Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
633/12.2TTFUN.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – No art. 394.º do Código do Trabalho de 2009 configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (n.º 2); a segunda reporta-se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (n.º 3).
II – Entre os primeiros, conta-se a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do n.º 2); entre os segundos, a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (al. c) do n.º 3).
III – O n.º 5, por seu turno, especifica que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
IV – Isto é, no que toca à situação da al. a) do n.º 2 do art. 394.º, há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário (como sucede com os demais comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa culposa), ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório

1.1. AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, Lda., pedindo que:
a) Seja reconhecida e declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho, efectuada pelo A. em 18/06/2012;
b) Seja a R. condenada a pagar ao A. a indemnização a que se refere o art. 396.º do Código do Trabalho, que, atendendo ao valor da retribuição e, sobretudo, ao grau de ilicitude do comportamento da R., deve ser fixada em 35 dias de retribuição, à razão de € 36,96/dia [(€ 800,77 x 12) : (52 x 40) = € 4,62/hora x 8 = € 36,96], o que perfaz a quantia de € 17.628,89 (dezassete mil, seiscentos e vinte e oito euros e oitenta e nove cêntimos), correspondente a 13 anos, 7 meses e 16 dias de serviço efectivo para a R., ou seja, desde 02/11/1998 até 18/06/2012 (€ 36,96/dia x 35 dias = € 1.293,60), acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, contados desde a data de resolução do contrato até total e efectivo pagamento.
Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível a sua conciliação (fls. 198/199).
Notificada, veio a R. contestar (fls. 210 e ss.), admitindo diversos factos articulados pelo A. mas sustentando, em síntese, que o pagamento tardio das retribuições decorre, por um lado, da adopção consensual de uso vigente no sector da construção civil a que a empresa está ligada, nos termos do qual o pagamento dos salários se faz até ao dia 8 do mês seguinte, e, por outro lado, de dificuldades financeiras que a assolam e que concretiza.
Termina, pedindo a absolvição da R. do pedido.
O A. veio declarar que aceita a confissão e admissão de factos efectuada pela R. (fls. 270).
Após, foi proferido saneador-sentença, que terminou com o seguinte dispositivo (fls. 283 e ss., com rectificação a fls. 336/337):
«Com fundamento no atrás exposto, julgo procedente a presente ação, e, em consequência:
1. Declaro com justa causa a resolução do contrato de trabalho efetuada pelo A. em 18/06/2012.
2. Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de €11.304,20 (onze mil, trezentos e quatro euros e vinte cêntimos) a título de indemnização por antiguidade, reportada esta a 2/11/1998.
3. Condeno a R. a pagar ao A. juros de mora à taxa legal sobre a quantia aludida em 2. desde o trânsito em julgado desta decisão.
Custas pelo A. e R. na proporção dos respetivos decaímentos- art. 446º, nºs 1 e 2 do CPC.
Fixo o valor da ação em €17.628,89 .-art. 315º, nºs 1 e 2 do CPC.»
1.2. A R., inconformada, arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre factos alegados na contestação tendentes a excluir a culpa do empregador no pagamento tardio das retribuições e nas demais condutas que lhe estão imputadas (fls. 306) e interpôs recurso do saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões (fls. 307 e ss.):
(…)
1.3. O A. apresentou resposta ao recurso da R., formulando as seguintes conclusões (fls. 319 e ss.):
(…)
1.4. A arguição de nulidade da sentença não foi atendida (fls. 334) e o recurso foi admitido por despacho de fls. 341, como apelação com efeito meramente devolutivo.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em parecer, no sentido de não ser concedido provimento à apelação da ré (fls. 346).
Colhidos os vistos (fls. 350), cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- nulidade da sentença;
- resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador.
Previamente, cumpre ainda aferir da tempestividade do recurso, considerando o alegado pelo Recorrido na sua resposta.

3. Fundamentação de facto

A primeira instância considerou provados os seguintes factos:
(…)

4. Fundamentação de direito

4.1. Diz o A. que o recurso interposto pela R. é extemporâneo, nos termos das disposições conjugadas da alínea d) do n.º 2 do art. 691.º do Código de Processo Civil e da alínea i) do n.º 2 do art. 79.º-A e do n.º 2 do art. 80.º do Código de Processo do Trabalho.
Ora, é certo que a alínea i) do n.º 2 do art. 79.º-A do Código de Processo do Trabalho diz que cabe recurso de apelação das decisões do tribunal de 1.ª instância nos casos previstos, além do mais, na alínea d) do n.º 2 do art. 691.º do Código de Processo Civil, e que o n.º 2 do art. 80.º daquele primeiro diploma esclarece que nessa hipótese o prazo para a interposição do recurso se reduz para 10 dias (em vez de 20, nos termos do n.º 1).
Por seu turno, a alínea d) do n.º 2 do art. 691.º do Código de Processo Civil de 1961, vigente à data da interposição do recurso dos autos, estabelecia que cabe recurso de apelação da decisão de 1.ª instância que condene no cumprimento de obrigação pecuniária.
Não obstante, conforme alerta António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Processo do Trabalho, Almedina, 2010, pp. 40-41), “[a] interpretação deste segmento normativo deve confrontar-se com o elemento sistemático e com o elemento histórico que permitem concluir que não visa condenações inscritas em despachos saneadores ou em sentenças sobre o mérito da causa, mas antes decisões interlocutórias que impliquem a condenação no pagamento de uma quantia.
Aquelas decisões já são abarcadas pelo n.º 1 do art. 79.º do CPT (decisões que põem termo ao processo, v.g. sentença) ou pelo art. 691.º, n.º 2, al. h) do CPC, para a qual remete a al. i) daquele preceito (despachos saneadores que, sem porem termo ao processo, incidam sobre o mérito da causa). Por outro lado, o elemento histórico permite aproximar-nos das situações que, no âmbito do regime anterior, justificavam a admissibilidade do recurso de agravo.”
Aliás, o mesmo autor, a propósito do correspondente art. 644.º do Código de Processo Civil de 2013 (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 157), sublinha que “[o] disposto na al. e) do n.º 2 melhorou o que constava do art. 691.º, n.º 2, al. d), do anterior CPC, na medida em que identifica inequivocamente que a apelação intercalar não pretende abarcar qualquer decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária, mas apenas aquelas que se traduzam na aplicação de uma multa ou outra sanção processual.”
Acolhendo inteiramente este entendimento, conclui-se que o saneador-sentença sob recurso se reconduz ao previsto no n.º 1 do art. 79.º-A do Código de Processo do Trabalho – decisão de 1.ª instância que ponha termo ao processo – e o prazo para a interposição daquele é de 20 dias, nos termos do n.º 1 do art. 80.º do mesmo diploma legal.
Em face do exposto, a apelação interposta pela R. é tempestiva.
4.2. Passando à questão da nulidade da sentença, verifica-se que a Recorrente a fundamenta na omissão de pronúncia sobre factos alegados na contestação tendentes a excluir a culpa do empregador no pagamento tardio das retribuições e nas demais condutas que lhe estão imputadas.
Por força do estatuído no n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer.
Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a correspondente motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial recorrido, permitindo-lhe aperceber-se, de forma imediata e fácil, da censura produzida, de modo a que possa proceder ao eventual suprimento das nulidades invocadas, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal.
No caso em apreço, a Apelante observou devidamente este ónus, tendo o Mmo. Juiz recorrido proferido despacho não reconhecendo a existência de nulidade.
Cumpre, assim, decidir da verificação da nulidade arguida, decorrente de alegada omissão de pronúncia.
Estabelece o art. 668.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961, vigente à data da prolação da sentença em apreço, que esta é nula quando:
a) não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 659.º.                 
Em rigor, os casos das alíneas b) a f) constituem situações de anulabilidade da sentença e não de verdadeira nulidade, respeitando à sua estrutura (falta de fundamentação e oposição entre os fundamentos e a decisão) ou aos seus limites (omissão ou excesso de pronúncia e pronuncia ultra petitum) – cfr. José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 703.
Por outro lado, a alínea d), nos termos da qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, está em conformidade com o estabelecido no art. 660.º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, a sentença recorrida fundamentou-se, além do mais, nos seguintes termos:
«A falta culposa de pagamento pontual da retribuição constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, sendo que, considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias- art. 394º, nº 2, al. a) e nº 5 do Código do Trabalho.
“No âmbito de vigência do Código de Trabalho de 2009, o direito à resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com justa causa sustentada na falta de pagamento da retribuição, seja ela inferior ou superior a 60 dias, tem por fundamento legal, apenas, o art. 394º do mencionado diploma.
Sendo inferior a 60 dias, a falta presume-se culposa (artº 799º, nº 1 do Código Civil), presunção essa ilidível. Prolongando-se por 60 dias ou mais, a falta considera-se culposa (art. 394º, nº 5 do CT), no que consiste uma presunção juris et de jure (Acórdãos do TRC, de 10-02-2011 e do TRP, de 21-02-2011, www.dgsi.pt, Pedro Furtado Martins, in "Cessação do Contrato de Trabalho", 3ª ed., p. 537).
Ora, quando em 18 de junho de 2012, o A. resolveu o contrato de trabalho, com fundamento em acertos salariais e trabalho suplementar e juros de mora, vencidos e não pagos há mais de 60 dias, o montante global ascendia a €37.008,48.
Deste modo, é aplicável o disposto no art. 394º, nº 5 do Código do Trabalho.»
Verifica-se, assim, que a decisão recorrida entendeu que a falta de pagamento de retribuições durante 60 ou mais dias constituiu por si só justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo A., e, por outro lado, que a mesma é culposa por força de presunção legal inilidível, ou seja, que não admite prova em contrário.
Assim sendo, logicamente, não tinha o Mmo. Juiz a quo que atender aos factos alegados pelas partes relacionados com a demonstração de existência ou inexistência de culpa do devedor, nem com outra eventual causa de resolução do contrato de trabalho, visto que as inerentes questões estavam prejudicadas pela solução dada àquela que foi decidida.
Pode a Recorrente entender que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, na tomada da decisão e na respectiva fundamentação, mas estas, em concreto, implicavam que, coerentemente, se abstivesse de apreciar tudo o mais alegado pelas partes e, em especial, pela Apelante, inexistindo, pois, qualquer nulidade da sentença, o que se decide.
4.3. Cumpre, então, apreciar se se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo A., sendo certo que, tendo esta ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, assim como os factos que a fundamentaram, deve ser apreciada de acordo com o respectivo regime (art. 7.º, n.ºs 1 e 5, al. c), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).
Ora, no que respeita a saber se procede a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada pelo A., há que ter em conta o art. 394.º daquele diploma legal.
Aí se configuram duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (arts. 394.º, n.º 2 e 396.º); a segunda reporta-se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (art. 394.º, n.º 3). Entre os primeiros, conta-se a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do n.º 2); entre os segundos, a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (al. c) do n.º 3).
Em qualquer das situações, está subjacente ao conceito de justa causa, que o art. 394.º não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm considerado, a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador (cfr. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, pp. 25 e ss.).
Acresce que, nos termos do n.º 4 do art. 394.º, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Por outro lado, a declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (art. 395.º, n.º 1), só podendo ser atendidos, para efeito de apreciação da ilicitude da resolução, os factos constantes de tal comunicação (art. 398.º n.º 3).
Assim, em suma, existe justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização, desde que se verifiquem os seguintes elementos (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 2006, pp. 910 e ss., e, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2008, in www.dgsi.pt):
- comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art. 394.º, ou outro de idêntica gravidade (elemento objectivo);
- que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjectivo);
- que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
O mencionado n.º 2 do art. 394.º indica, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização, a saber:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
Por outro lado, em conformidade com as regras gerais relativas ao ónus da prova, compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art. 394.º, ou outro que, não estando ali expressamente previsto, viole os seus direitos e garantias, por força do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art. 799.º do mesmo diploma legal.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2011 (in www.dgsi.pt), em cujo sumário se diz que “[n]o que diz respeito ao ónus da prova da culpa, quando ocorra violação de qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador – cuja prova compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil –, a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida.”
Não obstante, o n.º 5 especifica que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Isto é, no que toca à situação da al. a) do n.º 2 do art. 394.º, há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário (como sucede com os demais comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa culposa), ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.
Quer isto dizer que, nas palavras de Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 2012, p. 537), “(…) pensamos que se trata de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias (…)”.
Em sentido semelhante, veja-se João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 442-443), que explica:
“Destarte, a falta de pagamento pontual da retribuição perfila-se, na economia do art. 394.º do CT, quer como justa causa subjectiva (n.º 2, al. a)), quer como justa causa objectiva de demissão (n.º 3, al. c)), consoante exista ou não culpa do empregador no incumprimento. A este propósito, importa, no entanto, não olvidar que: i) a culpa do empregador presume-se, ao abrigo do disposto no art. 799.º, n.º 1, do CCivil, nos termos do qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua»; ii) a mora patronal que se prolongue por período de sessenta dias implica que a falta de pagamento pontual da retribuição se considere culposa, o mesmo sucedendo quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo (n.º 5 do art. 394.º); iii) neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção iuris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário).” 
Veja-se, ainda, a jurisprudência citada na sentença recorrida.
Em face do exposto, não pode deixar de se concordar com a conclusão a que chegou o Mmo. Juiz a quo no sentido de que a factualidade já assente integra falta culposa de pagamento pontual da retribuição, sem possibilidade, e, por conseguinte, sem necessidade de apurar quaisquer factos atinentes à culpa do devedor.
Por outro lado, atento o valor em dívida (superior a € 37.000,00), o período durante o qual o incumprimento foi reiterado (quase 3 anos) e a existência de condenação judicial tendo por objecto tal obrigação, também não cumprida pela Recorrente, entende-se que a conduta em apreço, só por si, é mais do que justificativa da resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador, não lhe sendo exigível a sua manutenção em tais circunstâncias, pelo que era também desnecessária a averiguação doutras eventuais condutas imputadas à empregadora na comunicação respectiva.
Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso da Apelante.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.


Lisboa, 30 de Abril de 2014

 Alda Martins
 Paula Santos
 Seara Paixão
Decisão Texto Integral: