Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
876/11.6YXLSB.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Este é um caso típico em que o titular dum hipotético direito/A. se deixa cair numa longa inércia, susceptível de criar na contraparte/RR. a convicção ou expectativa fundada de que aquele não invocaria a nulidade do contrato estabelecido entre as partes.

II – Devido a essa inércia, pensaram os RR. que a sua posição jurídico-substantiva se encontrava consolidada pelo que a “reviravolta” tardia do A. através da exigência da restituição do sinal anteriormente prestado consubstancia a violação do princípio da confiança.

III - Também ficou provado que não foram os RR. que estiveram na origem da omissão passível de ferir o contrato-promessa de nulidade.

IV – Assim sendo, houve por parte do A., uma utilização abusiva do pedido de nulidade do contrato-promessa em causa.
(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

VC, residente na Av. …, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma, inicialmente, sumária - convertida em ordinária face à dedução de pedido reconvencional pelos demandadoscontra:

- M.M. e mulher, MM, residentes na …,

Pedindo:

1- A prolação de decisão que declare nulo, por vício de forma, o contrato-promessa outorgado entre as partes;

2 - A condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de 15.800 Euros, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa legal e até integral pagamento, valor aquele correspondente ao sinal pago e às rendas por si pagas a terceiro, por outra habitação, até à resolução do litígio.

Alegou, para o efeito e em suma:

- Ter celebrado com os Réus um contrato-promessa de compra e venda por força do qual estes prometeram vender-lhe a fracção autónoma correspondente à residência dos demandados, tendo pago um sinal de 2.500 Euros, além da quantia de 7.700 Euros, a título de reforço de sinal e que os Réus, em Janeiro de 2010, na sua ausência, arrombaram a porta do andar, trocaram a fechadura e ali se instalaram.

Conclui no sentido de tal conduta dos Réus ser reveladora de total falta de interesse na celebração do contrato prometido, tendo-os notificado para esclarecer se o mantinham ou não e que, por tais factos, se viu obrigado a arrendar outra casa, pela qual refere pagar uma renda de 550 Euros mensais, valor que não pagaria se não fora a conduta dos Réus, pugnando pela nulidade do contrato, por falta de reconhecimento notarial das assinaturas dos promitentes.

Contestando vieram os Réus alegar que:

- As quantias alegadamente pagas pelo Autor a título de reforço do sinal foram-no, de acordo com o entre as partes combinado, a título de renda pela ocupação da fracção e, além do mais, uma pretensa falsificação do contrato promessa invocado - por de um constar uma morada do Autor e de outra versão uma segunda morada daquela parte - e que não conseguiram, a partir do seu conhecimento de que o Autor já se teria divorciado -, contactar o demandante para a morada do contrato constante, sendo as cartas devolvidas por alegadamente a rua não existir na localidade.

- Mais alegam que atento o facto de o Autor se encontrar já divorciado lhe remeteram carta a notificá-lo para proceder à marcação da escritura pública, no prazo de 15 dias, sob pena de incumprimento definitivo e que, nada tendo o Autor comunicado, resolveram voltar a entrar na sua residência, pugnando pela improcedência da lide.

- Mais vieram os Réus deduzir pedido reconvencional contra o Autor, no valor de 18.450 Euros, correspondente ao valor que poderiam ter obtido em caso de eventual arrendamento do objecto do contrato desde a ocupação do andar pelo Autor, a uma alegada desvalorização do andar desde 2008 - no valor de 5.000 Euros - e a danos não patrimoniais por si sofridos.

Finalmente os Réus peticionam a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, a fixar ulteriormente.

Replicando veio o Autor manter, no essencial, a posição, pelo mesmo, vertida na petição inicial, explicando a razão da divergência do teor das duas versões do contrato promessa, concluindo pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Procedeu-se à realização de uma Audiência Preliminar, tendo sido elaborado Despacho Saneador e discriminados os factos assentes e os que careciam de prova a produzir, peças em relação às quais não foram apresentadas reclamações.

Autores e Réus juntaram documentos aos autos e arrolaram testemunhas, tendo sido requerido o depoimento de parte da Ré a parte dos factos da Base Instrutória.

Procedeu-se, com estrita observância do formalismo legal, à Audiência de Discussão e Julgamento, tendo sido ordenada a abertura de conclusão com vista à prolação da decisão de facto - quanto à matéria constante da Base Instrutória - e de direito do seguinte teor – parte decisória:

“-…-

Decisão

Em consequência do anteriormente exposto decide-se:

A) Julgar improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolver os demandados, na íntegra, do pedido formulado pelo Autor (por a arguição da nulidade formal do contrato promessa agir em abuso de direito, deduzindo, por isso, pretensão ilegítima e ainda por não verificação dos requisitos legais do enriquecimento sem causa).

B) Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pelos Réus contra o Autor e, consequentemente, absolver o mesmo de tal pedido, na íntegra.

C) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé e, consequentemente, absolver o mesmo de tal pedido.

D) Custas da acção pelo Autor e do pedido reconvencional pelos Réus.

Valor da causa - Fixado a fls. 119 dos autos.

Registe e notifique.

-…-”

Desta sentença veio o A. recorrer, recurso esse que foi admitido com sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1)      O recurso foi interposto da sentença que decidiu "...Julgar improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolver os demandados, na íntegra, do pedido formulado pelo Autor (por a arguição da nulidade formal do contrato promessa agir em abuso de direito, deduzindo, por isso, pretensão ilegítima e ainda por não verificação dos requisitos legais do enriquecimento sem causa)."

2)      O Recorrente considera que, o Tribunal a quo, além de se pronunciar sobre questões que não foram submetidas à sua apreciação, fez uma errada aplicação do direito à matéria assente, pelo que, a sentença constitui uma verdadeira "decisão surpresa" perante o que foi alegado pelas partes.

Senão vejamos:

3)      "D) Da eventual nulidade do acordo outorgado entre as partes e, na afirmativa, quais as respectivas consequências jurídicas" resulta da matéria assente que as assinaturas dos Autor e Réus no contrato-promessa não foram presencialmente reconhecidas.

4)      Pelo que, conforme a Ma Juíza alude e bem, "...segundo a doutrina e jurisprudência, de uma modalidade de invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal - e apenas invocável pelos contraentes mas, quanto ao promitente vendedor apenas no caso de o seu não cumprimento ser imputável ao promitente-comprador...."

5)      Neste caso, foi o ora Recorrente, promitente-comprador que pediu a declaração de nulidade do contrato-promessa com fundamento na falta de reconhecimento presencial das assinaturas e consequente restituição do que foi prestado em cumprimento do negócio nulo, o que, no nosso humilde entendimento, é absolutamente devido.

6)      Aliás, retira-se da própria sentença que "...a omissão dos requisitos de forma legalmente previstos por lei determina a nulidade do contrato analisado – artº220 do C. Civil -, em regra, a tal constatação segue-se, se pedida, a declaração da mesma e a consequente restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do negócio nulo – artº289 do C. Civil."

7) Só assim não sucederia, se a arguição da nulidade pelo promitente-comprador, ora Recorrente, fosse ilegítima, ou seja, se os promitentes-vendedores, ora Recorridos, arguissem (e provassem) que a omissão de tais requisitos era imputável ao promitente-comprador, o que no caso sub judice não ocorreu.

8) Os promitentes-vendedores, ora Recorridos, na própria reconvenção aceitaram a arguida nulidade nos termos em que foi invocada, porém a decisão recorrida foi além do submetido à sua apreciação pelas partes e considerou ilegítima a arguição da nulidade por parte do promitente-comprador, ora Recorrente.

9)Daqui resulta que, apenas o ora Recorrente, promitente-comprador, tinha direito a invocar tal nulidade, a não ser que a omissão lhe pudesse ser imputada - único caso em que poderia ter sido arguida pelos promitentes-vendedores, ora Recorridos, o que não aconteceu, neste sentido o Ac. do STJ, de 05-07-2007, 8J200707050020272, Relator Juiz Conselheiro Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt que refere: "Temos, portanto, na omissão dos requisitos prescritos no nº3 do artº410° do C. Civil, uma invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, e apenas invocável pelos contraentes, mas, quanto ao promitente-vendedor, apenas no caso de a falta ser imputável ao promitente-comprador...".

10) Assim, o teor da própria sentença se afigura descontextualizado, uma vez que, a mesma decisão que defende que um facto, impeditivo do direito do Autor, tem de ser arguido pelos Réus na sua contestação sob pena do seu conhecimento estar vedado ao Tribunal, é a mesma que acaba por, a final, conhecer e decidir sobre esse mesmo facto - vide parágrafos 6.° a 8.° da questão D) levantada na sentença.

11) Pois, o Tribunal a quo, apesar dos Recorridos nunca o terem suscitado, considera que, em sede de audiência, se constatou que a omissão de tais requisitos de forma se ficou a dever a facto imputável ao Recorrente em virtude da redacção do contrato-promessa ter sido preparada por um advogado, a seu pedido.

