Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
181/20.7PCSNT.L1-5
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
COMPATIBILIZAÇÃO COM RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Apesar de, a aplicação de uma pena acessória, pressupor a condenação numa pena principal, não se basta com esta, pois a sua aplicação depende do preenchimento de diferentes requisitos, relacionados com a execução do crime, com a culpa do agente, sendo que nem todas as situações reclamam a aplicação destas penas, mas apenas os casos mais graves e desse entendimento se deu nota na sentença recorrida, ao afirmar-se como “inegável o carácter não automático da aplicação de quaisquer penas acessórias”.
“À aplicação de uma pena acessória, tal como como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal.
Na fundamentação utilizada, não se deteve o Tribunal a quo na explanação acerca das consequências que da aplicação dessa pena acessória decorrem para o modo de cumprimento dos deveres parentais que recaem sobre o condenado. Nem tinha, na verdade, que o fazer, tendo em conta o objeto do processo criminal em que a decisão condenatória foi proferida.
A regulação dos deveres parentais, tal como estará atualmente desenhada nos termos da sentença proferida pelo Tribunal de Família e Menores, não impõe a ocorrência de contactos entre os dois progenitores da criança. As regras definidas são perfeitamente compatíveis com a intermediação de familiares ou outras pessoas de confiança que, sendo solicitadas, farão a ponte necessária a garantir que as necessidades do menor são satisfeitas, sem ocorrência de contactos entre os progenitores. Entre essas necessidades do menor, está a de contactar com o progenitor e manter os laços afetivos com o mesmo. Mas a satisfação dessa necessidade não passa, nem pode passar, pelo esvaziamento da pena acessória imposta, em termos tais que impeçam a obtenção dos fins almejados com a aplicação da pena acessória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – relatório
1. No Juízo Local Criminal de ...... (Juiz ......), o arguido AA com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal singular, após acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), nº 4 e nº 5, do Código Penal, e 82º-A do Código de Processo Penal
2. Por sentença de 15 de julho de 2021, foi decidido:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
A. Condenar o arguido AA, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão;
B. Suspender a execução da pena de prisão pelo período 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, aplicada ao arguido, subordinada a regime de prova, a delinear pela Direcção-Geral de Reinserção Social, direccionada para a problemática da violência doméstica, e que incluirá, entre outros:
- A obrigação de frequência de curso de Prevenção da Violência Doméstica;
- A obrigação de realização de entrevistas com os técnicos da D.G.R.S.P.
C. Condenar o arguido, nos termos previstos no art. 152º, nºs 4 e 5, do Código Penal, na pena acessória de proibição de estabelecer quaisquer contactos, e por quaisquer meios, com a vítima pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses;
D. Condenar o arguido (i) nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo); e (ii) nas demais custas do processo nos termos do artigo 514.º do CPP;
E. Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido por BB contra o demandado AA, e, em consequência, condenar este a pagar àquela a quantia global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o quanto ao demais;
F. Custas cíveis na proporção de 85% a cargo da demandante e de 15% a cargo do demandado – sem prejuízo doa modalidade de protecção jurídica que a primeira beneficia.
G. Após trânsito, remeter boletins à DSIC para efeitos de registo criminal.
H. Após trânsito, solicite à DGRSP a elaboração de Plano de Reinserção Social.
I. Comunique a presente decisão - art. 37.°, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
Notifique.
Vai proceder-se ao depósito da sentença nos termos do artigo 372.º, n.º 5 do CPP.”
3. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo que a pena acessória imposta seja:
a) pura e simplesmente revogada;
b) ou, se tal se não entender, que a decisão condenatória, nessa parte, passe a ter a seguinte redação: condenar o arguido na pena acessória de proibição de estabelecer contactos com a vítima, pelo período de 2 anos e 8 meses, excepto pelas obrigações que lhe são impostas em cumprimento da Sentença de Regulação das Responsabilidades Parentais proferida no Procº 4647/19…… do juízo de Família e Menores de .... - Juiz ...”.
Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1ª. – O presente recurso é limitado (Artº 403º do C.P.Penal) à condenação do arguido na pena acessória de proibição de estabelecer quaisquer contactos e por quaisquer meios, com a vítima pelo período de 2 anos e 8 meses”.
2ª. – O arguido foi julgado à revelia porque não recebeu a notificação para o Julgamento, porque, por negligência, não comunicou ao Tribunal a mudança da residência para fins de receber as notificações; daí não teve o arguido a possibilidade de realizar a sua defesa, nem trazer aos autos certos factos importantes e fundamentais para que a Sentença se revelasse mais justa e condizente com a realidade fáctico-jurídica.
3ª. – O Nº 2 dos Factos Provados na Douta Sentença, diz que a queixosa e arguido têm em comum um filhos de 4 anos, CC, nascido em ../../2017. Porém,
4ª. – Não consta da Sentença recorrida, como devia, em matéria tão importante, como estão regulamentadas as Responsabilidades Parentais do dito Menor, o que devia ter sido feito pela Mãe-queixosa ao ser ouvida, nem que o Tribunal a quo a tivesse inquirido sobre tal matéria, e investigasse tal matéria oficiosamente, lacuna que gerou que a Sentença ora recorrida conflitua com o que está decidido, no referido Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, e por isso, é impossível de ser cumprido. É que,
5ª. – Tendo sido ouvida a queixosa mãe do menor, devia ter informado o Tribunal e este devia, em matéria tão importante, ter-lhe perguntado e averiguado dos termos em que está funcionando a Regulação das Responsabilidades Parentais do Menor, quer quanto a alimentos, quer quanto ao regime de visitas e convívios com o progenitor agora arguido; e faltando esse elemento tão importante, a douta Sentença recorrida, no que tange à referida pena acessória, revela-se injusta e impossível de ser cumprida. Na verdade,
6ª. Correu com o Nº 4647/19……. no Juízo de Família e Menores de ......- Juiz ...., o processo de regulação das responsabilidades parentais do menor CC, filho do arguido e da queixosa, tendo nele sido proferida, em 07/05/2019, a Sentença já transitada em Julgado e ainda em vigor, de que se junta cópia (Doc. anexo que se dá por reproduzido para todos os legais efeitos), sendo que tal Sentença, conforme foi ordenado na sua parte final, foi levada e consta do Registo Civil do nascimento do Menor; e o Tribunal podia e devia oficiosamente ter requisitado tal prova. E,
7ª. De tal Sentença, consta que o Pai ora arguido, tem de contactar com a Mãe -ora queixosa-, para:
- lhe entregar e recolher o menor, nos dias aí indicados;
- decidirem em conjunto as questões de particular importância para a vida do filho menor.
8ª. Quer isto dizer que, a douta Sentença recorrida, na parte em que proibiu em absoluto contactos entre os Pais do menor, conflitua em absoluto com o que está decidido na referida Sentença da Regulação das Responsabilidades Parentais do filho menor, e mais do que isso, constitui violação grave dos direitos do menor em conviver e ser alimentado e protegido pelo Pai, ora arguido, plasmado no Direito dos Menores, nomeadamente nos Artºs. 40º e 41º da Lei 141/2015 de 08/09/2015 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) e na Convenção Sobre os Direitos da Criança, no Nº 1 do Artº 2º, Nº 3 do Artº 9º e Nº 1 do Artº 18º da Resolução da Assembleia da República Nº 20/90 de 12/09, normas que foram violadas.
9ª. Nestes Termos e nos do demais de Direito e com o expresso suprimento de Vossas Excelências, deve ser provido o Recurso.”.
4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência. Extraiu as seguintes conclusões:
Das conclusões
A. O recorrente foi condenado, como autor material, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (meses) de prisão e, ainda, na pena acessória de proibição de estabelecer contactos e por quaisquer meios, com a vítima pelo mesmo período de tempo.
B. A referida pena acessória constitui um dos mecanismos legais que tutela a segurança da vitima, protegendo-a dos perigos advindos dos contactos e presença do agressor e surge como coadjuvante da pena principal na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência.
C. As elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, uma vez que estamos perante um crime (de violência doméstica) frequente, fortemente perturbador das relações familiares e da paz social, cuja incriminação importa reforçar junto da comunidade justificam a aplicação nos autos da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida.
D. Assim, a referida pena acessória mostra-se inteiramente acertada e justa, por adequada, proporcional e necessária, no caso em apreço, considerando o ilícito em causa, a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
E. Por outro lado, a dita pena acessória não constitui, por si só, qualquer obstáculo ao cumprimento do acordo de regulação de tais responsabilidades que se encontre em vigor relativamente ao filho em comum do recorrente e da ofendida.
F. Não obstante a aplicação da referida pena possa apresentar alguns inconvenientes na articulação entre os progenitores (ofendida e recorrente), os mesmos podem ser ultrapassados por intervenção de advogados ou de pessoas ou instituições da confiança de ambos, não sendo comprometidos os direitos do recorrente, enquanto progenitor ou a segurança da vítima.
G. Face ao exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, não padece de qualquer vício (mormente, aqueles que vêm invocados na peça processual a que se responde), achando-se em absoluta conformidade com a lei.”.
6. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer sumário no sentido da improcedência do recurso.
7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II – questões a decidir.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos –, a questão a examinar e decidir prende-se, apenas, com a aplicação da pena acessória de proibição de o arguido estabelecer quaisquer contactos, e por quaisquer meios, com a vítima, na vertente da sua compatibilidade com a decisão proferida no processo de regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor CC, que corre termos sob o nº 4647/19…… no Juízo de Família e Menores de ...... - Juiz .....
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III – Transcrição dos segmentos da decisão recorrida relevantes para apreciação do recurso interposto. 
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“(…)
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(I) FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido e BB viveram um com o outro, em comunhão de mesa, leito e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, durante cerca de 2/3 anos e até 07.02.2020.
2. Dessa relação nasceu CC, em .........2017.
3. Desde, praticamente, o início da relação entre ambos que o arguido se tornou agressivo com BB.
4. Mandando-a calar.
5. Dirigindo-lhe constantemente expressões como “és uma puta”, “és uma inútil”, “não vales nada”, “és uma vaca de merda” e “és uma triste”.
6. E dizendo-lhe, também por diversas vezes, com foros de seriedade, designadamente: “se me tirares o CC, eu mato-te, nem que seja a última coisa que faça, vais pagar”, “vais ficar sem nada, vais para casa da tua mãe, eu vou tirar-te o miúdo, não vou passar o que passei com a minha filha, juro que te mato”.
7. Em datas não concretamente determinadas, e por um número de vezes também não concretamente apurado, o arguido molestou BB, designadamente, com empurrões, agarrões nos braços e tapando-lhe a boca com as duas mãos, causando-lhe dores.
8. Em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro de 2019, no interior da residência comum, no contexto de uma discussão entre ambos, o arguido torceu uma das mãos de BB, causando-lhe dores.
9. No dia 07.03.2019, cerca das 07:00 horas, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, relacionada com o menor.
10. Nessa sequência, o mesmo desferiu murros nos objectos existentes no quarto onde dormiam, aproximou-se de BB e torceu-lhe o braço esquerdo, causando-lhe dores
11. No dia 01.12.2019, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, relacionada com o menor.
12. Nessa sequência, o arguido aproximou-se de BB, colocou as suas duas mãos na boca da mesma, fazendo força, e imobilizou-a no chão, causando-lhe, designadamente, dificuldade em respirar.
13. Em data não concretamente apurada, no interior da residência comum, quando BB falava com o menor, o arguido iniciou uma discussão com ela, por entender a mesma o estava a provocar.
14. Nessa sequência, o arguido aproximou-se de BB, que se encontrava sentada numa cadeira, na cozinha, colocou os braços dele por baixo dos dela e arrastou-a para fora da residência, onde a mesma permaneceu cerca de 20 minutos e até o arguido lhe abrir novamente a porta.
15. Ao mesmo tempo que lhe dizia: “tens que aprender a ficar calada”, “tens que entrar muda e sair calada”.
16. No dia 07.02.2020, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, por motivo relacionado com o menor e com o facto desta última entender que o filho estava febril e, como tal, pretender dar-lhe medicação para o efeito.
17. Nessa sequência, o arguido desferiu um empurrão em BB.
18. Ao que esta referiu algo como “vamos filho, o pai está maluco”,
19. dirigindo-se, então, para o corredor.
20. Acto contínuo, o arguido foi atrás dela, tirou-lhe o menor dos braços, colocou este último no quarto e voltou para junto de BB.
21. Aproximando-se da mesma, agarrando-a e pondo as suas mãos na boca dela, pressionando, com o que lhe causou dificuldade em respirar.
22. BB baixou-se e caiu no chão, altura em que o arguido se colocou em cima dela, imobilizando-a.
23. Ao mesmo tempo que gritava: “isto é para aprenderes a estar calada”, o que repetiu várias vezes.
24. Enquanto lhe desferia joelhadas e/ou cotoveladas, atingindo-a no peito.
25. E lhe dizia: “és uma maluca, não serves para nada, és uma inútil, devias morrer”.
26. Em determinada altura, BB conseguiu libertar-se e fugir para o exterior da residência, refugiando-se em casa de vizinhos.
27. Como consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, BB sofreu, designadamente, dores e múltiplas escoriações na face (malar direita e naso-geniana), pescoço e em ambos os antebraços, com discreto edema do punho, bilateralmente.
28. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de atingir a integridade física, a honra, a consideração e a saúde psíquica/mental de BB.
29. Bem como de lhe causar medo e inquietação e perturbar a sua liberdade de determinação.
30. Fazendo-a temer, inclusivamente, pela própria vida.
31. Completamente indiferente ao facto de viver/ter vivido com BB, em comunhão de mesa, leito e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, e de a mesma ser mãe do seu filho, menor de idade.
32. O arguido sabia que as suas descritas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Do pedido de indemnização civil:
33. O arguido/demandante já foi acusado da prática de ilícito criminal de idêntica natureza à dos autos, no processo n.º 1305/14……, que correu termos no Juízo Local Criminal de ...., no qual foi absolvido.
Do Julgamento:
34. Desconhecesse a situação económico-financeira do arguido, o qual foi julgado na sua ausência.
35. O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 2706/11…… do Tribunal Judicial da Comarca de ,,,,,,, pela prática, em 15.07.2011, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
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(II) FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provada a seguinte factualidade com relevância para a boa decisão da causa:
A) Em datas não concretamente determinadas, e por um número de vezes também não concretamente apurado, o arguido molestou BB, designadamente, com apertões no pescoço, causando-lhe dificuldade em respirar.
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A demais factualidade alegada ou contêm matéria jurídica e/ou conclusiva ou não integra factos com relevância, para as várias soluções plausíveis de direito.
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(III) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Na formação da sua convicção o Tribunal tomou em consideração os meios de prova disponíveis, atendendo nos dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos seguintes meios de prova: (i) nas declarações da assistente BB; (ii) nos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF (iii) documentos junto aos autos, nomeadamente: Auto de Notícia de fls. 59/63; CAN de fls. 27/28; Ficha clínica de fls. 49/51; Fotografias de fls. 81.; e CRC junto aos autos.
Assim, o arguido foi julgado na sua ausência, pois, não obstante devidamente notificado, não se dignou a comparecer.
Desta forma, a convicção do Tribunal formou-se essencialmente com base no depoimento de BB, a qual, de forma coerente e notoriamente verosímil, confirmou os factos descritos na acusação e dados como provados, confirmando que este proferia as expressões acima referidas no circunstancialismo de tempo e locais ali enunciados, bem como as agressões físicas que levou a cabo na sua pessoa.
Por seu turno, a testemunha DD, mãe da assistente, referiu ter visto marcas no corpo desta última, nomeadamente nos braços, nos pulsos e no pescoço. Acrescentou ainda que a questionava sobre aquelas, sendo que, num primeiro momento, a mesma escondia o que se passava. Porém, ficou patente que a mesma não estava bem, pois andava muito triste e nervosa, acabando por admitir que era agredida pelo arguido. Aliás, este último, mesmo à sua frente, alterava a voz com a sua filha.
A testemunha EE, vizinha do casal, referiu que, em data que não soube precisar, acordou por volta das 6:00 horas, com portas a bater e um choro que lhe pareceu ser uma criança, pelo que não ligou. Entretanto, foi-se arranjar para sair para o trabalho e quando abriu a porta, viu a ofendida a conversar com uma sua vizinha, que lhe negou ajuda, nomeadamente chamar as autoridades policiais. Nessa sequência, chamou-a para o interior da sua habitação, estando a mesma assustada, a qual lhe transmitiu que teria sido agredida pelo arguido, presentando marcas na cara e no pescoço. Após, contactou com a polícia.
Por seu turno, a testemunha FF, psicóloga, referiu que a assistente é utente da APAV de ....., sendo sua paciente, apresentando aquela instabilidade emocional e uma grande fragilidade e vulnerabilidade.
Ora, sendo esta a prova produzida em sede de audiência de julgamento, facilmente se constata que os depoimentos das testemunhas de acusação confirmaram, ainda que parcialmente, a versão dos factos trazida pela assistente, credibilizando-a.
Por outro lado, inexiste nos autos qualquer meio probatório que coloque em crise as declarações da assistente. Mais acresce que também não nos podemos esquecer do teor da documentação clinica de fls. 49-51, cujo teor não foi impugnado pelos sujeitos processuais, confirmando as lesões que a assistente apresentava no dia 07.02.2020, sendo que, já nessa data, a mesma transmitiu ter sido agredida pelo companheiro.
Cumpre ainda referir que, neste contexto de produção de prova e motivação dos factos dados como provados, importa salientar a especificidade deste tipo de crime e o contexto em que normalmente o mesmo ocorre.
De facto, atendendo às regras da experiência comum e ao facto de estarmos perante agressões entre cônjuges ou pessoas em situação análoga, facilmente se conclui que muitos dos factos ocorrem “intramuros”, sendo por isso natural que por vezes a única testemunha seja a própria ofendida.
Assim, a jurisprudência tem considerado - e a nosso ver bem -, que tal falta de prova testemunhal deve ser suprida através de uma ponderada valorização das declarações das próprias vítimas, “uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal” (Neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 06.06.2001, processo 0034263, in www.dgsi.pt).
No tocante aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
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No que concerne aos factos não provados, o Tribunal baseou a sua convicção na ausência de qualquer prova, razão pela qual foi a mesma assim considerada.
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IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(I) ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Tendo em conta a factualidade apurada que revela para a decisão da causa, importa fazer o seu enquadramento jurídico-penal.
Dispõe o artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do CP que: “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
(...)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(...) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
O fenómeno da violência doméstica é um problema de todos os tempos e tem como vítimas preferenciais o cônjuge (ou a pessoa que vive em condições análogas), as crianças, os idosos e os doentes. Trata-se de um complexo problema social, porventura um dos mais complexos do nosso tempo.
Assim, criminalizando estas condutas, o legislador teve como escopo prevenir as formas de violência no âmbito da família, sobretudo entre os cônjuges, na maior parte das vezes silenciosas.
Assumindo a realidade de que, no domínio conjugal (tais como nos domínios familiar, educacional e laboral – visados pela norma do artigo 152.º do CP), “ as humilhações, os vexames, os insultos, etc., constituem, por vezes, formas de violência psíquica mais graves do que muitas ofensas corporais simples, previu, ao lado dos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos” (vide Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 331).
Sistematicamente integrado, no Código, no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, especificamente, no capítulo dos crimes contra a integridade física, a teleologia do tipo assenta na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, punindo aquelas condutas que lesam esta dignidade, quer na vertente física como psíquica. Ou seja, em boa verdade, o bem jurídico tutelado pela norma pode resumir-se a um só palavra – a saúde – que, de acordo com a definição que lhe é dada pela Organização Mundial de Saúde, compreende a saúde ou bem-estar físico, psíquico e mental, assim podendo a sua lesão associar-se uma multiplicidade de comportamentos que, in casu, afectem a dignidade pessoal do cônjuge ou de quem vive em condições análogas.
No caso específico do crime violência doméstica, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pretendeu-se caracterizar o bem jurídico objecto de protecção da norma (prevista no artigo 152.º n.º1, do CP), autonomizando-o face ao tradicional crime de maus-tratos, sendo que o novo crime de violência doméstica, inclui, na sua abrangência, a tutela ainda reflexa do dever jurídico de respeito devido entre cônjuges.
Como refere Plácido Conde Fernandes (in Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, Número Especial, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, pág. 307), “relativamente ao anterior crime de maus-tratos, foi adicionada uma referência à comissão alternativa de modo reiterado ou não, quando do anteprojecto e da proposta de lei constava, ao invés, a alternativa de modo intenso ou reiterado. A alteração original visava, de acordo com a exposição de motivos do anteprojecto, pôr cobro ao dissídio doutrinal e jurisprudencial, sobre a exigência ou não da reiteração como elemento objectivo típico de verificação obrigatória”.
Por outro lado, e relativamente à factualidade típica do crime de violência doméstica, à semelhança da anterior redacção do crime de maus-tratos, continua a exigir-se que sejam infligidos a outra pessoa maus-tratos físicos ou psíquicos.
Trata-se de um crime de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir nas mais variadas acções ou omissões.
O tipo objectivo em análise pressupõe, assim, a existência de: (i) um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos seus comportamentos; e (ii) um sujeito passivo que se encontre, para com o agente, numa relação de coabitação conjugal ou análoga.
No que concerne às condutas previstas no tipo podem ser de várias espécies, revelando no caso concreto em apreciação, os maus tratos físicos (as ofensas corporais simples) e os maus tratos psíquicos (ameaças, provocações, molestações, injúrias).
Sempre que as condutas constitutivas dos “maus tratos” sejam em si mesmas, isoladamente consideradas, crime, este tipo legal é um crime impróprio, o que acontecerá na maior parte dos casos em que a vítima é o cônjuge, posto que as condutas mais comuns consubstanciam precisamente os crimes de ofensa à integridade física, ameaça, injúria ou difamação, embora seja também frequente a perseguição e intimidação que em si mesmas podem não constituir qualquer ilícito típico, sendo nestes casos o crime específico próprio.
No 1º caso, “de acordo com a razão de ser da autonomização deste tipo de crime, as condutas que integram o tipo de ilícito não são individualmente consideradas enquanto integradoras de um tipo de crime para serem atomisticamente perseguidas criminalmente, são, antes, valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido que signifique maus tratos sobre o cônjuge ou sobre menores” (vide Ac. da Relação do Porto de 04.11.2004, processo n.º 8948/2004-9, in www.dgsi.pt).
No que respeita às condutas assumidas pelo agente, podem elas ser de diversas espécies, como resulta da própria letra da lei – maus tratos físicos, consubstanciados em ofensas corporais simples e psíquicos.
Os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas, incluindo toda e qualquer perturbação psíquica, tenha ou não reflexos físicos (vide Catarina Sá Gomes, “O crime de maus tratos físicos e psíquicos inflingidos ao cônjuge ou a convivente em condições análogas às do cônjuges, Lisboa, AAFDL, 2002, pág. 59 e Fernando Silva, “Direito Penal Especial, Os crimes contra as pessoas, 2ª Edição, 2008, Quid Júris, pág. 303).
