Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1548/17.3T8LRS.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÕES NÃO CUMULÁVEIS
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Sendo o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas complementares, revestindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário, por a responsabilidade primeira ser aquela que recai sobre o responsável civil; no entanto, não pode haver duplo ressarcimento quanto ao mesmo dano concreto.
II – As indemnizações fixadas em cada uma das jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e o Tribunal em que o pedido de indemnização for deduzido exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos.
III - O responsável pelo acidente de viação (ou o seu segurador) não pode pretender a dedução na indemnização a que for condenado, do valor da indemnização que o trabalhador/sinistrado porventura já tenha recebido por força da reparação do acidente de trabalho.
IV - Estando a reparação pelo dano especificamente laboral definida no processo emergente de acidente de trabalho, resta fixar, na instância cível, a vertente do dano biológico que afecta a vida extralaboral do lesado.
V – Constitui entendimento consolidado a nível do Supremo Tribunal de Justiça que a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem saúde, de que decorrem, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária, entre elas a maior penosidade e esforço no exercício da actividade diária corrente e profissional e o condicionamento a que fica sujeito para efeitos de valorização da sua posição no contexto laboral.
VI – Numa situação em que a vítima, tendo já obtido reparação por perda de capacidade de ganho em sede laboral, tinha 43 anos à data do acidente, suportou um longo período de convalescença, tendo 49 anos à data da consolidação médico-legal das lesões, ficando com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 34 pontos, não tendo retomado a vida profissional e tendo sido reformada (em 2020), suportando limitações para os actos da vida diária, familiar e social, ficando a padecer de depressão e carecendo permanentemente de medicamentos, tratamentos, consultas e auxílio de colar cervical, tem-se por adequada e equilibrada uma indemnização por dano biológico no valor de 125.000,00 euros.
VII - É adequada, equilibrada e proporcional a importância de 140.000,00€ para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, pessoa alegre, saudável e activa, com 43 anos de idade, que auferia um rendimento anual de 30.699,06€ como funcionária em instituição bancária e que em consequência do atropelamento de que foi vítima, sem qualquer culpa sua, sofreu múltiplas lesões, entre elas traumatismo craniano e da coluna cervical e posterior perturbação depressiva reactiva, foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, tratamentos, exames, consultas, com um longo período de convalescença, um quantum doloris de grau 6, repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 4 numa escala de 7 graus, com necessidade futura permanente de medicação, tratamentos e ajuda de tecnologia para superar as limitações anátomo-funcionais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, empregada bancária, contribuinte …, residente na Rua … Turcifal, Torres Vedras intentou contra SEGURADORAS UNIDAS S.A., pessoa colectiva nº … com sede na Av. …, Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o pedido de condenação da ré no pagamento à autora das seguintes quantias:
a) A título de ressarcimento das despesas de consultas médicas e exames a que foi submetida e que está a custear, a quantia de 2.108,00 euros;
b) A título de ressarcimento das despesas de transporte para consultas médicas, seja em viatura própria, seja em táxi, a quantia de 5.068,60 euros;
c) A título de ressarcimento de danos patrimoniais futuros, a quantia de 250.000,00 euros;
d) A título de ressarcimento dos danos morais, a quantia de 250.000,00 euros;
e) Acrescidos dos juros vincendos à taxa legal, a contar da citação;
f) E ainda no pagamento/ressarcimento à autora de todos os danos de ocorrência futura, nomeadamente as despesas de consultas médicas, exames clínicos, operações cirúrgicas, despesas medicamentosas que esta venha a efectuar para tratamento das sequelas do atropelamento, bem como das despesas de transporte para realização de tais actos, em quantia a liquidar em execução de sentença.
Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 5073054):
- A autora era e é funcionária bancária na Caixa Geral de Depósitos[1];
- No dia 17-02-2011, pelas 10 horas, saiu da dependência da CGD de Torres Vedras, para ir reunir com um cliente do Banco e iniciou a travessia da Praça …, no sentido Nascente-Poente, utilizando a passadeira para peões demarcada no pavimento, visível e antecedida do sinal vertical H7 (passagem para peões) e onde existe um sentido único de circulação de veículos automóveis, o sentido Norte-Sul, e tem uma largura entre passeios de 6,40 metros;
- Antes de iniciar o atravessamento da via, olhou para aquele lado, pela sua direita, tendo-se certificado que não se aproximava qualquer veículo e quando já havia atravessado cerca de metade da via, surgiu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-HX, conduzido pela sua proprietária, CI, que seguia desatenta à circulação, a velocidade não inferior a 60 km/hora, vindo a embater na autora com a parte da frente do veículo HX, que caiu desamparada sobre o capot do veículo e, posteriormente, foi projectada para o solo;
- A autora foi assistida pelo INEM e transportada para o Hospital de Torres Vedras, onde foi submetida a exames radiológicos, tendo-se verificado que não tinha fracturas, tendo tido alta;
- Ficou em casa durante cerca de uma semana, mas posteriormente, não tendo conseguido regressar ao trabalho, realizou outros exames, tendo sido detectado traumatismo craniano, politraumatismo e inversão da curvatura cervical, que lhe causavam dores intensas na dorsal, na lombar, na cervical, nos membros superiores (braço direito) e inferiores (perna direita);
- Iniciou diversos tratamentos de fisioterapia e hidroterapia, mas o seu estado de saúde não evoluía e mantinha dormência no braço direito e na perna direita, contracturas musculares e não conseguia dormir, tendo de usar permanentemente um colar cervical, o que veio a originar um período depressivo, tendo sido assistida e medicada com antidepressivos (fluoxetina);
- Foi submetida a cirurgia em 02-09-2011 por “instabilidade das vértebras C5/C6”, tendo sido efectuada a “extirpação da hérnia discal cervical” e a “artrodese da coluna cervical por via anterior” e teve alta em 4-09-2011, com indicação para usar um colar cervical permanentemente;
- Frequentou a consulta de ortopedia com regularidade e cumpriu novo programa de medicina física e de reabilitação e de hidroterapia;
- Mantinha as instabilidades a nível do pescoço, as dormências no braço direito e na perna direita, sem poder conduzir;
- Teve alta com incapacidade parcial de 30% em 26-04-2012, mas não conseguia estar sentada e não podia tirar o colar cervical;
- Foi a nova consulta e detectaram lesões ao nível da 6ª e 7ª vértebras cervicais, com agravamento do estado depressivo, tendo passado a ser seguida em consulta de psiquiatria e a submeter-se a sessões de psicoterapia, com periodicidade mensal;
- Em Julho de 2013, começou a ser acompanhada na Unidade de Tratamento da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa, o que se mantém;
- Em 17-10-2013 foi submetida a nova operação cirúrgica, com “extirpação de hérnia discal cervical C4/C5” e “foraminectomia”, continuando sempre a utilizar o colar cervical durante todo o dia e a fazer fisioterapia e hidroterapia;
- Continua a sofrer dores permanentes na zona da cervical, falta total de sensibilidade no pescoço, dormência de ambos os membros superiores mas principalmente à direita, inchaço e tremura das mãos, com episódios compatíveis com um quadro de epilepsia;
- Ficou com extensas e visíveis cicatrizes na face anterior do pescoço e incapaz de assegurar as tarefas domésticas que executava e de acompanhar as filhas na escola;
- A sua carreira profissional foi cortada pelo atropelamento e está irremediavelmente prejudicada, estando definitivamente incapacitada para o exercício da sua profissão;
- Estas sequelas foram causadas pelo acidente, que se ficou a dever a culpa da condutora do HX, cuja responsabilidade civil decorrente dos respectivos riscos de circulação está segurada pela ré;
- A autora teve múltiplas despesas médicas, exames e com deslocações e está totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual, tendo direito a ser indemnizada por danos patrimoniais futuros, que devem ser fixados em 250.000,00 euros, assim como deve ser ressarcia pelos danos não patrimoniais sofridos, que fixa em idêntica quantia, sendo previsíveis novas despesas com tratamentos.
A ré contestou e excepcionou a prescrição do direito da autora, por ter decorrido o prazo de três anos a contar da data em que a lesada teve conhecimento da ocorrência do acidente, ou seja, no dia do acidente, em 17-02-2011, e, bem assim, relativamente à data da notificação judicial avulsa e referindo aceitar a ocorrência do acidente de viação e a existência do contrato de seguro relativamente ao automóvel interveniente no acidente, contestou alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 5294840):
- Não aceita a descrição integral do acidente nem os danos invocados, dado o seu desconhecimento quanto a alguns pormenores da dinâmica do sinistro, que impugna;
- Parte dos danos alegados pela autora foram regularizados pela entidade seguradora, para quem se encontraria transferida a responsabilidade infortunística da sua entidade patronal, por se tratar de acidente simultaneamente de trabalho e de viação;
- A autora foi seguida pelos serviços clínicos da seguradora Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., a cargo de quem ficou o respectivo tratamento e acompanhamento clínico, pelo que a ré desconhece todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por aquela invocados, cujo nexo de causalidade com o acidente cumpre demonstrar;
- Desconhece a natureza dos danos, extensão, grau, bem como as consequências na sua vida diária, nomeadamente no que respeita a estado emocional/psicológico, rotinas diárias e familiares, lazer, vida social ou tratamentos futuros/ajudas medicamentosas e demais limitações, dado que os seus serviços clínicos nunca tiveram possibilidade observar e fazer qualquer acompanhamento médico da autora e da evolução do seu estado físico;
- Desconhece também as condições laborais da autora à data da ocorrência do sinistro (ou posteriores), respectivas funções, vínculo laboral, entidade patronal, retribuição mensal/anual líquida e/ou quaisquer eventuais prestações adicionais de qualquer natureza e/ou subsídios ou quaisquer outros circunstancialismos futuros descritos;
- A autora não tem direito aos valores peticionados a título de lucros cessantes e dano futuro por perda de capacidade de ganho, na medida em que já tenha recebido ou venha a receber da Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora do trabalho, sob pena de duplicação de indemnização pelo mesmo dano.
A ré concluiu no sentido de a acção ser decidida em conformidade com a prova a produzir e deduziu incidente de intervenção principal da Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A..
Convidada a tanto, a autora pronunciou-se sobre a excepção deduzida pugnando pela sua improcedência e declarou nada ter a opor à intervenção principal da Fidelidade - Companhia de Seguros S.A. (cf. Ref. Elect. 6539201).
Por decisão de 6 de Julho de 2018 foi indeferida a intervenção principal provocada da seguradora Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A..
Nessa mesma data foi dispensada a realização de audiência prévia, foram positivamente aferidos os pressupostos processuais e foi julgada improcedente a excepção de prescrição. Foi ainda fixado o objecto do litígio, elencados factos considerados já assentes e foram enunciados os temas da prova (cf. Ref. Elect. 137831808).
Em 9 de Dezembro de 2020 ambas as partes requereram a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo emergente de acidente de trabalho a correr termos sob o n.º 82/12.2TTTVD, o que foi deferido por despacho de 10 de Dezembro de 2020 (cf. Ref. Elect. 10346727 e 146729766).
Em 23 de Março de 2022 foi junta aos autos certidão da decisão proferida naquela acção, em 17 de Novembro de 2021, transitada em julgado em 7 de Dezembro de 2021 (cf. Ref. Elect. 12124226).
Iniciada a audiência de julgamento, por requerimento de 3 de Outubro de 2022 a autora ampliou o pedido no sentido de ser a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 281 920,31 € a título de danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do demais peticionado, para o que alegou que, entretanto, se encontra reformada, com efeitos à data de 01-09-2020, tendo-lhe sido reconhecido o direito à pensão mensal de 1.519,57€, o que permite calcular os danos patrimoniais futuros, em face da esperança média de vida para as mulheres da área metropolitana de Lisboa e o valor provável da pensão se tivesse continuado ao serviço e quando reunisse as condições de aposentação (60 anos de idade e 36 anos de carreira contributiva), que seria de 2.102,58€, tendo a sua pensão sido calculada com base no valor de 1.519,17€, pelo que apurou um prejuízo superior em 31.920,31€ (cf. Ref. Elect. 12843692).
A ré pronunciou-se por requerimento de 17 de Outubro de 2022, impugnando os factos ali vertidos (cf. Ref. Elect. 12900612).
A ampliação do pedido foi admitida, conforme despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 27 de Outubro de 2022 (cf. Ref. Elect. 15450650).
Realizada a audiência de julgamento, em 31 de Dezembro de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 154858310):
“Condenar a ré “SEGURADORAS UNIDAS S.A.” a pagar, à autora A, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de €152.108,000 (cento e cinquenta e dois mil, cento e oito euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano – sem prejuízo de taxa diversa que venha a vigorar -, vencidos desde a data da citação e vincendos, até integral pagamento (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; artigos 559.º, n.º 1, 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.ºs 2, al. b) e 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil).
b. Condenar a ré “SEGURADORAS UNIDAS S.A.” a pagar, à autora A, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €100.000,000 (cem mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano – sem prejuízo de taxa diversa que venha a vigorar -, vencidos desde a data da presente decisão e vincendos até integral pagamento (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; artigos 559.º, n.º 1, 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.ºs 2, al. b) e 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil);
c. Condenar a ré “SEGURADORAS UNIDAS S.A.” a pagar, à autora A, todos os montantes que se vierem a apurar em decorrência da necessidade de medicação para ultrapassar as dificuldades geradas pelas sequelas, nomeadamente medicação analgésica, anti-inflamatória, relaxante muscular e medicação psicoactiva do foro psiquiátrico; de tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas e acompanhamento regular em consulta de Psiquiatria e consulta da dor, reavaliação pela Neurocirurgia em caso de agravamento do quadro clínico a nível cervical; de utilizar tecnologias para compensar as limitações anátomo-funcionais e situacionais geradas pelas sequelas, com vista à obtenção da maior autonomia possível das actividades de vida do examinado, nomeadamente uso de colar; e das despesas com o transporte para realização de tais actos.”
A autora, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 13356955):
1 - Perante os factos dados como provados, a douta sentença fez uma deficiente valoração do dano biológico sofrido pela ora recorrente.
2 - A incapacidade permanente de que a recorrente ficou a padecer (34 pontos em 100) afetou irreversivelmente a sua capacidade de ganho, seja no cômputo da sua pensão de aposentação, seja no maior esforço que tem de despender para realizar as atividades quotidianas normais.
3 - A recorrente esteve de baixa desde o dia do acidente (17.02.2011) até à data em que foi aposentada (21.08.2021), mas nesse período a sua retribuição foi paga pela sua empregadora.
4 - Só que, a recorrente possuía desde janeiro de 2010 o nível 9 da sua carreira retributiva e a ascensão ao nível 10, independentemente do mérito, ocorreria 8 anos sobre tal data (janeiro de 2018).
5 – Porém, dado que a recorrente estava de baixa e incapacitada de trabalhar, tal subida de nível remuneratório não ocorreu, o que a prejudicou irreversivelmente na sua passagem à aposentação.
6 - A pensão atribuída à recorrente foi calculada na base de um tempo de serviço de 28 anos e 2 meses, tendo perdido a legítima expectativa de uma reforma por inteira após 36 anos de trabalho.
7 - No pressuposto de que a recorrente atingiria em fevereiro de 2021 nível 10 da sua carreira, a Caixa Geral de Aposentações informou que, em maio de 2028 (altura em que teria direito à reforma por inteiro após 36 anos de serviço), o valor provável da pensão seria 2.102,58 EUR.
8 - Tais cálculos desconsideram toda e qualquer atualização salarial, o que, como é facto notório, já ocorreu face ao agravamento da inflação.
9 - A recorrente sofreu assim uma diminuição no valor da sua pensão, o qual se refletirá, no seu montante até ao fim dos seus dias.
10 - E, no mínimo, a partir de maio de 2028 a recorrente estaria a auferir uma pensão superior em 583,54 EUR em relação à qual lhe foi atribuída em 2021.
11 - Tal significa que a recorrente irá ficar privada de um rendimento de 182.998,14 EUR (esperança de vida (83,4 anos) - idade em 2028 (61 anos) = 22,4 anos x 583,14 EUR x 14 meses).
12 - Aqui não deve ser considerada a idade normal da reforma da generalidade dos trabalhadores (66 anos e 7 meses), tal como fez a douta sentença, mas o momento em que a recorrente reuniria condições perante a Caixa Geral de Aposentações para receber a reforma por inteiro, ou seja, em 2028 com 36 anos de serviço, tal como consta do facto provado em 106.
13 - A douta sentença não considerou a aplicação de uma taxa de juro, considerando-se como correta a aplicação de uma taxa de 3%, a qual aplicada ao período de esperança de vida da recorrente, iria acrescer ao prejuízo patrimonial (dano patrimonial futuro) fixando-o em 188.486,16 EUR.
14 - Ao invés da douta sentença, que deduziu 1/4 dos rendimentos como o valor dos mesmos que a autora/recorrente gastaria consigo própria, deveria ter sido seguido o critério previsto no anexo III da Portaria 377/2008 para uma vítima com dois filhos de idade inferior a 18 anos, ou seja, 1/5 dos rendimentos.
15 - Assim o minus indemnizatório será de 150.788,80 EUR.
16 - Porém, este valor tem de ser conjugado, tal como foi iter na douta sentença, com as limitações de que a recorrente ficou a padecer, quer a nível físico, quer a nível pessoal e familiar, além de profissional.
17 - A recorrente era considerada pelos seus pares uma excelente e dedicada profissional do setor bancário, muito dinâmica e entusiástica e com possibilidade de evoluir na profissão.
18 - Tal evolução foi cerceada pelas lesões feridas no atropelamento e está irremediavelmente prejudicada.
19 - O dano biológico sofrido pela recorrente traduzido numa limitação funcional provocou-lhe danos de natureza patrimonial e não patrimonial, sendo que os danos futuros decorrentes da lesão física não se reconduzem apenas a redução da sua capacidade de trabalho mas também numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física.
20 - A situação da recorrente decorrente dos factos dados como provados, corresponde a um estado deficitário de natureza anatómico-funcional com carácter definitivo e irreversível, impactando nos gestos e movimentos próprios da vida recorrente, comuns a todas as pessoas.
21 – O dano biológico sofrido pela recorrente traduziu-se numa afetação físico-psíquica com tradução médico-legal, expressa em múltiplas sequelas vertidas nos factos provados, justificando a atribuição de uma quantia superior à que foi consignada na douta sentença.
22 - Havendo que recorrer a critérios de equidade, devidamente balanceados com os prejuízos materiais concretamente apurados, importa considerar a idade da recorrente à data do sinistro (43 anos), a sua esperança de vida (83,4 anos), o seu grau de incapacidade permanente (34 pontos em 100) e ainda quer as suas competências e potencialidades de ganho, quer ainda o longuíssimo tempo que mediou entre a data do acidente (17.02.2011) e a data de consolidação médico-Legal das lesões da recorrente (26.08.2017).
23 - As sequelas do acidente de que a recorrente foi vítima, em termos de limitações cognitivo-emocionais, neuro motoras e funcionais são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional.
24 – As lesões da recorrente traduziram-se num quantum doloris do grau 6 numa escala de 7 graus e de 4 graus numa escala de 7 graus no que respeita à repercussão permanente na actividade sexual, nomeadamente perturbação persistente de humor.
25 – Igualmente se deverá ter em consideração quer a inflação extremamente elevada que minguará qualquer valor atribuído, quer pela exígua ou nula rentabilização das poupanças, pois os juros praticados no mercado de capitais são muito inferiores à inflação, traduzindo-se de uma permanente desvalorização do capital.