12) Ora, salvo o devido respeito, tal dedução não nos parece admissível, pois o Recorrente socorreu-se de um advogado para elaborar o contrato, porque não é, ele próprio advogado e, como tal, não tem conhecimentos privilegiados nesse âmbito.

13) E por conseguinte, não podem ser imputadas ao Recorrente as responsabilidades que obrigam aqueles que têm ou deveriam ter conhecimentos específicos sobre as condições de validade de um contrato-promessa.

14) De facto, o Recorrente ao procurar um advogado apenas quis salvaguardar a validade de tal contrato, sendo que apenas tomou conhecimento do vício de forma e correspondente nulidade quando posteriormente recorreu a um outro advogado para exigir o cumprimento desse contrato.

15) E tanto assim é, que o Recorrente cumpriu todas as obrigações a que contratualmente estava obrigado, até ao momento em foi forçado pelos Recorridos a sair do imóvel objecto do referido contrato.

16) Pelo que, não nos parece plausível imputar ao Recorrente qualquer responsabilidade por um facto que este desconhecia, ainda assim, se dúvidas subsistissem, caberia ao Tribunal a quo dirimi-las, ao invés de deduzir a responsabilidade do Recorrente na produção do vício pelo mero facto do contrato-promessa ter sido realizado por um advogado.

17) Mais que não fosse, impunha-se ao Tribunal a quo, para fundamentar o seu juízo de valor, a prova de que, o Recorrente conhecia o vício ab initio e que o tinha produzido com intenção de retirar um proveito de tal invalidade, o que não é de todo aceitável, já que não foi por sua culpa do que a promessa não se concretizou. Afinal, qual foi o seu proveito?

18) Não foi pela actuação do Recorrente que o negócio não se realizou, mas sim pela actuação dos próprios Recorridos que o expulsaram do imóvel prometido, antes de este conhecer tal nulidade.

19) Pelo que, a interpretação que o Tribunal a quo faz da matéria assente representa, salvo o devido respeito, um verdadeiro contra-senso, pois dali resulta evidente que, somente o Recorrente quis concretizar o negócio, sendo, nessa medida, ele sim, o único e verdadeiro prejudicado com vício de forma do contrato-promessa.

20) Pois, não pôde pedir a resolução do contrato por facto imputável aos Recorridos, com direito ao sinal em dobro, o que seria financeiramente mais apetecível, por entretanto, conhecer que o contrato padecia de um vício de forma que, a qualquer momento poderia ser suscitado.

21) Porém, o Tribunal a quo lançou mão de um outro argumento para obstar à declaração de nulidade invocada pelo Recorrente - o facto do comportamento deste ter criado nos Recorridos a convicção de que iria cumprir o contrato, apesar da falta de reconhecimento das assinaturas.

22) O Tribunal a quo entende que, "....O Autor criou nos Réus durante quase quatro anos - atento o facto da acção ter entrado em juízo em Janeiro de 2012 - a convicção de que não iria invocar a nulidade aludida do contrato promessa" concluindo que o Recorrente ao invocar essa mesma nulidade agiu em abuso de direito.

23) Todavia, não pode tal argumento colher. Antes de mais, cumpre esclarecer que: a acção não deu entrada em juízo em Janeiro de 2012, mas sim em 27 de Maio de 2011 (quase um ano antes), por outro lado, desde a celebração do contrato promessa, Março de 2008, até à data em que o Recorrente foi forçado a sair do imóvel prometido (Janeiro de 2010), não mediaram sequer dois anos, muito menos quatro, conforme se refere na douta sentença.

24) Sendo que o argumento nunca poderia colher porquanto, do facto do Recorrente ter cumprido regularmente o contrato durante quase dois anos, não se pode concluir qualquer "intenção oculta", mas unicamente o seu desconhecimento do vício e a sua vontade em cumprir o contrato.

25) Não pode o Tribunal a quo olvidar que foram os Recorridos que, em Janeiro de 2010, mudaram a fechadura da fracção, objecto do aludido contrato, e ali se instalaram, obstando assim ao seu regular cumprimento - vide ponto 14 da matéria assente, alegando, sem razão alguma, que o Recorrente já se encontrava divorciado (condição do contrato-promessa), o que é absolutamente falso.

26) Pois, conforme se infere do ponto 21 da matéria assente, o divórcio do Recorrente só ocorreu em 14/10/2011, quase dois anos após o arrombamento da porta do imóvel prometido, cinco meses após ter dado entrada em juízo a presente acção.

27) Donde resulta que, não foi o comportamento do Recorrente que gerou a quebra contratual, mas sim, a actuação dos Recorridos, uma vez que, o Recorrente sempre quis realizar o contrato definitivo, por isso sempre cumpriu as suas obrigações, encontrando-se, tão-somente a aguardar que o divórcio fosse decretado, condição essa, de cuja verificação dependia a marcação da escritura.

28) Claramente se verifica que foram os Recorridos que frustraram as legítimas expectativas do Recorrente e não inverso, se aqueles não tivessem assumido tal comportamento, este nunca se teria apercebido do vício, porque nunca teria recorrido a um outro advogado para reaver o que prestou, deparando-se inesperadamente e sem justificação, perante o incumprimento de um contrato que afinal era, antes de mais, nulo.

29) E, sendo nulo, não era possível ressuscitá-lo para logo a seguir o resolver, imputando aos Recorridos o incumprimento definitivo por o terem expulsado do imóvel prometido.

30) Razão pela qual, não se afigura, de alguma forma abusiva, quanto mais manifestamente abusiva ou contrária à boa-fé, a arguição de uma nulidade a que o Recorrente não deu azo e, nessa medida, andou maio Tribunal a quo ao decidir conforme o fez, incorrendo claramente em erro na interpretação que fez da prova realizada.

31) Ora, não excedendo os limites impostos pela boa-fé, nunca se poderia entender que o Recorrente tivesse agido com abuso de direito, pelo que não podia o Tribunal a quo ter decidido a questão D) como decidiu, isto é, determinando que a invocação da nulidade pelo Recorrente, lhe está vedada por via do instituto do abuso de direito.

32) Salvo melhor entendimento, é absolutamente inapropriada a aplicação que o Tribunal a quo fez do artº334º do Código Civil ao caso concreto, pois, de nenhum dos factos provados é possível alcançar que o Recorrente quis criar nos Recorridos, uma falsa convicção de que cumpriria o contrato.

33) Assim, conclui-se que a invocação da nulidade por parte do Recorrente é legítima e, nessa sequência, oponível aos Recorridos, pelo que deve a mesma ser declarada, condenando-se estes a restituir aquele tudo o que prestou.

34) Ademais, os exemplos de jurisprudência que o Tribunal a quo traz à colação para fundamentar a sua decisão não são apropriados ao efeito - Acs. do S. T. J. de 29.11.2011 e de 15.5.2007, in www.dqsi.pt - já que não se reportam a situações análogas ou similares. Ora não há que comparar o que não é comparável.

35) Ao contrário da citada jurisprudência, em que os Autores fizeram crer que pretendiam concretizar o negócio prometido, mas sem intenção de o concretizar, in casu, tal intenção nunca existiu, aqui é o Autor, ora Recorrente, que se depara com um incumprimento absolutamente inusitado por parte dos Recorridos.

36) Já o Ac. da R.L. de 15-02-2011, Processo nº 2632/08.0TVLSB.L 1-7, Relatora Juíza Desembargadora Maria Amélia Ribeiro, in www.dqsi.pt refere que: “...nada se tendo provado no sentido de que a A. tivesse contribuído culposamente para a verificação da omissão do referido requisito formal, bem andou o tribunal de primeira instância ao considerar o contrato nulo…-. Porém, já não merece a nossa concordância a sustentada inoponibilidade da nulidade com fundamento em abuso do direito por parte da ...”.

37) Mais se lê o seguinte: "Como é sabido, o abuso de direito consiste no exercício ilegítimo de um direito, em virtude de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art°334º do Código Civil)...Mas não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores ... " (sublinhado nosso).

38) Ora, in casu, é o Recorrente que invoca a nulidade do contrato-promessa, a qual nem sequer foi contestada, sendo manifesto que a mesma não decorre dos autos.

39) Acresce que, o Ac. do S.T.J., de 05-07-2007, SJ200707050020272, Relator Juiz Conselheiro Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt refere ainda que: "Para haver abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium ... terá de, objectivamente, trair o investimento de confiança feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça. Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por factum proprium dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa. "

40) Os Recorridos, ao retirar o Recorrente do imóvel, passando lá a residir, foram eles que destruíram a relação negocial, uma vez que o Recorrente sempre cumpriu o contrato-promessa, prestando tempestivamente o acordado a título de sinal e seus reforços.

41) Quanto a estas quantias, efectivamente ocorreu um lapso quanto ao alegado no artigo 9º da petição inicial, porém tal lapso não gera uma "... dúvida quanto à eventual procedência do pedido de condenação dos Réus a restituírem ao Autor o por eles recebido a título de sinal ... ", conforme se afirma na sentença recorrida.

