Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23668/10.5T2SNT.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÕES SOCIAIS
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A prestação a cargo do FGADM pode ser fixada em valor superior ao valor mensal incumprido.
II- A Lei n.º 75/98, de 19/11, e a sua regulamentação, têm a montante um acervo de normas de direito internacional que visam consagrar e dar efectividade a princípios que vieram a ser plasmados na Convenção sobre Direitos da Criança, ratificada em Portugal em 21/09/1990, com vista à adopção de medidas legislativas por parte dos Estados, que garantam tais direitos, entre eles, o direito a alimentos;
III- Por sua vez, em termos de direito interno, a Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, com vista a um desenvolvimento integral, assumindo a sociedade e o Estado essa função (artigo 69.º, n.º 1);
IV- Assim, e tendo em conta o preâmbulo da referida Lei, a fixação de uma prestação a cargo do FGADM tem assumidamente carácter social ou assistencial e tem como fim prevenir ou debelar situações de extrema pobreza, as quais colocam em causa o desenvolvimento integral das crianças e, em suma, o direito à sua protecção;
V- A prestação substitutiva do Estado (assim caracterizada no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98), que permite a sub-rogação do FGADM “em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso” (artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98), não deixa de ser uma prestação autónoma, sujeita na sua determinação quantitativa aos critérios e pressupostos específicos previstos nos dois diplomas que temos vindo a referir;
VI- Ou seja, não estabelece qualquer outra limitação ao «quantum» a fixar e, pelo contrário, determina que o Tribunal apure a concreta situação económica do agregado familiar e as necessidades do alimentando e, perante esse apuramento, que seja fixado o montante da prestação a cargo do FGADM;
VII- O que o legislador consagrou foi, no fundo, a possibilidade de se actualizar o «quantum» da prestação de alimentos, sem necessidade de previamente se enveredar pela alteração do valor dos alimentos fixados a cargo do devedor, prescindindo do estabelecimento de novo incumprimento, nova decisão que o reconheça, etc., num círculo interminável de decisões sem qualquer efeito útil;
VIII- O obrigado principal, como se refere na epígrafe do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 164/99, mantém a sua obrigação, e, daí, que esteja acautelado o direito ao reembolso e os mecanismos coercivos para cobrança da dívida do obrigado (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 164/99), não obstaculizando, porém, que haja uma parte da prestação que não se encontra coberta pela sub-rogação, na justa medida em que a prestação foi fixada em valor superior ao valor da obrigação em incumprimento;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
Na presente ação de regulação das responsabilidades parentais instaurada pela progenitora SL contra o progenitor NB relativamente às menores BB e BB foi convertido em definitivo o regime de responsabilidades parentais, no qual, além do mais, foi fixada a pensão alimentícia para cada criança, a cargo do progenitor, no valor de €75,00 mensais, atualizada, com início no mês de maio de 2011.
Suscitado pela mãe das crianças o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos acima referida, desde junho de 2011, e realizadas diligências tendentes ao cumprimento coercivo, que se revelaram infrutíferas, foi proferido o despacho de fls. 71, no qual se reconheceu o incumprimento do requerido progenitor quanto à pensão de alimentos acima referenciada.
A requerente veio então, em 05/03/2012, solicitar que nos termos da Lei n.º 75/98, de 19/11 e do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, o tribunal fixasse um montante a ser pago pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (doravante FGADM), no valor de €200,00 para as duas filhas.
Foram realizadas diligências tendentes a apurar o paradeiro do progenitor.
Foram realizadas diligências tendentes ao apuramento da situação económica dos progenitores.
Foi realizado inquérito social relativo às condições socioeconómicas da requerente.
Foi colhido o parecer do Ministério Publico (fls. 117-118), no qual promoveu a fixação de uma prestação a cargo do FGADM em valor não inferior a €120,00 mensais, para cada menor.
Em 15/11/2013, foi proferida a decisão inserta a fls. 119-121, que apreciando a verificação dos pressupostos da intervenção do FGADM, decidiu fixar em €120.00 mensais, por menor (€240,00 no total), a suportar pelo FGADM, enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à concessão da prestação, a falta de pagamento por parte do requerido, enquanto obrigado a alimentos, e a menoridade das crianças.
Inconformado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do referido FGADM, interpôs o presente recurso, defendendo a revogação da decisão na parte que o condenou em valor superior ao fixado ao progenitor em incumprimento.
Nas suas contra-alegações, o Ministério Público defendeu a confirmação da decisão recorrida.

Conclusões da apelação:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que decide pela atribuição da prestação de alimentos a assegurar pelo FGADM em substituição do devedor incumpridor por valor superior ao fixado para aquele.
2. A obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos e nesse sentido a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
3. No caso em apreço ao progenitor devedor foi fixada no ano de 2012 uma prestação mensal no valor mensal de E 75,00 (setenta e cinco euros) para cada um dos menores no valor total de €150,00 (cento e cinquenta euros).
4. Porem, e como consta na douta decisão que ora se recorre, o Tribunal "a quo" atribui como adequada a prestação alimentar de €120,00 (cento e vinte euros) para cada menor no valor total de €240,00 (duzentos e quarenta euros) em substituição do progenitor a ser, única e exclusivamente, suportada pelo FGADM, não obstante de ao progenitor em incumprimento se manter o valor anteriormente fixado no valor total de €150,00 (cento e cinquenta euros) o equivalente a €75,00 (setenta e cinco euros) para cada um, pelo que e determinada que foi a intervenção do FGADM, em regime de sub-rogação, deveria sê-lo nessa mesma medida.
5. A verdade é que, salvo o devido respeito, pagando o FGADM mais do que ao progenitor devedor é exigido, e seguindo-se as regras da sub-rogação, previstas na lei, no excesso não opera a sub-rogação.
6. A ser possível a diferença no valor da prestação fixada, consistirá numa obrigação fixada apenas para o FGADM, que determinará que a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor devedor passando a ser apenas da responsabilidade do FGADM, se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas e tão-somente das necessidades actuais do menor.
7. Sobre esta mesma matéria decidiu recentemente, Tribunal da Relação de Lisboa — Proc. 1529/03 acórdão de 08/11/2012; Tribunal da Relação de Coimbra — Proc. 3819/04 — 2' secção cível acórdão de 19/02/2013; assim como Tribunal da Relação do Porto Proc. 30/09 — 58 secção acórdão de 25/02/2013 Tribunal da Relação do Porto Proc. 3609/06.5 — 58 secção acórdão de 10/10/2013; Tribunal da Relação de Évora Proc. 292/07.4 — 28 secção acórdão de 14/11/2013.
 
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão essencial a decidir é se em caso de incumprimento do pagamento da pensão de alimentos a menor por parte do progenitor a tal obrigado, a prestação a cargo do FGADM pode ser fixada em valor superior ao valor mensal incumprido.

B- De Facto
Os elementos factuais relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam dos autos e são, em suma, os seguintes:
1. Na data da conferência de pais (05/05/2011) a requerente auferia cerca de €630,00 mensais e exercia funções como operadora de caixa;
2. Pagava cerca de €300,00 de prestação por um empréstimo à habitação;
3. Conforme resulta do relatório social elaborado em 28/10/2013, pela Segurança Social (junto a fls. 114-116v):
a) O agregado familiar da requerente SL, nascida em 26/11/19…, 11.º ano de escolaridade, é composto por ela e pelas duas filhas menores, BB, nascida em 08/06/20…, a frequentar o 4.º ano no Agrupamento de Escolas…, no …e BB, nascida em 26/09/20…., a frequentar a pré-escola no mesmo estabelecimento de ensino;
b) A requerente encontra-se desempregada, com direito a subsídio de desemprego, tendo o agregado familiar auferido no ano de 2012, o rendimento de €5.692,32, correspondente a €5.130,00 de rendimento do trabalho e €562,32 de prestação de subsídio de desemprego;
c) As despesas mensais do agregado familiar ascendem a €484,47 e as despesas mensais específicas das crianças a €183,32;
d) O rendimento per capita do agregado familiar, por aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16/06 foi calculado em €237,18;
e) As menores auferem abono de família no montante total mensal de €84,46 (€42,33x2);
4. De acordo com o documento de fls. 103, o subsídio de desemprego concedido à requerente tem a duração de 630 dias, com início em 28/12/2012, no montante diário de €15,49, sendo este montante reduzido em 10% a partir do 181.º dia;
5. O requerido encontra-se detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa, desde 27/02/2012, a cumprir pena efetiva de prisão, encontrando-se ainda a aguardar julgamento noutros processos pendentes (cfr. fls. 86 a 88), não se lhe sendo conhecidos bens ou rendimentos suscetíveis de desconto/penhora com vista ao cumprimento da obrigação de alimentos.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
Conforme resulta da enunciação da questão decidenda, importa aferir se a prestação a cargo do FGADM pode ser fixada em valor mensal superior à do obrigado a alimentos.