26 – Assim, tendo em atenção tais factos afigura-se adequada “in casu” a fixação de uma indemnização a título de dano patrimonial futuro/dano biológico em 250.000 EUR.
27 - A indemnização atribuída na douta sentença no que tange aos danos não patrimoniais peca por reduzida, afastando-se sensivelmente da tendência de elevação dos quantitativos indemnizatórios por danos não patrimoniais fixados pelos Tribunais superiores.
28 - No que tange à fixação da indemnização, deve ser considerado que a recorrente nenhuma culpa teve no evento danoso.
29 - E estando reunidos todos os restantes pressupostos de responsabilidade civil, há que considerar a profunda alteração na vida da recorrente, a qual, antes do atropelamento era uma pessoa ativa, dinâmica, sem qualquer limitação física, vivendo momentos felizes, no âmbito da sua vida familiar, construída com o marido e as filhas e também numa vida profissional onde se sentia realizada.
30 - Ao ser atropelada a sua vida ficou destruída, de forma irremediável, passando a viver com dor até ao fim dos seus dias.
31 - A simples vivência do atropelamento induziu na recorrente imediato sofrimento, choque, receio pela sua integridade física e até pela vida.
32 - As limitações físicas de que ficou a padecer desde o atropelamento provocaram uma situação psíquica depressiva, numa vivência de sofrimento prolongado, pautado por sucessivos tratamentos que se prolongaram até ao presente e que se irão prolongar até ao fim da sua vida.
33 - O sofrimento da recorrente está bem espelhado no longuíssimo período que mediou entre o atropelamento e a data de consolidação médico-Legal das lesões - mais de 6 anos e 6 meses, sem evolução positiva.
34 - A decisão segundo a equidade deve igualmente ter em consideração, não só a jurisprudência existente em relação a situações similares, mas também ter em consideração que se trata de dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido.
35 – A indemnização a fixar deve ser significativa de molde a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos, proporcionando à recorrente uma fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os prejuízos sofridos.
36 - Assim será justa e adequada a fixação à recorrente da quantia de 250.000 EUR actualizada – atentando-se que, desde o atropelamento, já decorreram mais de 12 anos -, acrescida dos juros vencidos desde a prolação da sentença pela 1ª Instância.
37 - A douta sentença fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 494º, 496º nº 1 e nº 3 e 566º nº 2, todos do Código Civil.
Termina concluindo pela procedência do recurso, com a revogação da decisão recorrida e atribuição à recorrente da quantia de 250.000,00€ a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico e também a quantia de 250.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, valores acrescidos de juros nos termos já fixados.
A ré seguradora contra-alegou sustentando que os valores atribuídos pela decisão recorrida são excessivos e que não se teve em consideração os pagamentos efectuados à autora em sede laboral, pugnando pela improcedência do recurso, devendo antes ser julgado procedente o recurso interposto pela seguradora (cf. Ref. (cf. Ref. Elect. 13527924 e 639791).
Recorreu também a ré seguradora, concluindo as suas alegações da seguinte forma (cf. Ref. Elect.13378653):
1) Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica do Meritíssimo Juiz a quo, afigura-se à Recorrente que a sentença recorrida, não poderá manter-se.
2) A decisão recorrida consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.
3) A Ré, aqui Recorrente, não concorda com a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada, a qual, omite factos (relevantes) que foram alegados e sobre os quais foi produzida prova. Apresentando-se, por outro lado, e para além da duplicação indemnizatória existente, os valores das indemnizações, atribuídas à Autora, manifestamente excessivos e desadequados.
4) Como resulta da Contestação apresentada pela Ré e, bem assim, da Sentença proferida (cfr. páginas 1 a 3) a Ré, entre outras questões, “argumenta que revestindo o acidente a dupla natureza de acidente de trabalho e de viação e tendo a seguradora, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, assumido o pagamento de prestações a que a autora tem direito, por força da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, não poderá cumular-se a indemnização arbitrada na acção cível emergente de acidente de viação pelos danos corporais sofridos ou pela redução da capacidade geral de ganho ou de trabalho sofrida e a indemnização ou pensão arbitrada no processo de acidente de trabalho pelas ITA, ITP, IPP ou IPA de que ficou afectada a sinistrada. Conclui, assim, que a autora não tem direito aos valores peticionados a título de lucros cessantes e danos futuros por perda de capacidade de ganho, na medida em que já tenha recebido ou venha a receber da Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A, enquanto seguradora do trabalho, sob pena de duplicação de indemnização pelo mesmo dano, sustentando, assim, o incidente de intervenção principal desta que deduziu na contestação.”
5) O Tribunal a quo indeferiu o incidente de Intervenção Principal Provocada da “Fidelidade. Companhia de Seguros, S.A” — que, assim, não veio, nesta acção, deduzir o seu pedido de reembolso contra a Ré/Seguradoras Unidas, S.A.
6) Não obstante, e por se afigurar relevante para o objecto destes autos, ordenou o Tribunal a quo, no Despacho Saneador proferido (em 06.07.2018) nestes autos, que: “(…) sendo que relativamente à “Companhia de Seguros Fidelidade” deve a mesma ser também notificada para informar os autos se pagou (ou está em vias de pagar) à A. quaisquer quantias em resultado do acidente de 17/02/2011, e em caso afirmativo que valores pagou (ou pagará) e a que título.”
7) Por ofício, de 08.08.2018, veio a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A cumprir o ordenado, juntando aos autos cópia dos relatórios e elementos clínicos respeitantes ao acompanhamento médico da Autora, informando, por outro lado, e como ordenado pelo Tribunal a quo, quais os pagamentos por si realizados – o que fez, de forma discriminada, conforme documentação junta ao processo.
8) Mais informou a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A, na folha de rosto do ofício de 08.08.2018, que: “intentou acção judicial, que corre termos pelo Juízo Central Cível de Loures, Juiz 2, sob o n.º 7306/17.8T8LRS, conforme petição inicial então remetida a juízo”
9) Por requerimento conjunto, subscrito pela Autora e pela Ré, apresentado nestes autos, em 09.12.2020, tratando-se de um sinistro com natureza de viação e simultaneamente laboral, dada a pendência do processo de acidentes de trabalho, por se mostrar relevante conhecer o desfecho do processo em sede laboral — e com vista a evitar a duplicação de pagamentos — foi requerida a suspensão deste processo até ao trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida no processo n.º 82/12.2TTTVD (de acidentes de trabalho).
10) Tendo o Tribunal a quo, por Despacho de 10.12.2020, decidido que: “Atento o requerimento conjunto das partes e as razões nele contidas, que se consideram atendíveis e justificativas da pretensão nele expressa, defere-se a requerida suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no âmbito do processo que pende no Tribunal de Trabalho, devendo as partes informar estes autos quando tal ocorra.”
11) Neste sentido, foi em Março de 2022, junta ao processo certidão da sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 82/12.2TTTVD, que correu termos no Juízo do Trabalho de Torres Vedras, com nota do respectivo transito em julgado.
12) Nos termos da Sentença proferida no processo de acidentes de trabalho decidiu-se que: A)“Declaro que em 17.02.2011 a sinistrada A sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com incapacidade permanente parcial (IPP) de 74,4% desde 27.08.2017; B)”Condeno a seguradora Fidelidade – Companhia de seguros, S.A, a pagar à sinistrada: i. … uma pensão anual e vitalícia no valor de €19.917,55 (dezanove mil novecentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos), devida desde 27.08.2017 a pagar em 12 prestações mensais, a que acrescem os subsídios de férias e de natal a pagar respectivamente nos meses de Junho e Novembro, correspondendo a cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo as prestações já vencidas acrescidas de juros de mora á taxa leal, calculados sobre o valor de cada uma dessas prestações e a data do vencimento de cada uma delas e dos vincendos até integral pagamento; ii…. a quantia de €5.108,72 (cinco mil cento e oito euros e setenta e dois cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 27.08.2017 e vincendos até integral pagamento, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; iii…. a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) acrescida de juros de mora á taxa legal, vencidos desde 19.11.2018 e vincendos até integral pagamento, a título de pagamento de despesas de transporte.
13) A Autora, nas declarações de parte, prestadas em audiência de julgamento, e registadas no sistema de gravação de prova (01:18:20 a 01:19:48), confirmou ter recebido os valores objecto da condenação do foro laboral, confirmou estar a receber, mensalmente uma pensão anual e vitalícia (cfr. declarações, atrás, parcialmente transcritas);
14) Surpreendentemente, a matéria referente à decisão e condenação da Seguradora de acidentes de trabalho, respectivas parcelas indemnizatórias e pagamentos efectuados à Autora, não consta também da lista de factos provados - o que não se compreende, nem aceita!
15) É ponto assente que a Autora, para além do tratamento e assistência médica, que lhe foi prestada ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho, (a cargo da Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A), recebeu - e vai continuar a receber – diversas parcelas indemnizatórias, entre as quais, uma pensão anual e vitalícia.
16) É, salvo o devido respeito, incompreensível que o Tribunal a quo não tenha considerado (nem factualmente nem no processo de cálculo da indemnização) os pagamentos efectuados à Autora, por conta da sua incapacidade, os quais se destinavam a ressarcir o (mesmo) dano que também é peticionados nesta acção.
17) Colocando a Ré, aqui Recorrente, na posição de, pelo mesmo dano, ter que indemnizar a Autora e paralelamente, e sem qualquer desconto, a congénere de AT – que, como resulta destes autos, não tendo sido admitida a intervir, informou quais os pagamentos efectuados e instaurou uma acção judicial contra a Seguradoras Unidas, a qual corre termos neste Tribunal – Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o n.º 7306/17.8T8LRA. Sendo certo que, se encontra junta ao processo a certidão da Sentença condenatória proferida no âmbito do processo de acidentes de trabalho.
18) Tal decisão, a concretizar-se, traduz, desde logo, uma duplicação de pagamentos à Autora, aqui, Recorrida que, estando a receber pensão anual e vitalícia, no valor de €19.917,55, irá — de acordo com a decisão proferida, da qual, ora, se recorre — receber o valor de €152.108,00, sem qualquer redução e/ou abatimento referente à pensão recebida, e que irá continuar a receber, como compensação pela incapacidade decorrente do acidente de viação em análise nestes autos.
19) Isto quando, saliente-se, a pensão anual e vitalícia paga pela Fidelidade e a indemnização relativa ao dano biológico e /ou dano patrimonial futuro têm a mesma e única finalidade, que consiste em compensar o beneficiário pela incapacidade e/ou desvalorização permanente resultante da incapacidade adveniente do acidente de viação e perda de ganho.
20) Haverá, por isso, que atender aos montantes já recebidos pela Autora no âmbito da reparação das lesões emergentes do acidente de trabalho/viação, descontando-se o valor da indemnização referente à incapacidade ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho.
21) A unanimidade da Jurisprudência entende que “As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.”
22) Portanto, revestindo o acidente em causa nos presentes autos a dupla natureza de acidente de trabalho e de viação, não poderão cumular-se mas somente completar-se as indemnizações a título de incapacidade ou de redução da capacidade de trabalho ou de ganho.
23) O Demandante não tem direito, entre o mais, a quaisquer valores designadamente a título de danos patrimoniais por dano futuro por perda de capacidade de ganho, na medida do que já recebeu em face do acidente de trabalho, o que sempre terá de ser ponderado no arbitramento do valor condenatório, sob pena de duplicação de indemnização pelo mesmo dano.
24) Deverá, assim, e por conseguinte o teor da condenação proferida no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho ser acrescentado à lista de factos provados tal como os pagamentos realizados pela Fidelidade à Autora, respectivos valores e natureza.
25) E, também, ser declarado que a indemnização arbitrada nestes autos, a título de dano patrimonial futuro, e a indemnização atribuída em sede de acidentes de trabalho, têm a mesma natureza e se destina a indemnizar os mesmos danos pelo que deverá ser determinada a dedução desta naquela, sob pena de enriquecimento ilegítimo da Autora.
26) Sem prescindir, o montante de €152.108,00 fixado pelo Tribunal a quo é excessivo, desajustado ao caso sub judice, pelo que não poderá manter-se nos termos em que consta da sentença recorrida.
27) Com efeito, e quanto ao processo de cálculo do dano patrimonial futuro, haverá que sublinhar e remeter para a solução defendida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.12.2017, processo n.º 464/13.2TVLSB-B.L1-1, que refere o seguinte: “A fixação da indemnização por tais danos futuros impõe o recurso à equidade, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3 do Código Civil, sendo que a jurisprudência, numa busca por critérios potenciadores de uma base objectiva que diminua, tanto quanto possível, a existência de decisões muito díspares na quantificação das indemnizações por tais danos, vem entendendo que o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicações de tabelas, “recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. Do STJ de 04.12.2007 (…). Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela “objectiva” — e que apenas permitirá alcançar um “minus” indemnizatório — terá de ser temperado através do recurso à equidade — que, naturalmente, desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias especificas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo; evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo “benefício da antecipação”, decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).
28) Os danos de natureza não patrimonial não são propriamente indemnizáveis por não serem susceptíveis de expressão monetária, sendo outrossim compensáveis – a compensação visa proporcionar ao lesado alguns dos prazeres da vida que só dinheiro pode comprar como modo de lhe atenuar o sofrimento passado, presente e futuro;
29) O montante global e inicial (de €100.000,00) arbitrado, no vertente caso, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrida afigura-se desajustado e excessivo relativamente à factualidade apurada nestes autos, face àquela que tem sido jurisprudência proferida pelos nossos Tribunais e face aos critérios previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.
30) Desde 2007 que o legislador português tentou uniformizar os valores a atribuir aos lesados por sinistro automóvel, por forma a que vítimas do mesmo tipo de sinistro e com o mesmo tipo de lesões, recebam valores similares, novamente por recurso à aludida Portaria 377/2008, de 26 de Maio.
31) Assim, e não obstante termos por certo que o quantum das compensações por danos não patrimoniais a atribuir aos lesados deverem ser fixados casuisticamente e equitativamente pelo tribunal, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil, não poderá o tribunal fazer tábua rasa dos valores avançados na legislação existente, nem tão pouco daqueles que têm vindo a ser atribuídos pelos tribunais em situações similares.
32) O valor a este título arbitrado pelo Tribunal a quo foi manifestamente e exagerado, devendo, por esse motivo ser revisto e reduzido, de forma a balizar-se dentro dos montantes que os tribunais superiores têm arbitrado para situações idênticas e que, no caso, não deverá ser superior a €75.000,00.
33) A Sentença proferido violou, pois, o disposto nos artigos 483.º e 562.º do Código Civil e, bem assim, o disposto no art.º 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Concluiu pela procedência do recurso, com a consequente alteração da decisão no sentido exposto.
A autora/recorrida contra-alegou sustentando a improcedência do recurso da ré seguradora (cf. Ref. Elect. 13527924).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões das alegações da autora/apelante e da ré/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) Do erro de julgamento da matéria de facto (questão suscitada no recurso independente da ré seguradora);
b) Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/dano patrimonial futuro sofrido pela autora/desconto dos valores recebidos pela autora em sede de reparação do acidente de trabalho (questão comum referente a ambos os recursos da autora e da ré e questão atinente ao recurso independente da ré seguradora);
c) Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora (questão comum referente a ambos os recursos de autora e ré);
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. No dia 17.02.2011, cerca das 10h, quando fazia a travessia da passadeira de peões existente na Praça 25 de Abril, em Torres Vedras, a autora foi atropelada pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-HX, conduzido pela sua proprietária, CI.
2. Em 17/02/2011 a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo 46-79-HX estava transferida para a “Companhia de Seguros Tranquilidade, SA” [que foi incorporada na ora ré, em virtude da operação de fusão], por contrato de seguro titulado pela apólice 0002531232.
3. A ré enviou à autora a carta datada de 09/03/2011 que se encontra a fls. 82 e de cujo teor consta “Reportando-nos ao sinistro acima identificado, de cuja regularização nos estamos a ocupar, cumpre-nos informar que, de acordo com os elementos probatórios de que dispomos, estamos a assumir a total responsabilidade pela produção desse sinistro”.
4. A autora iniciou a travessia da Praça 25 de Abril, no sentido Nascente-Poente, utilizando a passadeira para peões, demarcada no pavimento e perfeitamente visível, sendo a mesma antecedida do sinal vertical H7 (passagem para peões), previsto no Regulamento de Sinalização de Trânsito.
5. A via, naquele local, tem um sentido único de circulação de veículos automóveis, o sentido Norte-Sul, e tem uma largura entre passeios de 6,40 metros.
6. O piso, naquela data, encontrava-se em bom estado de conservação e apresentava-se húmido, em consequência do tempo chuvoso.
7. Cerca de 30 metros antes da passadeira, considerando o sentido Norte-Sul, entronca na Praça 25 de Abril, por Nascente, a Av. 5 de Outubro.
8. Antes de iniciar o atravessamento da via, a autora olhou atentamente para aquele lado, pela sua direita, tendo-se certificado que não se aproximava qualquer veículo.
9. Quando já havia atravessado cerca de metade da via, surgiu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-HX, de marca Citroen, modelo Saxo, conduzido pela sua proprietária, CI.
10. Tal veículo provinha da mencionada Av. 5 de Outubro, sentido nascente-poente e seguia para a Praça 25 de Abril, no sentido Norte-Sul, para o que teve de curvar à sua esquerda, a 90 graus.
11. A condutora do veículo HX ia desatenta à circulação, configuração da via e estado do tempo.
12. E seguia a uma velocidade não inferior a 60 Km/hora.
13. A condutora do veículo não atentou na aproximação da passadeira, nem tomou as precauções que se lhe impunham na aproximação a local de travessia de peões, nem se apercebeu da autora que estava a efectuar a travessia da via, tendo esta já percorrido cerca de metade da travessia da faixa de rodagem.
14. A autora foi embatida pela parte da frente do veículo HX.
15. Tal embate atingiu o lado direito do corpo da autora, a zona do braço e o crânio, tendo esta caído desamparada sobre o capot do veículo e, posteriormente, foi projectada para o solo, onde caiu.
16. Na ocasião do acidente, a autora ficou semiconsciente e não conseguia mexer os membros inferiores e superiores.
17. Foi assistida pelo INEM e transportada para o Hospital de Torres Vedras.
18. Nesse hospital, foi feito o diagnóstico “traumatismo dorsal, cervical e craneo-encefálico (sem PC). Sem feridas”. Foi submetida a exames radiológicos, tendo-se verificado que não tinha fracturas.
19. Sentia, então, muitas dores na cabeça, na cervical e nos membros.
20. Depois de observada entre as 10h16m e as 16h01m, foi dada alta à autora, a qual, com a ajuda do marido, regressou ao seu domicílio, tendo-lhe sido prescrita medicação para as dores.
21. A autora ficou no seu domicílio desde o dia em que ocorreu o acidente, 17 de Fevereiro de 2011, quinta-feira, até ao final do fim-de-semana seguinte, em repouso absoluto.
22. Nesses dias, eram visíveis hematomas na cabeça, na face, nas pernas e no braço direito, com inchaço em ambos os lados da cara.
23. Na segunda-feira seguinte, a autora foi transportada pelo marido para o seu local habitual de trabalho mas, pouco depois de chegar, começou a sentir-se mal, com tonturas e vómitos, pelo que foi levada de regresso a casa, uma vez que o seu estado a impedia de executar as suas obrigações profissionais.