42) Existem outros elementos juntos aos autos que permitiriam ultrapassar tal equívoco, veja-se: Documento nº 4 junto com a petição inicial (carta enviada aos Réus), cujo teor resulta do ponto 15 matéria assente; Artigo 15º da petição inicial; O próprio pedido da petição inicial onde se requer "B)Serem condenados os RR. no pagamento da quantia de € 8.100,00 (oito mil e cem euros”).

43) Aliás, é próprio Tribunal a quo que no ponto 10 da matéria assente refere "… Pelo menos entre Outubro de 2008 e Janeiro de 2010 e enquanto usou a fracção aludida em 1 -, o Autor pagou aos Réus a quantia mensal de 350 Euros mensais (AL. J) da Matéria Assente)." Ora, considerando que, naquele período medeiam 16 meses e não 14, conforme por lapso se referiu, o mesmo poderia ter sido facilmente corrigido, vide nesse sentido Ac. da R.C., de 01-05-2005, Processo nº 3259/04, Relator Juiz Desembargador Rui Barreiros in www.dgsi.pt onde se refere que "Os erros materiais cometidos pelas partes nos articulados, desde que manifestos são passiveis de rectificação, nos termos do disposto no artigo 667 do CPC, aplicado por analogia."

44) Relativamente à questão "E) Da eventual existência, por parte dos demandados, de um pretenso enriquecimento sem causa à custa do Autor", o Recorrente entende que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não entendeu o pedido por si formulado.

45) O que o Recorrente alegou na causa de pedir foi que, uma vez declarada a nulidade e os Réus obrigados a restituir a quantia de €8100,00, relativos ao sinal e seu reforço e não o tendo efectuado, sempre se deveria entender que estes se tinham locupletado indevidamente com tais quantias e, nessa medida, estaríamos perante a figura do enriquecimento sem causa, de acordo com os artigos 473º e seguintes do Código Civil.

46) Outra questão bem diferente, é o valor de €7.700,00 peticionado a título de indemnização por danos emergentes, pelo facto do Recorrente se ter visto forçado a arrendar um outro imóvel para habitar, em consequência de ter sido expulso pelos Recorridos do imóvel prometido vender.

47) Saliente-se este valor, não foi peticionado a título de enriquecimento sem causa.

48) Em suma, por todas razões enunciadas, crê o Recorrente que, salvo melhor entendimento, a prova produzida nos autos deveria ter conduzido o Tribunal a quo a uma diferente solução.

Termos em que, deverá a sentença objecto do presente recurso ser alterada e substituída por outra que conclua pela declaração de nulidade do contrato-promessa celebrado entre o ora Recorrente e Recorridos e, em consequência, determine a restituição de todas as quantias prestadas por aquele a título de sinal e respectivos reforços, concedendo-se, assim, pleno provimento ao presente recurso fazendo-se JUSTIÇA.

Contra-alegaram os apelados/RR., formulando as seguintes CONCLUSÕES:

A) A douta sentença em apreço deve manter-se no todo posto em crise pela aqui Recorrente.

B) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo, além de se pronunciar sobre questões que não foram submetidas à sua apreciação, fez uma errada aplicação do direito à matéria assente, pelo que, a sentença constitui uma verdadeira "decisão surpresa" perante o que foi alegado pelas partes.

C) Salvo o devido respeito e melhor entendimento, não assiste razão ao ora Recorrente, como adiante se irá demonstrar.

D) A questão do presente recurso prende-se basicamente com a circunstância de ter sido considerado na Douta Sentença que a arguição formal do contrato promessa constitui abuso de direito, atento os factos que resultaram provados e não provados da audiência de discussão e julgamento e demais prova documental junta aos autos.

E) E verdade que não se discute na Douta Sentença nem na presente acção foi posto em causa pelos Recorridos que o contrato de promessa de compra e venda dos autos seja nulo por falta de forma, como efectivamente é (artigos 410° e 220° do Código Civil); nem tão pouco que a nulidade possa ser invocada a todo o tempo e que os autores tenham legitimidade para a arguir (artigo 286° do Código Civil).

F) O que se discute é a actuação do Recorrente com a interposição da presente acção, por considerarem os Recorridos que a actuação do primeiro é reveladora de uma clara e manifesta má fé por parte deste.

G) Com efeito, entendeu a Douta Sentença - e bem, salvo o devido respeito e melhor entendimento - de que nos presentes autos a invocação da nulidade formal do contrato em causa nos autos, constitui abuso de direito, susceptível de paralisar o respectivo direito de invocar a nulidade do contrato.

H) Na verdade, o Tribunal a quo entendeu que a actuação do Recorrente foi objectivamente apta a criar nos Recorridos a "legítima expectativa" de que não iria invocar a nulidade do contrato promessa de compra e venda, pois durante mais de 3 anos nunca procedeu à invocação de qualquer nulidade formal do contrato, a não ser com a interposição da presente acção.

I) Resulta da matéria provada nos autos, que o Recorrente celebrou com o Recorrido marido, seu padrinho e a Recorrente mulher um contrato de promessa em Março de 2008, e que durante entre Outubro de 2008 e Janeiro de 20010 usou a referida fracção (vd. pontos 10 e 32 da fundamentação fáctica a fls. 227 e 229 da Douta Sentença).

J) Resultou ainda provado que desde que o Recorrido saiu da referida fracção em 10 de Janeiro de 2010 e até 27 de Maio de 2011, data em que intentou a presente acção, nunca alegou qualquer nulidade formal do contrato.

K) A própria argumentação do Recorrente cai por terra ao alegar que só teve conhecimento da invalidade formal do contrato quando contratou outro advogado para esse efeito, na sequência da actuação dos Recorridos em Janeiro de 2010.

L) O Recorrente saiu da fracção em causa em Janeiro de 2010 e só decorrido mais de um ano sobre a data da saída do imóvel é que veio a enviar uma carta para os Recorridos junto com a petição inicial a fls. 18 e 19 dos autos, carta essa em que não é sequer alegado qualquer nulidade formal do contrato.

M) Se só quando contratou outro advogado para exigir o cumprimento do contrato como alega no ponto 14 das suas alegações é que se apercebeu que o contrato era nulo, ainda assim, este novo advogado ou advogada não veio desde logo a invocar a sua nulidade, mas apenas em 27 de Maio de 2011, com a interposição da presente acção, 16 meses após a saída do imóvel.

N) Não existe qualquer explicação minimamente aceitável para invocar uma nulidade de um contrato de promessa 16 meses após a saída do imóvel em causa e 3 anos e 2 meses após a celebração do respectivo contrato.

O) Salvo o devido respeito e melhor entendimento, tendo resultado provado que o Recorrente recorreu a um advogado para celebrar o respectivo contrato de promessa de compra e venda (vd. ponto 38 da Douta Setença a fls. 229 dos autos) afigura-se como incompreensível que o Recorrente venha alegar no ponto 12 a 14 das suas alegações que afinal este advogado não conhecia as mais elementares regras legais quanto à celebração de contratos de promessa de compra e venda sobre imóveis, e que esse desconhecimento, não lhe pode ser imputável.

P) Com efeito, a actuação do Recorrente foi objectivamente apta a criar a confiança de que a falta de formalização do contrato não seria invocada pelo autor, aqui Recorrido, acrescentando-se ainda que existiam relações de parentesco entre o Recorrido e o Recorrente, pois o primeiro era padrinho do segundo, relações essas que são geradoras de confiança natural, entre pessoas nas mesmas circunstâncias, confiança essa que até se verificou.

Q) Ora, da prova produzida em julgamento e demais documentação junta aos autos resulta, salvo o devido respeito e melhor entendimento, que arguir a nulidade da contrato significa, sem dúvida, uma actuação contrária à que o Autor e os Réus desenvolveram durante as negociações e na entrega do imóvel ao Recorrente, uma inversão de procedimento que contraria a confiança justificadamente depositada pelo Recorrente e Recorridos na validade do contrato de promessa de compra e venda.

R) Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o modo concreto do exercício de invocar a nulidade do contrato pelo Recorrente apresenta-se ostensivamente contrário "à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico" do direito em causa.

S) Afigura-se como um manifesto abuso de direito alguém celebrar um contrato promessa de compra e venda, usar a fracção pelo menos entre Outubro de 2008 e Janeiro de 2010 privando os seus proprietários, aqui Recorridos de dispor do espaço e em Maio de 2011 vir afinal requer a nulidade do contrato e a devolução do que foi prestado a título de sinal, dezasseis meses após a sua saída do imóvel.

T) Aliás, resultou demonstrado de forma inequívoca nos autos que os Recorridos ficaram seriamente prejudicados com a conduta dos Recorrente (vd. pontos 32 a 37 da Douta Sentença a fls. 229 dos autos).

U) Acresce que, resulta ainda provado nos autos que o Recorrente na data da celebração do contrato de promessa de compra e venda comunicou aos Recorridos que estava prestes a divorciar-se e que por isso a escritura definitiva seria efectuada logo que o divórcio fosse declarado (vd. pontos 29 a 30 da Douta Sentença a fls. 229 dos autos).

V) Conforme resulta provado nos autos e se pode verificar a fls. 21 dos mesmos, no assento de nascimento do Recorrente é referido no averbamento 2 de 22-12-2009, que o divórcio foi decretado por sentença de 26 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2009 (vd. ponto 20 da fundamentação fáctica da Douta Sentença a fls. 228 dos autos).

W) Apesar do Recorrente ter comunicado aos Recorridos que estava prestes a divorciar-se, tal não correspondia à verdade.

X) Aliás, numa atitude claramente abusiva e demonstrativa de má fé na celebração do contrato, o Recorrente veio a recorrer desse mesmo divórcio o que originou que tivesse sido cancelado o averbamento nº 2 do seu assento de nascimento junto com a petição inicial a fls. 21 dos autos.

Y) Conforme se pode verificar pela leitura do mesmo documento a fls. 21 dos autos em 8 de Fevereiro de 2010, veio a ser cancelado o averbamento nº 2 e apenas em 22 de Novembro de 2011 foi averbado ao assento de nascimento do Autor/Recorrente ter o casamento do mesmo sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de Novembro de 2009 da ..Secção do Juízo de …, sentença essa transitada em julgado em Outubro de 2011 (vd. pontos 21 da fundamentação fáctica da Douta Sentença a fls. 21 dos autos).

Z) A sentença do divórcio do Recorrente foi decretada em 9 de Novembro de 2009, mas como este recorreu da referida sentença a mesma só veio a transitar em julgado em Outubro de 2011 (vd. pontos 20 e 21 da fundamentação fáctica da Douta Sentença a fls. 21 dos autos).

AA) Com efeito, a atitude do Recorrente revela manifestamente um claro abuso de direito com violação manifesta e grosseira dos limites impostos pela boa-fé e o fim social e económico do direito em causa (art.334º C.Cv.).

BB) A este propósito pudemos ler, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 24-10-2013 em www.dgsi.pt: "4. As circunstâncias concretas do exercício do direito de invocar a invalidade formal de um negócio jurídico podem, excepcionalmente, conduzir à paralisar desse exercício por abuso de direito. "

CC) O que é manifestamente o presente caso.

DD) Quanto à questão da eventual existência, por parte dos demandados, aqui Recorridos de um pretenso enriquecimento sem causa à custa do Autor, aqui Recorrente, não assiste razão ao ora Recorrente.

EE) Salvo o devido respeito e melhor entendimento o Tribunal a quo, ao contrário do que alega o Recorrente, entendeu perfeitamente o pedido formulado na petição inicial pelo Recorrente, onde refere claramente no seu artigo 37º que caso o Tribunal não entenda considerar o contrato nulo e restituir ao Recorrente tudo o que este prestou, então deverá considerar que os Recorridos locupletaram-se indevidamente com as quantias entregues pelo Recorrente, aplicando-se em última análise o instituto do enriquecimento sem causa.

FF) A argumentação do Tribunal a quo quanto à não existência de qualquer enriquecimento dos Recorridos, sem causa justificativa, não merece qualquer censura.

GG) O mesmo se dirá do valor requerido pelo Recorrente a título de indemnização por danos emergentes, na medida em que a Douta Sentença ao considerar na alínea F (primeiro parágrafo) a fls. 240 dos autos, que a sua pretensão enferma de um vício lógico-jurídico, salvo o devido respeito e melhor entendimento, não merece qualquer censura, pelas razões expostas na mesma.

HH) Destarte, porque assim e conforme o predito, é nosso entendimento que a Douta Sentença não merece qualquer censura, devendo ser mantida integralmente a Douta Sentença recorrida.

Termos estes em que se espera a vossa COSTUMADA JUSTIÇA.

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- Foram dispensados os vistos dos Exmos. Adjuntos.

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APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso temos que:

O recorrente pugna pela revogação da sentença objecto de recurso e pela declaração de nulidade do contrata-promessa celebrado entre as partes.

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I - Apuraram-se os seguintes FACTOS:

1 - Por acordo reduzido a escrito, datado de 4 de Março de 2008 e assinado por Autor e Réus, na qualidade, respectivamente, de promitente-comprador e promitentes vendedores, os Réus declararam prometer vender ao Autor e este declarou prometer comprar-lhes, pelo preço de 90.000 Euros, a fracção autónoma correspondente ao quarto andar letra E do prédio urbano sito na Av. …, concelho de .., descrito na … C. R. Predial de … da mesma freguesia e inscrito na matriz sob o art° … ( AI. A) da Matéria Assente ).

2 - Nos termos do acordo referido em 1 - e na data ali referida, o Autor entregou aos Réus, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.500 Euros (AI. B) da Matéria Assente).

3 - No acordo reduzido a escrito e aludido em 1 - foi feito constar que o Autor reforçaria o sinal aludido em 2 - mensalmente, mediante o pagamento, aos Réus, da quantia mensal de 350 Euros, a pagar a partir do momento em que a fracção autónoma em causa lhe fosse entregue (AI. C) da Matéria Assente).

4 - Nos termos do acordo aludido em 1 - e segs. - a parte restante do preço seria paga no acto da escritura, tendo sido feito constar de tal acordo que a quantia referida em 2 - e os valores mensais pagos aos Réus nos termos aludidos em 3 - também deveriam ser abatidos ao valor referido em 1 - (AI. D) da Matéria Assente).

5 - Autor e Réus acordaram ainda e fizeram constar do acordo referido em 1 e segs. que a data e local da escritura pública seriam fixados pelo promitente-comprador, depois de ter sido decretado o seu divórcio e de ter obtido o empréstimo bancário necessário, devendo o Autor comunicar tal data e local aos Réus, com pelo menos 10 dias de antecedência (AI. E) da Matéria Assente). 

6 - Autor e Réus fizeram ainda constar do acordo aludido em 1 - e segs.- que a escritura pública seria feita ao Autor ou, caso o Autor o achasse conveniente, a sua mãe, … (AI. F) da Matéria Assente).

7 - As assinaturas de Autor e Réus constantes do acordo aludido sob 1 a 6 não foram objecto de reconhecimento presencial dos mesmos, não tendo ainda sido feita constar a certificação da existência de licença de utilização ou construção do prédio (AI. G) da Matéria Assente).

8 - Do acordo aludido em 1 - e segs.- foi junta cópia aos autos quer pelo Autor quer pelos Réus, sendo que quanto à morada do Autor, as cópias juntas aos autos divergem, tendo sido feito constar do documento de fls. 14 a 15 dos autos que tal morada se situava na …enquanto da cópia junta a fls. 68 a 69 consta que a morada do Autor se situava na …. (AI. H) da Matéria Assente).

9 - A fracção autónoma aludida em 1 - foi entregue pelos Réus ao Autor, para este a utilizar, pelo menos em 4 de Outubro de 2008, tendo o Autor passado a usar a fracção pelo menos a partir dessa data (AI. I) da Matéria Assente).

10 - Pelo menos entre Outubro de 2008 e Janeiro de 2010 e enquanto usou a fracção aludida em 1, o Autor pagou aos Réus a quantia de 350 Euros mensais (AI. J) da Matéria Assente).

11 - Por carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Dezembro de 2009, dirigida ao Autor para a morada sita na …., a mandatária dos Réus comunicava, além do mais, que tendo já sido decretado o seu divórcio deveria, no prazo de 15 dias, proceder à marcação da escritura pública para a outorga da compra e venda sob pena de ser considerado o seu incumprimento definitivo, por perda do interesse no negócio (AI. L) da Matéria Assente).

12 - A carta referida em 11 foi devolvida com a menção de que não existia o nome daquela rua na … (AI. M) da Matéria Assente).

13 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 16 de Dezembro de 2009, dirigida ao requerido para “… e que aí foi recebida em 18 de Dezembro de 2009, a mandatária dos Réus enviou ao Autor comunicação idêntica à referida em 11 - (AI. N) da Matéria Assente).

14 - Em Janeiro de 2010, quando o Autor se encontrava em serviço, fora, os Réus mudaram a fechadura da fracção autónoma referida em 1 - e instalaram-se na mesma fracção (AI. O) da Matéria Assente).

15 - Por carta registada dirigida aos Réus para a morada da fracção prometida vender e comprar, carta essa datada de 28 de Fevereiro de 2011, o Autor, além do mais, solicitava aos Réus que o informassem do seu interesse na manutenção do negócio e comunicou-lhes conceder-lhes um prazo de 8 dias para procederem à devolução da quantia de 8.100 Euros ou à devolução do imóvel sob pena de, não o fazendo, se ver obrigado a accionar os mecanismos legais para fazer valer os seus direitos (AI. P) da Matéria Assente).

16 - A carta referida em 15 - foi devolvida com a menção “recusada na morada” (AI. Q) da Matéria Assente).

17 - Antes da carta aludida em 15 - o Autor dirigira aos Réus, para a mesma morada, carta com idêntico teor, registada e com aviso de recepção - datada de 3 de Fevereiro de 2011 -, carta essa que veio devolvida com a menção “avisada" e “objecto não reclamado” (AI. R) da Matéria Assente).