A decisão recorrida pronunciou-se pela positiva, com o apoio do Ministério Público, interpretando o regime previsto no Decreto-Lei n.º 75/98, de 19/11, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, e do Decreto-Lei n.º 146/99, de 13/05, que regulamentou aquela Lei.
Discorda o apelante conforme consta das suas alegações e conclusões recursórias.
É sabido que se trata de matéria que tem suscitado decisões jurisprudenciais diferentes (desde logo, conforme espelham as alegações e as contra-alegações). Umas no sentido afirmativo, defendendo que o quadro normativo em vigor permite a fixação de valor superior; outras, defendendo o inverso.
É despiciendo enveredar por elencar, ainda que resumidamente, os argumentos de uma e outra tese, já que o que releva é a fundamentação e a decisão a proferir no caso concreto em apreciação, por tal ser imposto por via da norma constitucional vertida nos artigos 205.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 154.º e 663.º, n.º 2, do Código Civil 2013.
Sublinha-se também que aventar qual das duas teses é maioritária, se afigura, no mínimo, inútil para a decisão a proferir. Aliás, corresponde a um prognóstico que se afigura difícil, considerando a profusão de decisões publicadas sobre a matéria, para além de todas as que não vieram a lume, sem que haja sequer estatística resultante de um estudo credível sobre a questão.[1]
Vejamos, pois, a concreta situação.
Como se mencionou supra, a decisão recorrida foi proferida em 15/11/2013.
Nessa data encontrava-se em vigor a Lei n.º 75/98, de 19/11, já com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 (OE 2013), bem como o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, que a regulamenta, com a redação introduzida pelas alterações constantes da Lei n.º 64/2012, de 20/12 (que introduziu uma 2.ª alteração à Lei n.º 64-B/2012, de 30/12).
Entende-se assim que, não obstante o requerimento a pedir a intervenção do FGADM ter sido apresentado em juízo em data anterior à vigência das alterações dos diplomas acima citados, aplica-se ao caso a redação em vigor à data da prolação da decisão recorrida por força do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Conforme se expressou no acórdão do STJ de 30/09/2008[2], a Lei n.º 75/98, de 19/11, e a sua regulamentação, têm a montante um acervo de normas de direito internacional que visam consagrar e dar efetividade a princípios que vieram a ser plasmados na Convenção sobre Direitos da Criança, ratificada em Portugal em 21/09/1990, com vista à adoção de medidas legislativas por parte dos Estados, que garantam tais direitos, entre eles, o direito a alimentos.
Por sua vez, em termos de direito interno, a Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à proteção, com vista a um desenvolvimento integral, assumindo a sociedade e o Estado essa função (artigo 69.º, n.º 1).
O legislador ordinário, por sua vez, ao criar e dotar de meios o FGADM, revelou no preâmbulo do diploma que regulamentou a Lei n.º 75/98, de 19/11, o Decreto-Lei n.º 164/99, que a garantia de alimentos devidos a menores constituía uma “nova prestação social que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social a menores.”
Assim, a fixação de uma prestação a cargo do FGADM tem assumidamente carácter social ou assistencial e tem como fim prevenir ou debelar situações de extrema pobreza, as quais colocam em causa o desenvolvimento integral das crianças e, em suma, o direito à sua proteção.