24. A autora foi então levada de casa para a Clínica CUF (Torres Vedras) onde realizou TAC Craniana, Cervical e Lombar. A TAC Cervical, realizada no dia 4 de Março de 2011, revelou “canal raquidiano cervical de configuração regular, assinalando-se inversão da habitual curvatura fisiológica cervical na posição de estudo. Alterações degenerativas espôndilo-uncodiscartróticas C5/C6, coexistindo hérnia discal fibrocalcificada postero-lateral direita a obliterar o espaço subaracnoideu anterior, com contacto e ligeira deformação da vertente anterior e direita da medula. Associa-se estenose degenerativa foraminal bilateral C5/C6 de predomínio direito”. O RX Ráquis Torácico, realizado no dia 4 de Março de 2011, revelou “incipientes alterações degenerativas médio-torácicas, com manutenção do alinhamento somático mural posterior, bem como da aparente integridade dos pedículos e apófises visíveis”. O RX Ráquis Lombar, realizado no dia 4 de Março de 2011, revelou “Mega transversal de L5 com vértebra de transição, verificando-se rectificação da normal curvatura fisiológica lombar, mas manutenção do alinhamento somático mural posterior, bem como da aparente integridade dos pedículos e apófises visíveis…”. O RX Ráquis Cervical, realizado no dia 4 de Março de 2011, revelou “cervico-uncodiscartrose de C5/C6, com menor expressão a alterações degenerativas dos segmentos supra a infrajacente, verificando-se manutenção do alinhamento somático mural posterior no estudo funcional, bem como manutenção do eixo AP do canal raquidiano a nível cervical”.
25. Em consequência do acidente dos autos, a autora sofreu as seguintes lesões: (i) traumatismo craniano sem perda de conhecimento, com hematoma epicraniano na região temporal direita; (ii) traumatismo da coluna cervical com hérnia discal cervical; e (iii) perturbação depressiva reactiva.
26. Em consequência das lesões provocadas pelo acidente, a autora sentiu dores na dorsal, na lombar, na cervical, no membro superior direito e inferior direito.
27. Foi observada pelo Médico Neurocirurgião Rui Pires de Carvalho que a acompanhou clinicamente, entre 3 de Março e 28 de Julho de 2011.
28. Em face da situação clínica da autora, foi a mesma submetida a tratamento, nomeadamente fisioterapia, em Torres Vedras, para além de nova medicação. Na prescrição da medicação para as dores, foi tomado em consideração a circunstância da autora sofrer de rins poliquísticos, o que impôs moderação na administração de anti-inflamatórios. Realizadas as duas operações cirúrgicas, foi a autora submetida a hidroterapia.
29. A autora era transportada sempre de táxi para se deslocar ao Centro de Fisioterapia, por não conseguir conduzir e ter dificuldades em se movimentar, sendo o custo de tais deslocações suportadas pela seguradora.
30. As sessões de fisioterapia, até ser submetida à primeira intervenção cirúrgica, ocorreram três vezes por semana.
31. Não obstante os tratamentos de fisioterapia, o estado de saúde da autora não evoluía favoravelmente.
32. Para além das dores permanentes na dorsal, na lombar e na cervical, a autora mantinha dormência no braço direito e na perna direita, registando-se agravamento do quadro álgico de cervicobraquialgias e lombalgias.
33. A autora tinha constantes contracturas musculares.
34. Não conseguia dormir, devido às dores, tendo necessidade, face à perturbação do sono, de recorrer a medicação analgésica.
35. Para aliviar as dores a nível cervicobraquial, a autora passou a usar, de forma continuada, colar cervical.
36. Em final de Março de 2011, e desesperada com a não evolução do seu estado de saúde, passando os dias deitada sem se poder mexer, face às dores sentidas, a autora iniciou um período depressivo, tendo sido assistida e medicada com antidepressivos (fluoxetina).
37. No relatório, datado de 31/03/2011, o médico neurocirurgião Rui Pires de Carvalho emitiu parecer no sentido da autora, nessa data, apresentar “limitação álgica na mobilização” e “humor depressivo”.
38. A autora passou também a ser seguida no Hospital dos Lusíadas, pelo médico ortopedista BA, aí tendo realizado vários exames.
39. A autora foi internada em 2/9/2011, no Hospital dos Lusíadas para tratamento cirúrgico, e foi aí submetida a cirurgia para “extirpação da hérnia discal cervical” e “artrodese da coluna cervical por via anterior”, por instabilidade das vértebras C5/C6.
40. A autora teve alta em 04/09/2011, com a indicação para usar um colar cervical “para dormir e nos transportes” e “durante o dia, retira-o para as refeições e higiene pessoal”.
41. A autora, por indicação médica, fez repouso absoluto, situação que perdurou então durante dois meses.
42. Após a intervenção cirúrgica acima referida, a autora frequentou a consulta de ortopedia com regularidade e cumpriu novo programa de medicina física e de reabilitação e de hidroterapia no Centro de Fisiatria de Torres Vedras/Associação de Educação Física Desportiva de Torres Vedras.
43. Não obstante a operação realizada em 2/9/2011, o quadro geral de saúde da autora continuava a não evoluir favoravelmente.
44. A autora mantinha as instabilidades a nível do pescoço, as dormências no braço direito e na perna direita.
45. A autora continuava a não conseguir conduzir, estando limitada nos movimentos, com dores intensas na cervical, assim como na coluna vertebral, sofrendo ainda dormência nos membros.
46. Cessada a situação de baixa médica em que se encontrava desde o dia do acidente e concedida alta, à autora, com incapacidade parcial de 30%, em 26.04.2012, esta retomou o trabalho.
47. Ao regressar ao trabalho, a autora sentiu-se incapaz para exercer as funções, não conseguindo estar sentada e não podia tirar o colar cervical, por se sentir incapaz de sustentar a cabeça, sentindo um peso insuportável sobre o pescoço.
48. A autora decidiu, então, pedir uma segunda opinião clínica, tendo consultado o Neurocirurgião AT.
49. A autora ficou novamente de baixa médica, tendo sido considerado que não dispunha de capacidade para trabalhar.
50. Na sequência dos exames efectuados, por determinação do Médico Neurocirurgião António Trindade, foram detectadas lesões ao nível da 6ª e 7ª vértebras cervicais.
51. Ao mesmo tempo, o estado depressivo da autora foi-se agravando, passando a ser uma pessoa triste e com frequentes crises de choro.
52. A autora isolou-se e não queria falar com ninguém.
53. Deixou de sair à rua, a não ser quando razões de saúde o impunham.
54. O estado depressivo agravou-se de tal modo que deixou mesmo de ter vontade de fazer a sua higiene pessoal.
55. Começou a perder peso, tendo perdido, pelo menos, doze 12 quilos.
56. A autora sentia-se uma pessoa destruída, física e psicologicamente.
57. Passou a ser acompanhada em consulta de psiquiatria e a submeter-se a sessões de psicoterapia com periodicidade mensal, constando do “relatório de observação psicológica”, datado de 14/8/2012 e assinado pela Médica Psicóloga SB, que a autora “evidencia actualmente labilidade emocional com choro fácil, sentimentos de incapacidade, reforçados pelas dificuldades na mobilidade e pelas dores, que resultaram directamente do acidente de que foi vítima (…) Estes sentimentos contribuem para um isolamento social que se tem vindo a intensificar progressivamente e que se configura como um sintoma depressivo (…) sintomatologia depressiva, ansiosa, desvitalização e queixas somáticas (…)”.
58. Em Julho de 2013, sem experimentar melhoras na sua condição física, começou a ser acompanhada na Unidade de Tratamento da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa, pelo Médico JMC, o que se manteve até 28 de Setembro de 2017.
59. Em 17/10/2013, a autora foi internada e, no dia 18/10/2013, foi submetida a nova operação cirúrgica, com “extirpação de hérnia discal cervical C4/C5” e “foraminectomia”, realizada pelo Médico BA, no Hospital dos Lusíadas.
60. Teve alta do hospital em 20/10/2013, novamente com indicação para utilizar permanentemente o colar cervical, apenas o podendo retirar para higiene pessoal e refeições.
61. Após esta segunda operação, a autora continuou a utilizar o colar cervical durante todo o dia, excepto para dormir. Em 19 de Março de 2014, compareceu na consulta, sem colar cervical, mostrando-se mais adaptada para as actividades da vida diária. No presente, não se mostra necessário o uso de colar cervical, de forma permanente, podendo, no interior da sua residência, não usar colar cervical ou, por razões de mera prevenção, caso ocorra uma queda, usar o colar cervical na execução de actividades domésticas.
62. A autora continuou a fazer fisioterapia e hidroterapia.
63. Passados mais de cinco anos sobre o acidente, a autora não apresentou melhoras perante as terapêuticas instituídas.
64. A consolidação médico-legal das lesões da autora foi fixada em 26-08-2017, momento a partir do qual as lesões deixaram de verificar evolução medicamente objectivável.
65. Em consequência das lesões sofridas com o acidente, a autora apresenta, na coluna vertebral, uma cicatriz de configuração em L, localizada na face anterior do pescoço, com o braço vertical à direita; marcada rigidez e limitação da mobilidade cervical; limitação da mobilidade lombar com subjectivos dolorosos, agravados em flexão e rotação da coluna lombar.
66. Como sequelas das lesões sofridas com o acidente, a autora apresenta:
- cervicalgias com lesões ósseas ou disco-ligamentares, dores muito frequentes e intensas, com acentuada limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica continuada;
- lombalgias sem lesões ósseas ou disco-ligamentares;
- perturbações persistentes do humor com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional.
67. Em consequência do processo evolutivo das lesões sofridas com o acidente objecto dos presentes autos e dos tratamentos cirúrgicos realizados, da perturbação depressiva reactiva intensa, das necessidades do programa de reabilitação funcional e da medicação em curso, a autora viu limitada a sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o evento traumático ocorrido em 17-02-2011 até 31-12-2013 (défice funcional temporário parcial elevado).
68. Em consequência do processo evolutivo das lesões sofridas com o acidente objecto dos presentes autos, autora viu limitada a sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde 01-01-2014 até 26-08-2017 (défice funcional temporário parcial moderado), podendo, neste período, executar, de forma autónoma, as actividades de vida diária, mas exigindo esforços acrescidos.
69. Em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos a autora apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica (com repercussão na vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais) de 34 pontos percentuais, numa escala de 100 pontos, considerando (i) as cervicalgias com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas, dores muito frequentes e intensas, com acentuada limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica continuada; (ii) lombalgias sem lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas; e (iii) perturbações persistentes do humor com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional.
70. Em consequência do processo evolutivo das lesões sofridas com o acidente objecto dos presentes autos, autora viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual, de forma total, desde o evento traumático ocorrido em 17-02-2011 até 26-08-2017, data proposta para a consolidação das lesões, considerando as limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais resultantes das lesões imputáveis ao acidente, assim como os tratamentos em curso e a necessidade de repouso (repercussão temporária nas actividades profissionais total).
71. As sequelas – as limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais - decorrentes das lesões sofridas pela autora em consequência do acidente dos autos são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional.
72. Entre a data do acidente e 26/8/2017, o quantum doloris sofrido pela autora (sofrimento físico e psíquico vivenciado) foi de grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade, atendendo às lesões traumáticas produzidas pelo evento traumático em que à dor física acresce a resultante dos tratamentos médicos, cirúrgicos e de reabilitação realizados.
73. Pelo Senhor Perito foi considerado que atendendo às sequelas produzidas pelo acidente, não se identificam alterações objectivas que justifiquem valorização médico-legal do Dano Estético Permanente.
74. A repercussão permanente na actividade sexual das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente dos autos, nomeadamente perturbação persistente do humor, é de grau 4 numa escala de 7 graus.
75. O Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica que a autora apresenta, em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos, determina a necessidade de:
- ajuda medicamentosa: necessidade permanente de recurso a medicação para ultrapassar as dificuldades geradas pelas sequelas, nomeadamente medicação analgésica, anti-inflamatória, relaxante muscular e medicação psicoactiva do foro psiquiátrico;
- tratamentos médicos: necessidade regular de tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas, nomeadamente acompanhamento regular em consulta de psiquiatria e consulta da dor, reavaliação pela neurocirurgia em caso de agravamento do quadro clínico a nível cervical.
- ajudas técnicas: necessidade de utilizar tecnologias para compensar as limitações anátomo-funcionais e situacionais geradas pelas sequelas, com vista à obtenção da maior autonomia possível das actividades de vida da autora, nomeadamente uso de colar cervical.
76. Continua a sofrer dores permanentes na zona da cervical, falta de sensibilidade no pescoço, dormência de ambos os membros superiores mas, principalmente à direita, inchaço e tremura das mãos.
77. A dor sentida pela autora é manifestada, por vezes, por sintomas como “uma passagem de corrente eléctrica pelo corpo”, espasmos e “esticões”, sem qualquer pré-aviso e a qualquer momento, incapacitando-a por momentos.
78. Na data do acidente, a autora encontrava-se casada e tinha duas filhas, nascidas em 10 de Fevereiro de 2000 e 15 de Outubro de 2006 que, na altura, tinham 11 anos e 5 anos de idade.
79. Até ao momento do acidente, autora era uma pessoa dedicada e entusiasta, quer com a sua família próxima (marido e duas filhas menores), quer com a sua vida profissional.
80. Nasceu em 25 de Novembro de 1967.
81. A autora era funcionária bancária na Caixa Geral de Depósitos (CGD), encontrando-se na situação de aposentada, por despacho de 21/8/2021, da direcção da Caixa Geral de Aposentações. Foi-lhe reconhecido o direito à pensão mensal de €1.508,00, calculada com base na retribuição mensal base de €1508,00 e nas prestações seguintes: diuturnidades, no montante de €252,25, diuturnidades vincendas, no valor de €31,95 e “acréscimo à remuneração base”, no montante de €286,52.
82. Diariamente, cabia à autora levar as duas filhas menores à escola, entrando ao serviço na agência da CGD, de Torres Vedras, cerca das 08:15H e aí ficando normalmente até ao final da tarde, quando recolhia as menores das Actividades de Tempos Livres e as transportava para casa.
83. Até ao acidente, era a autora que cuidava das filhas, que as levava e trazia da escola, que as acompanhava nos seus deveres escolares, no âmbito de uma família harmoniosa e feliz.
84. Depois do acidente, a filha mais velha passou a ter o papel essencial na vida doméstica, tendo a autora, pelas limitações da sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, delegado todas as tarefas domésticas ao marido e à filha mais velha.
85. Foi a filha mais velha, então com 11 anos, que passou a tratar da irmã mais nova e a fazer a comida.
86. O papel da autora apagou-se no seio da família, invadida pelo sentimento de culpa em relação à sua família, designadamente pela sua inactividade.
87. A autora sente-se como um farrapo e uma estranha na sua própria família, de quem se isola.
88. A autora perspectivava uma carreira profissional promissora, nomeadamente assumir a posição de subgerente ou mesmo de gerente, tendo sido nomeada para aquele cargo, após a data do acidente, uma colega, pelo menos, que tinha antiguidade similar à sua.
89. A autora iniciou a prestação de trabalho, em 1993, para a Caixa Geral de Depósitos. Possuía o nível 9 desde Janeiro de 2010, tendo sido promovida por mérito, do nível 8 para o nível 9. A ascensão para o nível 10, independentemente do mérito, ocorreria logo que decorridos 8 anos sobre a data da obtenção do nível 9, implicando a subida de nível o aumento do vencimento.
90. A autora era considerada pelos seus pares uma excelente e dedicada profissional do sector bancário, muito dinâmica e entusiástica e com possibilidade e vontade para evoluir na profissão.
91. A promoção por mérito constitui, na Caixa Geral de Depósitos, um dos indicadores valorados na nomeação para o cargo de subgerente e gerente.
92. A carreira da autora foi cortada pelas lesões sofridas com o atropelamento e está irremediavelmente prejudicada.
93. A autora encontra-se emocionalmente abatida por ter visto frustradas todas as suas expectativas profissionais, numa idade (43 anos) em que perspectivava a ascensão futura na carreira e na qual se encontrava fortemente empenhada.
94. A alteração do seu estado de dedicação e entusiasmo no exercício da actividade de gestora bancária para uma situação de absoluta incapacidade para exercer o que tanto gostava e lhe dava prazer profissional contribuiu para o estado depressivo da autora.
95. Socialmente, a autora rejeita receber amigos, deles se afastando, e recusa a participação em eventos de grupo que determinem a alteração da sua rotina básica diária.
96. Pelo Médico JMC, que acompanhou a autora, na Unidade de Tratamento da Dor do  Hospital Lusíadas Lisboa, desde 09/07/2013 até 28/9/2017, foi elaborado o relatório, datado de 30/05/2016 e de cujo teor consta “ (…) As cervicalgias tornaram-se permanentes com parestesias e fenómenos irradiativos, predominantemente à direita, num enquadramento depressivo entretanto instalado, obrigando à utilização permanente de colar cervical e exigindo acompanhamento continuado em Medicina da Dor, como complemento ao seguimento especializado Ortopedia e Psiquiatria. Os estudos de imagem revelam alterações em concordância com as suas queixas, havendo sinais de sofrimento radicular em C5, C7, C8 e D1, confirmado em EMG (compatível com radiculopatia daquelas emergências radiculares). A irreversibilidade desta condição clínica obriga a permanente medicação com anticonvulsionantes e analgésicos opióides minor, sendo candidata a opioides major e a tratamentos com perfusões EV de Lidocaína E não obstante o seguimento clínico que vem sucedendo na Unidade da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa, os progressos alcançados no controlo álgico são sempre aquém das legítimas expectativas da A E sem qualquer modificação da sua capacidade funcional. Tem indicação absoluta para se manter ligada a esta unidade por tempo indeterminado bem como para se manter afastada do seu local de trabalho.”
97. Resulta do relatório médico de neurocirurgia, datado de 16/05/2016, assinado pelo Médico PM que acompanhou a autora, que esta, apresentava, na data do relatório, “Cervicalgias permanentes (pós-cirúrgicas) que apenas cedem a medicação permanente (analgésicos e relaxantes musculares) e ao uso de colar cervical. Com efeito, a discectomia a dois níveis contíguos, determinou perda acentuada de mobilidade cervical e contratura muscular dolorosa; Cérvico-braquialgia direita, intensa e permanente, com sinais de sofrimento poliradicular C5, C7, C8 e D1, com deficit motor e sensitivo; Limitação marcada da mobilidade da coluna cervical”.
98. Nesse relatório, o Médico PM emitiu parecer no sentido de o quadro clínico da autora ser “constituído por status pós-cirurgias da coluna cervical (discectomia a dois níveis contíguos), com limitação da mobilidade cervical e cervicalgia permanente por contractura muscular e depressão major” e, ainda, que “O quadro clínico acima descrito e a sua incapacidade funcional, está justificado com o «status» pós-cirurgias da coluna cervical e com a depressão major; e as sequelas acima referidas não têm qualquer tratamento e são irreversíveis”.