No que se referia ao crime de maus tratos da anterior redacção, a jurisprudência vinha sendo praticamente unânime em entender que estaria implícita na letra da lei, para que se considerasse haver uma situação de maus tratos, a exigência de que houvesse uma reiteração das condutas. (Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 13.07.2005, processo n.º 0443639, de 12.05.2004, processo n.º 0346422, de 05.11.2003, processo n.º 0342343 e Ac. da Relação de Lisboa de 26.10.2004, processo n.º 3988/2004-5, todos in www.dgsi.pt). Ou seja, uma repetição, habitualidade ou frequência que permitissem concluir que não se trata de situações esporádicas eventualmente consubstanciadoras dos tipos legais de crime que em si próprias preencham, mas antes uma permanente execução das condutas anti-jurídicas, que se prolonga e persiste no tempo, mediante uma manutenção da situação caracterizada por momentos em que ora se verificam, ora não se verificam comportamentos criminosos.
Muito embora esta seja a regra, em diversos Acórdãos encontrávamos uma ressalva: pode acontecer que uma conduta complexa, devidamente isolada e individualizada no tempo e praticada por uma só vez, fosse passível de integrar o crime de maus tratos a cônjuge, contando que a gravidade intrínseca da mesma se assuma como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psíquicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde (Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 03.07.2002, processo n.º 0210597, de 30.05.2000, processo n.º 0011133, de 12.05.2004, processo n.º 0346422, Ac. da Relação de Lisboa de 04.11.2004, processo n.º 8948/2004-9 e Ac. da Relação de Coimbra de 29.01.2003, processo n.º 3827/2002, todos in www.dgsi.pt).
No actual crime de violência doméstica, como refere Plácido Conde Fernandes (in, op. cit), “pese embora a supressão da distinção entre maus-tratos reiterados e intensos operada em processo legislativo, entende-se que um único acto ofensivo – sem reiteração – para poder ser considerado maus-tratos e, assim, preencher o tipo objectivo, continua, na redacção vigente, a reclamar uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana”.
Ademais, prevê ainda o artigo 152.º, n.º 2 do Código Penal circunstâncias agravantes, estatuindo para o efeito que “No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
De facto, o normativo em apreço consagra assim uma agravação do limite mínimo da moldura penal quando, entre outras circunstâncias, quando os factos são praticados no “domicílio comum”, isto é, no local da coabitação. Mediante esta agravação “o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas.” (Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 1ª Edição, 2008, pág. 406).
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No que concerne ao tipo subjectivo, o normativo em apreço prevê um tipo doloso, exigindo-se o dolo genérico, em qualquer uma das suas forma, traduzindo-se este no conhecimento (elemento intelectual) dos elementos do tipo objectivo de ilícito, e vontade de realização do facto típico (elemento volitivo).
Por seu turno, o artigo 14.º do Código Penal contempla e distingue as seguintes modalidades de dolo:
a) dolo intencional ou dolo directo (artigo 14.º, nº 1), que existirá quando a vontade do agente se dirige directamente, como objectivo final á realização de um facto típico que representou;
b) dolo necessário (artigo 14.º, nº 2), que se verifica quando a realização do facto típico não é o objectivo final do agente, mas ele representa-a como consequência necessária da sua conduta.
c) dolo eventual (artigo 14.º, nº 3) que existe quando o agente representa como consequência possível da sua conduta a realização de um facto típico e actua conformando-se com o risco dessa realização.
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Ora, da factualidade considerada provada resulta claramente que se encontram preenchidos os elementos do tipo relativamente ao crime de violência doméstica, na medida em que resultou provado que, o arguido e BB viveram um com o outro, em comunhão de mesa, leito e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, durante cerca de 2/3 anos e até 07.02.2020. Dessa relação nasceu CC, em ..........2017.
Desde, praticamente, o início da relação entre ambos que o arguido se tornou agressivo com BB, mandando-a calar e dirigindo-lhe constantemente expressões como “és uma puta”, “és uma inútil”, “não vales nada”, “és uma vaca de merda” e “és uma triste” e dizendo-lhe, também por diversas vezes, com foros de seriedade, designadamente: “se me tirares o CC, eu mato-te, nem que seja a última coisa que faça, vais pagar”, “vais ficar sem nada, vais para casa da tua mãe, eu vou tirar-te o miúdo, não vou passar o que passei com a minha filha, juro que te mato”.
Mais se provou que, em datas não concretamente determinadas, e por um número de vezes também não concretamente apurado, o arguido molestou BB, designadamente, com empurrões, agarrões nos braços e tapando-lhe a boca com as duas mãos, causando-lhe dores.
Em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro de 2019, no interior da residência comum, no contexto de uma discussão entre ambos, o arguido torceu uma das mãos de BB, causando-lhe dores.
No dia 07.03.2019, cerca das 07:00 horas, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, relacionada com o menor. Nessa sequência, o mesmo desferiu murros nos objectos existentes no quarto onde dormiam, aproximou-se de BB e torceu-lhe o braço esquerdo, causando-lhe dores.
No dia 01.12.2019, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, relacionada com o menor. Nessa sequência, o arguido aproximou-se de BB, colocou as suas duas mãos na boca da mesma, fazendo força, e imobilizou-a no chão, causando-lhe, designadamente, dificuldade em respirar.
Em data não concretamente apurada, no interior da residência comum, quando BB falava com o menor, o arguido iniciou uma discussão com ela, por entender a mesma o estava a provocar. Nessa sequência, o arguido aproximou-se de BB, que se encontrava sentada numa cadeira, na cozinha, colocou os braços dele por baixo dos dela e arrastou-a para fora da residência, onde a mesma permaneceu cerca de 20 minutos e até o arguido lhe abrir novamente a porta, ao mesmo tempo que lhe dizia: “tens que aprender a ficar calada”, “tens que entrar muda e sair calada”.
