Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
350/15.1GCBRG-G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENAS ACESSÓRIAS
PROIBIÇÃO DE CONTATO COM A OFENDIDA
USO E PORTE DE ARMA
INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) À aplicação de uma pena acessória, tal como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da sanção acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
II) O cumprimento de uma pena acessória de proibição de contato com a ofendida não constitui obstáculo a que possa ser cumprido o regime fixado na regulação das responsabilidades parentais, não obstante a eventual ocorrência de dificuldades na articulação entre um e outro dos regimes.
III) O período de duração da pena acessória de uso e porte de arma inicia-se com o trânsito em julgado da sentença, não havendo lugar ao desconto do período que decorreu desde a apreensão das armas até à ocorrência daquele trânsito.
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal
Comarca de Braga – Instância Local – Secção Criminal – J2
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 - RELATÓRIO
Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 350/15.1GCBRG, da Comarca de Braga, Instância Local, Secção Criminal, J2, foi submetido a julgamento o arguido António J., melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº. 152º, nº. 1, als. a) e c) e nºs. 2, 4, 5 e 6, do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 13/04/2016, depositada nessa mesma data, decidindo julgar a ação penal provada e, em consequência, condenar o arguido «como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1, al.s a) e c) e nº. 2 do Código Penal:
- Na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova.
- Na pena acessória de proibição de contatar, por qualquer forma, com a vítima Anabel Nobre Marta, pelo período de 2 (dois) anos; na pena acessória de uso e porte de armas, pelo período de um ano; e na obrigação de programa específico de prevenção da violência doméstica, em articulação com o regime de prova supra determinado. (…).»
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido.
O recorrente apresentou a motivação de recurso, formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso da sentença que condenou o ora Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. no artigos 152º n.º1 alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova; na pena acessória de proibição de contactar com a vítima A...., pelo período de 2 (dois) anos; na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de um ano e na obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência domestica, em articulação com o regime de prova determinado.
2. Salvo melhor opinião, a sentença ora recorrida enferma de nulidade, prevista nos artigos 379º n.º1 alínea a) e 374 n.º2 do CPP, uma vez que apenas se limitou a elencar as provas produzidas em audiência, mas a fundamentação de facto é omissa quer quanto aos factos cuja prática imputa ao arguido, quer quanto à apreciação crítica de todas essas provas, sendo certo que, as mesmas devem ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
3. O artigo 374 n.º 2 do CPP dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – nº1; fundamentação – nº 2; e dispositivo ou decisão em sentido estrito), indica no nº 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
4. A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
5. A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas». O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. Neste sentido, Ac. do S.T.J. de 30.01.2002, proferido no Proc. nº 3063/01, in www.dgsi.pt.
6. Para cumprimento daquele requisito não se satisfaz a lei com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença é necessário um exame crítico desses meios, que servirá, além do mais, para convencer os interessados e a comunidade em geral, da correta aplicação da justiça no caso concreto. Exige-se, porém, que – em caso de condenação como o caso em apreço - o tribunal explicite as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados.
7. Ora analisando o caso concreto e, concretamente, analisando a motivação de facto da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido se refere ao depoimento da ofendida e das testemunhas, mas efetuando praticamente uma cópia/resumo quanto ao conteúdo de tais depoimentos.
8. A M.ª Juiz a quo, salvo melhor entendimento, absteve-se de fazer uma análise critica sobre o que cada testemunha depôs de forma relevante para que a mesma tivesse dado como provados os factos que deu. Em nenhum momento da motivação da decisão de facto se consegue retirar uma relação causa-efeito entre o que cada testemunha depôs e a relevância desse depoimento para ter dado todos os factos como provados. Na verdade a M.ª Juiz a quo reproduziu o que a testemunha depôs mas não analisou esse depoimento de forma critica. O Tribunal superior, que não ouviu os depoimentos em causa, não conseguirá aferir das motivações apresentadas em que é que cada testemunha contribuiu para a condenação do Arguido.
9. No que ao caso concreto respeita, o tribunal deveria ter explicitado porque razão as provas produzidas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, foram suficientes para se poderem considerar provados todos os factos da acusação.
10. Ora da motivação, não se percebe como é que o tribunal pode concluir no sentido de que todos os factos de que o arguido vinha acusado ficaram provados com o depoimento destas testemunhas.
11. Questiona-se como chegou a M.ª Juiz a quo à conclusão que o Arguido - a título de exemplo porque o mesmo raciocínio é aplicável a todos os factos dados como provados -, “No dia 01 de Julho de 2015, pelas 21h00, no exterior da residência, tendo A.... ido leva o lixo à rua, depois de, na sequência de uma discussão entre ambos, ter dito ao arguido que o melhor era divorciarem-se, este agarrou-lhe um braço, impedindo-a de entrar em casa e desferiu-lhe um murro na zona da boca, para além de lhe ter beliscado a cara e apertado o pescoço com as mãos” ponto 7 da matéria dada como provada.?
12. Ora se nenhuma das testemunhas da acusação assistiu à alegada agressão do Arguido à ofendida caberia à M.ª Juiz a quo explicar de forma critica como é que alcançou e deu como provado esse facto. Acontece que da sua parca fundamentação não se consegue retirar tal análise critica.
13. Feitas estas considerações, estamos em condições de concluir que a sentença recorrida se limitou a elencar as provas produzidas em audiência, mas a fundamentação de facto é omissa quer quanto a todos os factos cuja prática se imputa ao arguido, quer quanto à apreciação crítica de todas essas provas, sendo certo que, como se disse, as mesmas devem ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
14. Tal omissão determina a nulidade da sentença, nos termos dos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do C.P.Penal.
15. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio judiciário, a matéria de facto provada na audiência de julgamento foi de todo insuficiente para a decisão que foi tomada pelo Tribunal a quo, para além de que houve uma apreciação errada da prova produzida em audiência de julgamento, e que ditou a condenação do Recorrente pela prática deste crime.
16. A M.ª Juíza a quo julgou – erradamente - provado, para o que aqui tem relevância, os pontos 3 a 16 da matéria de facto dada como provada.
17. Na sentença recorrida consta que o Tribunal a quo formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada, na prova produzida pelas testemunhas de acusação, que foram objecto de registo áudio, em suporte digital desde o minuto 16:05:22 a 16:20:02 (testemunha Adelaide N.), desde o minuto 16:20:56 a 16:32:59 (testemunha Ana B.) e desde minuto 16:33:52 a 16:42:52 (testemunha Maria A.), tendo desconsiderado as declarações do arguido bem como o depoimento das testemunhas por si apresentado.
18. Com o devido respeito andou muito mal a M.ª Juiz a quo ao dar todos estes factos como provados, atendendo a que nenhuma das testemunhas da acusação teve conhecimento directo dos factos provados.
19. A única testemunha que tentou apoia desesperadamente a tese defendida pela acusação apenas trouxe conhecimento directo a estes autos do facto previsto no ponto 4 da matéria de facto dada como provado.
20. Mas o certo é que quanto à matéria aí prevista a Ofendida entrou em plena contradição, contradição essa que não foi levada em consideração pela M.ª Juiz a quo. Desconhecemos, sem obrigação de conhecer, o motivo de tal desconsideração uma vez que a M.ª Juiz a quo também não fundamentou essa decisão na sentença recorrida.
21. Na verdade a Ofendida quando perguntada sobre o facto descrito no ponto 4 da matéria de facto provada em sede de inquérito disse a este tribunal que não se recordava do facto ai descrito.
22. No entanto em sede de audiência de julgamento relatou os factos previstos nesse ponto
23. Depois de confrontada com essa contradição – após deferimento da leitura das suas declarações requerida nos termos do 356º n.º3 do CPP – a explicação dada pela ofendida foi “que em sede de inquérito não se recordava desse facto mas agora em julgamento já se havia lembrado”. (Gravação nº: 20160404155421) que foi objecto de registo áudio, em suporte digital desde 15:07:19 aos 16:04:33. Minuto 15:55:13 Juiz: (… ) Foram estas as suas declarações, sobre isto quer dizer alguma coisa quer esclarecer? Recorda-se do episódio que deixou de viver, deixou de dormir no quarto, disse em inquérito que não se recordava desse episódio e neste momento? Minuto 15:55:14 Ofendida: Nessa altura não me lembrava, possivelmente, mas lembro-me que foi em Janeiro de 2014 que eu deixei de dormir e ele me disse que não.
24. Ora, com o devido respeito que é muito, isto posto como pôde a M.ª Juiz dar este facto como provado?
25. No que respeita aos pontos 7 e 8 dos factos dados como provados, referentes à única (alegada) agressão do arguido para com a Ofendida também nenhuma das testemunhas assistiu à prática desse facto pelo arguido.
26. A testemunha Adelaide N. (minuto16:05:22 a 16:20:02) respondeu o seguinte ao Magistrado do MP – minuto 16:12:14 Magistrado do MP: Você já disse que relativamente à agressão não a presenciou, certo? Minuto 16:12:18 Testemunha: Sim, sim. A testemunha Ana B. (minutos16:20:56 aos 16:32:59) respondeu o seguinte a instância do Magistrado do MP- minuto 16:22:01 Magistrado MP: Não tem conhecimento directo, que tenha presenciado? Minuto 16:22:04 Testemunha: directo, directo não, que tenha presenciado alguma agressão física, não. Verbal, algumas menções sim, referências também de forma indirecta mas de cada um dele também. Minuto 16:30:54: Magistrado MP: Já percebi que a senhora não assistiu a nenhuma agressão, mas viu alguma marca? Minuto16:31:02 Testemunha: Bem naquela noite em que a Marta me telefonou para minha casa a pedir para eu ou o meu marido irmos a casa deles, aí sim vi uma laceração que a marta tinha no lábio, no interior do lábio, na mucosa, ai vi isso. Minuto 16:31:07: Magistrado MP: E ela disse-lhe que tinha sido agredida? Minuto16:31:11 Testemunha: Sim e quando cheguei a casa existia a presença do INEM e ela estava dentro do INEM. Por fim a testemunha Maria A., minuto 16:40:00 Magistrado MP: A Sra. Tem conhecimento de mais alguma situação? Minuto 16:41:00 Testemunha: Pois, o conhecimento que ia tendo era o que ela me contava, o dia a dia o que se passava dentro daquela casa.
27. Deste modo, impugnam-se os pontos 3) a 16) da matéria de facto provada, por terem sido incorrectamente julgados devendo os mesmos constar da matéria de facto dada como não provada.
28. Acresce que todas as testemunhas da acusação, no que respeita aos pontos 3,5,6,7,8,9 foram testemunhas de “ouvir dizer” o que nos termos do disposto no artigo 129º do Código Penal implica que o depoimento por elas produzido não possa ser valorado como prova.
29. Assim, por toda a prova produzida em audiência de julgamento e pelos documentos juntos aos autos há, portanto, erro notório na apreciação da prova, devendo a sentença recorrida ter absolvido o ora Recorrente pela prática do crime de que vinha acusado.
Sem prescindir,
30. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concebe e apenas se coloca como mera hipótese académica, ou seja, mesmo considerando que o facto ocorrido no ponto 4 da matéria de facto tivesse ocorrido nos termos que aí vem relatado, ainda assim, entendemos que a prática do mesmo por parte do arguido nem de perto nem de longe o poderia levar a uma condenação pela prática de um crime de violência doméstica, desde logo, pela falta de gravidade, não é enquadrável na noção de maus tratos psicológicos.
31. O facto relatado nesse ponto 4 nem sequer pode assumir o caracter injurioso. Não é pelo simples facto de arguido e ofendida serem casados e dos factos terem sido praticados no interior da residência do casal, que os mesmos preenchem um crime de violência doméstica, antes podendo, em última instância e no pressuposto que seriam injuriosos o que apenas academicamente se coloca, subsumirem-se no tipo previsto no art.° 181.° do CP.
32. Pelo que tal conduta seria apenas susceptível de integrar um crime de injúrias p. e p. no art. 181 do C.Penal e tratando-se de um crime de natureza particular o Ministério Público não tem legitimidade para deduzir a acusação, logo deverá considerar-se extinto o respectivo procedimento criminal quanto a este crime.
Sem prescindir,
33. Nada disto foi levado em consideração e ao julgar como julgou, a M.º Juíza a quo violou acima de tudo o princípio in dúbio pro reo e o art. 32º n.º 2 da Constituição da República.
34. À luz deste princípio os factos relevantes para a decisão que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos “à dúvida razoável”, também não podem ser considerados como provados.
35. O certo é que com tanta ausência de elementos que imputem a autoria deste crime ao Recorrente impunha-se que o mesmo não fosse condenado.
36. Assim, consideramos que quanto à prática dos factos referidos nos pontos 3 a 16 o Arguido tinha que ter sido absolvido, em obediência ao princípio in dúbio pró reo, considerando ter existir o vício previsto no art.° 410.°, n.° 2, al. c), o desrespeito pelo art.° 32.°, n.° 2 da CRP, e má aplicação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.° 127.° do CPP (neste sentido vide Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-02-2015 (proc.° n.°42/13.66CMBR.Cl), disponível in www.dgsi.pt);
37. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que caso a matéria de facto provada constante da sentença recorrida fosse correctamente apurada – o que não se concebe -pelos elementos de prova constantes da sentença recorrida, não poderia a Mª Juíza a quo ter determinado a medida concreta das penas a aplicar, da forma como determinou, por não atender correctamente ao grau de culpa e às exigências de prevenção geral e especial dos arguidos, para além de que se mostram excessivas, desproporcionais e desajustadas pelo que merecem total censura.
38. A aplicação das medidas acessórias estão dependentes da aplicação de uma pena principal mas não se basta com esta pois a sua aplicação depende do preenchimento de determinados requisitos relacionados com a execução do crime, com a culpa do agente, sendo que só os casos mais graves permitem a aplicação destas medidas acessórias.
39. Acresce que a aplicação das penas acessória em causa carece de fundamentação por parte da M.ª Juiz a quo, o que não veio a acontecer,
40. Na verdade a M.ª juiz a quo aplicou duas penas acessórias quase como se as mesmas fossem a consequência directa da condenação do arguido na prática do crime de violência doméstica.
41. A M.ª Juiz a quo condenou o arguido à pena acessória de proibição de contacto com a vitima pelo período de dois anos. Ora, como resulta da matéria dada como provada (ponto 2) o arguido tem dois filhos menores resultantes deste casamento. Para tratar de assuntos relacionados com os menores o Arguido tem obrigatoriamente de contactar com a ofendida, caso contrário, não pode cumprir o acordo de regulação das responsabilidade parentais celebrado entre ambos.
42. Aliás, do acordo de regulação das responsabilidades parentais resulta que o Arguido, nos seus períodos de visitas aos menores, está obrigado a “levantar” e “entregar” os menores sempre na casa de morada da ofendida. Ora a aplicação desta pena acessória, que implica um afastamento da residência da ofendida, não se coaduna com o cumprimento do estipulado no acordo das responsabilidades parentais.
43. Com o devido respeito aplicar esta medida ao caso concreto é incitar ao incumprimento da mesma ou ao incumprimento do acordado em sede de regulação das responsabilidades parentais.
44. O tribunal a quo descurou por completo o facto do arguido ser pai de dois menores com a normal necessidade decorrente da idade dos mesmos (10 anos de idade) de por vezes ter ambos os pais presentes em varias ocasiões como os aniversários dos menores, as consultas médicas, as festividades escolares, etc.
45. Acresce que arguido e ofendida já nem sequer vivem debaixo do mesmo tecto desde Janeiro do presente ano de 2016 pelo que a probabilidade de haver contactos entre os mesmos, sem ser para tratar de assuntos relacionados com os menores, é escassa.
46. Ora, pelo exposto e salvo melhor opinião andou muito mal o Tribunal a quo ao aplica a presente pena acessória ao arguido e mesmo que a mesma fosse devidamente aplicada – o que não se aceita e apenas se concebe por cautela de patrocínio - sempre diríamos que o período de 2 anos é excessivo, desproporcional e injustificado, pelo que deve ser revogada.