18 - E o Autor remeteu ainda nova carta registada, com teor idêntico ao da aludida em 15, para os Réus, o que fez em 11 de Março de 2011 (AI. S) da Matéria Assente).

19 - O Autor nasceu no dia …, na freguesia de …, concelho de Lisboa e encontra-se registado como filho de … e de … … (AI. T) da Matéria Assente).

20 - O Autor contraiu casamento católico com … em 1 de Setembro de 2001, tendo em ..de Dezembro de .. sido averbado na respectiva certidão de nascimento que o casamento em causa fora dissolvido por divórcio decretado por sentença de .., transitada em julgado em 26 de Novembro de 2009, averbamento esse que foi cancelado por despacho de 8 de Fevereiro de 2010, no âmbito de processo de justificação administrativa n° … da Conservatório do Registo Civil d. .. (AI. U) da Matéria Assente).

21 - Com data de 22 de Novembro de 2011 foi averbado ao assento de nascimento do Autor ter o casamento do mesmo, aludido em T), sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de Novembro de 2009 da … Secção do Juízo de .. …, sentença essa transitada em julgado em 14 de Outubro de 2011 (AI. V) da Matéria Assente, por lapso indicada no despacho saneador como sendo a AI. X) da Matéria Assente, lapso esse de escrita que ora se corrige - ares 613 e 614 do C. P. Civil, na redacção decorrente da Lei n° 4l/20l3, de 26/6 ).

22 - O Autor, após tomar conhecimento do referido em 14, contactou com os Réus e estes deixaram-no retirar todos os seus bens do interior do apartamento em causa, tendo-lhe dado um prazo de 24 horas para o efeito (Resp. ao Qt. 1°).

23 - O Autor teve, na sequência do referido em 14, de arranjar outra habitação (Resp. ao Qt. 2°).

24 - E, para o efeito, o Autor teve de arrendar, com início em Março de 2010, outra casa, sita em …, n° 15 (Resp. aos Qt. 3°).

25 - Pela qual pagou uma renda mensal de 550 Euros pelo menos nos meses de Março de 2010 a Abril de 2011 (Resp. ao Qt. 4°).

26 - O Autor viveu na casa aludida em 24 e 25 durante um período de tempo não concretamente apurado, tendo passado a viver na …, noutra casa arrendada, mais tarde e em momento também não concretamente apurado (Resp. ao Qt. 6°).

27 - A divergência de moradas do Autor referida 8 deveu-se a lapso de escrita (Resp. ao Qt. 7°).

28 - Em momento não concretamente apurado mas situado há cerca de pelo menos dois anos, a Ré telefonou para o local de trabalho do Autor, tendo nessa data pedido para falar com a superiora hierárquica do Autor, a quem contou a versão dela dos acontecimentos relativos ao contrato promessa de compra e venda e não outorga do contrato de compra e venda até então (Resp. aos Qts. 9°) e 10°).

29 - Na data referida em 1 o Autor comunicou aos Réus que estava prestes a divorciar-se (Resp. ao Qt. 11º).

30 - E que, por isso, a escritura definitiva seria efectuada logo que o divórcio fosse declarado (Resp. ao Qt. 12°).

31 - Autor e Réus haviam acordado que a partir do momento em que aquele passasse a usar o andar aludido em 1 - pagaria a quantia mensal de 350 Euros (Resp. ao Qt.14°).

32 - Dada a confiança que tinham no Autor, de quem o Réu é padrinho, os Réus imediatamente após o acordo aludido em 1 a 7 e antes da sua assinatura, nem leram o documento que o reduziu a escrito (Resp. ao Qt. 16°).

33 - À data referida em 1os Réus tinham muita urgência em vender a sua casa (Resp. ao Qt. l7º).

34 - E tal devia-se a terem dificuldades económicas (Resp. ao Qt. 18°).

35 - A ser arrendada a fracção aludida em 1 a 7os Réus obteriam de renda, por tal arrendamento, quantia não concretamente apurada mas situada em valor não inferior a 350 Euros mensais (Resp. ao Qt. 22°).

37 - Na sequência da devolução, aos Réus, das cartas aludidas em 11 a l3 e por os mesmos pensarem que o divórcio do Autor fora decretado por sentença transitada em julgado em 26 de Novembro de 2009, os demandados ficaram angustiados e ou preocupados por a escritura de compra e venda ainda não ter sido efectuada (Resp. aos Qt.s 25º e 26°).

38 - O acordo outorgado entre as partes foi reduzido a escrito por advogado ligado ao Autor e a pedido do mesmo e ou de sua mãe e, após a sua assinatura por Autor e Réus, por alegada existência de um lapso, o Autor pediu ao Réu para assinarem outro documento reduzido a escrito, com o mesmo teor mas com a correcção do lapso, o que os Réus aceitaram e fizeram, assinando outro documento.

39 - O Réu viveu com a mãe do Autor, maritalmente, na casa situada na …, durante cerca de nove a 10 anos e entre ano não concretamente apurado da década de 1980 e ano não concretamente apurado da década de 1990.

Factos não provados

Não se provaram os seguintes factos:

1 - A convicção do tribunal, no que à matéria de facto considerada provada em A) supra concerne, radicou nos seguintes meios de prova:

No que se refere à matéria dos Qts. 1° a 6° no teor dos depoimentos das testemunhas SL, LA, MR e LN, depoimentos que, nesta parte, mereceram total valoração por parte do tribunal por os da mãe do Autor e da sua irmã (respectivamente, LA e SL) terem coincidido com os depoimentos das demais testemunhas referidas e por, inclusivamente, tais depoimentos serem coincidentes com o próprio depoimento de parte da própria Ré, não confessório (quanto ao quesitado facto de terem sido os Réus a retirar, da fracção em causa nos autos, os bens do Autor). Efectivamente, as testemunhas em causa revelaram ter conhecimento directo de tais factos - as duas primeiras supra aludidas por serem, respectivamente, a irmã do Autor e a segunda a mãe do mesmo - e, as demais, por serem conhecidos do Autor e de sua mãe, sendo a testemunha MR mãe de uma terceira pessoa para cuja casa - situada na … - parte dos bens do Autor foram então levados, até que o mesmo tivesse outra casa para onde os levar. Por seu turno, a testemunha LN revelou ser amigo do Autor e ter auxiliado a retirar os bens do Autor da fracção autónoma em causa nos autos e a levá-los para a casa situada na MM e atrás referida, sendo assim os depoimentos em causa perfeitamente lógicos e encadeados entre si de forma absolutamente consistente; Relativamente à Resp. ao Qt. 4° a convicção radicou no teor dos documentos de fls. 25 a 29, além de nos depoimentos das testemunhas MM, LA, MR e LN, pelas razões já esclarecidas supra.

No que toca à matéria das respostas aos Qts. 7°, 11º a 12°, 14° e 16° - no teor do depoimento das testemunhas MM (Qt. 7°) e LA (Qt. 7°), nesta parte coincidentes com o depoimento da própria Ré, que referiu expressamente a redacção e assinatura de um novo exemplar do acordo outorgado entre as partes, devido à existência de um lapso, segundo o Autor e, quanto aos demais quesitos, no teor do próprio depoimento da Ré, conjugado com o teor do contrato promessa de fls. 68 a 69 dos autos;

No que toca à matéria dos Qts. 17º a 18° - no teor dos depoimentos das testemunhas MB e MA (quanto ao Qt. 17°), depoimentos esses que, nessa parte, o tribunal considerou credíveis por a primeira testemunha ser sogra da filha da Ré e a segunda testemunha ser filha da demandada, inexistindo quanto aos factos em causa qualquer eventual razão que pudesse pôr em crise os aludidos depoimentos, por eventual parcialidade. Com efeito, nesta parte, não se vê que os depoimentos referidos pudessem encontrar-se feridos de dúvida, dada a convicção na sua prestação, apesar do relacionamento das testemunhas com a demandada uma vez que, desde logo, não se consegue descortinar que o facto em si pudesse ser ou seja vantajoso para os Réus, atentos os termos da questão jurídica submetida a juízo. Por outro lado, foi patente uma aparente situação de fragilidade económica da demandada em sede de audiência de discussão e julgamento, aliás confirmada pelo facto de aos Réus ter sido concedido o benefício do apoio judiciário com vista à sua defesa nestes autos, o que é revelador, no mínimo, de alguma carência económica ou, pelo menos, da não prova do inverso, apesar de os momentos temporais (de concessão do benefício aludido e das pretensas dificuldades económicas dos Réus à data da outorga do contrato promessa) serem diferentes;

No que se refere à matéria dos Qts. 22° e 23º a 26° no teor dos depoimentos das testemunhas IC, M B, MA e SM, as quais foram consistentes ao referir, quanto ao Qt. 22°, que o valor praticado no local, a titulo de renda, por um andar com aquelas características até se situaria em valores ligeiramente superiores e até cerca dos 500 Euros e ainda no teor do próprio contrato outorgado entre as partes. É que tendo o Autor ficado a pagar aos Réus, após começar a utilizar a fracção autónoma em causa nos autos e objecto do contrato em análise, uma quantia mensal de 350 Euros (embora a abater no valor do preço da compra e venda prometida celebrar), crê-se que seria perfeitamente razoável a obtenção daquele valor de renda se os Réus tivessem outorgado contrato de arrendamento da sua fracção a terceiros - em vez do contrato promessa -, até tendo em conta que as testemunhas referiram que a fracção autónoma tinha três assoalhadas;