99. Da adenda, datada de 18/07/2016, ao documento intitulado “Exame sobre o estado mental” da autora, datado de 8/4/2016, assinados ambos pelo médico psiquiatra RFJ que a acompanhou, consta “No referente a consequências deste traumatismo craniano no Sistema Nervoso Central, designadamente na área da Psiquiatria, constato a seguinte patologia:
41. Ao nível das alterações da personalidade e dos comportamentos, instalou-se um quadro de SÍNDROMA PÓS-CONCUSSIONAL (...) caraterizado por insegurança permanente, com sentimentos de incapacidade na execução das vulgares actividades rotineiras da vida diária; comportamentos fóbicos com evitamento de todas as acções fora das banais rotinas diárias; dificuldade em tomas decisões; dificuldades de concentração; grande labilidade emocional com irritabilidade fácil; dificuldade do controlo dos impulsos e emoções; ideias sobrevalorizadas de prejuízo com atitudes de desconfiança; e queixas funcionais de cefaleias, tonturas, fadiga e mal-estar geral, descritas com uma aparente valorização hipocondríaca.
4.2. Um quadro de EPILEPSIA FOCAL (…) de provável etiologia póstraumática, com relato de manifestações paroxísticas de tremores e contracções musculares involuntárias dos membros e exames funcionais (traçado electroencefalográfico) revelando «actividade lenta fronto-temporal de predomínio direito.
4.3. Ao nível das alterações tímicas, do humor, um quadro sindromático de DEPRESSÃO MAJOR, de instalação insidiosa e agravamento progressivo à medida que se foi estabelecendo a actual situação de ausência de melhorias clínicas, com inactividade laboral e desacordo com a entidade laboral. Este quadro caracteriza-se por humor triste, sentimentos de incapacidade em se alegrar e em projectar-se futuro; isolamento social, evitando o convívio com familiares e amigos e dentro da própria casa, com o marido e as filhas; marcada apatia; anedonia, com incapacidade em sentir prazer seja em que actividade for; sentimentos de culpa em relação a toda a família, designadamente pela sua inactividade, delegando todas as tarefas domésticas ao marido e à filha mais velha; marcada ansiedade; alterações do sono com insónias de despertar precoce e ruminações depressivas, perda de apetite, baixa da libido com dispareunia e ideação suicidária persistente. Este quadro com as características de uma Depressão Major, (…) tem-se mostrado resistente às sucessivas medicações instituídas (…) e ao acompanhamento psicoterapêutico. Configura-se-nos, porém, tratar-se de um quadro de indiscutível natureza reactiva, não endógena, sequente às repercussões socioprofissionais do acidente, enquadrável no actual conceito de REACÇÃO DEPRESSIVA PROLONGADA (...) designadamente nas anteriores classificações internacionais das doenças por “neurose póstraumática”.
100. Nessa adenda, pelo Médico Psiquiatra RFJ foi emitido o seguinte parecer: “Considerando o tempo de evolução da patologia psiquiátrica, a ausência de melhoras perante as terapêuticas instituídas, a persistência e cronicização do quadro após cinco anos de evolução, considerando ainda a patologia cervical, sou de opinião que a Sr.ª D. A se encontra total e definitivamente incapacitada para o exercício continuado e útil da sua profissão”.
101. Do relatório de Avaliação Psicológica, datado de 26/08/2016, subscrito pela Médica Psicóloga Clínica LC, consta “A avaliação realizada dá nota de uma condição psicológica deprimida e muito perturbada emocionalmente, que bloqueia as funções adaptativas, nelas se incluindo as cognitivas. A relação consigo e com a realidade envolvente é prejudicada pela auto percepção danificada e que a leve ao isolamento social com insegurança e perda de capacidades. Importa salientar uma fragilidade verificada no teste TRVB que sobressai pela repetição, a saber os defeitos perceptivos e ou executivos em figuras do lado direito. Este facto e toda a realização grafo motora deficitária, não sendo conclusivos quanto à existência de comprometimento orgânico, sugerem a possibilidade de aprofundamento pela neuropsicologia. Não consegue imaginar o retorno à vida profissional por se recordar das dificuldades que efectivamente apresenta e que a levam a refugiar-se no isolamento social.”.
102. A autora suportou despesas com diversas consultas e exames a que foi submetida que perfazem, pelo menos, a quantia de €2.108,00.
103. Entre 05.08.2011 e 08.12.2016, a autora deslocou-se, pelo menos, 114 vezes ao Hospital dos Lusíadas para consultas e/ou tratamentos.
104. A autora, em 17/2/2011, exercia funções como bancária para a entidade empregadora, Caixa Geral de Depósitos, SA, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, tendo iniciado a sua prestação de trabalho em 1993.
105. Enquanto esteve de baixa médica, foi pago, à autora, mensalmente, o seu salário, pela Caixa Geral de Depósitos, auferindo, em Novembro de 2016, os seguintes montantes: vencimento base, no valor de €1.460,00; prestação “isenção de horário de trabalho”, no valor de €372,66; prestação “Diuturnidades”, no valor de €232,90, prestação “Diuturnidades Vincendas”, no valor de €15,14, perfazendo o total de €2.065,56.
106. A autora perdeu a expectativa de uma reforma por inteiro, após 36 anos de trabalho, gorada pela situação de aposentada, definida por despacho de 21/8/2021, da direcção da Caixa Geral de Aposentações, sendo a pensão atribuída tendo em consideração 28 anos e 2 meses. Pela Caixa Geral de Aposentações foi prestada a informação de que em Maio de 2028, o valor provável da pensão da autora seria de €2.102,58, no pressuposto que esta, em Fevereiro de 2021, atingiria o nível 10, e que a sua remuneração mensal efectiva fosse constituída pelo vencimento base, no valor de €1.672,00; a prestação “isenção de horário de trabalho”, no valor de €418,00; a prestação “Diuturnidades”, no valor de €302,70, a prestação “Diuturnidades Vincendas”, no valor de €46,00.
107. A situação descrita no parágrafo anterior causa sofrimento, dor, desgaste físico e emocional e ansiedade à autora.
108. Na sentença proferida no âmbito do processo de trabalho nº 82/12.2TTTVD cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi considerado que a autora, em 17/2/2011, exercia funções como bancária para a entidade empregadora, Caixa Geral de Depósitos, SA, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado e, na data do acidente, auferia, como contrapartida por essa actividade, a quantia anual de €30.699,06, valor obtido com base na retribuição mensal (entendida a retribuição mensal por “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”) e na retribuição anual correspondente ao produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”.
109. Na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2010, a autora declarou ter auferido €30.391,01 e na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2011, declarou rendimentos auferidos pelo trabalho por conta de outrem no valor de €29.707,25.
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O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. Tivesse sido por imposição da sua entidade patronal que, no dia 26 de Abril de 2012, retomou ao trabalho;
b. A autora continue, no presente, a ser acompanhada, na Unidade de Tratamento da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa, pelo Dr. JMC;
c. Por força das operações a que foi sujeita, a autora tenha ficado com extensas e visíveis cicatrizes na face anterior do pescoço, além da mencionada no relatório de exame pericial elaborado pelo INML (cicatriz de configuração em L, localizada na face anterior do pescoço, com o braço vertical à direita);
d. Colegas da autora com igual experiência e empenho tenham assumido os cargos de subgerente e de gerente, desde Fevereiro de 2011;
e. Ao longo da sua carreira, a autora tenha tido várias promoções por mérito;
f. A autora tenha recebido inúmeros prémios pelo seu desempenho e atingimento de objectivos fixados pela sua entidade patronal;
g. A autora tenha-se deslocado em viatura própria, conduzida pelo marido, da sua residência, sita no Turcifal, até ao Hospital dos Lusíadas para consultas de ortopedia, psicologia e anestesiologia;
h. A autora tenha despendido quantia monetária, em portagens, nas deslocações para consultas de ortopedia, psicologia e anestesiologia (Consulta do Dor);
i. A Autora, entre 05.08.2011 e 08.12.2016, tenha suportado as despesas decorrentes das deslocações ao Hospital dos Lusíadas;
j. O cálculo da pensão tenha sido efectuado com base em cerca de 24 anos de serviço;
k. A atribuição, à autora, da pensão, em 2020, se traduza na diminuição de €700,00 mensais na sua pensão.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto
A recorrente seguradora sustenta que existem factos com relevo que estão apurados e que não foram incluídos na lista de factos provados (nem na lista dos factos não provados), pois que, como resulta da contestação e da sentença, o acidente dos autos reveste a dupla natureza de acidente de trabalho e de viação, tendo a seguradora, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, assumido o pagamento de prestações a que a autora tem direito, que não se podem cumular com a indemnização arbitrada nesta acção, tendo a Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A. informado, por ofício de 8 de Agosto de 2018, os pagamentos por si realizados, sem que tal matéria tenha sido considerada pelo Tribunal a quo, assim como não atendeu à certidão da sentença proferida no âmbito do processo n.º 82/12.2TTTVD, que correu termos no Juízo do Trabalho de Torres Vedras, tendo a autora confirmado, em declarações de parte, o recebimento desses valores (cf. minuto 01:18:20 01:19:48).
Pretende, assim, que tal matéria – conteúdo da condenação no processo emergente de acidente de trabalho e pagamentos realizados pela Fidelidade, S. A. – sejam aditados ao elenco dos factos provados.
A autora/recorrida opõe-se a tanto por considerar irrelevante face à decisão proferida, que considerou não existir duplicação de indemnização em relação aos mesmos danos.
É sabido que o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste por si, mas assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito.
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2014, processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1[3] – “Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada”.
Na situação em apreço, não sendo isenta de discussão a complementaridade ou não entre as indemnizações a arbitrar em sede de reparação de acidente de trabalho e aquelas que se impõe fixar no contexto de acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação e independentemente da tese que se perfilhe a tal propósito, impõe-se considerar as várias soluções plausíveis de direito, pelo que assume relevância a apreciação da impugnação ora deduzida.
Em sede de contestação a ré seguradora alertou, desde logo, para a eventual regularização, ainda que parcial, dos danos sofridos pela autora, por parte da entidade seguradora para quem estaria transferida a responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho, dado que se está perante um acidente simultaneamente de trabalho e de viação, tendo a autora sido acompanhada pelos serviços clínicos da seguradora da sua entidade patronal, a Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A. (cf. artigos 31º a 33º e 103º e seguintes da contestação), cuja intervenção, aliás, foi requerida, embora indeferida, conforme se mencionou no relatório supra.
Não obstante, em sede de apreciação dos requerimentos probatórios, foi ordenada a notificação da Fidelidade, S. A. para vir aos autos informar se procedeu ao pagamento de quaisquer quantias em resultado do acidente de 17 de Fevereiro de 2011, quais e a que título (cf. despacho de 6 de Julho de 2018 com a Ref. Elect. 137831808).
Em 8 de Agosto de 2018 a Fidelidade, S. A. remeteu aos autos elementos clínicos atinentes ao acompanhamento médico dispensado à autora e juntou documentos comprovativos das liquidações efectuadas à sinistrada A relativamente a períodos de incapacidade temporária absoluta, consultas de especialidade, exames médicos/radiológicos, fisioterapia, hidroterapia, cirurgias, internamento hospitalar, medicamentos, transportes e despesas judiciais, entre Março de 2011 e Maio de 2018, num total de 121 595,43 € (cf. Ref. Elect. 7250836).
Em 19 de Fevereiro de 2019, este documento foi notificado às partes e não foi objecto de impugnação (cf. Ref. Elect. 140254989 e 140254990).
Em 23 de Março de 2022 foi junta aos autos certidão da decisão proferida em 17 de Novembro de 2021, na acção especial emergente de acidente de trabalho, que correu termos sob o número 82/12.2TTTVD, no Juízo do Trabalho de Torres Vedras, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, com nota de trânsito em julgado em 7 de Dezembro de 2021 (cf. Ref. Elect. 12124226).
Como refere a ré/apelante, tais factos não foram vertidos na matéria de facto provada ou não provada, tendo-se consignado apenas, sob o ponto 108., aquilo que resultou provado e vertido em tal sentença, quanto à profissão exercida pela sinistrada e valores por ela auferidos à data do acidente.
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, a propósito das despesas suportadas pela autora com deslocações - factos não provados sob as alíneas g. a i. -, depois de tecer considerações sobre a prova produzida quanto às deslocações por meio de táxi, suportadas pela seguradora, que satisfez, bem assim, os custos com tratamentos de fisioterapia, dando como não provados os valores peticionados a esse título, o Tribunal recorrido teceu ainda a seguinte consideração:
“Foi junto aos autos a petição apresentada pela Fidelidade – Companhia de Seguros contra a ora ré, Seguradoras Unidas, SA, que originou o processo nº 7306/17.8T8LRA cujos termos correm no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, e documentos que acompanham essa petição – junta a fls. 470 e seguintes -, entre os quais o relatório médico elaborado pela Fidelidade, na qual alega ter efectuado pagamentos, à ora autora, a quantia total de €113.071,52, na qual inclui a quantia de €6.258,03, a título de despesas de transporte. Como é manifesto, trata-se de mero articulado pelo que, não constitui meio de prova idóneo para demonstrar o pagamento de qualquer quantia que tenha sido efectuado, à autora, pela seguradora Fidelidade.”
Com efeito, por requerimento de 13 de Novembro de 2022, a ré juntou aos autos cópia da petição inicial que deu origem à acção n.º 7306/17.8T8LRA intentada pela Fidelidade S. A. contra a aqui ré, Seguradoras Unidas, S. A., em 13 de Julho de 2017, em que peticiona o pagamento dos valores que pagou à autora, em consequência do acidente dos autos, no âmbito do contrato de seguro do ramo Acidentes de Trabalho, que celebrou com a Caixa Geral de Depósitos, S. A. (cf. Ref. Elect. 13012597).
Se é certo que tal documento, por si só, não é bastante para dar como provados os pagamentos ali invocados como tendo sido efectuados à autora, não se pode deixar de atender ao documento junto pela Fidelidade, S. A. (em 18 de Agosto de 2018) acima mencionado e onde são enunciados ao longo de treze páginas todos os valores pagos no âmbito de tal contrato, respectivas datas e a que se destinaram.
Tratando-se, como é o caso, de documento particular - tendo em conta que são particulares os documentos escritos que não reúnam os requisitos de origem respeitantes aos documentos autênticos (cf. art.º 363º, n.º 2 in fine do Código Civil) - produzido, ao que se depreende, informaticamente, não sendo manuscrito, nem contendo qualquer assinatura[4], não pode aquele fazer prova plena, nos termos previstos no art.º 376º, n.º 1 do Código Civil, mas pode atender-se ao que dele consta, enquanto documento sujeito agora à livre apreciação do tribunal (cf. art.º 366º do Código Civil).
Tal documento não foi impugnado pelas partes.
Além disso, foi expressamente reconhecido pela autora, no decurso das suas declarações de parte, que na sequência da sua impossibilidade física de regressar ao trabalho na segunda-feira seguinte ao acidente (ocorrido numa quinta-feira), a entidade patronal foi contactada e foi dado início a um processo por acidente de trabalho, vindo a ser, nesse âmbito, clinicamente acompanhada durante um determinado período. Mais referiu que a Fidelidade, S. A. foi condenada a pagar diversas quantias, entre as quais um subsídio por elevada incapacidade e uma pensão anual e vitalícia, quantias que recebeu e continua a receber (cf. minutos 14:30 e seguintes e 1.18.23 e seguintes das suas declarações).
Afigura-se, pois, suficientemente demonstrado que a Fidelidade, S. A. procedeu ao pagamento das quantias enunciadas no documento junto aos autos em 13 de Novembro de 2022.
Por outro lado, quanto à condenação da seguradora Fidelidade, S. A. em sede de processo emergente de acidente de trabalho, está cabalmente demonstrada por certidão judicial, que, constituindo documento autêntico, tem força probatória plena quanto ao que nela foi vertido enquanto decisão proferida pelo Juízo do Trabalho de Torres Vedras (cf. art.º 371º do Código Civil).
Assim, aditam-se os seguintes factos à matéria de facto provada:
110. Entre Março de 2011 e Maio de 2018, a Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A., no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho originado pelo acidente ocorrido em 17 de Fevereiro de 2011, relativamente à sinistrada A procedeu ao pagamento de quantias atinentes a períodos de incapacidade temporária absoluta, consultas de especialidade, exames médicos/radiológicos, fisioterapia, hidroterapia, cirurgias, internamento hospitalar, medicamentos, transportes e despesas judiciais, num total de 121.595,43 €.
111. No âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho n.º 82/12.2TTTVD, que correu termos no Juízo do Trabalho de Torres Vedras, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, em que é sinistrada A, foi proferida sentença, em 17 de Novembro de 2021, transitada em julgado em 7 de Dezembro de 2021, com o seguinte dispositivo:
V – Dispositivo:
Face a tudo o exposto:
A) Declaro que em 17.02.2011 a sinistrada A sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com incapacidade permanente parcial (IPP) de 74,4% desde 27.08.2017;
B) Condeno a seguradora Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a pagar à sinistrada:
i. … uma pensão anual e vitalícia no valor de €19.917,55 (dezanove mil novecentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos), devida desde 27.08.2017 a pagar em 12 prestações mensais, a que acrescem os subsídios de férias e de Natal a pagar respectivamente nos meses de Junho e Novembro, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo as prestações já vencidas acrescidas de juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor de cada uma dessas prestações e desde a data do vencimento de cada uma delas e dos vincendos até integral pagamento;
ii. …. a quantia de €5.108,72 (cinco mil cento e oito euros e setenta e dois cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 27.08.2017 e vincendos até integral pagamento, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente;
iii. …. a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 19.11.2018 e vincendos até integral pagamento, a título de pagamento de despesas de transporte;
C) Condeno a seguradora no pagamento das custas do processo;
D) Fixo o valor da causa em €276.854,43 (duzentos e setenta e seis mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos).”
*
3.2.2. Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/dano patrimonial futuro sofrido pela autora/desconto dos valores recebidos em sede de reparação do acidente de trabalho
A autora/apelante formulou um pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 281.920,31€, a título de danos patrimoniais futuros, em conformidade com o requerimento de ampliação do pedido de 3 de Outubro de 2022.
A sentença recorrida atribuiu-lhe, a esse título, o montante de 150.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento.
A autora recorreu da decisão considerando o valor atribuído exíguo entendendo que a 1ª instância não valorou correctamente os seguintes dados:
i.O impacto que o acidente exerceu quanto ao valor da sua pensão de reforma, considerando, tal como resulta dos pontos 81., 89. e 106. da matéria de facto provada, que a sua ascensão, em termos profissionais, ao nível 10 ocorreria ao fim de 8 anos após estar no nível 9, ou seja, em Janeiro de 2018, o que não sucedeu por estar de baixa, tendo passado à reforma em 21 de Agosto de 2021, sendo a pensão calculada com base na retribuição mensal base de 1.508,25€, quando, se continuasse a trabalhar, teria pelo menos um vencimento base de 1.672,00€;
ii. A falta de ponderação de uma taxa de juros em termos de depreciação monetária;
iii. O abatimento de ¼ do valor apurado a título de indemnização é exagerado, tendo em conta que tem filhos de idade inferior a 8 anos, pelo que de acordo com o Anexo III da Portaria n.º 377/2008, a dedução não deveria ser superior a 1/5, em que o valor mínimo indemnizatório seria de 150.788,80€, considerando, contudo, que atendendo a que são múltiplas as sequelas do evento, tal valor deve ser fixado em 250.000,00€.