47. No que respeita a aplicação da pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de um ano, salvo melhor opinião, a aplicação da mesma é de igual modo injustificada, excessiva e desproporcional.
48. Ora, segundo alegações da defesa a ofendida sofria de violência doméstica desde o nascimento dos filhos do casal, portanto de há dez anos a esta parte e o arguido sempre foi possuidor de armas de caça e pesca submarina, pelo que se durante tal período nunca usou armas para a prática dos factos que foi condenado não se encontra justificação – nem da douta sentença se retira fundamentação para o efeito – para que o mesmo venha a praticar novos factos com o uso de armas.
49. O arguido sempre se mostrou uma pessoa muito cuidadosa no uso e acondicionamento das armas de caça, tal como resulta dos autos de buscas e apreensão das armas, o mesmo tinha as armas devidamente acondicionadas e de difícil acesso quer aos menores e ofendia, quer a terceiros. Mais, resulta desse auto que o arguido durante a referida apreensão se mostrou cooperante com as autoridades, pelo que cremos que estes factores deveriam todos eles ser tidos em consideração no momento de aplicação da pena em crise.
50. Ora, pelo exposto e salvo melhor opinião andou muito mal o Tribunal a quo ao aplica a presente pena acessória ao arguido e mesmo que a mesma fosse devidamente aplicada – o que não se aceita e apenas se concebe por cautela de patrocínio - sempre diríamos que o período de 1 ano é excessivo, desproporcional e injustificado. Acresce que a esse período de um ano deve ser descontado o tempo de apreensão que já decorrido, ou seja, o tempo decorrido entre a apreensão das armas ocorrido em 29/7/2015 e o transito em julgado desta douta sentença.
51. Sendo que, conjugadas todas estas circunstâncias consideramos que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, condicionada ao regime de prova, com vista a promover o controle do arguido e a sua integração social, impedindo-o de comportamentos de violência satisfazendo dessa forma as exigências de prevenção geral e especiais que se fazem sentir.
52. Procedendo a argumentação acima descrita, não haverá comportamento ilícito por parte do Recorrente, pelo que deve o arguido ser, igualmente, absolvido da aplicação das sanções acessórias de proibição de contacto com a vítima e proibição de uso e porte de armas, na obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica, nos termos do nº 4 e 5 do art. 152º do C. Penal.»
Conclui o arguido recorrente, pugnando pela sua absolvição da prática do crime por que vem acusado.
O recurso foi regularmente admitido.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, nos termos constantes de fls. 317 a 320, que aqui se dão por reproduzidos, tendo concluído no sentido de o recurso dever ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Neste Tribunal da Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que o mesmo ofereceu e concluindo nos mesmos termos, no sentido de não dever merecer provimento o recurso.
Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente, nada disse.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e passando a apreciar o recurso interposto pelo arguido.
Considerando os fundamentos do recurso são as seguintes as questões suscitadas:
1ª - A nulidade da sentença prevista no artigo 379º, nº. 1, al. a), do CPP, com referência ao artigo 374º, nº. 2, do mesmo diploma, por insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e falta de análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
- A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por errada apreciação da prova em termos de ter dado como provados, designadamente, os pontos 3 a 16, que devem ser julgados não provados;
3ª - A violação do princípio in dúbio pro reo.
- A aplicação das penas acessórias de proibição de contato com a ofendida e de proibição de uso e porte de armas, são injustificadas, excessivas e desproporcionais.
Passando, a apreciar e a decidir:
Na 1ª instância, no acórdão recorrido, foram dados como provados e não provados, respetivamente, os factos que seguidamente se enunciam e respetiva motivação, que se transcreve:
«A. Factos provados
1. O arguido casou com A.... no dia 08 de Maio de 1999, tendo passado a residir, nos dois primeiros anos, na Rua F…, Braga, após residiram na …, em Braga, e desde há cerca de 7 anos na …, Braga.
2. Do casamento de ambos nasceram dois filhos: Jorge M. e Maria J., em 30 de Junho de 2005.
3. Desde o nascimento dos filhos (00/00/2005), o arguido passou, em ocasiões não concretamente apuradas, mas nos últimos quatro anos diariamente, na residência comum do casal, a apodar A.... de “filha da puta”, “vaca”, “cabra”, “burra”, “preguiçosa”, “estúpida”, “deficiente”, dizendo-lhe ainda “vai para o caralho”, “foda-se”, “vai à merda”, “vai para a puta que te pariu”, “eu sou o dono da casa, eu sou o dono disto” e “cala-te”.
4. No início do ano de 2014, em dia concretamente não apurado, da parte da tarde, o arguido disse para A....: “não admito que durmas comigo no quarto, não preciso de uma mulher como tu, só tem dinheiro por causa dos teus pais.”
5. Em dia concretamente não apurado, durante o mês de Agosto de 2014, em casa, no início da tarde, o arguido imitando uma pistola com os dedos das mãos, que apontou na direcção de A...., disse-lhe: “Eu sou capaz de te matar, dou-te um tiro na cara”.
6. Na mesma ocasião o arguido apodou A.... de “filha da puta”.
7. No dia 01 de Julho de 2015, pelas 21h00, no exterior da residência, tendo A.... ido leva o lixo à rua, depois de, na sequência de uma discussão entre ambos, ter dito ao arguido que o melhor era divorciarem-se, este agarrou-lhe um braço, impedindo-a de entrar em casa e desferiu-lhe um murro na zona da boca, para além de lhe ter beliscado a cara e apertado o pescoço com as mãos.
8. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido disse para A....: “eu mato-te, eu dou cabo de ti, filha da puta, eu não sei o que te faço, tu não és nada, tu não és ninguém, tu és uma merda.”
9. Em dia concretamente não apurado do mês de Julho de 2015, pelas 09h00, preparando-se A.... para levar os filhos e seus pais a passear no Jardim Zoológico, na Maia, o arguido dirigiu-se-lhe nos seguintes termos: “tu não sais daqui, tu não estás boa da cabeça, não te deixo sair com as crianças porque tu não estás bem, eu é que mando, não te vou deixar matar os meus filhos.”
10. No início de Agosto de 2015, em dia concretamente não apurado, após a apreensão das armas realizada, em 29/07/2015 no âmbito dos presentes autos, em casa, pela hora do jantar, o arguido disse para A.... “tu fizeste com que eu perdesse o que mais gosto, a caça e a pesca, mas eu se quiser fazer mal posso fazer mal na mesma, porque eu tenho uma serra eléctrica e facas da cozinha, se eu quiser posso-te matar na mesma.”
11. Como consequência directa e necessária dos factos acima relatados (ocorridos em 01/07/2015) sofreu A.... dores físicas e mal-estar, bem como equimose arroxeada, de forma irregular, com tumoração infra jacente, com 1 por 1 cm, na metade esquerda da mucosa interna do lábio inferior, tudo a determinar-lhe, ainda de forma directa e necessária, 7 dias de doença, sem impossibilidade para o trabalho.
12. Todos estes factos foram praticados pelo arguido com o propósito concretizado de deixar a A.... num clima de constrangimento e terror, impedindo-a de reger livremente a sua vida.
13. E assim, ainda como consequência directa e necessária das suas condutas, deu causa o arguido a que A.... se sentisse num estado de intimidação e terror, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar, nomeadamente em relação a si.
14. Vive também A.... vexada pelos nomes com que o arguido a apoda e com as condutas que tem em relação a si.
15. Agiu o arguido com o propósito concretizado de amedrontar, controlar e constranger A...., bem como de a ofender na integridade física, indiferente à relação que com esta mantém e aos deveres que dessa relação decorreram quanto à mesma, nomeadamente de respeito, relação e deveres de que estava bem ciente, bem como ao facto de terem dois filhos em comum.
16. Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo proibidas as suas condutas.
Da situação socioeconómica do arguido (relatório social)
17. António J. cresceu no seio da sua família de origem, de médios recursos socioeconómicos. A interação familiar foi descrita como positiva e afectivamente vinculativa entre os membros do agregado familiar, salientando ter sido alvo de uma educação convencional e esmerada.
18. Frequentou o sistema de ensino em idade regulamentar, tendo efetuado um percurso escolar ajustado e com bom aproveitamento. Por volta dos 15 anos transitou para o ensino em regime noturno, tendo concluído o Curso Técnico de Serralheiro Industrial (equivalente ao atual 9º ano de escolaridade) por volta dos 19 anos de idade. Ao nível do relacionamento interpessoal neste contexto, refere atitudes ajustadas para com os pares.
19. Iniciou atividade profissional, por volta dos 15 anos, como desenhador técnico, nos …, Lda., onde permaneceu até aos 25 anos de idade. Posteriormente desenvolveu a sua trajetória laboral de modo regular e empenhado no sector da maquinaria e automatismos, com especialização em desenho técnico. Trabalhou por contra de outrem até à década de 90, altura em constitui duas sociedades com alguns colegas de trabalho. Em 1998 vendeu as suas cotas e iniciou atividade por contra própria com a firma …, Lda. que manteve até 2005. Nessa altura vendeu a empresa, tendo permanecido cerca de um ano como funcionário da mesma, passando depois para a situação de desemprego e posteriormente aposentou-se.
20. Até ao passado recente o arguido usufruiu sempre de uma situação económica estável e confortável.
21. A título de lazer e tempos livres o arguido referiu privilegiar as viagens e a prática da caça e pesca desportiva.
22. António J. contraiu o primeiro matrimónio aos 27 anos de idade, desta relação nasceu uma filha atualmente com 39 anos de idade. Refere ter sido uma união conjugal precipitada pela gravidez inesperada da então namorada, pelo que os laços afectivos foram-se deteriorando conduzindo à separação e posterior divórcio cerca de 12 anos depois. Manteve sempre uma relação da filha que ficou a cargo da progenitora.
23. O arguido casou com a ofendida, em 1998, após um curto período de namoro. Desta relação nasceram dois filhos, gémeos, atualmente com 10 anos de idade.
24. A dinâmica familiar e conjugal foram descritas como funcionais e afectivamente compensadora nos primeiros anos de união, usufruindo o agregado de adequada inserção social e estabilidade económica.
25. Não obstante, após o nascimento dos filhos, seguida da aposentação do arguido, são referidos episódios de instabilidade relacional, alguns sentimentos de insegurança e ciúme do arguido relativamente ao cônjuge, atitude controladora e oscilações de humor, conduzindo a uma gradual deterioração da funcionalidade do agregado, que terão contribuído para o desgaste relacional e consequente rutura do casal.
26. À data dos factos que deram origem ao presente processo, o arguido integrava o agregado familiar com a esposa, os dois filhos menores e os sogros do arguido. O agregado residia numa habitação própria, com boas condições de habitabilidade, inserida em zona da periferia urbana da cidade Braga.
27. A deterioração da relação conjugal tinha vindo a acentuar-se desde o nascimento e a aposentação do arguido e agravou-se nos últimos dois anos, altura em que os sogros do arguido, de idade avançada e a necessitar de cuidados por parte da ofendida, integraram o agregado, instalando-se um clima de tensão relacional na família, que se agravou ainda mais a partir da altura em que ofendida manifestou a intenção de se divorciar. O arguido terá reagido negativamente, motivando uma comunicação intraconjugal desadequada, com alegados sentimentos de ciúme e desconfiança do arguido relativamente à cônjuge, divergência sobre a divisão de bens e sobretudo sobre a fixação das responsabilidade parentais, quer no que concerne ao regime de visitas aos menores, quer quanto à pensão de alimentos, que segundo a ofendida o arguido não cumpre.
28. O arguido resistiu em abandonar a casa de morada família, só o tendo feito em Janeiro de passado. O arguido fixou-se na morada agora indicada, uma moradia com adequadas condições de habitabilidade propriedade da ofendida.
29. O processo de divórcio está a decorrer, a divisão dos bens comuns do casal e principalmente a regulação das responsabilidades parentais têm constituído uma fonte de conflito entre o casal, sendo sucessivas as divergências e episódios acerca do regime de visitas aos menores, com necessidade, por vezes, da intervenção do OPC local.
30. A intervenção da CPCJ de Braga, desencadeado pelos factos que deram origem aos presentes autos, tem-se revelado infrutífera, face à escassa colaboração do arguido, tendo o processo de promoção e proteção sido remetido para a Instância Central de Braga – Secção de Família e Menores.
31. António J. mostra-se psico-emocionalmente fragilizado, evidencia dificuldades em aceitar a rutura conjugal e o afastamento dos filhos. Encontra-se em acompanhamento em consulta Psiquiatria e Psicologia, encontrando-se efetuar medicação ansiolítica.
32. António J. usufruí de uma pensão de reforma no valor mensal de 555€, que lhe permite assegurar a sua subsistência, embora com um nível de vida mais modesto que anteriormente.
33. O arguido apresenta rotinas centradas na permanência na habitação, prática de pesca desportiva e convívio com amigos pescadores, e visitas aos filhos menores.
34. Convive regularmente com a família de origem, com a filha mais velha e companheiro desta, estrutura familiar que se tem constituído um suporte importante ao arguido.
35. Socialmente é descrito como pessoa normativa, de trato inter-relacional ajustado, embora reservado.
36. Em contexto de entrevista o arguido mostrou-se colaborante com os serviços de Reinserção Social. Como repercussão mais relevante do presente processo, realça o contacto com sistema judicial, na condição de arguido, facto que vivencia com vergonha e angústia e que considera como motivo da fragilidade emocional que tem vivido.
37. Em abstrato, avalia negativamente crimes da natureza idêntica aos que lhe estão imputados, reconhecendo a sua gravidade e ilicitude, e, perceciona adequadamente as consequências deste tipo de condutas para eventuais vítimas. Porém, implicitamente legitima tais comportamentos tendo por base a instabilidade emocional despoletada pelo alegado comportamento de terceiros e/ou da ofendida e pela rutura conjugal, não se revendo nos factos conforme estão descritos na acusação.
38. O arguido mantém um estilo de vida adaptado socialmente.
39. Arguido e ofendida encontram-se separados de facto, desde Janeiro de 2016.
40. A ofendida é educadora de infância, vivenciando actualmente doença oncológica.
41. O arguido não possui antecedentes criminais.

B. Factos não provados: Não existem com relevo para a decisão.

C. Motivação da decisão de facto
O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada em audiência, designadamente:
Nos documentos existentes nos autos, a saber:
- Auto de denúncia de 3-4;
- Assento de nascimento de fls 55;
- Informações de fls 63, 104;
- Auto de apreensão de fls 74-84, 98;
- Auto de exame de fls 85-92;
- Documento de fls 93-97.
- Relatório de exame médico-legal de fls 13-15, tratando-se de prova pericial, subtraída à livre convicção do tribunal, nos termos do artº 163º, nº 1 do CPP, não existindo razões para o tribunal divergir do juízo técnico e científico ali contido.
- Certificado de registo criminal de fls 212;
- Relatório social de fls 240-244.
- O arguido prestou declarações em audiência, negando pura e simplesmente os factos, com excepção do episódio da pretendida deslocação da ofendida à Maia (jardim zoológico), ainda assim dando uma versão mitigada dos factos, sustentando que apenas tinha receio que a ofendida levasse os filhos e tivesse algum acidente, dada a medicação que tomava e pelo facto de ter tido, em data recente, um acidente de viação. No mais, refere que a dinâmica do casal se alterou desde que os sogros vieram integrar o agregado; que lhe custou a aceitar a decisão de por termo ao casamento, por opção da ofendida; e que não partilham habitação desde Janeiro de 2016, por aconselhamento do Tribunal de Menores.
- ..., prestou um depoimento sério, isento (evidenciado, para além do mais, pela oposição ao arbitramento de qualquer indemnização, nas impressivas palavras, “não quero indemnização, quero paz”) e contido, evidenciando também o receio que há muito tempo diz sentir do arguido e, tal como confessou, sobretudo a partir de hoje (dia da audiência), receando reacender atitudes violentas do arguido, pela revelação dos factos que relatou em audiência. O depoimento da ofendida, merecedor de credibilidade, foi ainda conjugado, pelas declarações pela mesma prestadas nos autos, a fls 172-173, cuja leitura foi deferida em audiência, a requerimento da defesa, nos termos documentados na acta de audiência de fls 248-249, por via do qual a ofendida esclareceu de forma cabal um dos episódios mencionados na acusação.
- A testemunha Adelaide N., empregada doméstica do casal e actualmente da ofendida, prestou um depoimento que, apesar de exuberante - revelando clara indignação pelas condutas do arguido por esta relatadas -, demonstrou ter conhecimento da forma como o arguido desprezava e humilhava a ofendida no seu trato pessoal e familiar, no período em apreço, tendo visto a ofendida com marcas físicas de agressão, que a ofendida atribuiu ao marido, facto com que a declarante confrontou o arguido, e os receios por esta relatados, de forma plausível.
- A testemunha Ana B., amiga do casal, chegando a passar férias em conjunto, prestou um depoimento isento, aludindo a atitudes de impaciência e intolerância do arguido e a forma depreciativa com que este tratava, por vezes e nessas circunstâncias, a ofendida, notando a pressão e o stress que esta demonstrava por força disso (esforçando-se por cumprir todas as pretensões), tendo conhecimento, através do acompanhamento, sucessivo que foi fazendo à ofendida e dos desabafos desta, de episódios por esta descritos ao tribunal, tendo ainda visto a marca física da invocada agressão, explicando ainda o impacto dos factos no estado emocional e na saúde da ofendida, que se revelou igualmente credível.
- A testemunha Maria D., colega de trabalho da ofendida, há cerca de 9-10 anos e educadora de infância dos filhos do casal, referiu ter percebido, quer por força do contacto com os menores, quer pelos desabafos da ofendida, os problemas que a ofendida vivenciava em casa, a alteração emocional da mesma, sobretudo nos últimos quatro anos e o agravamento da sua saúde (nomeadamente pelo recrudescimento das crises de “cefaleias em salva”), prestando um depoimento sério e credível.
- A testemunha Alexandre F., empresário e amigo (sobretudo da prática da actividade de caçador) do arguido, abonou a personalidade do arguido, no seu trato social, nunca tendo percebido de qualquer situação anormal entre o casal, até porque nunca conviveu com o casal (algumas vezes a ofendida ia a jantares de caça, que ocorriam uma vez por ano; e apenas foi duas vezes a casa do arguido, “uma questão de entrar e sair”). Da amizade que tem e pelo convívio social que vem mantendo com o arguido, considera o mesmo incapaz de praticar os factos que lhe vêm imputados.
- A testemunha Henrique C., amigo do arguido há cerca de 25 anos, sem contudo manter convívio com o casal, enquanto tal, referiu nunca ter notado qualquer desavença entre ambos, apenas nos últimos tempos o arguido lhe faz desabafos e confidências. Do que conhece do arguido, no seu trato social, não acredita também que o arguido possa ter praticado os factos, os quais naturalmente não pode comprovar nem infirmar.
- A testemunha Ana I., filha mais velha do arguido e pessoa que lhe vem prestando num últimos tempos forte suporte sobretudo afectivo (cfr relatório social) prestou um depoimento amargo, ressabiado e parcial relativamente à ofendida, quer ainda à empregada doméstica, procurando desvalorizar os factos e descredibilizar a ofendida, demonstrando porém não ter convívio assíduo com o casal no período em causa (referiu ter frequentado a casa, após o nascimento dos irmãos, apenas durante o almoço, em períodos em que a ofendida se encontrava ausente) e prestou auxílio aquando do acidente de viação da ofendida na Mealhada.
Do correlacionamento dos meios de prova acima indicados, cientes que o depoimento da ofendida, neste tipo de crimes em que os factos ocorrem na sua maioria no recato do lar, foi possível ao tribunal firmar convicção segura quanto aos factos que acima se deram como provados. Com efeito, tal como se referiu, entendemos que a versão da ofendida se revelou séria, coerente, credível e isenta. Acresce que a versão da ofendida, no que respeita à agressão física relatada, se encontra corroborada pela natureza das lesões comprovadas por relatório médico, prova pericial a que o tribunal se encontra vinculado nos termos do artº 163º, nº 1 do CPP, quer ainda pelos depoimentos conjugados prestados pelas testemunhas Adelaide N., Ana B. e Maria A., não sendo infirmada pela negação dos factos pelo arguido, no intuito de se eximir da sua responsabilidade e das testemunhas arroladas pela defesa, que em concreto não revelaram ter conhecimento directo de qualquer dos factos imputados, não sendo juridicamente relevantes as manifestações de meras convicções pessoais sobre factos (“não acredito”, “não o acho capaz de praticar os factos de que vem acusado”), nos termos do artº 130º, nº 2 do CPP.»
*
I - Quanto à 1ª vertente do recurso - A nulidade da sentença prevista no artigo 379º, nº. 1, al. a), do CPP, com referência ao artigo 374º, nº. 2, do mesmo diploma, por insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e falta de análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Sobre a nulidade da sentença, na parte que para o caso vertente releva, dispõe o artigo 379º, nº. 1, al. a), do CPP: «É nula a sentença: Que não contiver as menções referidas no nº. 2 e na al. b) do nº. 3 do artigo 374º (…)»
E estatui o nº 2 do artigo 374º (Requisitos da sentença): «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 374, nº 2, do CPP, a fundamentação da sentença penal, é constituída por dois grandes segmentos: o primeiro consubstancia-se na enumeração dos factos provados e não provados; e o segundo na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
O exame crítico das provas consiste «na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, na explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada, de molde a «permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, e das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal, bem como assegurando a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova- cfr. Ac. da R.L. de 18/01/2011, proc. 1670/07.4TAFUN-A.L1-5 e Ac. da R.C. de 24/02/2010, proc. 195/02.9GBMTR.C2, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
No caso vertente, analisando a motivação da decisão de facto explanada na sentença recorrida, resulta com evidente clareza e, sem margem para dúvidas, que na mesma surgem indicados os meios de prova, com o exame crítico das provas (designadamente, a enunciação das razões por que foi dada credibilidade às declarações da testemunha/ofendida A...., em detrimento das declarações do arguido), permitindo deduzir, em razão das regras da experiência e de critérios lógicos, qual o processo racional que conduziu o tribunal a quo a proceder à valoração das provas, no sentido em que o fez e a extrair de uma forma lógica e objetiva, o raciocínio que levou o tribunal a quo dar como provados os factos que deu, apreciando a prova segundo o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência, nos termos previstos no artigo 127º do C.P.P.
Na sentença recorrida, na fundamentação da decisão de facto, escreveu-se: O arguido prestou declarações em audiência, negando pura e simplesmente os factos, com excepção do episódio da pretendida deslocação da ofendida à Maia (jardim zoológico), ainda assim dando uma versão mitigada dos factos, sustentando que apenas tinha receio que a ofendida levasse os filhos e tivesse algum acidente, dada a medicação que tomava e pelo facto de ter tido, em data recente, um acidente de viação. (…)
..., prestou um depoimento sério, isento (evidenciado, para além do mais, pela oposição ao arbitramento de qualquer indemnização, nas impressivas palavras, “não quero indemnização, quero paz”) e contido, evidenciando também o receio que há muito tempo diz sentir do arguido e, tal como confessou, sobretudo a partir de hoje (dia da audiência), receando reacender atitudes violentas do arguido, pela revelação dos factos que relatou em audiência. O depoimento da ofendida, merecedor de credibilidade, foi ainda conjugado, pelas declarações pela mesma prestadas nos autos, a fls 172-173, cuja leitura foi deferida em audiência, a requerimento da defesa, nos termos documentados na acta de audiência de fls 248-249, por via do qual a ofendida esclareceu de forma cabal um dos episódios mencionados na acusação.
(…)
Do correlacionamento dos meios de prova acima indicados, cientes que o depoimento da ofendida, neste tipo de crimes em que os factos ocorrem na sua maioria no recato do lar, foi possível ao tribunal firmar convicção segura quanto aos factos que acima se deram como provados. Com efeito, tal como se referiu, entendemos que a versão da ofendida se revelou séria, coerente, credível e isenta. Acresce que a versão da ofendida, no que respeita à agressão física relatada, se encontra corroborada pela natureza das lesões comprovadas por relatório médico, prova pericial a que o tribunal se encontra vinculado nos termos do artº 163º, nº 1 do CPP, quer ainda pelos depoimentos conjugados prestados pelas testemunhas Adelaide N., Ana B. e Maria A., não sendo infirmada pela negação dos factos pelo arguido, no intuito de se eximir da sua responsabilidade e das testemunhas arroladas pela defesa, que em concreto não revelaram ter conhecimento directo de qualquer dos factos imputados, não sendo juridicamente relevantes as manifestações de meras convicções pessoais sobre factos (“não acredito”, “não o acho capaz de praticar os factos de que vem acusado”), nos termos do artº 130º, nº 2 do CPP.»
Dos excertos da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida que se deixam transcritos, resulta evidente que, contrariamente ao sustentado pelo arguido recorrente, o tribunal a quo enunciou os meios de prova e explicitou o exame crítico das provas, que o levaram a valorar o depoimento da testemunha/ofendida A.... e os depoimentos das testemunhas Adelaide N., Ana B. e Maria A. e a não dar credibilidade às declarações do arguido, que negou a prática dos factos (que foram relatados pela testemunha/ofendida A....), assim como a não considerar os depoimentos das testemunhas de defesa, na parte em que se reportaram aos factos imputados ao arguido.
Importa referir, conforme bem faz notar a Srª. Juiz a quo, quando se tratam de factos da natureza daqueles que estão em causa nos presentes autos, ocorrendo, na sua maioria, no recato do lar, não sendo presenciados por terceiros estranhos ao núcleo familiar, que assuma particular relevância, o depoimento do(s) ofendido(s)/vitimas.
E como vem decidindo a jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores, as declarações da(o) ofendida(o) (mesmo que se tenha constituído assistente e/ou seja demandante cível), só por si, podem ser suficientes, para criar a convicção do julgador de que o arguido praticou determinados factos, desde que, na motivação da decisão de facto da sentença recorrida surjam evidenciadas as razões que levaram o julgador a formar a convicção nesse sentido, considerando credível o seu depoimento da(o) ofendida(o). – neste sentido, cfr., entre outros, Ac. da R.C. de 29/04/2015, proc. 27/13.2GCLMG.C1, Ac. da R.G. de 02/05/2016, proc. 92/15.8GAMLG.G1.
Ora, no caso vertente, flui da motivação da decisão de facto, que o depoimento da ofendida, A...., que o prestou, na qualidade de testemunha, foi decisivo para que o tribunal a quo sedimentasse a convicção que o levou a dar como provados os factos que deu, no que concerne aos atos praticados pelo arguido, de que foi vítima (designadamente, o facto, que o arguido recorrente enuncia, a título de exemplo, ocorrido no dia 01/07/2015, pelas 21h:00m), e não existe qualquer obstáculo legal a que tal aconteça, enunciando o tribunal a quo as razões por que o depoimento da testemunha ofendida mereceu credibilidade.
A defesa da solução contrária, conduziria a que, não existindo testemunhas presenciais dos factos, sendo estes cometidos longe do olhar de terceiros, ficassem, automaticamente, isentos de responsabilidade penal, os agentes que os praticassem. Ora, tal seria, como se compreende, inconcebível.
Por último, não poderemos deixar de referir - embora no segmento do recurso ora em apreciação, não se mostre necessário fazer tal ponderação - que se procedeu - o Tribunal da Relação – à audição integral do depoimento da testemunha/ofendida (tal como o fizemos relativamente às declarações do arguido e aos depoimentos das restantes testemunhas), prestado na audiência de julgamento e não descortinamos qualquer elemento objetivo passível de poder abalar a credibilidade desse depoimento, relativamente aos factos que relatou como tendo sido praticados pelo arguido, e que estão em causa nos autos, nos termos em que foi valorado pelo tribunal a quo, no âmbito dos princípios da imediação e da oralidade.
Pelo exposto e sem necessidade de outras considerações, conclui-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade da sentença, por falta de fundamentação, na vertente do exame crítico da prova (cfr. arts. 379º, 1, al. a) e 374º n.º 2, ambos do CPP).
Improcede, assim, este fundamento do recurso.

II – No que concerne à 2ª e 3ª vertente do recurso - impugnação da decisão de facto dada como provada na sentença recorrida - invocação dos vícios da decisão previstos no artigo 410º, nº. 2, al.s a) e c), do C.P.P. - violação do princípio in dúbio pro reo e do disposto no artigo 32º, nº. 2, da CRP
O arguido recorrente sustenta que o tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto provada nos pontos 3 a 16 e invoca os vícios previstos no artigo 410º, nº. 2, do CPP (alegando que existe insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova). Sustenta, ainda, o arguido recorrente, de forma genérica, que foi violado o princípio in dúbio pro reo.
Vejamos:
O recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, pode fazê-lo por duas vias, sendo uma delas, de âmbito mais restrito, invocando os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P.; e a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do C.P.P.
Conforme se refere no Ac. da R.L. de 29/03/2011, citado no Ac. do mesmo Tribunal, de 08/10/2015, proferido no proc. 220/15.3PBAMD.L1-9, acessível no endereço www.dgsi.pt:
«No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº. 2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal.»
«A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]
Em relação ao erro de julgamento por incorreta valoração da prova – por via da impugnação ampla da matéria de facto –, citando o que se escreve no Ac. da R.P. de 30/09/2015, proc. 1223/14.0JAPRT, acessível no endereço www.dgsi.pt, diremos o seguinte:
«Diferentemente do que acontece com a invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, em que temos uma impugnação de âmbito restrito porque o recorrente tem de cingir-se ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, no erro de julgamento a apreciação alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento dos ónus de especificação impostos pelos citados n.º 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal.»
Neste último caso, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, invocando o erro de julgamento, deve cumprir o ónus da tripla especificação, previsto neste nº 3 do artigo 412º do C.P.P., ou seja, deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e;
c) as provas que devem ser renovadas [quando disso for caso].
Tratando-se de provas gravadas, de harmonia com o disposto no nº. 4 do artigo 412º, do C.P.P., as duas primeiras especificações são feitas por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº. 3 do artigo 364º, com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Conforme bem se faz notar no Acórdão da R.P. de 30/09/2015, que vimos citando, neste âmbito, «(…) é um ponto que tem sido sublinhado na jurisprudência dos tribunais superiores e tem merecido geral aceitação: para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta a existência de provas que, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu.»
«(…) “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se”.»
«Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida (…), avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre este ponto, cfr. os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt).»
Relativamente à impugnação da decisão de facto, através da invocação dos vícios previstos no nº. 2 do artigo 410º do C.P.P. dispõe este preceito legal, na parte que, releva para a decisão do caso concreto:
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamentos, desde que o vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) (…);
c) Erro notório na apreciação da prova.»
Em qualquer dessas hipóteses o vício, constituindo um defeito estrutural da decisão, terá de resultar do respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, esta terá que ser, por si só, suficiente/bastante, não se podendo recorrer à prova documentada.
Aqui, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P.) supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por um lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de no liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objetivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objeto do processo, e não na perspetiva subjetiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto”. – cfr., entre outros, Ac. do STJ de 12/3/2015, proc. 40/11.4JAAVR.C2, acessível no endereço www.dgsi.pt.
Por outras palavras, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º, nº. 2, al. a), CPP), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do art. 358º, nº. 1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção.» - idem.
O erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº. 2, al. c), do C.P.P.) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-se resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”. Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se, por um lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da direta e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”
Como é sabido, na busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento funciona a regra básica consagrada no artigo 127º do C.P.P., da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas “exceções”, que se prendem com aspetos particulares das declarações do arguido, da prova testemunhal, e da prova pericial e documental.
A ideia da livre apreciação da prova, “uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material –“ (Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, pág. 139), assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.
Este critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objetiva e crítica da prova produzida, valoração essa que, por isso, não se pode confundir com qualquer “arte de julgar”.
Com efeito, como vem sendo reiteradamente sustentado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a livre apreciação da prova não significa “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova”, nem apreciação subjetiva do julgador.
A propósito da livre apreciação da prova, entende o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111, que a mesma deve ser entendida como “valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”.
Esta valoração da prova, que vai ser obrigatoriamente expressa na fundamentação da sentença (artigos 374º, nº. 2, do C.P.P. e 205º, nº. 1, da CRP), é importante porque constituiu “um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é a garantia de espeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”. – Ac. do TC nº. 281/2005, DR II Série de 6/7/2005, pág. 9844.
Do exposto decorre, por um lado, uma «intima conexão existente entre o princípio da livre apreciação da prova, o princípio da presunção de inocência, o dever de fundamentação das sentenças, o direito ao recurso, e o direito à tutela efectiva.” – Paulo Sragoça da Matta, A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Junho de 2004, pág. 251.
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Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o arguido recorrente, ao impugnar a matéria de facto dado como provada na sentença recorrida, fá-lo de forma pouco clara, aludindo a excertos de depoimentos produzidos, na audiência de julgamento, que, em seu entender, imporiam que os pontos 3 a 16 da matéria de facto provada devessem constar da matéria de facto dada como não provada, ao mesmo tempo que invoca, como fundamento do recurso, os vícios do nº. 2 do artigo 410º, nº. 2, do C.P.P., que constituem, tal como se referiu supra, vícios intrínsecos da sentença.
Neste contexto e com referência a este segmento do recurso ora em apreciação, não obstante a alegação da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (sendo que este vício não se confunde com a insuficiência da prova produzida e valorada em audiência de julgamento para considerar como provados determinados factos) e do “erro notório na apreciação da prova”, o que o recorrente pretende é impugnar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, invocando o erro de julgamento e atacando a apreciação da prova que foi feita pelo julgador.
Cumpre salientar que, neste âmbito, o erro de julgamento, reportado à previsão do artigo 412º, nº. 3, do C.P.P., ocorrerá quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado como não provado ou quando se deu como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado. Nesta situação de erro de julgamento, no caso de o recorrente ter cumprido o ónus de especificação estabelecido nos nº.s 3 e 4 do artigo 412º, haverá lugar à reapreciação, pelo Tribunal da Relação, das provas gravadas em 1ª instância.
Mas a invocação do erro de julgamento, nos termos sobreditos, não pode ser confundida, como, frequentemente, vem acontecendo e que, in casu, o recorrente também evidencia, na motivações e conclusões do recurso aqui em apreciação, com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP.
Vejamos, então:
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo andou muito mal, ao valorar os depoimentos das testemunhas de acusação Adelaide N., Ana B. e Maria A. (alegando que nenhuma delas teve conhecimento direto dos factos) e ao desconsiderar as declarações do arguido e o depoimento das testemunhas de defesa, em violação do princípio in dúbio pro reo e do disposto no artigo 32º, nº. 2, da CRP, o que, no entender, do recorrente determinou que o tribunal a quo desse como provados os factos dos pontos 3 a 16, quando os mesmos deveriam ter sido dados como não provados.
Lida a motivação da decisão de facto consignada na sentença recorrida, resulta evidente que, contrariamente ao que parece ser o entendimento do recorrente, em momento algum, o tribunal a quo considerou que os depoimentos das testemunhas Adelaide N., Ana B. e Maria A., individualmente ou conjugados entre si, desacompanhados do depoimento da testemunha/ofendida A...., fossem determinantes para que sedimentasse a convicção acerca da ocorrência dos factos praticados pelo arguido que veio a dar como provados sob os pontos 3 a 11 e as consequências deles resultantes descritas na matéria factual dada como provada nos pontos 11, 13 e 14. O que flui, inequivocamente, da motivação da decisão de facto, é que o que foi determinante para que o tribunal a quo desse como provados os mencionados factos foi o depoimento da testemunha/ofendida A...., no relato que fez reportando-se aos mesmos e que, pelas razões que o tribunal a quo explicitou, mereceu credibilidade, sendo os depoimentos das testemunhas Adelaide N., Ana B. e Maria A., valorados, em conjugação com o depoimento da testemunha/ofendida A...., não por terem presenciado os atos praticados pelo arguido, mas por revelarem conhecimento direto de determinados aspetos da vivência do casal, por terem presenciado determinadas atitudes adotadas pelo arguido em relação à ofendida, em momentos em que privaram como casal, e/ou por terem percecionado, no corpo da ofendida, marcas físicas compatíveis com resultado de agressão e/ou por terem constatado o estado emocional que a ofendida evidenciada, tudo conforme foi explicitado na motivação da decisão de facto.
Ora, em relação ao depoimento da testemunha/ofendida A...., que, o tribunal a quo, pelos motivos que explanou na motivação da decisão de facto, considerou credível, não se vislumbra, após a audição integral do mesmo depoimento que efetuamos, existirem quaisquer razões, no plano objetivo, para não afirmar, positivamente, a credibilidade que o tribunal a quo lhe deu. Na verdade, quer as declarações do arguido (que negou a prática dos factos e no referente ao episódio da viagem ao jardim zoológico da Maia, apresentou uma versão de desculpabilização da atitude adotada para com a ofendida, sua mulher), quer os depoimentos das testemunhas de defesa, Alexandre J., Augusto C. e Ana Isabel B., a cuja audição procedemos, em nada abalam o depoimento da testemunha/ofendida A...., nem das testemunhas de acusação Cristina C., Paula A. e Maria D..
Por outro lado, no referente à matéria do ponto 4 dos factos provados, contrariamente ao defendido pelo arguido recorrente, não se descortina a existência de qualquer contradição entre o depoimento prestado pela testemunha/ofendida A...., na audiência de julgamento e as declarações que prestou, em sede de inquérito, perante o Mº.Pº., a fls. 172 e 173, a cuja leitura, a requerimento da defesa do arguido, se procedeu na audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 247 a 251), sendo que, nas primeiras declarações, a testemunha/ofendida afirmou não se recordar do episódio ocorrido no principio do ano 2014, referindo ter sido esse o “momento em que passou a dormir com o filho” e, na audiência de julgamento, evidenciando sofrimento em recordar esse acontecimento, aludiu ao mesmo, afirmando não se recordar do que o despoletou e relatando que o arguido, nessa ocasião, lhe disse: “não entras mais no quarto e não dormes mais comigo!”. Acresce que a testemunha/ofendida A...., respondeu às questões que, na audiência de julgamento, lhe foram colocadas a esse propósito, pela defesa do arguido, afirmando recordar-se do episódio em questão, ainda que, evidenciando ser causa o mesmo causa de grande sofrimento emocional, referisse não ter presente o que aconteceu imediatamente antes do arguido ter tomado aquela atitude, de a proibir de entrar no quarto do casal e de dormir com ele.
Relativamente à questão invocada pelo recorrente que se prende com a violação do princípio in dubio pro reo e do disposto no artigo 32º, nº. 2, da Constituição da República Portuguesa – que dispõe, na parte que aqui releva, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação -, importa referir o seguinte:
O princípio in dúbio pro reo, que é decorrência do princípio constitucional consagrado no artigo 32º, nº. 2 da CRP, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, que resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido.
E como vem frisado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito do princípio in dúbio pro reo se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido - cfr. entre outros, Ac. da RG de 16/11/2015, proc. 599/14.4GAFAF.G1, Ac. da RE de 02/02/2016, proc. 114/13.7TARMR.E1 e Ac. da R.C. de 03/06/2015, proc. 12/14.7GBRST.C1, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
A violação do princípio in dúbio pro reo, pressupõe, assim, um estado de dúvida no espirito do julgador e a sua existência só pode ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, resultar, de forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Ora, no caso vertente, lendo a motivação da matéria de facto exarada na sentença recorrida constata-se que o julgador não ficou com qualquer dúvida em relação à prova dos factos que deu como assentes, terem sido praticados pelo arguido.
Destarte, forçoso é concluir não existir, por parte do tribunal a quo, a violação do princípio in dúbio pro reo nem do disposto no artigo 32º, nº. 2, da CRP.
Perante todo o exposto e em conformidade, atendendo (1) ao depoimento da testemunha/ofendida A...., que o tribunal a quo considerou credível, sem que existam razões para pôr em causa a atribuição dessa credibilidade - fazendo-se notar que, como vem sendo decidido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, em relação a esse juízo de credibilidade, formulado pelo julgador da 1ª instância, assentando na imediação e na oralidade, tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum -, em conjugação com a demais prova produzida, testemunhal, documental e pericial e respetiva apreciação crítica, nos termos explicitados pelo tribunal a quo na motivação da decisão de facto da sentença recorrida; (2) Sendo as regras da experiência comum e da normalidade da vida decisivas para prova da factologia vertida nos pontos 12, 15 e 16 - atinente ao dolo do arguido, que, enquanto elemento subjetivo, o julgador, entrando em linha de conta com aquelas regras, terá de apreender do contexto da ação desenvolvida pelo agente, extraindo a intenção por ele revelada e subjacente à mesma -; (3) resultando inequívoco, da leitura da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, não haver qualquer fundamento para poder afirmar que houve violação, pelo tribunal a quo, do princípio in dúbio pro reo, concluímos não se verificarem os vícios invocados pelo recorrente em relação à sentença recorrida, estando afastada, quer a existência de erro de julgamento da matéria de facto, quer a violação do princípio in dúbio pro reo, não merecendo, por isso, qualquer censura a decisão do tribunal a quo ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 3 a 16.
Improcede, por conseguinte, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se os factos provados sob os pontos 3 a 16 nos termos que constam da sentença recorrida.
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Mantendo-se inalterada a matéria de facto provada fixada na 1ª instância, dúvidas não existem de que a conduta do arguido para com a ofendida, que resultou apurada, preenche objetiva e subjetivamente, o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs. 1 e 2, do C.P., tal com se considerou na sentença recorrida.

III – O último segmento do recurso prende-se com a condenação do arguido nas penas acessórias de proibição de contato com a vítima e de proibição de uso e porte de armas.
Sustenta o arguido recorrente que a aplicação das duas penas acessórias na sentença recorrida carece de fundamentação, não sendo consequência direta da condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica.
Acresce que o período por que tais penas acessórias foram aplicadas é excessivo, desproporcional e injustificado, não podendo deixar de ser ponderado:
- Em relação à pena acessória de proibição de contato com a vítima, pelo período de 2 anos, que o arguido tem dois filhos, menores, fruto do casamento com a ofendida e para tratar de assuntos relacionados com os menores, o arguido tem obrigatoriamente de contatar com a ofendida, caso contrário, não pode cumprir o acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado entre ambos.
- No que concerne à pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de um ano, o arguido sendo possuidor de armas, ao longo dos 10 anos, em que alegadamente praticou os factos contra a ofendida, nunca usou armas para esse efeito e não se encontra justificação para que venha a praticar novos factos com o uso de armas, além de que o arguido sempre se mostrou muito cuidadoso no uso e acondicionamento das armas de caça.
Pugna o arguido para que, no caso de se manter, a condenação na pena acessória de que se trata, seja descontado o tempo de apreensão já decorrido, ou seja, o tempo decorrido entre apreensão das armas (29/07/2015) e o trânsito em julgado da sentença.
Apreciando e decidindo:
Na sentença recorrida, em relação às penas acessórias, escreveu-se:
«Das penas acessórias
Preceitua o artº 152º, nº 4 do Código Penal, que nos casos previstos nos números anteriores podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos e a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
A referida proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência desta ou do local de trabalho da ofendida e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (nº 5 do artº 152º do Código Penal).
No caso concreto, atendendo à personalidade do arguido e havendo necessidade de consolidar o efectivo distanciamento (físico e emocional) entre arguido e ofendida, entendemos justificar-se a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de dois anos, a fim de prevenir a prática de novos ilícitos, favorecendo também o cumprimento do regime probatório fixado e restaurando, de forma eficaz, a segurança e tranquilidade da vítima e a sua auto-estima.
Pelas mesmas razões e atendendo à natureza das ameaças apuradas nos autos, mormente a verificada em Agosto de 2015, após a apreensão das armas de caça do arguido, mostra-se ainda adequado decretar a proibição de uso e porte de armas, pelo período de um ano, bem assim impor ao arguido a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, em articulação, com o regime de prova determinado. (…)»
De harmonia com o disposto no artigo 65º nº 1 do Cód. Penal “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.
E tal como é salientando pelo arguido recorrente e vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência (vide, entre outros, Cristina Augusto Teixeira Cardoso, A violência doméstica e as penas acessórias, Universidade Católica, Porto, 2012 e Ac. da R.P. de 01/02/2012, proc. 170/10.0PBLMG, acessível no endereço www.dgsi.pt), apesar da aplicação de uma pena acessória pressupor a condenação numa pena principal, não se basta com esta, pois a sua aplicação depende do preenchimento de diferentes requisitos, relacionados com a execução do crime, com a culpa do agente, sendo que nem todas as situações reclamam a aplicação destas penas, mas apenas os casos mais graves.
Á aplicação de uma pena acessória, tal como como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da sanção acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
Revertendo ao caso sub judice, contrariamente ao sustentado pelo recorrente o tribunal a quo fundamentou, nos termos que resultam do excerto da sentença recorrida que se transcreveu supra, a aplicação das penas acessórias da proibição de contatos com a ofendida e a de proibição de uso e porte de arma.
Em relação ao período fixado para cada uma das duas penas acessórias aplicadas ao arguido ora recorrente, considerando, os critérios a atender na determinação da respetiva medida concreta, que foram ponderados na determinação da medida concreta da pena principal e que aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais [designadamente, tendo em conta o grau de culpa do arguido, agindo com dolo, na modalidade de dolo direto e as necessidades de prevenção geral e especial que fazem sentir, consignando-se na sentença recorrida que as primeiras são elevadas «dada a elevada incidência do crime de violência doméstica, fenómeno social transversal em todos os estratos sociais»; e que as últimas «não são de descurar (…), pelo risco de cometimento de novos ilícitos, dadas as questões pendentes relativas ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores e do divórcio em curso, embora o arguido e a ofendida se encontrem separados de facto, propiciando algum distanciamento pessoal entre ambos». A favor do arguido pondera-se a ausência de antecedentes criminais, mostrando.se socialmente inserido], entendemos mostra-se ajustado, adequado e proporcional, pelo que, não nos merece censura, mantendo-se o decidido na 1ª Instância.
Acerca da questão suscitada pelo recorrente, de que a proibição de contato com a ofendida será impeditiva do cumprimento do acordo da regulação das responsabilidades parentais, em relação aos seus dois filhos menores, que atualmente têm 11 anos de idade, entendemos que, ainda que possa surgir algumas dificuldades na articulação entre um e outro dos regimes, a mencionada pena acessória não se configura como um obstáculo a que possa ser cumprido o regime fixado na regulação das responsabilidades parentais, podendo coexistir, sendo necessário que nesta última, designadamente, no que respeita ao regime de visitas do arguido aos filhos, se leve em linha de conta que ao arguido foi aplicada, no âmbito do presente processo criminal, a pena acessória de proibição de contato com a vítima.
Por último, quanto ao período de duração da pena acessória de uso e porte de arma, fixado em um ano na sentença recorrida, defendemos a posição de que o mesmo se inicia com o trânsito em julgado da sentença, não havendo lugar ao desconto do período que decorreu desde a apreensão das armas até à ocorrência daquele trânsito (tendo as armas sido apreendidas no âmbito do presente processo, trata-se aqui de uma situação diferente, daquele que se verifica, por exemplo, em relação à pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, em que o arguido, voluntariamente, procede à entrega da carta de condução em momento anterior ao do trânsito em julgado da decisão condenatória, decidindo, neste caso, a R.C., no Ac. de 24/06/2015, proferido no proc. 137/14.9GAAVZ.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt, no sentido de o período de duração da pena acessória se iniciar a partir do preciso momento da entrega/recebimento do referido documento).
Nesta conformidade, improcede, também, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

III - DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC´s.



Notifique.

Guimarães, 10 de Outubro de 2016