Independentemente dos requisitos e pressupostos que o legislador introduziu na citada legislação, que em última análise funcionam como limitadores da intervenção do Estado, o cariz assistencialista subjacente aos diplomas deve nortear a interpretação das suas normas, por constituir a sua ratio legis (artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Também se afigura pertinente mencionar, exatamente para estabelecer parâmetros em termos de análise e interpretação dos preceitos, que a opção legislativa não foi a de estabelecer uma garantia por parte do FGADM consistente no adiantamento/pagamento da pensão de alimentos fixada judicialmente e incumprida, qua tale, já que determinou que a mesma fosse objeto de uma decisão autónoma que fixasse a prestação (o que se afiguraria inútil se a prestação tivesse o mesmo valor quantitativo) e, por outro lado, mais relevante ainda, que a decisão fosse precedida da realização de diligências de prova indispensáveis, segundo o critério do Tribunal, visando averiguar as necessidades e a situação socioeconómica do alimentando e do seu agregado familiar (artigo 4.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 164/99).
Na verdade, ainda que o Estado assuma através do FGADM o pagamento das “prestações previstas na lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação” verificados os pressupostos previstos no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 164/99, ou seja, desde que o obrigado a alimentos esteja em incumprimento e não seja possível através dos meios coercivos previstos no artigo 189.º da OTM, obter o cumprimento da obrigação de alimentos, e desde que o menor não tenha, por ele, ou através da pessoa a cuja guarde se encontre, um determinado rendimento ilíquido (atualmente situado em €419,22 mensais, que corresponde ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), determinado nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16/06), a prestação substitutiva do Estado (assim caracterizada no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98), que permite a sub-rogação do FGADM “em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respetivo reembolso” (artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98), não deixa de ser uma prestação autónoma, sujeita na sua determinação quantitativa aos critérios e pressupostos específicos previstos nos dois diplomas que temos vindo a referir.
Já no acórdão do STJ para fixação de jurisprudência nº 12/2009, de 07/07/2009[3], embora reportando-se à análise e interpretação dos diplomas em causa relativamente ao momento do nascimento da obrigação a cargo do FGADM, se sublinhou que “[a] obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos ex novo”.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.
Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.”

A fixação do quantum da prestação de alimentos a cargo do FGADM está sujeita aos pressupostos e requisitos específicos previstos naqueles diplomas (cfr. n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99), e, ainda que possam ter similitude com os critérios previstos na lei civil para a determinação da obrigação de alimentos (artigo 2003.º e 2004.º do Código Civil), podem conduzir à fixação de uma prestação de valor igual, inferior ou superior à fixada ao obrigado à prestação de alimentos.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo 3.º, as prestações não podem exceder mensalmente, por cada devedor o montante de 1IAS (independentemente do número de filhos menores, conforme aditamento ao n.º 1 do artigo 2.º, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12/2012), atendendo-se na sua fixação, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
É de notar, desde logo, que caso a pensão de alimentos fixada ao obrigado a alimentos exceda o valor referencial previsto na norma, a prestação a cargo do FGADM tem de se reconduzir a esse valor máximo, donde resulta claramente que a lei prevê que a mesma possa ser fixada em valor inferior.
Mas esse é o único limite quantitativo estabelecido.
No mais, a lei é omissa. Ou seja, não estabelece qualquer outra limitação ao quantum a fixar e, pelo contrário, determina que o Tribunal apure a concreta situação económica do agregado familiar e as necessidades do alimentando e, perante esse apuramento, que seja fixado o montante da prestação a cargo do FGADM.
Admitindo-se, como tem de se admitir em face da presunção do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, em termos de fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, temos de concluir que visando-se o apuramento da situação socioeconómica do menor e do seu agregado familiar à data da decisão que fixa a prestação do FGADM, o que se procura estabelecer é uma prestação em consonância com o juízo valorativo adveniente da ponderação das circunstâncias indagadas.
E se desse juízo valorativo resultar um desajustamento do quantum da pensão de alimentos fixadas ao obrigado, que se encontra em incumprimento, essa prestação deve ser alterada ainda que para valor superior. Donde resulta, que o valor da prestação do FGADM tanto pode ser igual, menor ou superior à prestação antes fixada ao obrigado a prestar alimentos.
