Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PULIDO GARCIA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EXECUÇÃO DE SENTENÇA COMPETÊNCIA COMPETÊNCIA MATERIAL CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/09/2010 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
Decisão: | DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA | ||
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Sumário: | A competência para executar a decisão de arbitramento de indemnização civil proferida em processo penal julgado na área da comarca de Lisboa cabe aos Juízos de Execução desta comarca. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | No Processo NUIPC 325/03.3 S4LSB-A, foi, por despacho do(a) Exm.º(ª) Juiz da 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, proferido a 20 de Outubro de 2009, esse Tribunal declarado incompetente para a tramitação do requerimento executivo nele apresentado e declarados competentes, para o efeito, os Juízos de Execução de Lisboa. Esse despacho é do seguinte teor (transcreve-se; cfr. fls. 8 destes autos): «Nos termos conjugados do disposto no n°1 e no nº 2 do art.126º da Lei nº 52/2008, de 28/08, cabe aos Juízos de execução o processamento da execução de natureza cível, sendo apenas salvaguardada, na parte a considerar no presente caso, a execução de sentença penal que, nos termos da lei processual penal, esteja reservada aos tribunais criminais. Ora, no caso dos autos está em causa a execução de parte de sentença penal, mas referente a decisão da lide cível que, por força do art.71º do C.P.P. havia sido enxertada no processo penal. Todavia, na lei processual penal não existe qualquer imposição de reserva de que a execução de tal decisão (que tem natureza meramente cível) seja reservada aos tribunais criminais, pelo que aqui não opera a ressalva constante da parte final do nº 2 do citado art. 126º da Lei nº 52/2008, ao contrário, tendo plena aplicação a regra geral do nº 1 do mesmo artigo, supra citado. Ou seja, a competência da execução de decisão de arbitramento de indemnização cível, ainda que fixada no âmbito de processo que correu termos em tribunal criminal, cabe aos Juízos de Execução e não ao tribunal onde a decisão declarativa foi proferida. Termos em que este Tribunal se declara incompetente para apreciar da presente execução. Notifique. Oportunamente remeta os autos aos Juízos de Execução, para distribuição.» Remetidos os autos, e feita a necessária distribuição (onde lhes coube o n.º 26676/09.5YYLSB), pelo Exm.º Juiz da 2.ª secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa foi, por despacho proferido na sequência da conclusão de 10 de Dezembro de 2009, entendido não ser competente para o efeito (cfr.fls.9 destes autos). Tal despacho é do teor seguinte (transcreve-se): «Por via da publicação da Lei n.° 42/2005, de 29/08, aplicável aos presentes autos, procedeu-se à alteração da redacção do artigo 102° A da Lei 3/99, de 13.01 (LOFTJ) tendo-se estabelecido que os juízos de execução não têm competência para apreciar as execuções de sentenças proferidas em processo que correu termos no Tribunal Criminal. Tais decisões devem ser executadas pelo Tribunal que as proferiu – artigo 103° da LOFTJ aplicável aos presentes autos. Assim sendo, este tribunal é materialmente incompetente para a tramitação do presente processo, fundado em Acórdão proferido em processo que correu termos no tribunal criminal. A incompetência em razão da matéria constitui uma excepção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso, podendo ser apreciada quer em sede liminar quer em fase posterior da execução, de harmonia com o disposto nos artigos 812°, n.° 2, b), 812°-A, n.° 1, a contrario sensu do CPC. Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente execução. […]» Ambos os despachos daquele(a)s Exmº(ª)s Magistrado(a)s, em conflito, transitaram em julgado. Gerou-se, assim, um conflito negativo de competência (art.º 34º do C.P.P.) que, suscitado [1], há que ver solucionado, em obediência ao estipulado nos art.ºs 35º e 36º do C.P.P. (na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29/8), para o que esta Relação, nos termos do art.º 12º, n.º 5, a), do C.P.P. (na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29/8), dispõe de competência. Observado o disposto no art.º 36º, n.º 1 do aludido Código, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta [2] emitiu esclarecido e douto parecer, como é seu hábito (cfr.fls.17-19), e mais nenhuma outra alegação foi apresentada. * Compulsados os autos, resulta dos mesmos o seguinte: - No Processo NUIPC 325/03.3 S4LSB, foi, por sentença, de 6-2-2007, transitada em julgado em 26-2-2007, da Exm.ª Juiz da 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, a arguida/demandada, M… E…, além do mais, condenada a pagar à lesada/demandante, A… C…, a quantia de 250 Euros, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento (cfr.fls.6-7 destes autos); - Com vista à execução de tal condenação, através da Exm.ª Mandatária, apresentou a demandante/exequente, A… C…, a 22-4-2009, na 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, e por apenso ao Processo NUIPC 325/03.3 S4LSB, o respectivo requerimento executivo (cfr.fls. 6-7 destes autos); - Aberta conclusão, pela Exm.ª Juiz da 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, a 20-10-2009, com fundamento no disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 126º da Lei nº 52/2008, de 28/08, entendeu que o tribunal competente para a execução requerida eram os Juízos de Execução, assim proferindo o primeiro dos despachos em conflito (cfr.fls. 8 destes autos). Do que vem de ser descrito retira-se que a questão controvertida, de cuja resolução há-de sair a decisão do presente conflito negativo de competência, se consubstancia no seguinte: - Dentro do circunstancialismo ocorrido, e que se mostra devidamente revelado, a qual dos dois Tribunais em conflito cabe tramitar a execução referida, requerida por A… C…? A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, alinhando os convincentes e determinantes argumentos, quer de natureza interpretativa, quer de natureza doutrinal e jurisprudencial, aponta para que, no caso, essa competência seja deferida, sem qualquer dúvida, ao 2.º Juízo de Execução de Lisboa. Vejamos: Antes de mais, e como sublinha a Exm.ª P.G.A, porque a Exm.ª Juiz da 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, para a resolução do presente conflito, se fundamenta no disposto no artigo 126° da Lei 52/2008 de 28 de Agosto, cabe, desde já, deixar esclarecido que, no que ao mesmo toca, e porque não está envolvida nenhuma das comarcas piloto, não é aplicável a mesma Lei, como decorre do estipulado no seu art.º 187.º, n.º 1 [3]. Para afastar a sua competência, o Exm.º Juiz da 2.ª secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa invocou, fundamentalmente, o consignado no artigo 102.º-A, n.° 2, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 42/2005, de 29 de Agosto, o qual entrou em vigor, nessa parte, no dia 30 de Agosto), conjugando-o com o disposto no art.º 103.º da mesma LOFTJ. Dispõem os aludidos artigos 102.º-A e 103.º, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1), no que agora interessa: Art.º 102.º-A- Juízos de execução: «1- Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil. 2- Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais de trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil. 3- […]» Art.º 103.º- Execução das decisões: «Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.» Antes da introdução do n.º 2 transcrito, e decorrente da profunda alteração resultante do novo regime da Acção Executiva e da criação dos Juízos de Execução [al. g), do n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção do art.º 13.º do D.L. n.º 38/2003, de 8/3], sedimentou-se nesta Relação a seguinte jurisprudência sobre o regime vigente para as execuções [4]: “[…] Há que considerar, em primeiro lugar, que o principal objectivo da reforma da acção executiva foi o de libertar os tribunais que declaram o direito da actividade executiva, sendo propósito confesso do legislador atribuir as questões executivas aos juízos de execução, segundo o princípio da especialização, libertando os demais tribunais que declaram o direito/independentemente da jurisdição (cível ou penal). […] O artigo 96.° n.° 1, alínea g), da LOFT, prevê a possibilidade de serem criados juízos de execução enquanto juízos de competência específica. E alguns desses juízos foram criados pelo Decreto-Lei n.° 148/2004, de 21 de Junho, cabendo-lhes exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil (artigo 102.°-A da LOFT). Tendo em consideração as normas estabelecidas nos artigos 64.° n.° 2, 77.° n.° 1, alínea c), 96.° n.° 1, alínea g), 97.° n.° 1, alínea b), 102.º-A, 103.° e 121 .°-A, todos da LOFTJ, e artigos 90.° a 95.° do Código de Processo Civil, desde já adiantamos que, em nosso entender, neste momento, em todas as circunscrições onde existam juízos de execução instalados, as acções executivas, sejam elas da espécie de matéria cível ou penal – aqui se devendo apenas considerar a execução patrimonial das decisões proferidas e não a competência do tribunal criminal no que respeita à pena propriamente dita aplicada, como por exemplo a passagem de mandados de captura ou substituição de uma pena de multa por dias de trabalho ou pagamento da multa em prestações -, deverão ser intentadas nesses juízos de execução; a não ser que a lei expressa e excepcionalmente preveja para situações concretas competência diferente para essas execuções. E, como adiante veremos, existem situações excepcionais em que a lei expressamente retira dos juízos de execução, mesmo nas situações e nas circunscrições em que estes se encontram instalados. Não podemos deixar de considerar que a lei [artigo 96.° n.° 1, alínea g) da LOFT e Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho], ao criar os juízos de execução não fez qualquer distinção sobre a sua competência em matéria cível ou criminal, não havendo por isso que fazer qualquer distinção nesta parte […]. Contrariamente ao que se verificava nas normas vigentes da LOFT até à data da entrada em vigor do pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, em que se prescrevia que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram os competentes para executar as suas próprias decisões, na actual redacção dos artigos 77.° n.° 1, alínea c), 103.° e 102.°-A da LOFT, o legislador expressamente limita, quer aos tribunais de competência genérica quer aos tribunais de competência especializada e de competência específica – aqui se devendo incluir as varas cíveis, as varas criminais, as varas mistas, os juízos cíveis, os juízos criminais, os juízos de pequena instância cível e os juízos de pequena instância criminal – a sua competência para a execução das decisões que hajam proferido, ao dizer expressamente que tal só ocorrerá «nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução» e acrescentando-se que estes «são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil»”. Ora, do que vem de se transcrever, evidencia-se que a introdução do n.º 2, no art.º 102.º-A, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1), pela Lei n.° 42/2005, de 29 de Agosto, em nada conflitua com o entendimento constante dessa interpretação jurisprudencial, e, antes pelo contrário, reforça o seu sentido e alcance. Na verdade, em tal normativo apenas se explicitam os ditos casos “…excepcionais em que a lei expressamente retira dos juízos de execução, mesmo nas situações e nas circunscrições em que estes se encontram instalados…” e, por outro lado, no que se refere às execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal, claramente afasta as hipóteses que não devam correr perante o tribunal civil e que são as que se prendem com “…a competência do tribunal criminal no que respeita à pena propriamente dita aplicada, como por exemplo a passagem de mandados de captura ou substituição de uma pena de multa por dias de trabalho ou pagamento da multa em prestações…”, como insofismavelmente há-de resultar do disposto no art.º 467.º e segts. do C.P.P.. Aliás, esta interpretação é a única possível, como, indubitavelmente, decorre dos ensinamentos da própria doutrina – por todos, cfr. A Acção Executiva – Depois da Reforma da Reforma – 2009, José Lebre de Freitas, pág. 105 e segts., principalmente 107, referindo, a pág. 39, “…sentença condenatória em processo de natureza não civil, por exemplo de carácter penal.” Não tem, pois, apoio legal, a interpretação dos artigos 102.º-A, n.° 2, e 103.º, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção dada pela Lei n.° 42/2005, de 29 de Agosto), levada a cabo pelo Exm.º Juiz da 2.ª secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa, no segundo dos despachos em conflito. E, por o acerto da interpretação que se seguiu nos surgir evidente perante a clareza dos normativos aplicáveis e as circunstâncias do caso, como ressalta do minucioso e fundamentado parecer da Exm.ª P.G.A., outro não pode ser, pois, o nosso entendimento e a nossa decisão. * Pelo exposto, e sem a necessidade de maiores considerações: Dirime-se o presente conflito negativo julgando-se competente a 2.ª secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa para tramitar a execução referida, requerida por A… C…. Observe-se o disposto no art.º 36º, n.º 3, do C.P.P. (na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29/8). Não é devida taxa de justiça. (Processado e revisto pelo subscritor.) Lisboa, 9 de Março de 2010 a) Pulido Garcia ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Pela Exm.ª Juiz da 3.ª secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa – cfr.fls. 4-5. [2] Exm.ª Dr.ª Lucília Gago. [3] O regime da Lei n.º 52/2008, de 28/8, por enquanto, vigora apenas limitadamente e em regime experimental, como expressamente se refere em A Acção Executiva – Depois da Reforma da Reforma – 2009, José Lebre de Freitas, pág. 106. [4] Por todas, transcreve-se, no que agora releva, a decisão sumária proferida a 23-5-2005, no Rec. N.º 5348/2005, 7.ª Secção, pelo Exm.º Des. Luís Vaz das Neves. Cfr., também, a jurisprudência citada pela Exm.ª P.G.A. – ACRP de 26.01.06 (P.0536697, Rel.:-Deolinda Varão, disponível em www.dgsi.pt) do qual consta enunciada, com assinalável detalhe, a evolução legislativa registada neste domínio e ACRL de 16.06.05 (P.6607/05-8, Rel. :-Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler “(…) No caso de execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribuiu aos tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para neles se executarem as próprias decisões, sejam elas indemnizações cíveis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se for o territorialmente competente (…)”. |