Também para as respostas aos demais quesitos foram determinantes os depoimentos das testemunhas referidas supra, pelas razões já apontadas em c) - quanto a MB e MA - e o da testemunha SM, por ser sobrinha do Réu e se ter apercebido da preocupação dos demandados quanto ao cumprimento do contrato promessa e, por último, no depoimento da testemunha arrolada pelo Autor, IC, superiora hierárquica do demandante e que referiu que no telefonema - aludido em 28 - supra dos factos dados como provados - a Ré lhe pareceu perturbada com a situação que se prendia com o contrato promessa dos autos e, a prova dos factos supra discriminados em 38 - e 39 - decorreu, quanto ao primeiro, de se tratar de factos instrumentais à decisão (art???, n° 2, al. a) do C. P. Civil, na versão decorrente da Lei n° 4l/20l3, de 26/6) e do depoimento da testemunha LA - que referiu que o contrato foi preparado por advogado -, conjugado com o depoimento da própria demandada que, embora parcialmente não confessório, se entende credível, nesta parte, quando conjugado com o depoimento da aludida testemunha.

Quanto ao segundo facto: de o Réu ter vivido vários anos com a mãe do Autor, na morada indicada como sendo a do Autor a fls. 14 a 15 dos autos - no depoimento quer da própria Ré quer das testemunhas LA, MM, MA e SM, testemunhas essas que referiram expressamente tal relação antiga entre o demandado e a testemunha LA.

2 - Por seu turno, quanto à não prova dos factos constantes dos Qts. 8°, l3º, 15º e 16°.

- A sua não prova decorreu da circunstância de nenhuma das testemunhas inquiridas e arroladas pelos Réus ter conhecimento quer de alguma alteração introduzida pelo Autor no texto do contrato após a assinatura das duas versões do escritas do mesmo e constantes dos autos nem terem assistido às negociações do acordo, sabendo, sobre as suas cláusulas, apenas o que os Réus lhes disseram.

Diga-se, aliás, que o depoimento de parte da Ré não pode ser considerado como elemento bastante para a prova do Qt.???, porquanto, nessa parte, o seu depoimento não lhe foi desfavorável, atento o teor do artº 352 do C. Civil e, quanto ao Qt. 16°, foi o mesmo considerado provado com base no depoimento da própria demandada, que permitiu perceber que os Réus nem leram, antes de assinar, o teor da primeira versão escrita do contrato.

Por seu turno, no que toca à não prova dos Qts. 19° a 21° e 23° a 24° da Base Instrutória, a mesma decorreu do facto de as testemunhas que depuseram sobre outras hipóteses de negócio dos Réus para venda da fracção autónoma em causa nos autos terem referido saber apenas que os demandados lhes disseram que tinham previsto vender a fracção a um vizinho e que o não fizeram para celebrar o negócio com o Autor, sendo tais depoimentos, salvo o devido respeito, insuficientes para a prova de semelhante facto.

Com efeito, não foi junto qualquer documento quanto a tal hipótese de venda a um terceiro nem esse terceiro foi inquirido em sede de discussão e julgamento, por não ter sido arrolado nem identificado pelos próprios demandados, sendo assim o alegado facto pouco crível, até por a testemunha SM ter referido que a fracção autónoma em causa no processo foi vendida recentemente pelos Réus, o que se não coaduna com a existência de outras propostas de negócio e a pretensa facilidade de venda do bem, pelos Réus, não fora o comportamento do demandante.

Também quanto à alegada desvalorização do imóvel em cerca de 5.000 Euros se entendeu não serem meros depoimentos testemunhais suficientes para a prova de tal facto, antes sendo necessária uma avaliação que não foi requerida, exigência que se crê ser essencial até por ser do domínio público que, em Portugal, os imóveis têm vindo a sofrer desvalorização, em termos de mercado, sendo, no entanto, valorizados pela Autoridade Tributária, o que determina uma clara dúvida sobre o seu efectivo valor.

Na parte relativa aos Qts. 23° e 24°, a não prova de tais factos decorreu da circunstância de em momento algum os Réus terem junto aos autos o teor da carta aludida, alegadamente expedida pelos mesmos ao Autor e a que se referem fls. 70 a 72 dos autos, a que os Qts. referidos se remetiam - ver art° 10° da contestação -, não podendo dizer-se terem os mesmos remetido, por isso, tal correspondência ou que no interior dos envelopes houvesse qualquer correspondência, cujo teor é desconhecido.

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II - O DIREITO

Importa, previamente, esclarecer que, a sentença recorrida transitou em julgado no que respeita à contra-acção e à inexistência de litigância de má fé por parte do A..

Quanto à acção propriamente dita discute-se neste recurso o pedido de declaração de nulidade do contrato-promessa deduzido pelo A. por não ter havido reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores desse contrato.

Sobre este ponto escreveu-se na sentença que se está a sindicar:

“-…-

Da natureza jurídica do acordo celebrado entre Autor e Réus e respectivo regime legal

Atento o teor dos factos dados como provados e elencados em III -, 1 - a 7 - e 9 - a 10 - patenteia-se que entre o Autor e os Réus foi celebrado, respectivamente na qualidade de promitente comprador e de promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda de um bem imóvel e, mais concretamente, de uma fracção autónoma sita na Av..

Efectivamente, atento o teor dos factos referidos supra, é patente a recondução do acordo em questão ao teor da previsão legal do art°410 do C. Civil, sendo que no que toca à forma de tal contrato promessa de compra e venda de fracção autónoma de um edifício construído ou a construir tem o mesmo de ser reduzido a escrito, assinado pelos promitentes, assinaturas essas reconhecidas presencialmente, devendo a entidade que efectua tal reconhecimento certificar a existência de construção ou de utilização.

Por outro lado e nos termos do n° 3 do aludido artº410 do C. Civil, a omissão do reconhecimento presencial das assinaturas do ou dos promitentes e da certificação da licença de construção ou utilização apenas pode ser invocada pelo promitente que prometeu alienar ou transmitir o bem em causa se o não cumprimento de tais requisitos tiver sido culposamente causada pela outra parte (o promitente comprador).

O contrato promessa tem, por outro lado, um regime específico quer quanto à qualificação jurídica de prestações efectuadas por uma das partes - em regra o promitente-comprador - quer quanto às consequências do respectivo incumprimento.

Com efeito, no que toca à qualificação das prestações efectuadas por uma das partes, prevê o art°441 do C. Civil, quanto a este tipo contratual, que no mesmo se presume ter carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

Por seu turno e no que concerne às consequências jurídicas do incumprimento de um contrato promessa prevê o artº442 do C. Civil que se quem deixar de cumprir for a parte que constituiu o sinal a parte cumpridora tem o direito de fazer sua a coisa entregue e que se o incumprimento for imputável à parte que recebeu o sinal, a parte que o prestou tem o direito de exigir a restituição do dobro do prestado e ou o seu valor ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, em caso de tradição da coisa, nos termos do n° 2 do aludido preceito legal.

Não obstante, estipula ainda o preceito legal citado - art°442 do C. Civil - a faculdade de o promitente cumpridor exigir a execução especifica do contrato, nos termos do artº830 do mesmo diploma legal e que, na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro do mesmo ou aumento do valor da coisa ou direito à data do não cumprimento.

Como é evidente, a hipótese de recurso à execução específica existe apenas em caso de mera mora (incumprimento lato sensu) e não de incumprimento stricto sensu do contrato, designadamente por venda a terceiro.

Da indagação da natureza dos pagamentos feitos pelo Autor aos Réus na sequência de tal acordo

Atento o regime legal do contrato promessa atrás exposto no que concerne à natureza das prestações ou pagamentos feitos pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, é evidente que os pagamentos mensais feitos pelo Autor aos Réus a partir da entrega, por estes àquele, da fracção prometida vender e comprar têm a natureza de sinal, com a necessidade de abatimento do respectivo montante ao preço acordado entre as partes - cfr. III -,9 - e 10.

É que, atento o teor da presunção do artº441 do C. Civil, era aos demandados que cumpria ilidir tal prova, ou seja, provar que as quantias mensais pagas pelo demandante aos mesmos - a partir do momento em que aquele passou a ocupar a fracção autónoma em causa nos autos - era devida a título de renda, por força dos artºs. 349 e 350 do C. Civil, ónus esse que os demandados não cumpriram.

Ora, não tendo cumprido tal ónus (ver supra III -, B), quanto à Resp. ao Qt.??? ), mantém-se a natureza presumida de sinal dos pagamentos mensais em causa e aludidos em III -, 10 -.