No dia 07.02.2020, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com BB, por motivo relacionado com o menor e com o facto desta última entender que o filho estava febril e, como tal, pretender dar-lhe medicação para o efeito. Nessa sequência, o arguido desferiu um empurrão em BB, ao que esta referiu algo como “vamos filho, o pai está maluco”, dirigindo-se, então, para o corredor. Acto contínuo, o arguido foi atrás dela, tirou-lhe o menor dos braços, colocou este último no quarto e voltou para junto de BB. Aproximando-se da mesma, agarrando-a e pondo as suas mãos na boca dela, pressionando, com o que lhe causou dificuldade em respirar. BB baixou-se e caiu no chão, altura em que o arguido se colocou em cima dela, imobilizando-a. Ao mesmo tempo que gritava: “isto é para aprenderes a estar calada”, o que repetiu várias vezes, enquanto lhe desferia joelhadas e/ou cotoveladas, atingindo-a no peito e lhe dizia: “és uma maluca, não serves para nada, és uma inútil, devias morrer”. Em determinada altura, BB conseguiu libertar-se e fugir para o exterior da residência, refugiando-se em casa de vizinhos. Como consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, BB sofreu, designadamente, dores e múltiplas escoriações na face (malar direita e naso-geniana), pescoço e em ambos os antebraços, com discreto edema do punho, bilateralmente.
Ora, tais factos, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que podem ter na possibilidade da vida em comum, colocaram a queixosa numa situação que se enquadra na de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal.
Por outro lado, não é exigível, neste tipo de violência, a indicação com precisão cirúrgica da sucessão de datas e os acontecimentos específicos que tiveram lugar nesses dias, sendo mais que bastante a sua referência a uma continuação de sucessivas acções ao longo de um lapso de tempo, o qual se encontra devidamente balizado.
Finalmente, o arguido agiu com dolo directo (artigo 14.º n.º 1 do Código Penal), na medida em que actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção, aliás conseguida, de molestar e humilhar a sua companheira, a quem sabe dever uma especial obrigação de respeito, bem como com o intuito de a atingir na sua integridade psíquica.
Por outro lado, inexistem causas que justifiquem a conduta do arguido e que afastem o desvalor da acção e do resultado produzido (nos termos previstos no artigo 31.º do Código Penal), bem como causas de exclusão da culpa, concluindo-se assim pela existência de um juízo de censura dirigido ao arguido pelo mau uso do seu livre arbítrio, atendendo a que podia e devia ter dirigido as suas condutas no sentido do lícito, pelo que importa concluir que o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 4, 5 e 6 do Código Penal.
(II) ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
A escolha e determinação da medida da pena obedecem às disposições dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal.
Nos termos do artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, o crime de violência doméstica é punido com “pena de prisão de dois a cinco anos”.
O artigo 40.º, do Código Penal, estabelece a protecção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como finalidades da aplicação de uma pena.
Na determinação concreta da pena há que ter em conta o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal, o qual estabelece que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Efectivamente, a medida da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).
A necessidade de protecção de bens jurídicos (prevenção geral) traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (vide Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 228) e decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
No que concerne ao crime violência doméstica tais necessidades de prevenção geral assumem particular importância, uma vez que, não obstante vivermos num Estado de Direito, dito civilizado, em pleno século XXI, onde são proclamados insistentemente os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, continuamos a assistir a condutas altamente censuráveis, concretizadas na prática de actos lesivos da saúde, bem-estar físico e psicológico na pessoa que se mostra mais vulnerável, continuando a ser frequentes, em Portugal, a prática de crimes de maus tratos na pessoa dos cônjuges e de quem vive em condições análogas.
Por seu turno, no que às necessidades de prevenção especial concerne, importa trazer à colação o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal que estabelece: “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele (...)”, elencando seguidamente, a título meramente exemplificativo, alguns desses factores.
Com efeito, e atendendo a este normativo, verifica-se que a favor do arguido releva que o facto do mesmo não ter antecedentes criminais da mesma natureza averbados no seu CRC.
Por seu turno, contra o arguido releva:
- o grau de ilicitude dos factos,
- a circunstância de ter agido com dolo directo;
- o modo de execução do mesmo, bem como a sua reiteração;
- já averbar uma condenação no seu CRC de natureza diversa.
Efectivamente, perante todos os factos supra esgrimidos, verifica-se que as necessidades de prevenção especial  se revelam igualmente preocupantes.
Não podemos, no entanto, abstrair da circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais da mesma natureza. Ainda assim, do acabado de referir resulta que o arguido revela ser uma pessoa impulsiva, revelando ainda ter dificuldade em controlar os seus impulsos e emoções.
Em face dos factores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido de uma a pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
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Da Suspensão da Execução da Pena
Não obstante o que fica dito, coloca-se nos agora a questão de saber se é ou não exigível o cumprimento efectivo da pena de prisão imposta e, se sim, em que termos.
Nos termos do artigo 50.° n.° 1 do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Através desta norma o legislador consagrou um poder-dever do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, sendo esta uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Por outro lado, dispõe o n.º 5 do mesmo normativo legal que “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Se é verdade que domina a ideia, tanto na jurisprudência como na doutrina de que a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, e não a prevenção geral negativa ou de intimidação, mas a prevenção geral positiva, de integração ou reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito (Neste sentido, Figueiredo Dias, O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma, RPCC 3 (1993), p. 169), não podemos esquecer que o Estado, titular do jus puniendi, se reclama “a obrigação de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes”. (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 174)
No caso vertente, o arguido já apresenta uma condenação averbada no seu certificado de registo criminal. Porém, de natureza diversa. Assim sendo, considera-se que ainda é de dar uma oportunidade a este de conformar as suas atitudes com as normas vigentes, não sendo desejável integrar o arguido num meio criminógeno como é a prisão, não só por esta não se revelar necessária, mas sobretudo por não nos parecer sequer conveniente à ressocialização daquele, confiando que a ameaça da pena de prisão será suficiente advertência para o não cometimento de futuros crimes.
Não obstante, não poderá o arguido deixar de estar ciente que esta pode ser a derradeira oportunidade que o Tribunal lhe concede de permanecer em liberdade, caso venha a praticar, no futuro, factos idênticos.
Assim, sendo nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e 5 do Código Penal entendemos suspender a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido pelo período de duração igual à respectiva pena - 2 anos e 8 meses - a contar do trânsito em julgado da decisão (vide artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal.)