Afigura-se-nos, aliás, totalmente compreensível que o legislador assim tenha forjado a aplicação das normas, revelando um certo pragmatismo que se adequa de forma correta à defesa dos interesses das crianças.
Na verdade, entre a decisão que fixou os alimentos, o requerimento com vista ao reconhecimento do incumprimento, a decisão que o reconhece, o pedido de intervenção do FGADM e a decisão que aprecia os pressupostos dessa intervenção e fixa a prestação por parte deste organismo, pode mediar algum ou bastante tempo, dependendo muitas vezes de fatores exógenos ao próprio Tribunal. Basta que os relatórios sociais ou outras diligências probatórias demoram mais tempo do que seria adequado, que o paradeiro de devedor de alimentos não seja conhecido, que seja necessário proceder a qualquer outro tipo de averiguações, enfim, um sem número de possibilidades que tendem todas a distanciar a decisão no tempo e que podem determinar um desajustamento entre o valor dos alimentos anteriormente fixados e a necessidades atuais do alimentando.
O processo em apreciação é, aliás, um exemplo paradigmático no tocante à modificabilidade dos pressupostos e das circunstâncias experienciadas na vida real, compreendendo-se que o legislador exija que as decisões estejam atualizadas à data da sua prolação, sob pena de serem desadequadas (cfr. artigos 986.º a 988.º do CPC 2013).
Repare-se que quando foi fixada a prestação de alimentos, a progenitora trabalhava, tinha um determinado rendimento e encargos; aquando da decisão recorrida, encontrava-se desempregada e subsistia com um subsídio de desemprego.
O progenitor, por sua vez, no entretanto, foi detido, encontra-se a cumprir pena de prisão efetiva, com outros processos pendentes a aguardar julgamento. Sem quaisquer rendimentos ou bens. Se antes, ainda que não possuísse bens ou rendimentos, estava em liberdade e, por isso, em condições de prover (ou tentar prover) ao seu sustento e providenciar pelo contributo exigível ao sustento das filhas, agora essa possibilidade está de todo arredada.
As crianças, entretanto, também vão crescendo e, consequentemente, modificando-se as suas necessidades.
O que o legislador consagrou foi, no fundo, a possibilidade de se atualizar o quantum da prestação de alimentos, sem necessidade de previamente se enveredar pela alteração do valor dos alimentos fixados a cargo do devedor, prescindindo do estabelecimento de novo incumprimento, nova decisão que o reconheça, etc., num círculo interminável de decisões sem qualquer efeito útil.
Argumenta-se, conforme realça a recorrente, que este entendimento não se coaduna com a natureza subsidiária da prestação do FGADM e com a sub-rogação do mesmo prevista na lei, por haver uma parte excedente da prestação não coberta por esse instituto legal.
A conclusão é acertada, ou seja, o que a lei prevê é uma situação de sub-rogação legal (artigo 592.º do Código Civil), que pode ser total ou parcial, consoante haja ou não total coincidência entre o quantum da prestação incumprida e a fixada a cargo do FGADM.
Conforme se refere num acórdão da Relação do Porto[4], apelando aos ensinamentos do Porf. Antunes Varela, ”[a] sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo (…); o principal efeito da sub-rogação é a transmissão do crédito, que pertencia ao credor satisfeito, para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor ou à custa de quem a obrigação foi cumprida. Como a aquisição do sub-rogado se funda substancialmente no acto do cumprimento, só lhe será lícito porém exigir do devedor uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do credor”.
Concluindo-se no supra citado acórdão que “[a] sub-rogação legal convive assim com dois potenciais limites, entre a prestação efectuada pelo sub-rogado, e aquela que poderia ser exigida do devedor principal, apenas ficando o sub-rogado investido naquele dos direitos que for quantitativamente menor – a dívida do originário solvens ou a prestação efectuada pelo terceiro, agora sub-rogado.
Esta diversidade de prestações não é estranha ao instituto da sub-rogação, que com elas convive, nos limites apontados.”

Por outro lado, a natureza subsidiária da intervenção do FGADM em nada colide com o entendimento defendido, porquanto é necessário não olvidar que estamos no domínio de uma intervenção de cariz social, assistencialista.
O obrigado principal, como se refere na epígrafe do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 164/99, mantém a sua obrigação, daí que esteja acautelado o direito ao reembolso e os mecanismos coercivos para cobrança da dívida do obrigado (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 164/99).
Porém, tal consagração não obstaculiza que haja uma parte da prestação que não se encontra coberta pela sub-rogação, na justa medida em que a prestação foi fixada em valor superior ao valor da obrigação em incumprimento.
O não reembolso de prestações de natureza social carateriza, em regra, este tipo de prestações. Não vemos, pois, que um regime assumidamente de cariz social e assistencialista no âmbito da proteção dos direitos das crianças, não se coadune com esse tipo de resultado, transferindo para toda a sociedade o inerente encargo contributivo (cfr. artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, no tocante às receitas do FGADM, donde resulta que a principal fonte provém das dotações inscritas no Orçamento do Estado).
Repare-se que a prestação a cargo do FGADM é tudo menos definitiva, quer quanto à sua duração (desde logo fica limitada à menoridade do alimentando, mas não só, na medida em que só existe enquanto subsistir o incumprimento - conforme estipula o artigo 1.º, n.ºs 1e 2, da Lei n.º 75/98,), quer quanto ao seu montante (já que pode ser alterado em função da prova anual que é preciso apresentar perante o Tribunal competente, da manutenção dos pressupostos subjacentes à sua atribuição – cfr. artigo 9.º, n.ºs 2 e 4, do Decreto-Lei n.º 164/99), o que, mais uma vez, indicia que se trata de uma prestação autónoma sujeita a requisitos e pressupostos próprios, podendo variar no seu quantum relativamente à prestação do obrigado a alimentos que se encontra em incumprimento, conforme as circunstâncias concretas, que caso a caso e em cada momento, concorreram para a sua fixação.
Finalmente importa mencionar que quaisquer argumentos que se situam fora do estrito campo da interpretação da lei, da sua letra, sentido e finalidade, ou seja, que extravasam as situações que concretamente se colocam à apreciação em cada processo, como sejam os que criticam determinadas opções legislativas que estabelecem um teto máximo para a prestação ou a cessão da obrigação do FGADM quando o relapso retoma o cumprimento ainda que a pensão seja de valor desadequado por não ter possibilidade de contribuir com valor superior, ou outras de cariz semelhante, apenas podem ser tidas em conta em termos de direito a legislar e não de direito legislado. Nunca, a nosso ver, poderão determinar ou fundamentar, ainda que seja ex abundante, a decisão a proferir num caso concreto.
Por todo o exposto, e considerando que o recorrente não questiona que o valor fixado a seu cargo se encontra eivado de qualquer desajustamento em relação aos critérios e pressupostos previstos no regime legal, exceto no que concerne à concreta questão colocada no recurso, na qual não obteve vencimento, entende-se que a decisão recorrida não pode deixar de ser confirmada.
Improcede, pois, a apelação.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, dada a isenção do recorrente (artigo 4.º, alínea v), do RCP, na redação dada pelo artigo 185.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12).

Lisboa, 29 de abril de 2014

Maria Adelaide Domingos

Eurico José Marques dos Reis

Ana Grácio

[1] Afigura-se-nos, porém, que a questão merece tratamento legislativo que ponha termo à disparidade de decisões, ou pelo menos, uma uniformização jurisprudencial, que crie parâmetros uniformizadores na interpretação e aplicação do regime normativo vigente, considerando os relevante interesses sociais em causa, acentuando-se que a divergência verificada nas várias decisões dos Tribunais não contribui para a transparência e prestígio do nosso sistema de Justiça.
[2] Proc. 08A2953, em www.dgsi.pt.
[3] DR 1.ª série, n.º 150, de 05/08/2009, pp. 5084-5094, maxime  p. 5086.
[4] Ac. RP, de 15.10.2013, proc. 151/12.9TBARC.P1, em www.dgsi.pt. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, 10.ª ed., pp. 346 e 348.