A ré opôs-se a tanto e interpôs recurso independente pugnando pela fixação de um valor inferior sustentando o seguinte:
i.A indemnização pela perda da capacidade de ganho tem a mesma natureza da indemnização fixada no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho para compensar a perda de rendimentos salariais associada ao grau de incapacidade laboral, não podendo a autora ser ressarcida duas vezes pelo mesmo dano, pelo que o Tribunal recorrido deveria ter reduzido ou abatido à quantia arbitrada os valores auferidos a título de pensão anual e vitalícia;
ii. A quantia arbitrada é excessiva em face dos critérios orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização constantes da Portaria n.º 377/08, de 26 de Maio, havendo que recorrer a processos objectivos de cálculo, através de fórmulas matemáticas, a temperar com o recurso à equidade, ponderando ainda a remuneração anual do lesado, a sua idade à data do acidente e à data da atribuição da alta clínica, a vida activa e o desconto de uma percentagem de 1/3 do rendimento e atender aos valores atribuídos em outros casos.
A autora/apelada discorda da pretensão recursória da ré, porquanto entende não existir qualquer duplicação de indemnização, pois que as indemnizações arbitradas em sede laboral e cível assentam em critérios distintos, não sendo cumuláveis, mas complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, sendo que a compensação do dano biológico tem natureza não coincidente com a perda de rendimentos ou capacidade para o exercício da profissão, pois que tem que ver com a perda de capacidades funcionais, mesmo que não reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado.
A decisão recorrida apreciou o pedido formulado no âmbito da indemnização por dano biológico nos seguintes termos:
“Considerando a posição da ré, no seu articulado, quanto aos danos patrimoniais futuros, peticionados pela autora, importa previamente analisar a acepção do dano biológico.
O dano biológico constitui uma lesão da integridade física ou psíquica do indivíduo, objecto de tutela, nos termos do disposto no art.º 25º, nº 1 da CRP e no art.º 70º, nº 1 do C. Civil.
Sobre o enquadramento deste dano, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 6/2/20203:
“ … a este respeito se perfilham, ao nível da jurisprudência, com particular destaque para a jurisprudência deste Supremo Tribunal, três correntes.
Enquanto uma corrente tem vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de dano patrimonial futuro; outra corrente admite que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como a título de dano não patrimonial, segundo uma análise casuística; uma outra defende que, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial, o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem sofre, é sempre ressarcível como dano autónomo.
Nesta última linha de pensamento observou o Acórdão do STJ, de 10.10.2012 (processo nº 632/2001.G1.S1)[11] que «(…) a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».
Assim, «nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».
Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 06.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), «O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».
E porque assim é, importa ainda realçar, na esteira do afirmado no Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1) que, neste campo, relevam apenas e tão só «as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espetro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza».”
Ainda sobre a questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 24/2/20224:
“I. No caso dos autos, verifica-se que a acepção em que a Relação utilizou a expressão “dano biológico” corresponde essencialmente àquela que se afigura ser predominante na jurisprudência do STJ: “dano biológico” enquanto consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado.
II. O aumento da penosidade e esforço do lesado para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras é atendível no domínio das consequências patrimoniais da lesão corporal, e não apenas no domínio das consequências não patrimoniais, na medida em que se entenda provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da sua capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
III. A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências)”.
Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 16.06.20165: “A determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum”.
Nesse Acórdão que respeitosamente se transcreve, pode ler-se:
Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado”.
Perfilhando este tribunal o entendimento de que a compensação do dano biológico tem como fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, esse aumento da penosidade e esforço do lesado para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras é atendível no domínio das consequências patrimoniais da lesão corporal.
A indemnização deve ser arbitrada com recurso à equidade, acrescendo à indemnização pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado.
No que respeita ao modo de quantificação da compensação do dano biológico, mesmo perante uma situação de o exercício da actividade profissional habitual implicar tão só esforços suplementares, e quais os critérios a considerar, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido em 24/4/20126:
“…Em casos como o presente em que não há perda ou diminuição dos proventos laborais (actuais ou futuros), a Jurisprudência tem, tradicional e maioritariamente, seguido critérios muito semelhantes aos que são adoptados para cálculo da indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho; em ambos os casos com os argumentos de redução da margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua quantificação.
Tais critérios têm assentado nas seguintes ideias basilares:
● A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
● No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
● Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade;
● Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida, consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado (…);
● Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora;
● Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma [a título meramente exemplificativo, podem citar-se, os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1, de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 13/01/2009, proc. 08A3747, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, enquadrando-o alguns como dano patrimonial futuro].
Também nós temos seguido este entendimento, procedendo ao cálculo da compensação de maneira mais ou menos idêntica quer esteja em questão um caso em que a IPG de que o lesado ficou afectado determinou uma perda/diminuição dos réditos do trabalho, quer uma situação em que não houve esta perda/diminuição; embora, como não poderia deixar de ser, dando maior ênfase à retribuição e aos valores das tabelas financeiras ou métodos matemáticos no primeiro caso, por se traduzir, no fundo, como já dissemos, num dano patrimonial futuro, e já não tanto no segundo por corresponder, basicamente, a um dano não patrimonial, embora não se identifique plenamente com este conceito (de dano moral ou não patrimonial) na medida em que mesmo nestas situações se verifica ainda alguma repercussão patrimonial futura, pois os proventos laborais do lesado só não diminuirão se ele desenvolver maiores esforços no exercício da sua actividade profissional, esforços esses, certamente, proporcionais ao grau de incapacidade de que ficou afectado”.
A utilização de tabelas de cálculo ou fórmulas financeiras permite a indicação do valor base a partir do qual a indemnização deve começar por ser aferida, entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 04.12.20077, valor que “…terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa. Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art.º 566.º-3 do CC.
“Podemos, pois, dizer que as linhas vectoriais da jurisprudência aqui reinante, em matéria de indemnização por IPP, assenta de forma bastante generalizada, nas seguintes ideias:
a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;
b) a esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão;
c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade.
Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório…”.
Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes”.
Defende a ré o recurso aos critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, constantes da Portaria n.º 377/08, de 26 de Maio, entretanto actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.
Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 13/4/20218:
«A jurisprudência autonomizou, antes da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, o dano biológico e maioritariamente qualificou-o como de cariz patrimonial. Esta Portaria adoptou, como salienta o seu preambulo, o “princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.”.
Porém, por outro lado, refere-se na Portaria que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica.”.
Nessa orientação, o artigo 4º da referida Portaria integra entre os denominados danos morais complementares o dano biológico.
No entanto, é entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios…»
E conclui, “Na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação (…), os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na citada Portaria, antes ali se estabelecem padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal”.
Aplicando aos presentes autos o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 4/12/2007, e convocando a matéria de facto provada, verifica-se que, à data do acidente, a autora tinha 43 anos.
A autora, em 17/2/2011, exercia funções como bancária para a entidade empregadora, Caixa Geral de Depósitos, SA, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, encontrando-se na situação de aposentada, por despacho de 21/8/2021, da direcção da Caixa Geral de Aposentações que lhe reconheceu o direito à pensão mensal de €1.508,00, calculada com base na retribuição mensal base de €1508,00 e nas prestações seguintes: diuturnidades, no montante de €252,25, diuturnidades vincendas, no valor de €31,95 e “acréscimo à remuneração base”, no montante de €286,52.
A autora perspectivava a promoção na sua carreira profissional, definitivamente cerceada pelas sequelas das lesões sofridas que a tornaram incapaz para o exercício da sua profissão de bancária. Perdeu a expectativa de uma reforma por inteiro, após 36 anos de trabalho, gorada pela situação de aposentada, definida por despacho de 21/8/2021, da direcção da Caixa Geral de Aposentações, sendo a pensão atribuída tendo em consideração 28 anos e 2 meses (antecipada 5 anos e 10 meses).
A autora não alegou qual o seu vencimento mensal, à data do acidente, nem juntou aos autos recibo reportado ao ano em que ocorreu o acidente.
Dos elementos juntos aos autos consta que enquanto esteve de baixa médica, foi pago, à autora, mensalmente, o seu salário, pela Caixa Geral de Depósitos, auferindo, em Novembro de 2016, os seguintes montantes: vencimento base, no valor de €1.460,00; prestação “isenção de horário de trabalho”, no valor de €372,66; prestação “Diuturnidades”, no valor de €232,90, prestação “Diuturnidades Vincendas”, no valor de €15,14, perfazendo o total de €2.065,56.
Na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2010, a autora declarou ter auferido €30.391,01 e na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2011, declarou rendimentos auferidos pelo trabalho por conta de outrem no valor de €29.707,25.
Na sentença proferida no âmbito do processo de trabalho nº 82/12.2TTTVD cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi considerado que a autora, em 17/2/2011, exercia funções como bancária para a entidade empregadora, Caixa Geral de Depósitos, SA, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado e, na data do acidente, auferia, como contrapartida por essa actividade, a quantia anual de €30.699,06, valor obtido com base na retribuição mensal (entendida a retribuição mensal por “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”) e na retribuição anual correspondente ao produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”.
Sendo estes os elementos constantes dos autos, tomar-se-á em consideração o valor da retribuição base anual que consta da sentença proferida no processo de trabalho resultante da seguinte operação: retribuição mensal [“todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”] x 12 meses + subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais recebidas com carácter de regularidade, tendo presente que os cálculos a efectuar servem somente de base para o apuramento de um valor a título de indemnização pelo dano biológico, segundo os ditames do princípio da equidade.
Das sequelas resultantes das lesões sofridas, consolidadas em 26 de Agosto de 2017, resultou um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 34 pontos percentuais, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, à data do acidente (professora de educação física), implicando esforços suplementares. As sequelas – as limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais - decorrentes das lesões sofridas pela autora em consequência do acidente dos autos são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional.
A autora encontra-se na situação de aposentada. Assim, para mero apuramento de um valor de referência, a título de indemnização pelo dano biológico, considerar-se-á a diferença entre a idade da autora e a idade de reforma (66 anos e 7 meses).
Tendo em conta estes elementos e, ainda, que o índice correspondente aos anos até ser atingida a idade da reforma, na Tabela apresentada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no citado Acórdão de 4/12/2007, é de 19,60044, e que a autora não contribuiu para a produção do acidente, obtém-se o valor de €171.633,146 de acordo com as seguintes operações: €30.699,06 [rendimento anual da autora à data do acidente) x 16,44361 (índice da tabela para 23 anos de trabalho desde a data do acidente até à idade de reforma) x 34% (défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica).
A este valor tem de ser deduzida a proporção que a autora gastaria consigo própria, mesmo não havendo acidente; para tanto, «tem-se vindo a entender que, à falta de dados objectivos que suportem melhor critério, esse valor deve corresponder a uma percentagem que se situe entre o 1/3 e 1/4 dos rendimentos, consoante a pessoa em causa seja solteira ou casada», seguindo o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 4/12/2007.
No caso, sendo a autora casada, importa deduzir a percentagem de 1/4 sobre aquele valor, ficando como remanescente o valor total de €128.724,86 (€171.633,146 - €42.908,29).
Seguindo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007, importa ainda ponderar «os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo: o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela); o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade; o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade; o de não contar com a inflação; o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia; e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional. Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório.».
A autora tem estado, em consequência do acidente dos autos, limitada e condicionada, quer ao nível pessoal e familiar, além de profissional. Era considerada pelos seus pares uma excelente e dedicada profissional do sector bancário, muito dinâmica e entusiástica e com possibilidade e vontade para evoluir na profissão. Perspectivava evoluir na carreira, sendo a promoção por mérito um dos indicadores valorados para a ascensão da carreira que foi cerceada pelas lesões sofridas com o atropelamento e está irremediavelmente prejudicada. Caso não tivesse ocorrido o acidente, à autora teria sido atribuído o nível 10, em 2019, pela antiguidade e independentemente de qualquer juízo sobre o mérito [caso não tivesse sido atribuído esse nível, em data anterior, por mérito]. A atribuição de nível 10 implica aumento no valor da retribuição mensal auferida. Na fixação da indemnização tomar-se-á em consideração tal circunstância.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a esperança média de vida de uma cidadã portuguesa é de 83,4 anos. Ou seja, a autora tem, previsivelmente, mais 28 anos de vida (no cálculo anterior foi considerado a idade de reforma; pela ordem natural das coisas, a lesada terá mais 17 anos de vida).
Ponderando tudo o supra exposto, a factualidade apurada, fazendo uso da equidade como critério primordial, por um lado, e procurando seguir os padrões jurisprudenciais em casos similares, efectuados os ajustamentos que se impõem, por força da situação profissional da autora e da sua idade, sem menorizar as lesões e sequelas que sofreu e de que padece e tendo presente que não contribuiu para a produção do acidente, tem-se por justo, adequado e proporcional fixar, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico, e ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).”
Sobre a matéria atinente a eventual duplicação de indemnizações a sentença recorrida teceu a seguinte consideração:
“Conforme já referido, não se verifica a alegada duplicação de indemnização fixada nestes autos, a título de danos patrimoniais futuros, e a indemnização que a autora já tenha recebido ou venha a receber da Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora do trabalho, não havendo lugar a qualquer dedução de quantias que lhe tenham sido atribuídas por força da natureza de acidente de trabalho.9”
Constando da nota de rodapé 9 o seguinte:
“Sobre a questão, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 11/7/2019, proferido no processo nº 1456/15.2T8FNC.L1.S1:
I – Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.
II – Na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho”.”
Decorre da transcrição efectuada que a decisão recorrida considerou não haver lugar a qualquer desconto ou redução da quantia fixada a título de indemnização pelo dano biológico, o que, conforme se depreende de toda a explanação efectuada sobre a natureza e alcance deste prejuízo, se ficou a dever à circunstância de não estar em causa o ressarcimento da perda de capacidade de ganho ou para o exercício da profissão e perda de rendimentos, mas antes toda a repercussão a nível das capacidades funcionais que o dano biológico determina.
O dano biológico consiste na diminuição ou lesão da integridade psicofísica da pessoa, em si e por si considerada, incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão, que não se esgota numa mera aptidão para produzir riqueza. Reflecte uma diminuição somático-psíquica do indivíduo, que irá ter uma natural repercussão na vida de quem o suporta.
“Tal dano, como se escreveu no acórdão do STJ de 19 de Maio de 2009, “assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais ou sentimentais”. E constitui entendimento corrente do STJ aquele segundo o qual o dano biológico, onde se inclui a incapacidade funcional, vulgarmente designada por IPP, mesmo que se não repercuta negativamente nos ganhos do lesado, por não afectar o normal desempenho da sua actividade profissional, envolvendo uma limitação funcional que dificulta e torna mais penosa a vida da vítima, cuja qualidade será necessariamente posta em causa ao longo dos anos, constitui um dano futuro previsível e, portanto, indemnizável nos termos do art.º 564º, nº 2 do CC. “A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade maior quanto mais for avançando a idade.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-03-2010, processo n.º 7265/04.7TVLSB.L1-7; no mesmo sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2012, processo n.º 3151/08.0TVLSB.L1-7 e de 28-06-2012, processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2.
O Conselheiro Salvador da Costa, na sua exposição proferida no âmbito da formação contínua do CEJ de 2009/2010, em Abril de 2010, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico apud acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-01-2014, processo n. 9347/11.0 T2SNT.L1-6 afirma:
“A incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é pouco significativa e não exige um maior esforço para o exercício da actividade, ou porque o lesado não exerce sequer actividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. Isto significa apenas que da mesma lesão podem resultar em simultâneos danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas susceptível de uma compensação. [] “A interacção é tão grande nesta matéria que, algumas vezes, os danos patrimoniais lato sensu se configuram como indirecto reflexo dos danos não patrimoniais. Isto não obsta, todavia, à conclusão de que o dano corporal se não subsume ao dano não patrimonial (…).” Conclui-se assim que, por não se repercutir directamente na esfera patrimonial do lesado, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o art.º 496 do C. Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, podendo também determinar a indemnização de danos patrimoniais reflexos, que dele decorrem, o que acontece, nomeadamente quando o dano biológico vai interferir com a capacidade do lesado auferir rendimentos».”
De todo o modo, a incapacidade permanente geral com repercussão na perda de capacidade aquisitiva, constitui um dano patrimonial (sem esquecer a vertente não patrimonial que dela decorre), pois que se verifica uma vertente claramente patrimonial expressa no facto de o lesado ficar privado da sua inteira capacidade física, determinante da necessidade de esforço acrescido nas suas actividades produtivas e não produtivas.
A sua consideração em sede de consequências não patrimoniais, decorrente do desgosto de ver diminuídas as suas possibilidades físicas, a angústia das consequências futuras ou a lesão da saúde são indemnizáveis nessa sede, ponderando o critério do artigo 496.º do Código Civil.
Aquando da publicação do DL 352/2007, de 23 de Outubro, que aprovou a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil deu-se nota da necessidade de instituição de uma tabela de avaliação da incapacidade em direito civil referindo-se no preâmbulo daquele diploma o seguinte: “No direito laboral […] está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando.”
Assim, a jurisprudência foi aperfeiçoando os critérios a ponderar na fixação equitativa da indemnização por danos patrimoniais futuros, enquanto reflectidos em perda de rendimentos causados pela incapacidade laboral específica (ou seja, para o exercício da sua actividade profissional à data da ocorrência da lesão física), pois que anteriormente se não tinha em conta a afectação da capacidade laboral genérica, enquanto susceptível de determinar perdas de rendimentos e, como tal, danos patrimoniais futuros, com sucedia nas situações em que o lesado, em razão da idade, não exercia qualquer profissão ao momento do evento danoso, ou não era afectado na capacidade laboral específica, mas na sua capacidade laboral genérica ou não exercia, por razões diversas, qualquer profissão na data do evento, situações a que havia que dar resposta.
Com elucidativa explanação, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1:
“Nas palavras do acórdão de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1)[…], retomadas no acórdão de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) […], “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1) […] consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.”
Na síntese esclarecedora de Maria da Graça Trigo[5], verifica-se que a jurisprudência tendencialmente consolidada do Supremo Tribunal de Justiça sustenta o seguinte:
“[…] para um lesado que não seja afectado na sua capacidade laboral específica, a perda de capacidade genérica ou geral, existindo, pode revestir as seguintes variantes.
(i) quando, na profissão habitual exercida pelo lesado à data da ocorrência da lesão, e se não fosse a dita lesão, aquele poderia ter a possibilidade de progredir, ou de o fazer de forma mais significativa, vindo a obter maior rendimento;
(ii) Quando, também no âmbito da sua profissão habitual, e se não fosse a lesão, o lesado teria a possibilidade de encontrar oportunidades alternativas nas quais a sua actividade (em relação de contrato de trabalho, de contrato de prestação de serviços, etc.) viesse a ser melhor remunerada;
(iii) Quando, e independentemente das variantes anteriores, a afectação da capacidade geral de ganho inclua ainda a redução da possibilidade de obtenção de proventos em outras actividades com valor económico.”
Apurada a distinção entre a perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento e a perda de capacidade genérica torna-se lídimo concluir, tal como como foi expressamente consignado na decisão recorrida, que nesta não se valorou a primeira mas a segunda, pois que, como decorre claramente do trecho da decisão supra transcrito, o valor indemnizatório atribuído visou compensar o dano biológico enquanto perda ou diminuição de capacidades funcionais, independentemente de estas implicarem ou não redução da capacidade para o exercício profissional habitual da autora, e enquanto motivo de exigência de um maior esforço, nessa ou noutras actividades, ou supressão de outras oportunidades profissionais e, bem assim, de natureza pessoal, durante todo o tempo de vida expectável da lesada.