Da eventual nulidade do acordo outorgado entre as partes e, na afirmativa, quais as respectivas consequências jurídicas

Face ao exposto em B) supra quanto à forma a que deve obedecer o contrato promessa de compra e venda de um edifício - construído ou a construir - e ou de uma sua fracção autónoma, veio o Autor pedir a declaração da nulidade do contrato promessa de compra e venda por si celebrado com os Réus e a consequente restituição do sinal por si pago aos demandados uma vez que a omissão dos requisitos do artº 410, n° 3 do C. Civil é patente, no caso dos autos.

Efectivamente, resulta claro dos factos dados como provados que as assinaturas de Autor e Réus no contrato promessa invocado nos autos não foram reconhecidas presencialmente e que também não foi certificada - pela entidade que deveria proceder a tal reconhecimento - a existência de licença de utilização e ou de construção, omissão de requisitos determinante, segundo a doutrina e jurisprudência, de uma modalidade de invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal - e apenas invocável pelos contraentes mas, quanto ao promitente vendedor apenas no caso de o seu não cumprimento ser imputável ao promitente comprador - neste sentido ver Ac. do S. T. J. de 22.10.2009, in www.dgsi.pt.

Sendo certo que a omissão dos requisitos de forma legalmente previstos por lei determina a nulidade do contrato analisado – artº 220 do C. Civil -, em regra, a tal constatação segue-se, se pedida, a declaração da mesma e a consequente restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do negócio nulo - art° 289 do C. Civil.

Será, porém que assim é, no caso concreto?

Veja-se que os Réus, promitentes vendedores, não vieram arguir que a omissao de tais requisitos tivesse sido imputável ao Autor mas a verdade é que, em sede de audiência de discussão e julgamento resultou apurado que a redacção do contrato promessa em análise foi preparada por advogado, a pedido do demandante - cfr. III -,38 -.

Poderá, assim, dizer-se que a omissão dos requisitos em causa foi imputável ao promitente vendedor e dessa circunstância se conhecer?

Não nos parece.

É que, na verdade, semelhante facto, por impeditivo do direito do Autor, teria de ter sido arguido pelos Réus na sua contestação e tal não se verificou, sendo certo que toda a defesa deve ser arguida na contestação, apenas sendo arguíveis em momento posterior os factos - exceptivos - supervenientes, o que não é o caso – artºs.573 e 574 do C. P. Civil, na redacção decorrente da Lei n° 4l/20l3, de 26/6 e anteriores redacção dos art°s.489 e 490 do mesmo diploma legal.

A dúvida quanto à eventual procedência do pedido de condenação dos Réus a restituírem ao Autor o por eles recebido a título de sinal decorre, desde logo, de um lapso do Autor quanto ao valor desse pedido.

É que, ao contrário do alegado pelo Autor no artº 9° da sua petição inicial, a quantia mensal pelo mesmo paga a título de sinal durante pelo menos 14 meses de ocupação da fracção prometida vender perfaz o valor de 4.900 Euros e não a de 7.700 Euros.

Por outro lado, impõe-se não esquecer que o Autor, desde Março de 2008 e até à propositura desta acção nunca demonstrou, pela sua conduta, entender que o contrato não era válido por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, antes tendo, desde logo, ocupado o imóvel, na sequência do contrato, até Janeiro de 2010, ou seja, durante cerca de 14 meses e, nesse período, efectuou os pagamentos mensais previstos no contrato, de 350 Euros - cfr. III -,9 - a 10 -.

Por outro lado, a verdade é que o Autor - mais de um ano volvido sobre a reocupação, pelos Réus, da fracção prometida vender -, enviou aos demandados uma carta a indagar do seu eventual interesse no negócio e dando-lhes um prazo de 8 dias para restituir o sinal (que referia como sendo de 8.100 Euros quando era de 7.400 Euros - 2.500 + 4.900) ou devolver a fracção autónoma prometida vender, mantendo, assim uma postura de não invocação da nulidade formal aludida supra - cfr. III -, 15 - a 18 -.

Cumpre referir, quanto a tal interpelação feita pelo Autor, ter a mesma produzido os seus efeitos uma vez que a circunstância de as cartas não terem sido recebidas se deveu aos próprios destinatários, ora demandados, atento o teor do artº224, n° 2 do C. Civil.

Ou seja, tendo em consideração o supra referido, o Autor criou nos Réus, durante quase quatro anos - atento o facto de a acção ter entrado em juízo em Janeiro de 2012 - a convicção de que não iria invocar a nulidade aludida do contrato promessa.

Ora, se é certo que o demandante teria, à partida, o direito a ser restituído dos valores por si pagos a título de sinal aos Réus - por força da omissão formal dos requisitos do contrato promessa em causa.

Não é menos certo, porém, que se entende que a sua conduta, ao longo dos quatro anos subsequentes à outorga do contrato promessa, criou nos demandados a convicção de que não invocaria a nulidade do negócio, razão pela qual se entende ser manifestamente abusiva, por contrária à boa-fé, a arguição da mencionada nulidade, por subsunção à figura do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium - ver art° 334 do C. Civil.

Aliás, em sentido idêntico ao ora defendido ver Acs. do S. T. J. de 29.ll.2011 e de 15.5.2007, in www.dgsi.pt.

Acrescente-se ainda que, in casu, existiam relações semelhantes ao parentesco entre o Réu e o Autor, geradoras de confiança natural entre pessoas nas mesmas circunstâncias, confiança que até se verificou, no caso concreto - cfr. III -,32 -.

Concluindo este tribunal, como aludido supra, pela existência de abuso de direito do Autor, é evidente que a propositura, pelo mesmo, da acção, arguindo a nulidade formal do contrato, é ilegítima e que, por isso mesmo, o seu pedido de restituição do prestado aos Réus a título de sinal (7.400 Euros) deve improceder, sem necessidade de mais considerações, o que se decidirá a final.

-…-”

- Quid juris?

Dispõe o nº 3 do artº410º do CC (regime aplicável ao contrato-promessa) que:

“No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o promitente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte”.

Sabemos que na versão originária deste normativo legal, a omissão destes requisitos só era invocável pelo promitente-vendedor no caso de ter sido o promitente-comprador quem, directamente, lhe deu causa.

Contudo e como se constata da actual redacção da lei supra enunciada, o promitente da transmissão ou constituição do direito real pode invocar a omissão destes requisitos, quando a mesma tenha sido causada culposamente pela outra parte.

Apesar dessa evolução legislativa deve ficar claro que, a ratio do preceito legal em estudo - nº 3 do artº410º do CC – é fundamentalmente a protecção do promitente-comprador, como parte sociologicamente mais fraca do tipo de negócio em causa e que deve ser encarado como consumidor – neste sentido, Calvão da Silva Calvão da Silva, in, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., pags.70 e 71)

A nível jurisprudencial ficou esclarecido que, a omissão dos requisitos referidos no nº 3 do artº410º do CC não pode ser invocada por terceiros, nem oficiosamente conhecida e declarada pelo tribunal, o que não acontece com a denominada nulidade pura - Assentos 15/94 de 28-6 e 15/95 de 1-2.

Devemos, por isso, qualificar a omissão em análise de nulidade atípica.

No caso concreto discute-se se houve, ou não, uma utilização abusiva do pedido de nulidade do contrato-promessa firmado entre as partes e que padece dessa mencionada omissão.

Dispõe o artº334º do CC (abuso de direito) que:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.  

O abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.

O conceito de boa-fé tem ínsito um comportamento coerente e com sentido ético susceptível de gerar, entre os contratantes, um clima de confiança.

Como ensina Menezes Cordeiro, “a aplicação do abuso de direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos, salvo a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Verificados tais pressupostos, o abuso de direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é nesse sentido, de conhecimento oficioso. O Tribunal pode, por si em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica. Além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas da pates”in, “Litigância de Má Fé Abuso de Direito de Acção e Culpa in Agendo”, pag.77.

Provou-se, com interesse para a boa decisão deste recurso, que:

“-…-

- Por acordo reduzido a escrito, datado de 4 de Março de 2008 e assinado por Autor e Réus, na qualidade, respectivamente, de promitente-comprador e promitentes vendedores, os Réus declararam prometer vender ao Autor e este declarou prometer comprar-lhes, pelo preço de 90.000 Euros, a fracção autónoma correspondente ao quarto andar letra E do prédio urbano sito na Av. …, freguesia de .., concelho de .., descrito na … Predial .. sob o n-.. da mesma freguesia e inscrito na matriz sob o art°… ( AI. A) da Matéria Assente ).

- Nos termos do acordo referido em 1 - e na data ali referida, o Autor entregou aos Réus, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.500 Euros (AI. B) da Matéria Assente).

- No acordo reduzido a escrito e aludido em 1 - foi feito constar que o Autor reforçaria o sinal aludido em 2 - mensalmente, mediante o pagamento, aos Réus, da quantia mensal de 350 Euros, a pagar a partir do momento em que a fracção autónoma em causa lhe fosse entregue (AI. C) da Matéria Assente).

- Autor e Réus acordaram ainda e fizeram constar do acordo referido em 1 e segs. que a data e local da escritura pública seriam fixados pelo promitente-comprador, depois de ter sido decretado o seu divórcio e de ter obtido o empréstimo bancário necessário, devendo o Autor comunicar tal data e local aos Réus, com pelo menos 10 dias de antecedência (AI. E) da Matéria Assente).

- As assinaturas de Autor e Réus constantes do acordo aludido sob 1 a 6 não foram objecto de reconhecimento presencial dos mesmos, não tendo ainda sido feita constar a certificação da existência de licença de utilização ou construção do prédio (AI. G) da Matéria Assente).

- A fracção autónoma aludida em 1 - foi entregue pelos Réus ao Autor, para este a utilizar, pelo menos em 4 de Outubro de 2008, tendo o Autor passado a usar a fracção pelo menos a partir dessa data (AI. I) da Matéria Assente).

- Pelo menos entre Outubro de 2008 e Janeiro de 2010 e enquanto usou a fracção aludida em 1, o Autor pagou aos Réus a quantia de 350 Euros mensais (AI. J) da Matéria Assente).

- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Dezembro de 2009, dirigida ao Autor para a morada sita na Praça …, a mandatária dos Réus comunicava, além do mais, que tendo já sido decretado o seu divórcio deveria, no prazo de 15 dias, proceder à marcação da escritura pública para a outorga da compra e venda sob pena de ser considerado o seu incumprimento definitivo, por perda do interesse no negócio (AI. L) da Matéria Assente).

- Por carta registada com aviso de recepção datada de 16 de Dezembro de 2009, dirigida ao requerido para “Instalações ..”, Praceta … e que aí foi recebida em 18 de Dezembro de 2009, a mandatária dos Réus enviou ao Autor comunicação idêntica à referida em 11 - (AI. N) da Matéria Assente).

- Em Janeiro de 2010, quando o Autor se encontrava em serviço, fora, os Réus mudaram a fechadura da fracção autónoma referida em 1 - e instalaram-se na mesma fracção (AI. O) da Matéria Assente).

- Por carta registada dirigida aos Réus para a morada da fracção prometida vender e comprar, carta essa datada de 28 de Fevereiro de 2011, o Autor, além do mais, solicitava aos Réus que o informassem do seu interesse na manutenção do negócio e comunicou-lhes conceder-lhes um prazo de 8 dias para procederem à devolução da quantia de 8.100 Euros ou à devolução do imóvel sob pena de, não o fazendo, se ver obrigado a accionar os mecanismos legais para fazer valer os seus direitos (AI. P) da Matéria Assente).

- Antes da carta aludida em 15 - o Autor dirigira aos Réus, para a mesma morada, carta com idêntico teor, registada e com aviso de recepção - datada de 3 de Fevereiro de 2011 -, carta essa que veio devolvida com a menção “avisada" e “objecto não reclamado” (AI. R) da Matéria Assente).

- E o Autor remeteu ainda nova carta registada, com teor idêntico ao da aludida em 15, para os Réus, o que fez em 11 de Março de 2011 (AI. S) da Matéria Assente).

- O Autor contraiu casamento católico com AC em 1 de Setembro de 2001, tendo em 22 de Dezembro de 2009 sido averbado na respectiva certidão de nascimento que o casamento em causa fora dissolvido por divórcio decretado por sentença de 26 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2009, averbamento esse que foi cancelado por despacho de 8 de Fevereiro de 2010, no âmbito de processo de justificação administrativa n° … da Conservatório do Registo Civil d... (AI. U) da Matéria Assente).

- O Autor, após tomar conhecimento do referido em 14, contactou com os Réus e estes deixaram-no retirar todos os seus bens do interior do apartamento em causa, tendo-lhe dado um prazo de 24 horas para o efeito (Resp. ao Qt. 1°).

- A divergência de moradas do Autor referida 8 deveu-se a lapso de escrita (Resp. ao Qt. 7°).

- Em momento não concretamente apurado mas situado há cerca de pelo menos dois anos, a Ré telefonou para o local de trabalho do Autor, tendo nessa data pedido para falar com a superiora hierárquica do Autor, a quem contou a versão dela dos acontecimentos relativos ao contrato promessa de compra e venda e não outorga do contrato de compra e venda até então (Resp. aos Qts. 9°) e 10°).

- Na data referida em 1 o Autor comunicou aos Réus que estava prestes a divorciar-se (Resp. ao Qt. 11º).

- E que, por isso, a escritura definitiva seria efectuada logo que o divórcio fosse declarado (Resp. ao Qt. 12°).

- Autor e Réus haviam acordado que a partir do momento em que aquele passasse a usar o andar aludido em 1 - pagaria a quantia mensal de 350 Euros (Resp. ao Qt.14°).

- Dada a confiança que tinham no Autor, de quem o Réu é padrinho, os Réus imediatamente após o acordo aludido em 1 a 7 e antes da sua assinatura, nem leram o documento que o reduziu a escrito (Resp. ao Qt. 16°).

- À data referida em 1os Réus tinham muita urgência em vender a sua casa (Resp. ao Qt. l7º).

- E tal devia-se a terem dificuldades económicas (Resp. ao Qt. 18°).

- Na sequência da devolução, aos Réus, das cartas aludidas em 11 a l3 e por os mesmos pensarem que o divórcio do Autor fora decretado por sentença transitada em julgado em 26 de Novembro de 2009, os demandados ficaram angustiados e ou preocupados por a escritura de compra e venda ainda não ter sido efectuada (Resp. aos Qt.s 25º e 26°).

- O acordo outorgado entre as partes foi reduzido a escrito por advogado ligado ao Autor e a pedido do mesmo e ou de sua mãe e, após a sua assinatura por Autor e Réus, por alegada existência de um lapso, o Autor pediu ao Réu para assinarem outro documento reduzido a escrito, com o mesmo teor mas com a correcção do lapso, o que os Réus aceitaram e fizeram, assinando outro documento.

- O Réu viveu com a mãe do Autor, maritalmente, na casa situada na …, durante cerca de nove a 10 anos e entre ano não concretamente apurado da década de 1980 e ano não concretamente apurado da década de 1990.

-…-”

Ora, esta factualidade permite concluir como o Tribunal recorrido pelo uso ilegítimo do direito de invocar a nulidade do contrato-promessa em causa.

Senão vejamos.

Os pressupostos fácticos decisivos que apontam para o abuso de direito são:

- A reacção do A. à reocupação do fracção dos RR. ocorreu mais dum ano depois daquele acontecimento.

- Os documentos comprovativos do acordado contrato-promessa assinado por A. e RR. foram elaborados “por advogado ligado ao A. e a peido do mesmo e ou de sua mãe”.

O abuso do direito pressupõe um excesso ou desrespeito dos respectivos limites axiológico-materiais, traduzido na violação qualificada do princípio da confiança – vide, Castanheira Neves, in, “Questão de Facto e Questão de Direito” -, pag. 526, nota 46.

E como refere Galvão Teles para que tal aconteça, não se torna necessário que o agente tenha consciência do carácter abusivo do seu procedimento, bastando que este o seja na realidade – in, Direito das Obrigações, pag. 6.

É a intitulada concepção objectiva do abuso de direito adoptada pelo nosso Legislador.

Este é um caso típico em que o titular dum hipotético direito/A. se deixa cair numa longa inércia, susceptível de criar na contraparte/RR. a convicção ou expectativa fundada de que esse direito não mais será exercido.

Pensaram os RR. que a sua posição jurídico-substantiva se encontrava consolidada pelo que a “reviravolta” tardia do A. através da exigência da restituição do sinal anteriormente prestado consubstancia a violação do princípio da confiança, que a doutrina sintetiza na máxima - venire contra factum proprium/supressio - para mais desenvolvimentos sobre este tema, cfr. Baptista Machado, in, “Tutela de Confiança” - RLJ, Anos 117º e 118º, pags.322 e 323 e 171 e 172, respectivamente; e a nível jurisprudencial por todos, o Acordão do STJ de, 12-11-2013, exarado no pº1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, publicitado, in, www.dgsi.pt.

Acresce que, in casu, também ficou provado que não foram os RR. que estiveram na origem da omissão passível de ferir o contrato-promessa de nulidade.

Como assinalámos supra, a norma infringida tem, fundamentalmente, como escopo, a protecção do promitente-comprador enquanto consumidor, posição aqui ocupada pelo A..

Contudo, essa razão de ser da norma não se verifica no caso vertente, em que foi o mesmo A. quem controlou a feitura do contrato recorrendo a um advogado seu conhecido ou de sua mãe.

Uma última palavra para dizer que a figura do abuso de direito não colide com os institutos da prescrição ou da caducidade, pois, como explica Castanheira Neves na obra citada: “o abuso do direito constitui assim um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular que são ultrapassados”.

Tudo visto, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida.

DECISÃO:

- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente apelação e consequentemente, mantêm o decidido pelo Tribunal a quo.

- Custas pela apelante.

                                         Lisboa, 21-10-2014

                            Relator: Afonso Henrique C. Ferreira

                            1º Adjunto: Rui Manuel Torres Vouga

                            2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa