissão desta informação nem sequer pode ser considerada relevante para os fins do processo: apenas releva negativamente para a própria devedora que não contribui para a fixação concreta do seu próprio rendimento indisponível. Não se sabendo o agregado familiar, conta-se apenas com a própria devedora. Não se sabendo as despesas atuais fixa-se com consideração pelas despesas médias de uma pessoa que vive sozinha. Os rendimentos são os que foram declarados pela própria, e, se considerado necessário, podem ser confirmados junto das entidades conhecidas (a entidade patronal identificada no recibo de vencimento de 2013 junto pela devedora ou, caso a recorrente já se tenha reformado, como anunciou anteriormente e tal entidade patronal certamente confirmaria, a entidade processadora da respetiva pensão).
A devedora não respondeu ao tribunal, mas ao fazê-lo, não criou qualquer dificuldade à localização de património apreensível ou à compreensão das causas da sua insolvência ou ao esclarecimento de questões levantadas quanto a bens ou direitos. Ao não responder ao tribunal colocou-se na situação de, sendo deferida liminarmente a exoneração do passivo restante os deveres, incluindo o de cessão do rendimento disponível, serem quantificados e fixados sem atenção pela sua atual situação, tão só, estado de coisas que apenas a ela, eventualmente, prejudicará.
Na verdade, como se escreveu no Ac. TRP de 22/11/2021 (Eugénia Cunha – 1193/21), o art. 238º do CIRE “Prevê a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante em situações que traduzem comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram ou que a agravaram, tipificando casos em que o legislador entendeu que o devedor não merece que lhe seja dada a oportunidade de se submeter a um período probatório de que, no final, poderia resultar um desfecho a si favorável. O princípio do fresh start visa, apenas, pessoas singulares de boa fé, incorridas em situação de insolvência.”
Sem se arredar completamente a avaliação da conduta dos devedores nos autos quando respeitem a deveres de informação específicos para a exoneração do passivo restante em casos extremos, antes da sua apreciação liminar, o que releva como incumprimento dos deveres de informação, colaboração e apresentação para o efeito previsto, na al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE é o incumprimento que crie entraves à realização dos fins imediatos do processo e não os que criam dificuldades à concessão de um benefício ao próprio devedor.
Nomeadamente, são valoráveis como impeditivas do deferimento liminar da exoneração do passivo restante, as condutas de omissão de informação sobre a existência de património apreensível (Ac. TRP de 22/11/2021, já citado), de não esclarecimento cabal sobre o destino de quantias recebidas (Ac. TRP de 21/03/2022, Carlos Gil -1689/21), não prestação de informações sobre património e circunstancias do seu desaparecimento (TRE de 10/10/2019, Francisco Matos –1567/18) ou o fornecimento de morada errada e não informação sobre rendimentos, localização de veículo apreendido ou titularidade de determinados bens (Ac. TRG de 19/11/2020, Lígia Venade – 3755/19).
Assim, no caso concreto, pese embora verificada uma conduta voluntária repetida de não prestação de informações por parte da recorrente, não podemos tê-la, por se reportar apenas a atualização de elementos antes fornecidos, e dado o espaço de tempo decorrido, de cinco anos, até ao início das notificações não respondidas, como dolosa ou gravemente culposa, pelo que não se encontra preenchida a al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE.
Percorrido que foi todo o elenco do nº1 do art. 238º do CIRE verificamos que a conduta da devedora não é subsumível a qualquer das alíneas da norma, pelo que não poderia ter sido proferida decisão de indeferimento liminar.
A presente apelação procede, assim, integralmente, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
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Resta determinar a amplitude da decisão a proferir.
Nos termos do artigo 665º do CPC, a Relação deve proferir decisão relativamente a questões não decididas pelo tribunal recorrido, nomeadamente, as que tenham sido prejudicadas pela solução dada na primeira instância. Apenas em caso de os autos não conterem todos os elementos necessários deverá remeter os autos à primeira instância sem essa decisão «substitutiva».
O regime de substituição consagrado naquela norma, oposto ao de mera cassação, implica que a Relação se situe, em substituição do tribunal recorrido, no âmbito da mesma decisão. No caso presente, porém, o tribunal recorrido analisou apenas os requisitos de prolação do despacho inicial do procedimento de exoneração do passivo restante e é no contexto dessa apreciação que a Relação se situa.
A consequência da revogação da decisão é a prolação de um despacho que analisa, aprecia e decide sobre diversas outras questões, nomeadamente sobre as obrigações a serem cumpridas durante o período de cessão ou o montante do rendimento disponível, decisão que se situa à a jusante da apreciação dos requisitos de prolação do despacho inicial.
Assim, e neste caso, a decisão da Relação “apenas pode ser de cassação”[24].
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As custas devem ser suportadas pela recorrente, que do recurso tirou proveito, sem que haja parte vencida[25] sem prejuízo, porém, do benefício do apoio judiciário - arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil.
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando a sua substituição pelo despacho a que alude o artigo 239.º, n.º 1, do CIRE, sem prejuízo da verificação de razões supervenientes, na ocorrência ou no conhecimento, que a tal obstem.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.
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Lisboa, 21 de dezembro de 2023
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Pedro Brighton
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[1] Na versão dada pela Lei nº 9/2022, de 11/01, que entrou em vigor no dia 11/04/2022.
[2] Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 560.
[3] Neste sentido Catarina Serra, local citado, pgs. 562 e 563.
[4] Texto disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L1023&from=PT
[5] Pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro, que entrou em vigor no dia 11 de abril de 2022.
[6] Todos disponíveis em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[7] Cfr. Menezes Leitão, em Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 10ª edição, Almedina, 2018, pg. 288, Assunção Cristas em Exoneração do devedor pelo Passivo Restante, em Themis, Edição Especial – Novo Direito da Insolvência, 2005, pg. 169 e Catarina Serra, em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 564.
[8] Seguimos de perto Assunção Cristas, local citado na nota anterior.
[9] Ver Luís M. Martins em Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, Almedina, 2011, pg. 46, e Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pg. 661.
[10] Ver, entre muitos outros, os Acs. STJ de 17/06/2014 (Fernandes do Vale – 985/12), de 27/03/2014 (Orlando Afonso – 331/13) e de 21/03/2013 (Martins de Sousa – 1728/11), TRL de 26/10/2021 (Paula Cardoso – 2213/20), e de 25/11/2011(Tomé Ramião – 1512/10), TRP de 19/12/2012 (Maria João Areias – 3087/11) e TRE de 24/04/2014 (Acácio Neves – 2388/13).
[11] Ver Ac. TRL de 06/11/2012 (Orlando Nascimento – 1983/12).
[12] Neste exato sentido o Ac. TRC de 20/06/2012 (Carlos Gil – 1933/11).
[13] No mesmo sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, em Código …, pg. 661, citando Adelaide Menezes Leitão (Pré-considerações para exoneração do passivo restante em Cadernos de Direito Privado, 35, pg. 68).
[14] Igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[15] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[16] Em Recuperação de pessoas singulares, vol. I, Almedina, 2011, pg. 46, onde escreveu “No caso, e porque o artigo 238º estabelece taxativamente causas e fundamentos de indeferimento da pretensão do devedor, que é a exoneração do passivo estante, estas terão que ser necessariamente consideradas causas impeditivas do respetivo pedido.”
[17] Em Código da Insolvência…, já citado, pg. 854.
[18] Em Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, Almedina, 2019, pg. 384.
[19] Em Exoneração do devedor pelo passivo restante, Themis, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, pgs. 169 a 170.
[20] Sinteticamente, para quem entendia que apenas após o encerramento da liquidação se poderia ter determinado o passivo restante a exonerar, o período de cessão de rendimentos só se poderia iniciar após aquele encerramento, o que, em bom rigor, não possibilitava o adiamento da decisão liminar, mas apenas o não início do período de cessão de rendimentos. No entanto, alguma jurisprudência, como a decisão proferida nestes autos, não apreciava o pedido de exoneração liminarmente, determinando também essa apreciação para após finda a liquidação. No reverso desta posição havia quem entendesse que as delongas na liquidação, não imputáveis aos devedores, não poderiam prejudicá-los, podendo correr em simultâneo a liquidação e a cessão de rendimentos, fazendo-se os ajustes necessários a final.
[21] Alegando também “nomeadamente o IRS”, o que não corresponde à verdade, pois nenhuma declaração de IRS foi junta aos autos.
[22] Neste sentido, entre outros, os Acs. TRP de 07/04/2022 (Aristides Rodrigues de Almeida - 134/14), Ac. TRP de 12/09/2023 (Fernando Vilares Pereira –2614/18), TRL de 18/04/2023 (Fátima Reis Silva - 2417/20), TRL de 15/12/2022 (Paula Cardoso - 124/18), TRC de 07/02/2023 (Paulo Correia - 926/18), TRE de 25/02/2021 (Francisco Matos - 28/15), TRG de 07/06/2023 (Maria João Matos - 995/15) e TRG de 07/06/2023 (Fernando Cabanelas - 2990/21).
[23] Ou no caso tratado pelo Ac. TRP de 08/11/2021 (José Eusébio Almeida - 3271/20), onde igualmente não haviam sido juntos quaisquer comprovativos de rendimentos e despesas.
[24] Neste exato sentido ver o Ac. TRL de 21/02/2013, Relatora Ana de Azeredo Coelho (542/10), disponível em www.dgsi.pt que aqui seguimos de perto.
[25] Neste sentido Ac. TRL de 11/02/2021, Carlos Castelo Branco (1194/14), disponível em www.dgsi.pt.