Entende-se, contudo, que a reintegração do arguido na sociedade exige que se subordine a referida suspensão ao regime de prova. O regime de prova será assente em plano de reinserção social a delinear pela Direcção-Geral de Reinserção Social, contendo os objectivos de ressocialização a atingir pelo arguido e que deverá ser direccionada para a problemática da violência doméstica, e que incluirá, entre outros:
a) A obrigação de frequência de curso de Prevenção da Violência Doméstica;
b) A obrigação de realização de entrevistas com os técnicos da D.G.R.S.P.
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(III) DA APLICAÇÃO DA PENA ACESSÓRIA
Nos termos do disposto no nº 4 do referido preceito legal, nos casos previstos nos seus números anteriores, pode ser aplicada ao arguido, designadamente, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de 6 meses a 5 anos, a qual pode incluir o afastamento da residência ou do seu local de trabalho.
No caso em apreço, não obstante ser inegável o carácter não automático da aplicação de quaisquer penas acessórias, é por evidente a necessidade e proporcionalidade da aplicação da pena em apreço.
Na verdade, resultou provado que o arguido e a ofendida já não residem juntos. Porém, a ofendida ainda hoje tem receio do arguido, sendo que a própria psicóloga referiu que o facto de ambos se reaproximarem faz com que a mesma descompense novamente.
Tal factualidade, aliada à elevada necessidade de prevenção especial que se verifica no caso em apreço, exige, sem margem para dúvidas, que seja aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, por um período de tempo idêntico ao da duração da pena de prisão em que vai condenado.
Na verdade, é expectável que, no decurso de tal período, atenta, além do mais, a condição de suspensão da execução da pena fixada, o arguido adquira competências ao nível do auto-controlo da sua impulsividade, ao mesmo tempo que se afigura viável a sua reintegração nos valores ético-jurídicos vigentes.
Assim, impõe-se a condenação do arguido na pena acessória de proibição de estabelecer quaisquer contactos, e por qualquer meio, com a ofendida, pelo período de 2 anos e 8 meses, contados do trânsito em julgado desta sentença.
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(…)”.
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iv – fundamentação.
Alega o Recorrente que a sentença condenatória lhe aplicou pena acessória de proibição de contactos com a ofendida que se revela injusta e impossível de ser cumprida por ser incompatível com o conteúdo da sentença do Juízo de Família e Menores de ...... que foi proferida no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais do menor CC, sentença essa que transitou em julgado.
Convirá, antes de prosseguirmos na apreciação da questão a decidir, fazer uma precisão.
O recorrente, certamente por lapso, imputou ao Tribunal a quo o incumprimento do dever de oficiosamente proceder à investigação dos termos em que estavam reguladas as Responsabilidades Parentais referentes ao filho menor do arguido e da ofendida/assistente, quer quanto a alimentos, quer quanto ao regime de visitas e convívios com o progenitor.
Convencido de que o Tribunal nada fizera para apurar tais circunstâncias, apresentou o Recorrente, com o requerimento de interposição de recurso e respetiva motivação, cópia da ata de conferência de pais realizada no dia 7 de maio de 2019, no âmbito do Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais nº 4647/19….. do Juízo de Família e Menores de ...... – Juiz ..., da qual constam quer os termos do acordo firmado pelos progenitores, quer a sentença que homologou tal acordo (cfr. fls. 362 e 363).
Sucede, porém, que tal documento já constava dos autos- cfr. fls. 71 e 72 – Tendo sido apresentado no processo pela ofendida, quando a mesma denunciou os factos em causa nos presentes autos à PSP, em 7 de fevereiro de 2020.
Constando tal documento dos autos, convirá relembrar que, em sede de motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo explicitou que tomou em consideração “todos os meios de prova disponíveis, atendendo nos dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos seguintes meios de prova: (i) nas declarações da assistente BB; (ii) nos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF (iii) documentos junto aos autos (…)” (sublinhado nosso).
Significa isto que não é possível afirmar-se com razão que o Tribunal a quo deixou de investigar circunstâncias importantes ou, sequer, que tomou a decisão condenatória sem considerar a sentença proferida no aludido Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais nº 4647/19…….
Feita esta correção (necessária perante o erróneo conteúdo das conclusões 4ª, 5ª e 6ª que o Recorrente extraiu da motivação), cumpre apreciar a questão a decidir, para aferirmos se, e em que medida, a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida é inconciliável com o determinado na sentença de regulação das responsabilidades parentais e, num segundo momento, apreciarmos se essa alegada incompatibilidade deveria ter determinado a não aplicação da pena acessória ou a sua aplicação nos termos mitigados que o recorrente, subsidiariamente, propõe.
Vejamos.
O artigo 65º do Código Penal, que rege em matéria de princípios gerais quanto à aplicação de penas acessórias e efeitos das penas, estabelece que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos (nº 1 do preceito) e que a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões (nº 2).
Como se explicitou no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de outubro de 2016[1], “(…) tal como (…) vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência (vide, entre outros, Cristina Augusto Teixeira Cardoso, A violência doméstica e as penas acessórias, Universidade Católica, Porto, 2012 e Ac. da R.P. de 01/02/2012, proc. 170/10.0PBLMG, acessível no endereço www.dgsi.pt), apesar da aplicação de uma pena acessória pressupor a condenação numa pena principal, não se basta com esta, pois a sua aplicação depende do preenchimento de diferentes requisitos, relacionados com a execução do crime, com a culpa do agente, sendo que nem todas as situações reclamam a aplicação destas penas, mas apenas os casos mais graves.”.
Desse entendimento se deu nota na sentença recorrida, ao afirmar-se como “inegável o carácter não automático da aplicação de quaisquer penas acessórias”.
“À aplicação de uma pena acessória, tal como como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da sanção acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este” – assim se pode ler no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
O Tribunal a quo fundamentou a aplicação da pena acessória em causa do seguinte modo:
Nos termos do disposto no nº 4 do referido preceito legal, nos casos previstos nos seus números anteriores, pode ser aplicada ao arguido, designadamente, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de 6 meses a 5 anos, a qual pode incluir o afastamento da residência ou do seu local de trabalho.
No caso em apreço, não obstante ser inegável o carácter não automático da aplicação de quaisquer penas acessórias, é por evidente a necessidade e proporcionalidade da aplicação da pena em apreço.
Na verdade, resultou provado que o arguido e a ofendida já não residem juntos. Porém, a ofendida ainda hoje tem receio do arguido, sendo que a própria psicóloga referiu que o facto de ambos se reaproximarem faz com que a mesma descompense novamente.
Tal factualidade, aliada à elevada necessidade de prevenção especial que se verifica no caso em apreço, exige, sem margem para dúvidas, que seja aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, por um período de tempo idêntico ao da duração da pena de prisão em que vai condenado.
Na verdade, é expectável que, no decurso de tal período, atenta, além do mais, a condição de suspensão da execução da pena fixada, o arguido adquira competências ao nível do auto-controlo da sua impulsividade, ao mesmo tempo que se afigura viável a sua reintegração nos valores ético-jurídicos vigentes.”.
Na fundamentação utilizada, não se deteve o Tribunal a quo na explanação acerca das consequências que da aplicação dessa pena acessória decorrem para o modo de cumprimento dos deveres parentais que recaem sobre o condenado. Nem tinha, na verdade, que o fazer, tendo em conta o objeto do processo criminal em que a decisão condenatória foi proferida.
Mas as objeções levantadas pelo Recorrente não se mostram fundadas.
A questão não é nova e, acerca da compatibilização dos regimes decorrentes da aplicação da pena acessória de afastamento e da regulação dos deveres parentais, pronunciou-se o já mencionado Acórdão da Relação de Guimarães nos seguintes termos, com os quais concordamos: “Acerca da questão suscitada pelo recorrente, de que a proibição de contato com a ofendida será impeditiva do cumprimento do acordo da regulação das responsabilidades parentais, em relação aos seus dois filhos menores, (…), entendemos que, ainda que possam surgir algumas dificuldades na articulação entre um e outro dos regimes, a mencionada pena acessória não se configura como um obstáculo a que possa ser cumprido o regime fixado na regulação das responsabilidades parentais, podendo coexistir, sendo necessário que nesta última, designadamente, no que respeita ao regime de visitas do arguido aos filhos, se leve em linha de conta que ao arguido foi aplicada, no âmbito do presente processo criminal, a pena acessória de proibição de contato com a vítima.”.
Na verdade, a aplicação da pena acessória traz ao condenado novas limitações, mas não o impede ou dispensa de cumprir os seus deveres parentais. Se necessário for, deverá ocorrer alteração dos termos em que foi regulado o exercício dos deveres parentais, para prever regras compatíveis com a execução da pena acessória imposta ao arguido (pena essa que inexistia à data em que foi proferida a sentença que homologou o acordo dos progenitores).
Como bem refere o Ministério Público, “Não obstante a aplicação da referida pena possa apresentar alguns inconvenientes na articulação entre os progenitores (ofendida e recorrente), os mesmos podem ser ultrapassados por intervenção de advogados ou de pessoas ou instituições da confiança de ambos, não sendo comprometidos os direitos do recorrente, enquanto progenitor ou a segurança da vítima.”.
Note-se que, ao contrário do que afirma o Recorrente, a regulação dos deveres parentais tal como estará atualmente desenhada nos termos da sentença proferida pelo Tribunal de Família e Menores, não impõe a ocorrência de contactos entre os dois progenitores da criança. As regras definidas são perfeitamente compatíveis com a intermediação de familiares ou outras pessoas de confiança que, sendo solicitadas, farão a ponte necessária a garantir que as necessidades do menor são satisfeitas, sem ocorrência de contactos entre os progenitores. Entre essas necessidades do menor, está a de contactar com o progenitor e manter os laços afetivos com o mesmo. Mas a satisfação dessa necessidade não passa, nem pode passar, pelo esvaziamento da pena acessória imposta, em termos tais que impeçam a obtenção dos fins almejados com a aplicação da pena acessória.
Por isso mesmo não pode equacionar-se a imposição da pena acessória nos termos subsidiariamente propostos pelo Recorrente - “condenar o arguido na pena acessória de proibição de estabelecer contactos com a vítima, pelo período de 2 anos e 8 meses, excepto pelas obrigações que lhe são impostas em cumprimento da Sentença de Regulação das Responsabilidades Parentais proferida no Procº 4647/19…… do juízo de Família e Menores de ....- Juiz ...” – o arguido ficaria simultaneamente proibido de contactar e obrigado a contactar, causando-se desse modo uma indefinição dos limites que, com toda a certeza, implicaria constante intranquilidade para a ofendida e jamais propiciaria ao arguido a oportunidade para refletir sobre os seus atos, com vista à pretendida aquisição de competências ao nível do auto-controlo da sua impulsividade e reintegração nos valores ético-jurídicos vigentes.
Perante o teor do excerto da sentença recorrida que supra se transcreveu, e com o qual se concorda inteiramente, nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto à aplicação e determinação da medida concreta da pena acessória aplicada ao recorrente, pena que, mostrando-se situada ligeiramente abaixo do meio da moldura penal abstracta, não viola o princípio da culpa subjacente à pluralidade dos factos praticados pelo arguido, aliás mostrando-se ajustada à gravidade do ilícito global e à personalidade desvaliosa evidenciada pelo mesmo, devendo ser consequentemente mantida. Face a todos os factos considerados provados reveladores da persistência, reiteração e modo como as condutas foram infligidas na pessoa da ofendida, atendendo ainda à evidenciada personalidade do arguido, afigura-se adequada e justa a fixação da pena acessória nos termos constantes da decisão recorrida.
Improcede, pois, o recurso.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em jugar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
*
Tributação.
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
*
D.N.
*
O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Lisboa, 26 de outubro de 2021
Jorge Antunes
Sandra Oliveira Pinto

[1] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.10.2016 – Relatora: Desembargadora Fátima Bernardes – acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/0D5F9E15B5FD9C938025805300497944 .