Significa isto que o prejuízo que se visou compensar com a quantia atribuída a título de indemnização pelo dano biológico é distinto daquele outro que foi ponderado em sede de acção emergente de acidente de trabalho, onde se visa reparar a perda da capacidade de ganho/rendimentos no contexto da profissão exercida pela vítima à data do evento lesivo.
Tem sido este, aliás, o sentido da jurisprudência dos tribunais superiores, que tem reconhecido que a indemnização fixada no processo de acidente de trabalho apenas repara o dano (patrimonial) laboral, sobejando, porém, a demais projecção do dano biológico, em toda a vida restante do lesado.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-03-2023, processo n.º 3166/19.2T8VIS.C1:
“Esta ver-se-á prejudicada pelo dano corporal/funcional com que o A. se defrontará para o resto da vida, fora do plano laboral, isto, nas mais diversas facetas da sua vida pessoal, familiar e social em tudo o que fica à margem da sua prestação laboral.
[…] os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho do lesado, antes se traduzindo, mais amplamente, numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física, não podendo ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução de âmbito laboral.
Importa, então, a afetação da potencialidade física e psicológica da pessoa, a determinar uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, estando em causa as repercussões que a lesão causa à pessoa lesada, compreendendo vários fatores, incluindo atividades recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, sabido que a vida da pessoa não se reduz ao plano laboral e, mesmo neste, que o lesado, se tiver de enfrentar no futuro o mercado laboral, ali se apresentará funcionalmente diminuído e, por isso, com menores possibilidades de responder às exigências de concorrência por um emprego.
Assim, se a reparação pelo dano especificamente laboral já se mostra definida no processo por acidente de trabalho – o que impede que volte a ser reparada, na instância cível –, resta a vertente do dano biológico que afeta a vida extralaboral do lesado, a dever ser agora objeto de reparação, por não o ter sido antes, […] se foi já reparado o dano/perda laboral, não foi, porém, reparado integralmente o dano patrimonial sofrido, nesta outra vertente do dano biológico (reportada ao dito dano/vertente extralaboral).”
Em sentido similar, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-05-2021, processo n.º 1169/16.8T9AVR.P2.S1:
““A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. A afectação da integridade físico-psíquica, designada como dano biológico, pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
“O conceito de “dano biológico” ou “dano existencial” visa manifestar a percepção crescente dos "multifacetados níveis de protecção que a personalidade humana reclama” e permite ao julgador tomar consciência do conjunto diversificado de danos (não absolutamente autónomos) resultantes da lesão de direitos de personalidade.
O dano biológico ou dano existencial compreende ou “contém” os tradicionais danos patrimoniais futuros e os danos não patrimoniais, mas não se esgota neles. Age bem o julgador quando, para fixar o quantum indemnizatório respeitante aos danos patrimoniais futuros, parte dos factos provados e observa os casos análogos e os critérios objectivos usados na jurisprudência, mas não deixa de proferir um juízo de equidade. […]
A incapacidade parcial permanente, ainda que não acarrete uma diminuição dos concretos rendimentos do lesado, mas implique um esforço acrescido/suplementar para a realização das actividades profissionais e pessoais, constitui um dano futuro indemnizável autonomamente, correspondendo ao denominado “dano biológico”.
Assim o dano corporal/dano biológico não se circunscreve às consequências sobre a capacidade de trabalho ou sobre a capacidade de obtenção de rendimentos, pelo que tem de ser entendido numa perspectiva global de ofensa à saúde e à integridade física e psíquica, enquanto direito inviolável do homem à plenitude da vida física, em todos os aspectos da sua vida e, sob este prisma, é um dano autonomamente indemnizável. O dano biológico constitui, nesta medida, “um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde”; e se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um “dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento mas um dano consequência”, representando “um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal”.”
Não sobram dúvidas, no caso presente, que o acidente que vitimou a autora é simultaneamente acidente de viação e acidente de trabalho.
Provado está também que a autora tem vindo a ser ressarcida da perda de capacidade de ganho que as lesões suportadas lhe determinaram ao nível profissional, quer por referência aos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, quer por força da sua incapacidade para o trabalho habitual, conforme resulta dos pontos 110. e 111., ora aditados ao elenco da matéria de facto provada.
O art.º 17º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho[6] estatui o seguinte:
“1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante.
4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”
Resulta deste normativo legal, designadamente dos números 2 e 3, que, nas situações de confluência de responsabilidades pelo mesmo acidente, o direito à indemnização delas decorrente não é cumulável em relação ao mesmo dano concreto – cf. neste sentido, a propósito do art.º 31º da anterior Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, pág. 150.
Prevê-se, então, o direito de desoneração do responsável pela reparação do acidente de trabalho, caso o sinistrado receba de terceiro, pelo mesmo dano, uma indemnização superior à que seria devida pela entidade responsável pelo acidente de trabalho ou, caso a indemnização arbitrada seja inferior à dos benefícios conferidos em consequência do acidente de trabalho, o direito de desoneração limitado àquele montante indemnizatório.
Se o sinistrado for totalmente ressarcido pelo prejuízo que sofreu em contexto de acidente de trabalho e se a responsabilidade pelo ressarcimento do dano incumbir a um terceiro estranho à relação laboral, não pode aquele, se já tiver sido ressarcido pelo terceiro, voltar a sê-lo pelo empregador, pois que isso implicaria um enriquecimento injustificado ao ser duplamente indemnizado/ressarcido pelo mesmo dano. Por essa razão se afirma que se está perante indemnizações complementares, subsistindo a indemnização emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha a ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem, pois, entendendo, de modo uniforme, que as indemnizações a atribuir em sede de reparação do prejuízo adveniente de acidente de viação e de sinistro laboral se baseiam em critérios distintos e cada uma delas tem uma funcionalidade própria[7], não sendo cumuláveis, mas antes complementares, até ao ressarcimento total do prejuízo causado, assumindo a responsabilidade laboral carácter subsidiário. Competirá, contudo, sendo esse o caso, ao responsável pelo infortúnio laboral alegar e provar os pressupostos para o reconhecimento do direito de desoneração – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1 e de 14-12-2016, processo n.º 1255/07.5TTCBR-A.C1.S1.
Todavia, como resulta dos n.ºs 1 e 2 do mencionado art.º 17º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, o direito à reparação por acidente causado por outros trabalhadores ou terceiros não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral, o que significa que em sede de acção civil compete à respectiva jurisdição aplicar o direito sem limitação quanto aos montantes a arbitrar, pois que se privilegia o risco do causador do acidente de viação, usufruindo a seguradora laboral de legitimidade para invocar o pagamento das prestações que efectuou, reclamando-as junto do responsável pelo sinistro.
Apesar de não ser permitida a cumulação de indemnizações, quando deva haver lugar à fixação de indemnizações na dupla vertente do acidente, cada um dos tribunais – o cível e o laboral – fixará as indemnizações segundo os critérios legais aplicáveis, mas com inteira independência do que tenha decidido ou venha a decidir o outro tribunal. Podem, inclusive, ser peticionadas as duas indemnizações - ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum -, para depois ser feita a opção pela mais conveniente; o que não pode é haver recebimento das duas indemnizações, por não serem cumuláveis.
O recebimento pela autora das quantias fixadas pelo Tribunal do Trabalho, não a impede de exercer, nesta jurisdição civil, o seu direito de acção contra o terceiro que causou o acidente, nos termos da lei geral. Caberá à seguradora laboral, pretendendo exonerar-se do pagamento de indemnizações/pensões, usar do meio processual próprio para o efeito – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-01-2021, processo n.º 4744/17.0T8BRG-A.G1.
Assim, tal como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019, processo n.º 1456/15.2T8FNC.L1.S1, na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho, cabendo à entidade patronal ou à sua seguradora, o direito de reembolso pela antecipação da indemnização por si suportada.
Veja-se, neste sentido, Júlio Manuel Vieira Gomes, in Nótula sobre o tratamento Jurisprudencial dos Acidentes que merecem a qualificação simultaneamente de acidentes de trabalho e de acidentes de viação, pp. 248-249[8] – “[…] cabe ao lesado ou seus representantes a opção entre exercer uma ou outra pretensão junto dos Tribunais competentes, que exercerão a sua jurisdição de modo independente. […] o responsável pelo acidente de viação (ou o seu segurador) não pode pretender a dedução na indemnização a que for condenado da indemnização que o trabalhador/sinistrado porventura já tenha recebido por força da reparação do acidente de trabalho.”
Como tal, não assiste razão à ré recorrente ao pretender que as quantias indemnizatórias fixadas no foro laboral, e já pagas à autora, sejam deduzidas no quantum da indemnização aqui arbitrada, não havendo lugar a indemnização pelo dano biológico, quer porque não está em causa o ressarcimento do mesmo dano, quer porque, ainda que estivesse, quem responde em primeiro lugar pela indemnização dos danos é o responsável pela reparação do acidente de viação, pelo que, a existir duplicidade de reparação pelo mesmo dano, tal permitiria a desoneração do pagamento das prestações conexas com o sinistro laboral pela entidade que as liquidou, até ao montante da indemnização arbitrada em que exista essa coincidência, mas isso não desonera a seguradora civil de pagar a indemnização emergente do acidente de viação, nem constitui qualquer facto impeditivo da respectiva atribuição (tanto mais que nenhuma intervenção existe neste processo da seguradora laboral)[9]cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2023, processo n.º 795/20.5T8LRA.C1.S1; de 17-11-2021, processo n.º 3496/16.5T8FAR.E1.S1; de 30-04-2020, processo n.º 6918/16.1T8VNG.P1.S1[10] e de 12-07-2018, processo n.º 1842/15.8T8STR.E1.S1[11]; dos Tribunais da Relação de Lisboa de 20-04-2023, processo n.º 1133/19.5T8SNT.L1-2; do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020, processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1; da relação do Porto de 14-05-2020, processo n.º 2171/17.8T8PRD.P1 e de 13-03-2023, processo n.º 8085/17.4T8PRT.P1[12]; da Relação de Guimarães de 12-02-2017, processo n.º 50/12.4TBPTL.G1; e da Relação de Coimbra de 14-03-2023, processo n.º 3166/19.2T8VIS.C1 e de 20-04-2016, processo n.º 1255/07.5TTCBR-A.C1.
A autora foi vítima de acidente de viação em 17 de Fevereiro de 2011; após múltiplos tratamentos, a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 26 de Agosto de 2017, momento a partir do qual as lesões deixaram de registar uma evolução medicamente objectivável, apresentando sequelas que lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 34 pontos percentuais, numa escala de 100 pontos, sendo as sequelas – limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais – impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional; por força das lesões sofridas a autora tem necessidade permanente de recurso a medicação, de tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas, como acompanhamento regular em consulta de psiquiatria e consulta da dor e utilização de tecnologias para compensar limitações anátomo-funcionais, como o uso de colar cervical - cf. pontos 1., 69., 71., 75. dos factos provados.
A reparação pelo dano especificamente laboral já se mostra definida no processo por acidente de trabalho – o que impede que volte a ser reparada, na instância cível –, restando a vertente do dano biológico que afecta a vida extralaboral da lesada, sendo esse o objecto de reparação a ponderar neste segmento do peticionado, pois que no foro laboral, se reparada o dano/perda laboral, não foi, porém, reparado integralmente o dano patrimonial sofrido, nesta outra vertente do dano biológico (vertente extralaboral).
Há, assim, que aferir da adequação do valor arbitrado pela 1ª instância em sede do dano biológico como dano patrimonial futuro de feição extralaboral.
A incapacidade permanente que afecta a lesada repercutir-se-á, residualmente, em diminuição da condição e capacidade físicas, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, ou seja, numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e maior penosidade das actividades laborais.
Haverá, assim, que atender a esta incapacidade física para a execução de tarefas do círculo da vida não especificamente associado à actividade profissional como o dano a indemnizar, em face da irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais, que a idade agravará.
Trata-se, ainda, de um dano de natureza patrimonial que, reflectindo-se, embora em grau indeterminável, na actividade laboral, tem potencialidade para retardar ou impedir progressões profissionais ou conduzir a reforma antecipada, como, aliás, no caso sucedeu com a autora, com as inerentes quebras de rendimento no futuro.
Relativamente às lesões suportadas pela autora e consequentes sequelas decorrentes do evento lesivo aqui em análise e naquilo que releva para a apreciação da adequação do valor indemnizatório arbitrado pela 1ª instância para ressarcimento do dano biológico, há que ter presente os seguintes dados:
- No dia 17 de Fevereiro de 2011, a autora foi vítima de atropelamento quando fazia a travessia da passadeira de peões existente na Praça 25 de Abril, em Torres Vedras, tendo sido embatida pelo veículo 46-79-HX;
- A autora foi encaminhada para o Hospital, onde foi submetida a exames e teve alta;
- A autora não conseguiu retomar o desempenho da sua profissão e foi seguida em diversas unidades hospitalares, com realização de exames, consultas, cirurgias na sequência das lesões identificadas como traumatismo craniano sem perda de conhecimento; hematoma epicraniano na região temporal direita; traumatismo da coluna cervical com hérnia discal cervical; e perturbação depressiva reactiva;
- Em Setembro de 2011, o quadro geral de saúde da autora continuava a não evoluir favoravelmente, mantendo as instabilidades a nível do pescoço, as dormências no braço direito e na perna direita;
- A autora não conseguia conduzir, estando limitada nos movimentos, com dores intensas na cervical, assim como na coluna vertebral, sofrendo ainda dormência nos membros;
- Após alta com incapacidade parcial de 30%, em 26 de Abril de 2012, a autora retomou o trabalho, mas não conseguia estar sentada nem podia tirar o colar cervical, tendo, após nova consulta, retomado a baixa médica;
- A consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 26-08-2017;
- Em consequência das lesões sofridas com o acidente, a autora apresenta, na coluna vertebral, uma cicatriz de configuração em L, localizada na face anterior do pescoço, com o braço vertical à direita; marcada rigidez e limitação da mobilidade cervical; limitação da mobilidade lombar com subjectivos dolorosos, agravados em flexão e rotação da coluna lombar;
- Como sequelas das lesões apresenta: cervicalgias com lesões ósseas ou disco-ligamentares, dores muito frequentes e intensas, com acentuada limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica continuada; lombalgias sem lesões ósseas ou disco-ligamentares; perturbações persistentes do humor com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional;
- Em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos a autora apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica (com repercussão na vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais) de 34 pontos percentuais, numa escala de 100 pontos;
- As sequelas – as limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais - decorrentes das lesões sofridas pela autora em consequência do acidente dos autos são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional;
- A autora tem necessidade de necessidade permanente de recurso a medicação para ultrapassar as dificuldades geradas pelas sequelas, nomeadamente medicação analgésica, anti-inflamatória, relaxante muscular e medicação psicoactiva do foro psiquiátrico; necessidade regular de tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas, nomeadamente acompanhamento regular em consulta de psiquiatria e consulta da dor, reavaliação pela neurocirurgia em caso de agravamento do quadro clínico a nível cervical; necessidade de utilizar tecnologias para compensar as limitações anátomo-funcionais e situacionais geradas pelas sequelas, com vista à obtenção da maior autonomia possível das actividades de vida da autora, nomeadamente uso de colar cervical;
- A dor sentida pela autora é manifestada, por vezes, por sintomas como “uma passagem de corrente eléctrica pelo corpo”, espasmos e “esticões”, sem qualquer pré-aviso e a qualquer momento, incapacitando-a por momentos;
- Na data do acidente, a autora encontrava-se casada e tinha duas filhas, nascidas em 10 de Fevereiro de 2000 e 15 de Outubro de 2006 que, na altura, tinham 11 anos e 5 anos de idade;
- Nasceu em 25 de Novembro de 1967;
- Diariamente, cabia à autora levar as duas filhas menores à escola, entrando ao serviço na agência da CGD, de Torres Vedras, cerca das 08:15H e aí ficando normalmente até ao final da tarde, quando recolhia as menores das Actividades de Tempos Livres e as transportava para casa;
- Até ao acidente, era a autora que cuidava das filhas, que as levava e trazia da escola, que as acompanhava nos seus deveres escolares, no âmbito de uma família harmoniosa e feliz;
- Foi a filha mais velha, então com 11 anos, que passou a tratar da irmã mais nova e a fazer a comida;
- A autora perspectivava uma carreira profissional promissora, nomeadamente assumir a posição de subgerente ou mesmo de gerente, tendo sido nomeada para aquele cargo, após a data do acidente, uma colega, pelo menos, que tinha antiguidade similar à sua;
- A autora iniciou a prestação de trabalho, em 1993, para a Caixa Geral de Depósitos. Possuía o nível 9 desde Janeiro de 2010, tendo sido promovida por mérito, do nível 8 para o nível 9. A ascensão para o nível 10, independentemente do mérito, ocorreria logo que decorridos 8 anos sobre a data da obtenção do nível 9, implicando a subida de nível o aumento do vencimento;
- A autora era considerada pelos seus pares uma excelente e dedicada profissional do sector bancário, muito dinâmica e entusiástica e com possibilidade e vontade para evoluir na profissão;
- A promoção por mérito constitui, na Caixa Geral de Depósitos, um dos indicadores valorados na nomeação para o cargo de subgerente e gerente;
- A autora viu frustradas as suas expectativas profissionais, numa idade (43 anos) em que perspectivava a ascensão futura na carreira e na qual se encontrava fortemente empenhada;
- Socialmente, a autora rejeita receber amigos, deles se afastando, e recusa a participação em eventos de grupo que determinem a alteração da sua rotina básica diária;
- A autora perdeu a expectativa de uma reforma por inteiro, após 36 anos de trabalho, gorada pela situação de aposentada, definida por despacho de 21/8/2021, da direcção da Caixa Geral de Aposentações, sendo a pensão atribuída tendo em consideração 28 anos e 2 meses;
- Pela Caixa Geral de Aposentações foi prestada a informação de que em Maio de 2028, o valor provável da pensão da autora seria de €2.102,58, no pressuposto que esta, em Fevereiro de 2021, atingiria o nível 10, e que a sua remuneração mensal efectiva fosse constituída pelo vencimento base, no valor de €1.672,00; a prestação “isenção de horário de trabalho”, no valor de €418,00; a prestação “Diuturnidades”, no valor de €302,70, a prestação “Diuturnidades Vincendas”, no valor de €46,00;
- Na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2010, a autora declarou ter auferido €30.391,01 e na Declaração de IRS, apresentada por referência aos rendimentos auferidos no ano de 2011, declarou rendimentos auferidos pelo trabalho por conta de outrem no valor de €29.707,25.
Tal como se consignou na decisão recorrida e decorre do atrás expendido, a compensação do dano biológico deve atender à repercussão na vida da lesada da perda ou diminuição de capacidades funcionais, que irão exigir o desenvolvimento de um maior esforço, seja na actividade profissional (já objecto de ponderação em sede de reparação por acidente de trabalho), seja no desenvolvimento de quaisquer outras actividades da vida diária, social, familiar e para o aproveitamento de outras oportunidades profissionais, durante o período de vida expectável da sinistrada.
Para efeitos de aproximação de um valor adequado a fixar nada impede que se tome por referência o cálculo dos danos futuros, com a devida adaptação à situação concreta, sem nunca deixar de lado a equidade.
A jurisprudência tem, contudo, aderido ao entendimento de que a indemnização a arbitrar por danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma), o que se justifica tendo em conta que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, para além do que será nessa altura que as suas limitações e situação de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, certamente mais se acentuarão, acrescendo ainda o facto de as limitações às capacidades laborais do lesado poderem ter reflexos negativos na sua carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
No entanto, tendo em conta que na determinação de um valor adequado a fixar haverá que recorrer, em última instância, à equidade, nada impede que se tome por referência no cálculo matemático dos danos futuros, a efectuar tendo como ponto de partida, tal como na decisão recorrida, o valor da remuneração anual da autora apurado no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, que foi de 30.699,06€ - cf. ponto 108. dos factos provados.
Para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de uma mulher de 43 anos, casada, com duas filhas menores, que sofre um défice funcional permanente de 34 pontos, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum.
Também importa ter presente a esperança média de vida, isto é, durante quanto tempo é que a autora previsivelmente sofrerá com esta lesão - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2022, processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-04-2023, processo n.º 1133/19.5T8SNT.L1-2 e da Relação de Évora de 11-06-2015, processo n.º 163/11.0TBFZZ.E1.
Relevarão também os valores que neste segmento têm sido atribuídos por parte da jurisprudência.
Veja-se, a propósito da fixação do valor indemnizatório pelo dano biológico, o que se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2017, processo n.º 3323/13.5TJVNF.G1.S1:
“Cumpre recordar o seguinte, recordando o que se escreveu já no acórdão de 4 de Junho de 2015 […] proc. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e que se escolhe apenas como exemplo, até porque se debruçou sobre danos da mesma natureza – danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais, com consideração do chamado dano biológico, que pode integrar ambos os tipos de danos:
«– trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 ([…] proc. N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, […], proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. […]
– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade (…). A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242 […]). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 ([…] proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);
– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho», apontados na sentença, «destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele […].”
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2017, processo n.º 10421/14.T2SNT-7, alertando para o recurso ao método comparativo, faz-se uma resenha da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da fixação de indemnização por dano biológico que se afigura útil aqui convocar:
Em situações de dano biológico sem perda de capacidade de ganho, mas em que havia maior penosidade:
- “Ac. S.T.J. de 19/1/2012 (relator Silva Gonçalves - Revista n.º 275/07.4TBMGL.C1.S1 - 7ª Secção) – para uma incapacidade de 10%, sinistrado com 34 anos, rendimento de €1.155,00, indemnização de €40.000,00;
– Ac. S.T.J. de 26/1/2012 (relator João Bernardo - Revista n.º 220/2001.L1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 40%, sinistrado com 28 anos, rendimento de €6.181,70 ao ano, indemnização de €80.000,00;
– Ac. S.T.J. de 31/1/2012 (relator Nuno Cameira - Revista n.º 3177/07.0TBBRG.G1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 15%, sinistrado com 52 anos, rendimento à peça de €5,2 por toalha, produzindo 5 toalhas dia, indemnização de €14.000,00;
– Ac. S.T.J. de 1/3/2012 (relator Bettencourt Faria - Revista n.º 939/05.7TBPVZ.P1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 15%, sinistrado com 24 anos, rendimento de €16.500,00 ao ano, indemnização de €82.000,00;
– Ac. S.T.J. de 6/3/2012 (relator Fonseca Ramos - Revista n.º 7140/03.2TVLSB.L1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 5%, sinistrado com 20 anos, rendimento de €5.935,00 ao ano, indemnização de €70.000,00; […]”
E aduziu ainda acórdãos mais recentes:
“Ac. S.T.J. de 6/7/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira - Revista n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 87%, sinistrado com 44 anos, indemnização de €150.000,00.
–Ac. S.T.J. de 25/5/2017 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 25%, sinistrado com 41 anos, indemnização de €170.000,00.
–Ac. S.T.J. de 16/3/2017 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 294/07.8TBPCV.C1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 41%, sinistrado com 19 anos, indemnização de €250.000,00.
–Ac. S.T.J. de 15/2/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira - Revista n.º 118/13.0TBSTR.E1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 27%, sinistrado com 21 anos, desempregado, indemnização de €108.000,00.
–Ac. S.T.J. de 12/1/2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza - Revista n.º 3.323/13.5TJVNF.G1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 10%, sinistrado com 60 anos, que teve de passar à reforma, indemnização de €20.000,00.
–Ac. S.T.J. de 14/12/2016 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 37/13.0TBMTR – 2ª Secção) para uma incapacidade de 11%, sinistrado com 43 anos, indemnização de €22.000,00, mas poderia ir aos €33.000,00 se o sinistrado tivesse recorrido.
–Ac. S.T.J. de 3/11/2016 (relator Lopes do Rego - Revista n.º 1.971/12.0BLLE.E1.S1 – 7ª Secção) para um défice funcional de 4%, sinistrado com 32 anos, indemnização de €25.000,00.
–Ac. S.T.J. de 16/6/2016 (relator Tomé Gomes - Revista n.º 1.364/06.8TBBCL.G1.S2 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 6%, sinistrado com 40 anos, indemnização de €25.000,00.
–Ac. S.T.J. de 7/6/2016 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 237/13.2TCGVR.G1.S4 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 8%, sinistrado com 22 anos, apenas licenciado, indemnização de €25.000,00 […].”
Acrescenta-se, ainda, para efeitos comparativos:
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2023, processo n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1 – lesada com 44 anos à data da consolidação médico-legal das lesões, esteticista, incapacitada para desempenhar a profissão que exercia, mas compatível com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico profissional que envolvam tarefas com pouca exigência física ao nível de força muscular com os membros superiores, postura curvada ou bipedestação, considerando o tempo decorrido desde a data do acidente até à consolidação médico-legal das lesões, a incapacidade geral de 26%, mas que na prática equivale a uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho, foi fixada uma indemnização por dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro no montante de 200 000,00 €;
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2023, processo n.º 5986/18.6T8LRS.L1.S1 – lesada com 23 anos na data do acidente, com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional, mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua actividade profissional, foi fixada uma indemnização por tal dano biológico em 50.000,00€;
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-05-2021, processo n.º 1169/16.8T9AVR.P2.S1 – fixou-se uma indemnização no valor de 38.000,00€ a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial, quanto a um lesado de 49 anos, com traumatismo da coluna e ombro esquerdo e contusão cervical, com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos, compatível com a profissão habitual mas com esforços acrescidos, exercendo funções na polícia judiciária com a categoria de inspector chefe, tendo de estar muitas vezes bastante tempo de pé, tem de andar de carro, o que é doloroso passado algum tempo;
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-03-2021, processo n.º 1337/18.8T8PDL.L1.S1 – a autora tinha à data do acidente 50 anos, uma IPP de 13%, com repercussões negativas na qualidade de vida e não apenas no exercício da sua profissão, foi atribuída uma indemnização de 45.000,00€;
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2019, processo n.º 497/15.4T8ABT.E1.S1 – numa situação de uma lesada com 17 anos de idade, perdeu dois anos escolares, passou a ter dificuldades para lidar com situações de stress e em estar muito tempo nas aulas, com um défice funcional permanente não concretamente apurado mas não inferior a 14,5 pontos e não superior a 21,6 pontos, atribuiu-se a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, o valor de €70.000,00.
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-03-2019, processo n.º 203/14.0T2AVR.P1.S1 – sinistrada com 35 anos de idade à data do acidente, défice funcional permanente de 19 pontos, com repercussão permanente na sua actividade profissional, mas compatível com o respectivo exercício, implicando, no entanto, esforços suplementares, atribuiu-se uma indemnização no valor de 40.000,00€
= Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2019, processo n.º 497/15.4T8ABT.E1.S1 – na situação de uma lesada com 17 anos de idade, perdeu dois anos escolares, passou a ter dificuldades para lidar com situações de stress e em estar muito tempo nas aulas, com um défice funcional permanente não concretamente apurado mas não inferior a 14,5 pontos e não superior a 21,6 pontos, atribuiu-se a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, o valor de €70.000,00.
= Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-03-2023, processo n.º 3166/19.2T8VIS.C1 - lesado, de 37 anos de idade à data do acidente, já indemnizado pelo dano de índole laboral (pensão anual e vitalícia), cujo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 53 pontos, sendo expectável agravamento futuro, suportando repercussão das lesões nas suas actividades desportivas e de lazer de “5/7”, o dano biológico, como dano patrimonial futuro de feição extralaboral, foi atribuída uma indemnização no valor de €100.000,00€;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2023, processo n.º 8085/17.4T8PRT.P1 - lesado com 36 anos de idade, que, durante mais de um ano, não conseguia realizar tarefas básicas, como alimentar-se e fazer a sua higiene pessoal; sofreu 81 pontos de afectação da sua integridade físico-psíquica que se repercutem nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais; as lesões decorrentes do sinistro apenas se consolidaram quase dois anos após o sinistro; carece permanentemente do auxílio de terceira pessoa; não poderá mais exercer qualquer actividade profissional, era titular de uma empresa, sendo reconhecido como um engenheiro informático genial e de elevada capacidade intelectual, foi fixada uma indemnização pelo dano biológico, na parte não indemnizada pela jurisdição laboral, na quantia de 140.000,00€;
= Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2022, processo n.º 651/20.7T8VRL.G1 - lesado com 47 anos aquando o acidente, trabalhador indiferenciado na agricultura, com uma afectação da integridade físico-psíquica de 45 pontos, com uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso para o trabalho agrícola que o mesmo sempre executou, foi atribuída uma indemnização pelos danos futuros, no valor de €180 000,00;
= Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2022, processo n.º 2393/08.2TBVLG.P1 – dois sinistrados, sem contribuição para o acidente, que ficaram a padecer, um, com 35 anos de idade, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12% (compatível com a sua actividade, porém mediante esforços suplementares) e o outro, com 22 anos, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%, foi fixada a indemnização pelo dano biológico, respectivamente, nos valores de 70.000,00€ e 20.000,00€;
= Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-10-2021, processo n.º 5405/19.0T8GMR.G1 – lesado com 21 anos de idade, afectado com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares, desempregado à data do acidente, prestou provas de ingresso na GNR, mas considerado como «não apto» em consequência da presença de material de osteossíntese, foi fixada a indemnização pelo dano biológico de 45.000,00€ e 20.000,00€.
Atente-se ainda, para efeitos de reapreciação do decidido, que só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela 1ª instância e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados pelos tribunais superiores, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pela autora – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2023, processo n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1 e de 27-09-2016, processo n.º 2249/12.4TBFUN.L1.S1.
Reitere-se que, independentemente do recurso a tabelas financeiras, será a equidade – enquanto justiça do caso concreto, ajustada às circunstâncias, em oposição à justiça meramente formal; julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parece mais justa, atendendo apenas às características da situação, em função das concepções da justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico – o critério orientador a utilizar - cf. art.º 566º, n.º 3 do Código Civil.
Afasta-se, pois, a utilização de critérios mais positivistas, baseados em equações e fórmulas matemáticas, pois que, como é sabido, os tribunais não estão vinculados às tabelas fixadas na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho), que se destinam apenas a agilizar as propostas razoáveis na resolução extrajudicial, conforme jurisprudência estabilizada – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, processo n.º 448/19.7T8PNF.P1.S1[13].
Recorde-se que na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a que acrescem outros factores que relevam casuisticamente – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, que aí menciona ainda os acórdãos desse Supremo Tribunal de 20-10-2011, proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10-10-2012, proc. n.º 632/2001.G1.S1, de 07-05-2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19-02-2015, proc. n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04-06-2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e de 07-04-2016, e onde se consigna que na Portaria nº 377/2008, a reparação das consequências patrimoniais do dano biológico – na acepção que a jurisprudência do Supremo Tribunal tem dado ao conceito – não tem correspondência no conceito de dano biológico do art.º 3º, alínea b), da Portaria, nem no seu Anexo IV, pelo que a fixação do montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais do dano biológico não pode ser aferida pelos valores nela previstos.
Deste modo, fazendo apelo à jurisprudência acima convocada e ponderando todas as circunstâncias supra descritas, designadamente:
> a idade da autora (49 anos) à data da consolidação médico-legal das lesões (26 de Agosto de 2017);
> o longo período de doença e baixa médica até à consolidação das lesões (cerca de 6 anos);
> o défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de que ficou a padecer (34 pontos);
> a impossibilidade de retomar a vida profissional ou de exercer outras profissões na sua área de formação técnico-profissional, tendo sido, entretanto, aposentada, ou seja, em consequência do acidente a demandante nunca mais trabalhou;
> a impossibilidade de conduzir;
> a limitação na sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, designadamente, para tomar conta das filhas e levá-las à escola;
> a interrupção da carreira profissional, a inviabilidade de nela progredir e ascender aos níveis seguintes de progressão, com perda do aumento do vencimento e perda da expectativa de uma reforma por inteiro, ao fim do tempo de vida activa previsível;
> a remuneração média mensal da sinistrada, que se situa num valor aproximado de 2 192,79€;
> a esperança média de vida para mulher nascida em Portugal em 1967, que é de 66,4 anos, mas sempre a crescer, sendo em 2011, data do acidente, de 82,6 anos[14];
> o período de tempo a considerar no cálculo da diminuição da capacidade funcional (cerca de trinta anos);
> a actual situação económico-financeira do país, atendendo, em concreto, ao fenómeno recente da inflação – no ano de 2022, a taxa de variação média anual do Índice de Preços no Consumidor foi de 7,8% e situa-se, no presente ano, em cerca de 7%[15] -, sem que seja possível conhecer os respectivos efeitos e se se irão prolongar nos próximos anos e que repercussões irão ter em termos de perda efectiva de rendimentos (a inflação elevada afecta sobretudo as classes mais desfavorecidas pelo facto de dependerem sobretudo de bens de primeira necessidade),
e, sobremaneira, atendendo aos casos semelhantes mais próximos do presente e que emergem da jurisprudência acima elencada, temperados pelas regras da equidade, com vista à obtenção de um equilíbrio que sirva a segurança jurídica que os cidadãos devem esperar das decisões judiciais, importa que se reconheça, objectivamente, um ligeiro excesso no valor fixado pela 1ª instância (considerando, sobremaneira, que não cumpre aqui avaliar os danos patrimoniais futuros por perda do rendimento da sua actividade laboral à data do acidente), daí que se tenha por adequado e proporcional atribuir à autora, a título de ressarcimento pelo dano biológico, uma indemnização no montante de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros).
*
3.2.3. Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora
A autora/recorrente e recorrida alegou e provou danos morais complementares devidos a um longo período de recuperação, com períodos de internamento hospitalar, com sujeição a múltiplos exames médicos e duas cirurgias; défice funcional temporário parcial elevado para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social entre 17-02-2011 e 31-12-2013; défice funcional temporário parcial moderado para os actos correntes da vida diária, familiar e social desde 1-01-2024 até 26-08-2017, podendo executar actividades da vida diária, mas com esforços acrescidos; período de repercussão temporária total nas actividades profissionais de 17-01-2022 a 26-08-2017; um quantum doloris de grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente; repercussão permanente na actividade sexual, nomeadamente perturbação persistente do humor, grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; limitações cognitivo-emocionais, neuro-motoras e funcionais decorrentes das lesões impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual à data do acidente, bem como do exercício de outras profissões na sua área de formação técnico-profissional; e danos biológicos de natureza não patrimonial relativos à ofensa da integridade física (padece de dores muito frequentes e intensas, implicando terapêutica continuada; lombalgias e perturbações persistentes do humor com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional; necessidade regular de medicação, tratamentos médicos e utilização de colar cervical, continuando a padecer de dores permanentes na zona da cervical, falta de sensibilidade no pescoço, dormência de ambos os membros superiores, inchaço e tremura das mãos).
A 1ª instância atribuiu, a esse título, uma indemnização no valor de 100.000,00€, com a seguinte fundamentação:
“A título de danos não patrimoniais, a autora peticionou a quantia de €250.000,00.
Danos morais ou de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado – por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, etc.
Porque não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória. O chamado "dano de cálculo" não vale nesta sede e, por isso, é que a lei impõe, ainda que de uma forma genérica, que se atendam apenas aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1 do Código Civil), gravidade essa que deve ser apreciada objetivamente. O «dano compensável há-de ser de certa gravidade excluindo-se, assim, os danos insignificantes, destituídos de gravidade que justifique a compensação pecuniária deles»10.
Os danos não patrimoniais são perdas suportadas quer no bem-estar físico, quer no equilíbrio psíquico (desgostos, desaparecimento da alegria de viver) e devem levar, na prática, à ponderação das dores sofridas, a quebra de reputação, a deformidade produzida, outro dano corporal, bem como o sofrimento moral produzido pela lesão.
O montante da indemnização devida para a sua compensação deve ser fixado equitativamente, tendo em conta os factores referidos no art.º 494.º do Código Civil.
Para determinar o quantum indemnizatório dos mesmos há que ponderar os critérios da gravidade e da equidade plasmados nos n.ºs 1 e 4 do citado artigo 496.º do Código Civil e, ainda, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo diploma legal: o grau de culpa, as situações económicas do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso.
Ou seja, importa estabelecer um justo grau de compensação, considerando, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.
Mais importa atentar nas soluções de fixação de montantes relativamente ao dano em causa em situações paralelas, nas quais se tem em consideração o sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras situações judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.
Transpondo tais princípios para o caso dos autos, resulta da factualidade provada que a autora sofreu danos que constituem, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos sem relevância jurídica: estão em causa, no entender deste tribunal, danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, e pelos quais deve ser indemnizada pela ré, em conformidade com o estatuído no já mencionado artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
Nos termos do n.º 3 do citado preceito legal, o montante indemnizatório deve ser fixado pelo Tribunal de acordo com a equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo diploma legal, segundo o qual «quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem».
Assim:
- considerando a factualidade apurada, designadamente, o grau de culpa da condutora do veículo segurado na ré para a produção do acidente, sem que se tenha apurado que a autora tenha concorrido, de qualquer forma, para a produção do acidente;
- a idade da autora: a autora nasceu em 25 de Novembro de 1967, tendo, à data do acidente, 43 anos de idade;
- a gravidade das lesões sofridas pela autora: (i) traumatismo craniano sem perda de conhecimento, com hematoma epicraniano na região temporal direita; (ii) traumatismo da coluna cervical com hérnia discal cervical; e (iii) Perturbação depressiva reactiva.
- o processo evolutivo da consolidação das lesões, com um período expressivo de cerca de 6 anos e 8 meses, com sujeição a duas intervenções cirúrgicas, tratamentos de fisioterapia, exames e acompanhamento médico.
O acidente ocorreu em Fevereiro de 2011 e a consolidação médico-legal das lesões foi fixada em Agosto de 2017, convocando-se o acima exposto quanto ao processo evolutivo das lesões.
- o sofrimento físico e psicológico que lhe causaram e causam dores, tendo sido quantificado, por referência ao período de Fevereiro de 2011 a Agosto de 2017, o quantum doloris no grau 6, numa escala de sete graus crescente, ou seja, muito próximo da graduação máxima, atribuído tendo em conta as lesões traumáticas produzidas pelo acidente “em que à dor física acresce a resultante dos tratamentos médicos, cirúrgicos e de reabilitação realizados”.
- A repercussão permanente das sequelas de que a autora ficou a padecer em consequência do acidente, designadamente na sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar, social e profissional, o Défice Funcional Permanente da sua Integridade Psíquico-Física de 34 pontos percentuais, a necessidade permanente de recurso a medicação para ultrapassar as dificuldades geradas pelas sequelas, nomeadamente medicação analgésica, anti-inflamatória, relaxante muscular e medicação psicoactiva do foro psiquiátrico; a necessidade regular de tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas, nomeadamente acompanhamento regular em consulta de psiquiatria e consulta da dor, reavaliação pela neurocirurgia em caso de agravamento do quadro clínico a nível cervical; a necessidade de recorrer a tecnologias para compensar as limitações anatomo-funcionais e situacionais geradas pelas sequelas, com vista à obtenção da maior autonomia possível das actividades de vida da autora, nomeadamente uso de colar cervical.
- Continua a sofrer dores permanentes na zona da cervical, falta de sensibilidade no pescoço, dormência de ambos os membros superiores mas, principalmente à direita, inchaço e tremura das mãos.
Não pode deixar de ser ponderando o reflexo das lesões sofridas em consequência do acidente no âmbito familiar da autora e os sentimentos de culpa que a mesma vivenciou em relação a toda a família, designadamente pela sua inactividade, delegando as tarefas domésticas na filha mais velha; o refúgio no isolamento social, evitando o convívio com familiares e amigos e dentro da própria casa, com o marido e as filhas; o quadro depressivo que persistiu desde Março de 2011 e a repercussão, do seu estado depressivo, da impossibilidade de prosseguir a sua actividade profissional.
Conforme já se referiu, os danos não patrimoniais devem ser objecto de indemnização acobertada pelo artigo 496º, nº 1, do CCivil, a qual deve obedecer a juízos de equidade tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso (artºs 496º nº 4 e 494º do CCivil), devendo considerar-se que o montante da reparação deve ser proporcional à gravidade do dano e ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, e aquela que tem sido a sua densificação pelos Tribunais superiores (em atenção ao que dispõe o art.º 8º nº 3 do CCivil), que vem revelando uma tendência para a elevação dos quantitativos indemnizatórios por danos não patrimoniais em vista do aumento geral da qualidade de vida e do progresso económico, das oscilações do valor aquisitivo da moeda, das taxas de inflação e de juro, dos aumentos de prémios de seguro e da capacidade económica das seguradoras.
Ponderando, como já referido, que as indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam (ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente), sem que se deva perder de vista as indemnizações por danos não patrimoniais que são atribuídas pelos tribunais superiores, de modo a que sobre os montantes indemnizatórios recaia uma certa uniformidade de critérios para evitar, não só disparidades flagrantes, como por uma questão de justiça relativa do direito aplicado e apelando ao juízo da equidade, e tendo presente a vivência de uma situação de atropelamento e as circunstâncias acima indicadas, julga este Tribunal como justa, proporcional e adequada a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), a atribuir, à autora, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos, valor este actualizado, reportado a este momento tendo em atenção disposto no artigo 566º, nº 2, do CCivil.”
A autora e a ré recorreram ambas deste segmento da decisão impugnada, pretendendo a autora que a indemnização pelos danos não patrimoniais seja aumentada até atingir os 250.000,00€ e visando a ré a sua redução para 75.000,00€.
Tendo em conta a natureza não patrimonial dos danos em referência, a sua avaliação há-de ser efectuada nos termos do art.º 496º, n.º 1 do Código Civil, posto que o dano não patrimonial não abrange apenas o dano morte, mas qualquer outro dano que, não tendo natureza económica, assuma uma tal gravidade (dentro de um padrão objectivo) que requeira e mereça a tutela do direito.
Podem assumir essa característica as perdas suportadas quer no bem-estar físico (dores sofridas), quer no equilíbrio psíquico (desgostos, depressão, etc.).
Caberá, pois, ao tribunal determinar em cada caso se os danos não patrimoniais são, de facto, merecedores da tutela jurídica.
Na fixação do montante da indemnização correlativa, procederá de forma equitativa, nos termos do art.º 496º, n.º 3, primeira parte do Código Civil, sendo, assim, necessariamente diferente a forma de determinação da indemnização por danos não patrimoniais daquela que se segue em relação aos danos patrimoniais, pelo que se afasta, por desnecessária e limitadora da efectiva avaliação da sua dimensão, a aplicação dos critérios da aludida Portaria 377/2008.
Incluem-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, os prejuízos na vida de relação sobretudo os provenientes de deformações estéticas.
O montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será, pois, fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º do Código Civil (embora o artigo 494º faça referência à situação económica do lesante, a ponderação de tal parâmetro revela-se desprovida de sentido nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro, como por exemplo uma seguradora, a suportar o pagamento da indemnização).
A compensação por danos não patrimoniais, para assumir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Para efeitos do valor da indemnização a fixar a este título importa atender ao sofrimento suportado pela recorrente, aos períodos de défice funcional temporário parcial (2382 dias/6,52 anos), ao quantum doloris, ao prejuízo da actividade sexual e à repercussão permanente no exercício da sua profissão e outras compatíveis com a sua formação, tendo, entretanto, sido aposentada.
Haverá que ponderar a natureza e grau das lesões; as sequelas físicas e psíquicas; os tratamentos médicos; o quantum doloris (que identifica as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária); o período de doença; situação anterior e posterior da ofendida em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima (dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes: familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da saúde geral e da longevidade (em que sobressai o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida), entre outras.
Neste contexto relevam os factos acima aduzidos em que sobressaem, para além dos já mencionados, o isolamento social a que a própria autora se votou, a depressão de que sofre, com necessidade permanente de tratamento, o sentimento de si própria como física e psicologicamente destruída, as dores permanentes que se mantêm, a necessidade permanente de medicação e tratamentos médicos, consulta regular de psiquiatria, consulta da dor e recurso a tecnologias para compensar limitações anátomo-funcionais, como o uso de colar cervical, a falta de sensibilidade no pescoço, dormência dos membros superiores e espasmos que surgem a qualquer altura, incapacitando-a por momentos, a que acresce a impossibilidade de acompanhamento do crescimento das filhas menores, à data do acidente com 11 e 5 anos de idade, tendo relegado para a filha mais velha tarefas que lhe incumbiam como mãe, sobressaindo a sua inactividade no seio da família, a rejeição do convívio social. A ponderar também, nesta sede, a sua total ausência de culpa na produção do acidente.
Reitera-se que no que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que “não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”. [] entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro []” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-06-2015, processo n.º 163/11.0TBFZZ.E1.
No caso em apreço, os factos provados e acima descritos importam para a recorrente danos de natureza não patrimonial que merecem indubitavelmente a tutela jurídica.
Para além da evidente gravidade das lesões sofridas não se podem ignorar as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente; a necessidade de duas intervenções cirúrgicas, o longo, muito longo, período de tratamento e convalescença; o grau de incapacidade que, pela sua relevante expressão afecta de modo indelével a integridade física diminuindo as suas capacidades físicas e emocionais, as sequelas que a acompanharão pelo resto da vida, estando em causa uma mulher adulta, mas ainda jovem, à data do acidente com 43 anos de idade, o quantum doloris fixado no grau 6, numa escala de 7 e a repercussão permanente na actividade sexual de grau 4 numa escala de 7.
Atente-se nos valores que têm vindo a ser atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais, em situações similares:
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 28-03-2023, processo n.º 3410/20.3T8VNG.P1.S1 – lesada com 45 anos, sujeita a intervenção cirúrgica por fractura exposta, fisioterapia de reabilitação, baixa médica superior a 6 meses, quantum doloris grau 5, dano estético permanente grau 3, dificuldades que passou a ter em fazer corrida ou caminhadas mais longas que fazia habitualmente), à experiência traumática e perturbadora que sofreu e por não ter tido qualquer responsabilidade na produção do acidente, foi fixado o montante de 30.000,00 € a título de danos não patrimoniais;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 21-06-2022, processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1 - lesado ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua actividade sexual (fixado em 3 em 7), na repercussão nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, sente-se menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade e necessita de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro, foi tida por ajustada a indemnização de 85.000,00 € por danos não patrimoniais;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1 – lesado com 23 anos, que estava a realizar a sua formação universitária e ficou afectado com o membro superior esquerdo completamente paralisado e sem funcionalidade e uma IPG de 62,00 pontos, tendo passado a necessitar durante toda a vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sente vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido e dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7, foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais em 125.000,00€;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2021, processo n.º 4961/16.0T8LSB.L1.S1 – lesado com 55 anos à data do acidente; ficou a padecer de défice funcional de 75 pontos; as lesões sofridas são impeditivas do exercício da sua profissão habitual (cozinheiro, que exerceu durante 30 anos); passou a necessitar com carácter permanente de usar cama articulada, cadeira de rodas, andarilho, talheres adaptados, cadeira para o banho; ajuda de terceira pessoa para todas as actividades da vida diária, excepto ingestão alimentar, foi fixada a indemnização de 120.000,00€;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-04-2021, processo n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1 - lesado com 6 anos, um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 50 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7 de uma escala de 7 de gravidade crescente, não estando impossibilitado de vir a ter uma vida profissional normal; quantum doloris no grau 5 de uma escala de 7 de gravidade crescente; marcha claudicante e necessidade permanente de ajudas técnicas para se locomover (aparelho de ortótese, estes a substituir regularmente enquanto se mantiver o crescimento e a rectificar ulteriormente e cadeira de rodas), o que lhe determina um prejuízo estético avaliável em 5 graus; hipoestesias nos membros inferiores; bexiga neurogénica, com necessidade de algaliação e dificuldade em controlar as fezes, com o que necessita de usar fraldas e cremes tópicos e de usar sondas vesicais; impedido de ter relações sexuais completas ou de procriar; necessita de ajuda de terceira pessoa para fazer parte da sua higiene pessoal, vestir-se e despir-se, deitar-se e levantar-se da cama, para se deslocar à casa de banho, foi fixada uma indemnização de 200.000,00€ a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2020, processo n.º 224/13.0T2AND.P1.S1 –lesado com 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; sequelas ao nível da coluna cervical; apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; quantum doloris grau 4; ficou a sofrer de ansiedade na condução, foi fixada uma indemnização de 35.000,00€ a título de dano não patrimonial;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-07-2017, processo n.º 4861/11.0TAMTS.P1.S1 – lesada com 46 anos de idade, uma incapacidade permanente de 53 pontos, padecimento com as intervenções cirúrgicas, angústia de se ver privada de um membro inferior, o desgosto de se ver fisicamente amputada, mazelas e aleijões psíquicos (designadamente: dor fantasma ao nível do membro inferior direito; dificuldade de marcha com claudicação; dores constantes no pé esquerdo, com edema motivados pela sobrecarga do membro inferior; stress pós traumático associado a perturbação de pânico e perturbação mista de ansiedade e depressão; pensamentos suicidas); o quantum doloris fixável no grau 6/7; o dano estético fixável no grau 5/7; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7; a repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau 4/7, foi fixada uma indemnização de 140.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais;
*Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2019, processo n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1 – lesado com 34 anos de idade, défice funcional de 16 pontos, com exigência de esforços suplementares no desempenho profissional, submetido a cinco intervenções cirúrgicas; quantum doloris grau 4; o dano estético grau 3, afectação permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3, limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, tristeza, depressão e desgosto, foi atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €30.000,00;
*Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, processo n.º 654/19.4T8PVZ.P1 – lesado sofreu um traumatismo crânio-encefálico, internado durante seis dias em consequência do acidente, quantum doloris fixado em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; tornou-se numa pessoa apática, repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável em grau 2; dano estético quantificável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 22 pontos, foi fixada uma indemnização de 125.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
Com esta breve digressão pela jurisprudência procura-se atender à preocupação de normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie de dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor da previsibilidade da decisão judicial, o que permite verificar que em situações análogas e, algumas delas mais gravosas, têm sido fixadas indemnizações de valor relativamente próximo ao arbitrado pela 1ª instância, mas sem se deixar de considerar que as datas a que se reportam tais decisões, sendo que, em situações menos graves e mais recentes, os valores são superiores (veja-se, por exemplo, que em 2023, com quantum doloris grau 5 e dano estético permanente grau 3 foi fixado o montante de 30.000,00€ a título de danos não patrimoniais).
Numa franja do défice funcional permanente situado entre os 39 pontos e 75 pontos, com um quantum doloris entre os graus 3 a 6 numa escala de sete e relativamente a lesados com idades entre os 23 e os 55 anos, encontramos valores que se situam entre os trinta mil e os cento e quarenta mil euros arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo os mais elevados proporcionais à maior gravidade das lesões descritas.
Tendo presente que, estando em causa um critério de equidade e que as indemnizações arbitradas apenas devem ser alteradas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida e atendendo ao sofrimento experimentado pela autora quer aquando da produção das lesões, quer posteriormente, designadamente com as intervenções cirúrgicas, tratamentos, exames, consultas, ao longuíssimo período de convalescença, ao défice funcional permanente de 34 pontos (dano a ponderar apenas na sua vertente não patrimonial), ao quantum doloris de grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, ao longo período de défice funcional parcial, com repercussão nas actividades da vida diária, familiar e social, a repercussão permanente na actividade sexual fixada num grau 4 numa escala de 7 graus, a necessidade futura permanente de medicação, tratamentos e ajuda de tecnologia para superar as limitações anátomo-funcionais, a depressão de que a ré ficou a padecer e a respectiva repercussão na percepção de si própria e no gozo da sua vida pessoal, familiar e social, as perdas relevantes suportadas ao nível da impossibilidade de acompanhamento do crescimento das filhas tal como vinha fazendo até à data do acidente, têm-se, no confronto com os casos supra citados, por desajustados seja o valor arbitrado na decisão recorrida, sejam os apontados pela autora (250 mil euros) e pela ré (75 mil euros), sendo de atribuir, face à gravidade objectiva e relevante dos danos causados à lesada, por equilibrado e equitativo, uma indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros).
Impõe-se, assim, a alteração da decisão recorrida quanto aos valores indemnizatórios atribuídos, no sentido acima expendido.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Quanto ao valor atinente ao dano biológico, o recurso interposto pela autora é improcedente e procede parcialmente o recurso interposto pela ré seguradora; já no que concerne à indemnização pelos danos não patrimoniais, procede parcialmente o recurso da autora e improcede o da ré.
Na 1ª instância a ré foi condenada a pagar €150.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico e 100.000,00€ pelo dano não patrimonial
Com a interposição do seu recurso, a autora/apelante pretendia aumentar os valores atribuídos para 250 mil euros, cada um deles; por sua vez, a ré/apelante pretendia a não atribuição de qualquer valor a título de dano biológico ou a sua redução e a redução da indemnização por dano não patrimonial para 75.000,00€.
O recurso interposto pela autora é parcialmente procedente, dado que se impõe alterar os valores que lhe foram atribuídos a título de indemnização pelo dano biológico (danos futuros) e danos não patrimoniais, tendo aquela obtido um aumento global de 15.000,00. Assim, a autora obteve um decaimento de 94%, sendo responsável pelas custas desta instância de recurso (na vertente de custas de parte) nessa medida.
A ré/apelada, que contra-alegou pugnando pela redução dos valores atribuídos, será responsável na parte proporcional restante.
A ré, com o seu recurso, pretendia a redução da indemnização por dano biológico ou a sua não atribuição, tendo alcançado apenas a redução do valor de 150.000,00€ para 125.000,00€, mas resultando, a final, uma condenação global superior, pelo que será responsável pelas custas (na vertente de custas de parte), na respectiva instância de recurso.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedentes as apelações da autora e da ré seguradora e alterar a decisão recorrida, nos seguintes termos:
a. condenar a ré no pagamento à autora da quantia de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico;
b. condenar a ré no pagamento à autora da quantia de 140.000,00 € (cento e quarenta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
c. manter quanto ao mais a decisão recorrida.
Custas do recurso interposto pela autora a cargo da apelante e da apelada, na proporção de 94% e 6%, respectivamente.
Custas do recurso interposto pela ré a cargo desta.
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Lisboa, 4 de Julho de 2023
Micaela Marisa da Silva Sousa
Alexandra Castro Rocha
Edgar Taborda Lopes
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[1] Adiante designada pela sigla CGD.
[2] Adiante designado pela sigla CPC.
[3] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[4] O requisito fundamental do documento particular é a assinatura manuscrita do seu autor e é desta que emerge a força probatória que a lei confere a esta espécie de documentos – cf. art.º 373º, n.º 1 do Código Civil.
[5] O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo, in Revista Julgar n.º 46, Janeiro-Abril 2022, pág. 266.
[6] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[7] A pensão vitalícia fixada no processo por acidente de trabalho corresponde à redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, por lesão corporal, perturbação funcional ou doença, como resulta dos art.ºs 8º, n.º 1 e 23º, alínea b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro; a indemnização pelo dano biológico visa ressarcir, além da redução da capacidade de ganho, ainda as limitações funcionais do lesado, um dano que vai para além do tempo de vida activa, e o esforço acrescido no exercício das actividades profissionais e pessoais.
[8] In Revista Julgar, n.º 46 Janeiro-Abril 2022.
[9] Tendo o lesado intentado acção de indemnização contra o responsável civil, colocam-se duas hipóteses: 1) ou a entidade patronal/seguradora deduz o incidente de intervenção principal, peticionando aquilo que já pagou ao sinistrado (não podendo, então, o tribunal condenar o responsável a pagar indemnizações sobrepostas simultaneamente ao lesado e à interveniente, repartindo-as logo pelo autor e pelo interveniente activo conforme a medida dos seus direitos); 2) ou, não sendo deduzida intervenção principal pela entidade patronal ou respectiva seguradora e não estando previsto o desconto ou abate da indemnização pelos danos já ressarcidos no foro laboral, terá de reconhecer-se o direito do lesado ao ressarcimento da totalidade do dano sofrido, cabendo a quem satisfez a indemnização laboral a faculdade de, em nova acção movida contra o lesado, obter, em via de regresso, as quantias pecuniárias que hajam implicado duplo ressarcimento do mesmo dano concreto sofrido pelo lesado/sinistrado. Não faria, aliás, sentido que o lesante no acidente de viação se desvinculasse unilateralmente da obrigação a seu cargo de suportar a integralidade da indemnização pelos danos que causou, sem que o verdadeiro titular do interesse protegido - entidade patronal e/ou seguradora - houvesse tomado qualquer iniciativa no sentido de garantir ou assegurar o direito ao reembolso das quantias pagas.
[10] Acessível em
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:6918.16.1T8VNG.P1.S1/.
[11] Acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/184100/.
[12] “O dano biológico tem um rebate patrimonial, enquanto diminuição ou perda do rendimento salarial e, nesse tocante, a indemnização atribuída no foro laboral já o cobre, mas o dano biológico tem outras repercussões que podem considerar-se patrimoniais e não patrimoniais, sendo duas as suas dimensões patrimoniais: uma, a relativa à perda do rendimento salarial, em consequência da incapacidade para o trabalho, indemnização que foi atribuída ao A. em sede de direito laboral, que o não esgotou porquanto não incluiu os danos futuros resultantes da perda da capacidade aquisitiva tout court (e, no caso, demonstrou-se mesmo que o A. tinha uma outra atividade, além de assalariado por conta de outrem), outra, a que resulta da afetação da integridade físico-psíquica, a incapacidade funcional que deve ser indemnizada, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, abrangendo situações em que o lesado esteja inactivo.”
[13] Acessível em
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:448.19.7T8PNF.P1.S1.F4/.
[14] Conforme informação disponível em www.pordata.pt.
[15] Informação disponível no Portal do Instituto Nacional de Estatística em www.ine.pt.